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quinta-feira, 7 de maio de 2020

O Brasil dos brasilianistas: livro disponível - Paulo R. Almeida, Marshall C. Eakin, Rubens A. Barbosa

Acabo de reformatar este livro, já fora do mercado: 





O Brasil dos Brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-2000 


Organizadores: Rubens Antônio Barbosa, Marshall C. Eakin e Paulo Roberto de Almeida (São Paulo: Paz e Terra, 2002, 514 p.; ISBN: 85-219-0441-X)


Brasília, 7 maio 2020, 455 p. Reformatação da edição comercial, fora do mercado, para fins de divulgação nas redes sociais. 








Perfil dos autores        10

Apresentação
Os estudos brasileiros nos Estados Unidos: um projeto em desenvolvimento   14
Rubens Antônio Barbosa 

Introdução
1. Uma certa ideia do Brasil: as afinidades eletivas dos brasilianistas   18
     Marshall C. Eakin e Paulo Roberto de Almeida

Primeira Parte
Desenvolvimento geral dos estudos brasileiros nos Estados Unidos
2.    Tendências e perspectivas dos estudos brasileiros nos Estados Unidos   28
    Paulo Roberto de Almeida 
3.    Pesquisas: fontes e materiais de arquivos, instituições relevantes, abordagens 51
        Robert M. Levine
4.    Ensinando o Brasil: uma revisão dos programas sobre o país nos Estados Unidos  74
        Theodore R. Young

Segunda Parte
Pesquisa disciplinar e produção seletiva publicada, 1945-2000
5.    A língua portuguesa falada no Brasil e os estudos linguísticos nos Estados Unidos: euforia e desânimo 93
        Carmen Chaves Tesser
6.    Literatura, cultura & civilização: estudos do Brasil nos Estados Unidos: levantamento histórico e avaliação     114
          K. David Jackson
7.    Artes e Música    140
        José Neistein
8.    História do Brasil nos Estados Unidos, 1945-2000     178
       Judy Bieber
9.    Antropologia (Etnologia amazônica)   210
        Janet M. Chernela
10. O sistema econômico brasileiro visto pela ótica norte-americana    241
          Werner Baer e Roberto Guimarães
11. Ciência política e sociologia     264
        Marshall C. Eakin
12. Relações internacionais    288
       Scott D. Tollefson
13. Estudos geográficos do Brasil nos Estados Unidos e no Canadá: tendências e perspectivas, 1945-2000   310
      Cyrus B. Dawsey III
14. Brasiliana nos Estados Unidos: fontes de referência e documentação   347
     Ann Hartness 

Terceira Parte
Informação sobre a produção acadêmica brasilianista, 1945-2001
15. Uma cronologia das relações Brasil-EUA e da produção acadêmica,
       1945-2001     380
       Paulo Roberto de Almeida
16. A contribuição britânica para estudo do Brasil       395
       Leslie Bethell
17. Desenvolvimento comparado do estudo do Brasil nos Estados Unidos 
       e na França       418
       Edward A. Riedinger
18. Bibliografia seletiva da produção editada ou publicada nos EUA 
       sobre o Brasil     435
       Paulo Roberto de Almeida

Apêndice
Notas sobre os comentaristas dos capítulos      454





Disponível nas plataformas Academia.edu 
link: 
https://www.academia.edu/42973774/O_Brasil_dos_Brasilianistas_um_guia_dos_estudos_sobre_o_Brasil_nos_Estados_Unidos_1945-2000_2002_

e Research Gate 
link:
https://www.researchgate.net/publication/341220241_O_Brasil_dos_Brasilianistas_um_guia_dos_estudos_sobre_o_Brasil_nos_Estados_Unidos_1945-2000


Urânio, terras raras e radioisótopos - Rubens Barbosa (OESP)

URÂNIO, TERRAS RARAS E RADIOISÓTOPOS

Rubens Barbosa
O Estado de São Paulo, 28/04/2020

Há um ano atrás, em seu discurso de posse, o ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, disse que o atual governo pretende “estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com o mercado sobre o programa nuclear, fonte estratégica da matriz energética brasileira. O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio em nosso território”.
Na pós pandemia, a redução das vulnerabilidades nacionais vai ser um dos desafios para o governo. Levando em conta as novas circunstâncias globais e a necessidade de o Brasil ter capacidade de assegurar suprimento de suas necessidades essenciais com base na produção local, além da manutenção da política que permita o monitoramento de materiais nucleares, torna-se urgente que sua exploração e comercialização sejam privatizadas.
Dada as características estratégicas da utilização desses minérios, seria importante associar o setor privado aos trabalhos da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal responsável pela política de lavra e comercialização do uranio e das terras raras. As restrições orçamentárias, agravadas com o esforço de reconstrução do país, certamente vão continuar a afetar a capacidade de investimento da empresa estatal. A perspectiva de aumento da produção deles será facilitada pela eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de consórcio entre a INB e empresas privadas. Existe uma série de situações intermediárias onde a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisaria passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação. 
A recessão global pós COVID 19 pode abrir uma janela de oportunidades. A retomada da economia global e o gradual retorno do mercado externo representarão incentivos para o investimento privado. O Brasil possui a segunda maior reserva global de terras raras, considerado mineral estratégico, e a sexta maior em Urânio, embora ainda o importemos para o abastecimento das duas usinas nucleares em funcionamento. Além desse minério, a demanda global por terras raras para diversificar as fontes de seu suprimento coloca o Brasil em posição privilegiada, não só para atrair novas tecnologias, como também para participar de um promissor mercado externo para o urânio enriquecido. O interesse externo sobre as reservas brasileiras é grande. Impõe-se a aprovação de regras claras de longo prazo que defendam o interesse nacional e possam atrair investimento para a exploração dessa riqueza.
            Outro setor que merece o idêntico interesse é o da utilização da tecnologia nuclear na saúde.  A especialidade denominada de Medicina Nuclear, responsável por milhares de diagnósticos que mudam a perspectiva e a conduta clínica de pacientes oncológicos, cardiológicos e mesmo neurológicos e que recentemente começou a dar importante contribuição no tratamento de pacientes oncológicos, com soluções mais adequadas para os casos de metástase do cancer de próstata, por exemplo. A produção e a comercialização de uma série de radioisótopos essenciais à medicina nuclear continuam sob o monopólio da União e sob dois órgãos, o IPEN e o IEN, autorizados a produzir para uso médico todos os demais radioisótopos. O ideal seria universalizar a oferta dos procedimentos da medicina nuclear de forma a permitir que agentes privados possam produzir e comercializar os radioisótopos de uso médico, com o controle da CNEN.
O Congresso deveria examinar com urgência a flexibilização do monopólio para a produção de radio fármacos. A Constituição prevê no artigo 21, XXIII, b) a autorização para a comercialização e utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais. A produção e o desenvolvimento de radio fármacos no Brasil está longe de atender adequada e rapidamente a medicina nuclear com prejuízo da população, seja na distribuição, seja na oferta de novos produtos. A flexibilização do monopólio, entre outras vantagens e benefícios, favorece maior desenvolvimento de novos radio fármacos, resolve o conflito de atribuições da CNEN que vem historicamente questionando a questão da produção x fiscalização e permite a participação de empresa internacional como supridora regular do 99Mo e outros radio fármacos. O Brasil pode se transformar num fornecedor importante desses insumos médicos no mercado global.
O governo Brasileiro constituiu o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, que, entre outras funções, deve analisar a conveniência de flexibilizar o monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares, coordenado pelo MME e ainda na produção de radio fármacos, coordenado pelo ministério da Ciência e Tecnologia, conforme previsto na PEC 517/2010.


Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 25 de março de 2020

O Impacto geopolítico do coronavirus - Rubens Barbosa

O IMPACTO GEOPOLÍTICO DO CORONAVIRUS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 24/03/2020

            A epidemia do coronavirus – a pior dos últimos cem anos – terá profundas consequências sobre um mundo globalizado, sem lideranças alinhadas e pouco solidários entre si. O impacto econômico e social vai ser profundo, com o  custo recaindo nos mais pobres, fracos e idosos e em países menos preparados e desenvolvidos.
            Os efeitos sobre os países e sobre a economia global estão sendo sentidos e deverão se agravar antes de melhorar.
            Como a geopolítica global poderá ficar afetada pela epidemia? O que poderá mudar no cenário global?
            Duas observações iniciais. A crise atual mostrou que as fronteiras nacionais desapareceram com as facilidades do transporte aéreo e o imediatismo das comunicações. E que as políticas econômicas domésticas estão intimamente influenciadas pelo que ocorre no resto do mundo. Nenhum pais ou continente é uma ilha. Por outro lado, a extensão e a repercussão da crise, em larga medida, deriva do peso da China na economia global. No inicio da década, quando ocorreu a SARS, o pais representava 4% da economia global, hoje representa 17%. A China é a segunda economia mundial, o maior importador e exportador do mundo e, para culminar, se transformou em um centro de suprimento de produtos industriais para as cadeias globais de valor.  
            Quais as consequências na relação entre os EUA e a China, as duas superpotências atuais? Nos últimos anos, cresceu a competição entre os dois países pela hegemonia global no século XXI. Os EUA, ao se isolarem e ampliarem ações confrontacionistas, protecionistas, nacionalistas e xenófobas, dificultam a interdependência entre os países como ocorre com a globalização. Enquanto os EUA apontam a China como adversária estratégica e criticam o governo pela condução da epidemia (vírus chinês), Beijing, ao invés de fechar as fronteiras como fez Washington, favorece a abertura e a ampliação do comércio externo e manda médicos e equipamentos para a Itália, Espanha e Brasil a fim de ajudar a combater o coronavirus. A guerra fria econômica, a nova fase da confrontação, evidencia-se pela iniciativa chinesa da Rota da Seda, pela competição nas redes 5G, e por conflitos sobre propriedade intelectual e inovações tecnológicas. A pandemia poderá também ter um efeito relevante no cenário interno dos dois países com consequências geopolíticas. Xi Jim Ping disse que caso a epidemia se prolongasse haveria o risco de estabilidade econômica e social no país. A maneira como, de início, Trump conduziu a crise epidêmica em seu país foi muito criticada e sua popularidade caiu. As prévias do partido Democrata veem definindo Joe Biden como o candidato contra Trump com o apoio do centro moderado. Caso essa tendência se firme, pela primeira vez seria possível pensar numa derrota do atual presidente. O resultado da eleição em novembro poderá ter efeitos importantes sobre a geopolítica global caso haja uma mudança da atitude do governo de Washington em relação ao mundo.
            Outra questão é como países e empresas reagirão para reduzir sua dependência do mercado e da produção de partes e componentes chineses nas cadeias produtivas. A tendência poderá ser uma gradual redução dessa dependência e alguns países mais preparados e organizados, como o Vietnã e alguns outros países asiáticos, poderão sair ganhando com investimentos para substituir a China. A médio prazo, a projeção externa das grandes economias vai depender de sua base produtiva nacional e de sua competitividade.
A estabilidade politica e econômica global poderá ser significativamente afetada pela vigilância biométrica, que poderá vir a ser implantada para evitar epidemias futuras. A preocupação com a saúde poderá levar à invasão da privacidade, com possíveis reflexos em políticas totalitárias. Quanto à dramática queda do crescimento dos EUA e da China, as projeções apontam para uma redução nos EUA de 4% no primeiro trimestre e 14% no segundo. Para a China, as estimativas de crescimento não são maiores de 3,5% para 2020. Caso os EUA entrem em recessão e as projeções sobre a China se confirmem, não se pode afastar a possibilidade de recessão e, no pior cenário, de uma depressão, talvez mais dramática do que a de 1929, por não ficar limitada ao setor financeiro. Como os países emergentes, produtores agrícolas, sairão de um cenário tão dramático como esse?
            A Europa está debilitada pela saída do Reino Unido e viu a situação humanitária, social e econômica agravada pela crise em alguns países, como a Itália e a Espanha. Em um cenário dramático como o atual, é possível prever que o continente sairá com seu poder relativo diminuído.
            O Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, terá que se ajustar rapidamente à nova geopolítica global, sob pena de perder mais uma vez a oportunidade de projetar-se como uma potência média em ascensão.
            Em outros momentos da história, movimentos tectônicos transformaram o equilíbrio de poder entre as nações e os rumos da economia. O mundo  pós-coronavirus deverá emergir com novas prioridades e com um novo cenário  geopolítico, com a Asia – em especial a China –melhor posicionada para ocupar um crescente espaço politico e econômico.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 10 de março de 2020

5G DECISÃO ESTRATÉGICA - Rubens Barbosa (OESP)

5G DECISÃO ESTRATÉGICA

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 10/03/2020

Em 2020, o governo brasileiro deverá tomar decisão altamente estratégica com profunda repercussão na vida das pessoas e no setor produtivo. Na área tecnológica, colocará o país no caminho de interesses conflitantes dos EUA e da China. Refiro-me à licitação da rede 5G para todo o pais e à participação da empresa chinês Huawey, que dispõe de equipamentos de alta qualidade e de baixo custo, quando comparados com a Ericson e a Nokia.
Na disputa geopolítica, a emergência da China como uma potência econômica, comercial e tecnológica nos últimos 25 anos, fez com que se acirrasse a disputa com os EUA pela hegemonia global no século XXI.
Visando a afastar a concorrência da empresa chinesa mais avançada do que as ocidentais, os EUA invocam questões de segurança das redes 5G da Huawey, que poderiam colocar em risco os sistemas de inteligência dos países. Essas alegações ocorrem no momento em que a própria CIA divulga informações sobre a Crypto, empresa suíça que os EUA utilizaram com esses mesmos objetivos durante décadas durante a guerra fria, inclusive no Brasil. 
Apesar da oposição de Washington, a União Europeia decidiu não barrar a Huawey. Reino Unido (com restrições na participação em áreas sensíveis), Alemanha e India aprovaram os testes e contratos com a empresa chinesa. Apenas Japão, Austrália e Nova Zelândia, membros do grupo “Five Eyes” de inteligência, com Washington e Londres, cederam à pressão dos EUA e proibiram a entrada da companhia chinesa. O governo norte-americano intensificou o lobby contra a entrada da companhia chinesa também no mercado brasileiro. Donald Trump conversou com o presidente Bolsonaro sobre o assunto, o Secretário de Comércio, Wilbur Ross, disse publicamente que o assunto é do conhecimento das autoridades brasileiras e reiterou que a vulnerabilidade das redes 5G pode afetar o sistema de segurança dos países e a cooperação com os EUA. Na mesma linha, subsecretário para Comunicações do governo norte-americano e representantes do Comitê de Investimento Estrangeiro (CFIUS) alertaram as autoridades em Brasilia que os EUA poderão reavaliar o compartilhamento de informações nas áreas de inteligência e de defesa, caso se opte pela empresa chinesa para atuar na rede móvel 5G no Brasil. 
Recentemente, foram dados passos concretos para permitir a realização da licitação. O governo estabeleceu as diretrizes para o leilão da quinta geração da tecnologia de telefonia móvel com ampliação da oferta. O edital da ANATEL não impôs qualquer restrição à tecnologia 5G da Huawey.
Segundo estudo da Boston Consulting Group, para cada 1% de aumento da penetração da banda larga, o PIB brasileiro cresceria 0,7%.
A empresa chinesa está instalada no Brasil há mais de 20 anos. Segundo conversa mantidas com dirigentes das operadoras de comunicação brasileiras, a empresa chinesa tem hoje uma forte presença no mercado brasileiro e uma mudança de tecnologia causaria muitas dificuldades para o setor. A presença da Huawei no nordeste é crescente e se desenvolve através do Consórcio do Nordeste.
Durante recente visita a China, o presidente Bolsonaro disse que aguardaria a melhor oferta no leilão e ouviu a promessa de o Brasil receber investimentos na área de tecnologia da informação. O Vice-Presidente Mourão observou que nosso pais não tem receios em relação `a segurança e que o Brasil não vetaria a participação da Huawei. O ministro Marcos Pontes afirmou que não haverá nenhum tipo de barreira `a empresa chinesa. O Itamaraty estaria se opondo para não se contrapor a Trump. No jantar em Mar-a-Lago, no sábado, na Florida, Trump deve novamente ter feito pressão junto a Bolsonaro para o Brasil não aceitar a participação da Huawey.
A licitação da Anatel deveria ser mantida para 2020 e efetivada logo que possível. O adiamento para 2021 não mudará o dilema do governo brasileiro. O atraso na decisão tornará mais demorada a incorporação das novas tecnologias de inteligência artificial e internet das coisas, por exemplo, para a modernização da indústria brasileira. Segundo estudos da Fiesp, apenas 1,3% das indústrias podem ser consideradas como 4.0, o que demonstra nosso atraso tecnológico nesse setor.
Dificilmente os EUA retaliarão o Brasil pela decisão que for tomada. Diferente do Reino Unido e da Alemanha, o Brasil não participa de qualquer rede de inteligência e não tem acesso a informações privilegiadas dos EUA. Por outro lado, o Brasil poderá ser afetado, caso a China decida reorientar suas importações de produtos agrícolas nacionais.
Dada a importância da tecnológica 5G para economias emergentes, como a do Brasil, o governo não pode deixar de examinar essa questão do exclusivo ponto de vista do interesse nacional e com visão estratégica de médio e longo prazo. A aproximação com Trump e a visão ideológica não deveriam influir em uma decisão que afetará o futuro do país.
A disputa EUA-China colocará o Brasil em outros dilemas no futuro e a melhor atitude seria, desde o início, manter uma posição de equidistância das duas superpotências e colocar os interesses brasileiros em primeiro lugar.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Novos ventos no Planalto (?) - Rubens Barbosa

Os ventos sopram para todos os lados, inclusive movendo aquelas birutas de aeroporto, que possuem uma incrível semelhança com o quê mesmo? 
Paulo Roberto de Almeida

NOVOS VENTOS NO PLANALTO

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/022020 

Os ventos no Palácio do Planalto poderão mudar com a nomeação do general Braga Neto para a chefia da Casa Civil e do Almirante Flavio Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
A Casa Civil, que deve coordenar todas as ações do governo federal, sai fortalecida e tem o potencial de transformar a maneira como o Executivo lida com o Legislativo e o Judiciário.  Com uma reviravolta nas atribuições ministeriais, a SAE passa a ter a responsabilidade da elaboração de subsídios para a formulação do planejamento estratégico e de ações externas de governo
A SAE, agora vinculada diretamente ao presidente da República, foi significativamente fortalecida. As atribuições da Assessoria Internacional passam para a SAE que deverá assistir o Presidente da República no desempenho de suas atribuições e, especialmente, na realização de estudos e contatos por ele determinados em assuntos que subsidiem a coordenação de ações com organizações estrangeiras; assistir o Presidente da República, em articulação com o Gabinete Pessoal do Presidente da República, na preparação de material de informação e de apoio, de encontros e audiências com autoridades e personalidades estrangeiras; preparar a correspondência do Presidente da República com autoridades e personalidades estrangeiras; participar, em articulação com os demais órgãos competentes, do planejamento, da preparação e da execução das viagens internacionais do Presidente da República; e encaminhar e processar as proposições e os expedientes da área diplomática, em tramitação na Presidência da República. O assessor internacional, Felipe Martins, passa a ser subordinado do secretário da SAE, o Almirante Flavio Rocha.
            A recomposição do equilíbrio de poder no Planalto enfraquece a influência do grupo ideológico e familiar. Será interessante acompanhar a reação do núcleo olavista palaciano à decisão presidencial. A mudança de cadeiras tem o potencial de facilitar a busca de maior racionalidade e de resultados para as iniciativas na área internacional, além do relacionamento com o Congresso e o Judiciário, sujeitos a fortes turbulências na semana passada. 
           Cabe ressaltar a volta dos militares ao centro do processo decisório do atual governo. Logo depois da posse, houve a ocupação de um importante espaço por militares, que exerceram um papel moderador.  Depois de um período de baixa visibilidade, o retorno dos oficiais generais, três deles da ativa, desperta a expectativa de que algumas ênfases deverão mudar. Se a eles se acrescentar o papel do Vice-Presidente como coordenador do Conselho da Amazônia, tem-se a extensão do poder e da influência da militarização do Planalto. A Instituição, contudo, procura se manter independente das ações do governo como um todo.
            E de se esperar também, um discurso mais conciliador com o Congresso e o Judiciário e uma ação menos ideológica do Itamaraty na política externa. O interesse nacional acima da pregação ideológica.  Isso não significa que a retórica do atual governo vai mudar. Ela deve continuar para alcançar objetivos políticos internos do interesse presidencial, mas é possível especular que foram criadas condições para que o governo possa desenvolver políticas internas e externas mais pragmáticas com visão de médio e longo prazo.
            Os mais de dez militares, nas funções públicas que ocupam atualmente, tem reiterado suas convicções democráticas, apesar de alguns excessos retóricos, e atuam acima de interesses clientelísticos ou partidários, como vimos nesse primeiro ano de governo.        
Resta saber como a alta assessoria militar do presidente vai enfrentar os desafios a que está sendo submetida.
A coordenação com o Congresso no encaminhamento, discussão e votação das reformas tributária e administrativa e as políticas a serem aprovadas em âmbito federal no Conselho da Amazônia serão talvez os desafios mais importantes do grupo militar. A política ambiental e as ações na Amazônia tendo em vista a mudança no cenário internacional e a vinculação de empréstimos e investimentos e de boicote de consumidores a políticas de desenvolvimento sustentável, deverão estar no centro das preocupações do Planalto nos próximos anos. Inclusive pela necessidade de convencimento de alguns governos e parlamentos europeus para a ratificação do acordo do Mercosul com a União Europeia. 
Na área externa, pelos efeitos internos e externos imediatos, podem ser lembradas as tratativas com o novo governo da Argentina, em especial, no comércio exterior e no processo de integração regional; com Israel, no tocante à mudança da embaixada para Jerusalém, de interesse dos evangélicos; as incerteza no tocante ao alinhamento com os EUA à luz das eleições presidenciais norte-americanas e de decisões que poderão ter efeito sobre o relacionamento com a China, como, por exemplo, a estratégica e urgente decisão sobre a licitação do 5G; e, pelas relações entre as Forças Armadas dos dois países, à Venezuela, onde o Brasil poderia ter um papel relevante nas negociações para a democracia, sem abrir mão da posição crítica ao governo de Maduro - como estão fazendo os EUA e o Canadá. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A saída do Reino Unido da UE - Rubens Barbosa

O REINO UNIDO DEIXA A UNIÃO EUROPEIA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/01/2020

A eleição parlamentar de 12 de dezembro resultou na maior derrota do Partido Trabalhista desde 1935 e na maior vitória dos Conservadores desde 1987. Apesar da divisão do pais, o PM Boris Johnson passou a ter ampla maioria e com maior liberdade para operar a saída do Reino Unido  da União Europeia.
Com a aprovação do Parlamento britânico, o Reino Unido deverá sair juridicamente da União Europeia, no final da semana, no dia 31, três anos depois do referendum de junho de 2016. Haverá um período de transição até 31 de dezembro de 2020, que o PM Boris Johnson pretende não prorrogar, mas que poderá se estender até dezembro de 2022, dependendo da evolução das negociações.
No corrente ano, a principal prioridade do governo britânico será abrir negociações comerciais com a UE e aprovar medidas legislativas internas em praticamente todas as áreas, colocando fim a um casamento que durou 45 anos. O Parlamento deverá examinar e aprovar legislação em todas as áreas para substituir `as normas e regulamentos da UE hoje em vigor. Johnson, na contramão de politicas do Partido Conservador, tem reafirmado que pretende ter mais flexibilidade no tocante a presença do Estado sobretudo nos programas sociais, ao contrário das politicas seguidas até aqui no âmbito da UE.
No período de transição, o Reino Unido deverá continuar a respeitar as regras da UE, apesar de não mais participar de sua elaboração. E acertar o pagamento de dividas resultantes da retiradas de diversos órgãos comunitários. A negociação do acordo comercial com a UE parece ser um projeto muito ambicioso, visto que normalmente levam cerca de dois anos. Se a saída efetiva do Reino Unido se der em janeiro de 2021, como quer Johnson, poderá haver a retirada sem negociação comercial, o pior cenário para Londres. A futura relação com a União Europeia torna-se, assim, incerta no tocante ao intercâmbio comercial, além de outras áreas como defesa e segurança, pesquisas, troca de estudantes, agricultura, pesca. Esses e outros acordos, como a presença de cidadãos europeus no Reino Unido e de imigrantes deverão ser aprovados pelos parlamentos de todos os países membros.
Com relação aos acordos comerciais, o Reino Unido deverá pedir admissão `a Organização Mundial de Comércio e negociá-los com a UE e outros parceiros, segundo as regras da OMC, em um momento em que a Organização está vivendo uma crise de identidades pelo esvaziamento a que é submetida pela ação dos EUA. Cabe notar, porém, que somente depois de o acordo com a UE ser ratficado por todos os países membros o Reino Unido poderá iniciar negociação com outros países, como os EUA e o Brasil.
                Uma das questões mais delicadas será conhecer o pensamento do novo governo,  fora da UE, no tocante a cooperação no âmbito da Defesa. Como será o papel do Reino Unido nos trabalhos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). É possível antecipar que o Reino Unido deverá respaldar as posições críticas dos EUA no tocante aos compromissos financeiros e outros da OTAN.
                Com relação ao impacto sobre as relações com o Brasil, a saída do Reino Unido representa uma perda nas negociações comerciais com a UE tendo em mente a politicas mais liberais de Londres sobretudo nas questões agrícolas. Por outro lado, o governo britânico, na época de Teresa May havia indicado publicamente o interesse em negociar um acordo de livre comercio com o Brasil quando fosse efetivado o divorcio com a UE. O Mercosul certamente deverá se posicionar quanto à negociação de um acordo de livre comércio com Reino Unido. Resta saber se Boris Johnson vai manter o interesse de avançar nessas negociações. Outra consequência será realocação de quotas atribuídas ao Reino Unido na UE em alguns produtos agrícolas. Será preciso compensar a perda de cotas de 11 produtos da agroindústria de acordo com as novas cotas anunciadas pela UE na OMC.
Os desafios do governo Johnson não são pequenos: terá de dissociar uma economia profundamente integrada ao bloco comercial a 45 anos, ao mesmo tempo em que procurará executar planos para o  post-Brexit e minimizar os danos imediatos que já estão acontecendo aos interesses das empresas britânicas, em especial no setor financeiro da City. A saída do Reino Unido da UE trará um forte impacto sobre o papel do Reino Unido no mundo e o futuro da união do  pais. O Partido Nacionalista Escoces, fortalecido nas eleições, já pediu um novo referendum sobre sua independência de Londres, recusado de imediato por Johnson.
A Europa também vai sentir as consequências do BREXIT. A saída do Reino Unido deve acelerar a perda de relevância da UE no mundo. Os lideres dos países europeus estão enfrentando problemas econômicos, a emergência do populismo e do nacionalismo conservador. A Alemanha e a França motores do crescimento e atores da importância europeia estão as voltas com crises econômicas e politicas internas. A UE perde uma voz enérgica e ativa no cenário internacional e o grupo de nações que dominaram o cenário global por muitos anos perderá espaço e se encolherá melancolicamente.


Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Rubens Barbosa: a França dividida (OESP, 14/01/2020)

FRANÇA DIVIDIDA 
                                     
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 14/01/2020
                                  
De passagem por Paris, procurei entender a controvérsia em curso hoje na França sobre a reforma da previdência social. O pais está dividido entre a pressão de parte da sociedade para preservar regimes especiais de aposentadorias e a necessidade de se ajustar a um mundo em rápida transformação.
A eleição presidencial de 2017 trouxe uma forte renovação na vida política da França. A vitória do presidente Macron contra o establishment e contra os extremos de direita e da esquerda, deu-lhe um mandato para reformar o pais. Criou-se uma grande expectativa pelo anúncio de reformas muito semelhantes à da atual agenda brasileira: reforma das relações trabalhistas, previdência social, redução de privilégios corporativos, tributária, educação, redução do gasto público e mudanças na economia para melhorar a competitividade dos produtos franceses. Depois de dois nos e meio de governo, não houve muitos avanços: os impostos não foram reduzidos, nem o desemprego (8,5%), o déficit comercial é crescente e poucas reformas foram efetuadas (35 horas de trabalho semanal continuam). A crise política e social vivida pelo governo Macron tem como substrato uma rápida deterioração da dívida pública que, em setembro, alcançou seu recorde histórico de 100,2% do PIB, sem perspectiva de redução do gasto.
                 As medidas iniciais geraram forte reação e manifestações dos coletes amarelos. A resposta do governo foi a organização de “grandes debates” para abordar todas as reivindicações populares e as reformas propostas. O resultado dos encontros mostrou algumas áreas de consenso nacional, como a urgência de providencias relacionadas com a mudança do clima e a redução dos impostos, a melhoria dos serviços públicos e a desburocratização com a redução do papel do Estado. No fim de janeiro, Macron apresentará o conteúdo do que chama de “pacto produtivo”. Nele estarão mencionados, entre outros, dispositivos fiscais a favor de investimentos no que denominou de transição ecológica da economia, que incluirá pedido para que a UE adote um mecanismo de taxação para evitar a importação de produtos com forte teor de carbono e um programa de investimento voltado para o futuro da indústria 4.0. São esperadas também a redução do imposto de renda, medidas na saúde e educação e maior autonomia para governantes eleitos regionalmente.
A apresentação da reforma da previdência gerou o maior movimento grevista depois da guerra. O pais está paralisado a 40 dias e viu ressurgir o poder dos sindicatos, abalado pela ação espontânea dos coletes amarelos, movimento social mais sério e complexo desde as manifestações estudantis de maio de 1968.
O sistema previdenciário francês mantém muitos privilégios e vantagens,  obtidos durante os chamados gloriosos trinta anos, que começaram logo depois da guerra e se estenderam durante os anos mais positivos da globalização de 1989 a 2008. Nesses momentos, reforma significava progresso, avanços sociais para melhorar a vida das pessoas: proteção contra as incertezas, maiores salários, melhor aposentadoria, redução da duração do trabalho. Hoje, transformação ou reforma, na visão da oposição a Macron, significa sacrifício e recuo social, isto é, salários reduzidos, mercado de trabalho liberalizado, ortodoxia financeira, orçamentos apertados, aposentadorias retardadas.
A proposta de Macron previa mudanças significativas, em especial, o aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 a partir de 2027, a fusão em um só dos 42 fundos de pensão, administrados independentemente e o fim dos regimes especiais (ferroviários, militares, policiais, bailarinos da Opera de Paris, por exemplo, se aposentam com menos de 60 anos e maiores pensões). Propõe também um regime de pontuação pelo qual quanto mais tempo um trabalhador ficar no mercado, mais pontos ele acumula e maior será sua pensão. Hoje, 18% da força de trabalho se aposenta pelos regimes especiais com pensões maiores do que a média. 
            Depois de 18 meses de governo, Macron parece isolado e com crescente dificuldades políticas. O Primeiro Ministro, Edouard Philippe continua a negociação com os sindicatos para poder avançar a reforma da previdência. No fim de semana, para tentar desbloquear as negociações, o governo cedeu e ofereceu retirar provisoriamente a proposta da idade mínima de 64 anos (dependendo de acordo com os sindicatos sobre o equilíbrio e o financiamento das aposentadorias). Com isso, é difícil que a reforma consiga reduzir o custo crescente previdenciário (14% do PIB). Essa significativa concessão aos sindicatos contraria o pronunciamento presidencial de fim de ano, no qual Macron reafirmou que não recuaria no tocante ao fim dos regimes especiais, mas admitiu que o caráter universal da reforma não significa uniformidade (concessões foram feitas aos militares, policiais e bombeiros, entre outros). A versão final da reforma será submetida à votação da Assembleia Nacional em fevereiro.
               O resultado da queda de braço com os sindicatos determinará o futuro do governo Macron e se a França pode ser reformada e modernizada. Tudo indica que, prevalecendo a força dos sindicatos, a reforma saia bastante diminuída. Macron se enfraquecerá e o centro, representado pelo Movimento criado pelo presidente francês, tenderá a desaparecer, a exemplo do que aconteceu no Reino Unido.
A crise interna francesa vai debilitar as ações externas do presidente francês. Defensor do fortalecimento da soberania da Europa, Macron vê a unidade europeia diminuir com a saída do Reino Unido da UE, com a emergência de movimentos nacionalistas e populistas de direita em muitos países europeus e com a saída de cena de Angela Merkel, sua principal parceira. Nesse quadro, com a Europa fragilizada, “a beira do precipício”, em um mundo hostil, entre os EUA e a China, é difícil Macron realizar sua ambição de liderar a EU, como ficou claro agora na crise EUA-Irã.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Rubens Barbosa: pragmatismo com a Argentina (OESP)

EM QUESTÃO: MERCOSUL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 10/12/2019

A discussão sobre o futuro do Mercosul tornou-se urgente. Não se trata de um debate no vácuo ou teórico. Há uma situação real que tem de ser examinada à luz dos interesses concretos do governo e do setor privado. 
Essa discussão tem necessariamente de levar em conta as recentes modificações políticas e econômicas resultantes das últimas eleições no Brasil, com tendência liberal na economia e a vitória da centro-esquerda na Argentina. O fim do isolamento do Mercosul, com a conclusão das negociações com a União Europeia (UE) e a EFTA, e mais as consequências de eventual redução da Tarifa Externa Comum (TEC), a ampliação da rede de acordos comerciais (inclusive um improvável acordo com os EUA) e a repercussão da crise ambiental na Amazônia sobre a ratificação do acordo com a UE e EFTA não podem ser descartados. Deve-se também ter presente as transformações globais que apontam para uma mudança do eixo econômico para a Ásia e a guerra comercial entre os EUA e a China.
        Nas últimas reuniões presidenciais do Mercosul, na Argentina, e na semana passada no Brasil, os governos tomaram a decisão de adotar medidas para fazer do Mercosul novamente um instrumento de abertura comercial, conforme previsto no Tratado de Assunção. As principais decisões tomadas pelos presidentes reforçaram o Mercosul e focalizaram as regras econômicas, o enxugamento das instituições e a facilitação do comércio. O Brasil apresentou estudo para permitir uma rebaixa da TEC média (hoje 14%) para níveis que sejam similares à média global, que, sem acordo, ficou de ser retomado no próximo ano com o novo governo de Buenos Aires.
A política econômica e comercial do novo governo argentino – antes mesmo de ser conhecida - passou a ser uma preocupação do governo brasileiro pela possibilidade de que medidas protecionistas de nossos “hermanos’’sejam contrárias às medidas de abertura da economia e à de ampliação da negociação externa do Mercosul.
Sem entrar no exame das consequências comerciais para o Brasil, a simples cogitação de mudanças profundas no funcionamento do Mercosul pareceriam desconhecer as regras incluídas no Tratado de Assunção, que criou o bloco regional, e em outros atos relevantes.
Modificações substantivas do funcionamento do Mercosul não entram em vigor imediatamente, nem podem ser tomadas unilateralmente por qualquer membro do bloco, sob pena de representar o descumprimento do Tratado de Assunção. Em termos concretos, essas modificações terão de ser aprovadas por todos os países membros, depois de ratificada a modificação do Tratado. A redução da TEC, se não aprovada por todos os países membros, e a entrada em vigor do acordo com a União Europeia na medida em que os Congressos do Mercosul o ratificarem poderão levantar dúvidas sobre a necessidade de modificar o Tratado para serem implementadas.
Torna-se, assim, difícil analisar o futuro do Mercosul levando em conta tantas e tão importantes variáveis políticas e econômico-comerciais. A vontade política que permitiu a criação e a evolução do subgrupo regional até aqui, deve prevalecer. É pouco provável – apesar da retórica em Brasília e Buenos Aires – que o processo de integração seja substancialmente alterado na direção contrária ao real interesse nacional, tanto do ponto de vista econômico-comercial, quanto de política externa.
O determinismo geográfico da vizinhança é um fator que o governo brasileiro terá de levar em conta acima das considerações ideológicas. Brasil e Argentina já passaram por crises sérias, superadas pelo pragmatismo e interesses concretos. No momento, não existe uma crise com a Argentina. Ocorrem diferenças ideológicas e provocações de ambos os lados, que não podem contaminar o relacionamento civilizado entre os dois países. A paciência estratégica pode ser o caminho. Os empresários,  daqui e de lá, estão preocupados com a escalada ideológica de lado a lado. A Fiesp emitiu nota em defesa do fortalecimento do Mercosul, ressaltando que os problemas de funcionamento do bloco devem ser superados de maneira consensual entre todos os países membros. A Argentina é o principal mercado brasileiro para produtos manufaturados e, portanto, o impacto sobre o setor industrial não pode ser ignorado, em especial o automobilístico e a linha branca. 
Os países membros do Mercosul deveriam é estar preocupados com o “day after” da entrada em vigor do Acordo Mercosul-União Europeia até fins de 2021. Sem reformas estruturais, como a trabalhista, a tributária, a do papel do Estado, e o implemento das medidas de facilitação e desburocratização com o objetivo de reduzir o custo Brasil (que representa 22% do PIB) para melhorar a competitividade, a simples redução das tarifas no mercado europeu não poderão ser aproveitadas pelas empresas nacionais. Sem avanços relevantes na inovação e na tecnologia, o setor industrial não terá como competir com empresas chinesas, coreanas, norte-americanas no mercado europeu. Sem o fortalecimento institucional do Mercosul será mais difícil enfrentar os desafios que o acordo colocará para o Brasil e demais membros do subgrupo.
Depois de conhecida a política econômica e a linha de atuação do governo de Alberto Fernandes, caberia uma atitude de moderação e de consultas bilaterais em nível técnico. A diplomacia parlamentar, recém-inaugurada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também poderia ajudar. Ao Brasil interessa uma Argentina que volte a crescer, estável política e economicamente. Parece improvável que Brasília possa adotar uma posição ideológica radical em relação ao Mercosul sem um amplo debate com a sociedade e dentro do Congresso Nacional. 
Como das vezes em que tensões entre os dois países foram superadas, o bom senso e o pragmatismo deveriam prevalecer e, assim, o Mercosul, sair fortalecido.
Ideologias não devem afetar o interesse nacional. Em primeiro lugar deveria estar o Brasil.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Camex: o novo protagonismo - Rubens Barbosa

FORTALECIMENTO DA CAMEX
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 22/10/2019

Depois de longa discussão dentro do governo, foi divulgado, no último dia 4, decreto que regulamenta a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do Ministério da Economia. Trata-se da mais profunda modificação desde sua criação.
 A Camex tem por competência formular a adoção, a implementação e a coordenação de políticas e de atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, além do financiamento das exportações, com vistas a promover o aumento da produtividade e da competitividade do país. Também competem a CAMEX questões relacionadas aos investimentos estrangeiros diretos e aos investimentos brasileiros no exterior,
Passam a integrar a CAMEX o Conselho de Estratégia Comercial, o Comitê-Executivo de Gestão, a Secretaria-Executiva, o Conselho Consultivo do Setor Privado, o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações, o de Alterações Tarifárias, o de Defesa Comercial além do Comitê Nacional de Facilitação de Comércio.
Todos os compromissos internacionais firmados pelo país devem ser submetidos ao colegiado, respeitadas as competências atribuídas ao Itamaraty, ao ministério da Defesa e à APEX no âmbito da promoção comercial e da condução de negociações comerciais de natureza bilateral, regional e multilateral, bem assim como os atos de outros órgãos e entidades da administração pública federal.
O principal órgão da CAMEX é o Conselho de Estratégia Comercial. Presidido pelo presidente da República, é integrado pelos ministros Chefe da Casa Civil, da Defesa, das Relações Exteriores, da Economia e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Conselho se reunirá, semestralmente ou sempre que convocado pelo Presidente. São atribuições do Conselho: pensar a estratégia e propor as diretrizes da política de comércio exterior; conceder mandato negociador e oferecer as prioridades para as negociações de acordos e convênios relativos ao comércio exterior de natureza bilateral, regional ou multilateral, acompanhando o andamento e monitorando os resultados dessas negociações. Pronunciar-se sobre propostas relativas a contenciosos e à aplicação de contramedidas para proteger os interesses brasileiros. Propor as diretrizes e coordenar as políticas de promoção de mercadorias e de serviços no exterior e de informação comercial, estabelecer as diretrizes para a política de financiamento das exportações de bens e de serviços e para a cobertura dos riscos de operações a prazo, inclusive aquelas relativas ao Seguro de Crédito à Exportação.
O Comitê de Gestão é o órgão executivo da Camex. Presidido pelo Ministro da Economia, que tem o voto de minerva, o comitê é integrado por um representante da Presidência da República; dois do Ministério das Relações Exteriores; dois do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ainda dos Secretários Especiais de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, da Receita Federal do Brasil, da Fazenda e Secretário-Executivo da Camex. As decisões são tomadas por maioria e dos dez votos, o Ministério da Economia dispõe de cinco. Dentre outros atos, o Comitê tem atribuição de orientar a política aduaneira; formular diretrizes da política tarifária na importação e na exportação; estabelecer as alíquotas do imposto sobre a exportação e de importação; alterar a Nomenclatura Comum do Mercosul; fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios; estabelecer diretrizes e medidas destinadas à simplificação e à racionalização de procedimentos do comércio exterior; estabelecer as diretrizes para investigações de defesa comercial; alterar regras de origem de natureza preferencial; formular diretrizes para a funcionalidade do Sistema Tributário no âmbito das atividades de exportação e importação; estabelecer as diretrizes para a política de financiamento das exportações de bens e de serviços e para a cobertura dos riscos de operações a prazo, inclusive aquelas relativas ao Seguro de Crédito à Exportação.
Compete à Secretaria-Executiva: assessorar e preparar as reuniões de todos os órgãos da CAMEX; avaliar e consolidar demandas a serem submetidas ao Comitê-Executivo de Gestão e aos demais órgãos colegiados da Camex; acompanhar e avaliar, quanto a prazos e metas, a implementação e o cumprimento das deliberações e das diretrizes estabelecidas pelos órgãos colegiados da Camex; coordenar grupos técnicos intragovernamentais, elaborar estudos e publicações, promover atividades conjuntas e propor medidas relacionadas com comércio exterior e investimentos, em parceria com a Apex-Brasil ou com outras entidades; apoiar e acompanhar as negociações internacionais relacionadas com matérias relevantes à Camex.
O Conselho Consultivo do Setor Privado, presidido pelo Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, é integrado pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores e até vinte representantes da sociedade civil (empresas do setor manufatureiro, do agronegócio e de serviços; entidades de defesa dos consumidores e comunidade acadêmica). Compete ao Conselho Consultivo do Setor Privado colaborar com a Camex, por meio da discussão de estudos e da recomendação de propostas específicas, com vistas ao aperfeiçoamento das políticas de comércio exterior, de investimentos e de financiamento e garantias às exportações.
A grande novidade é que, pela primeira vez, o comércio exterior passa a ser articulado com a política econômica e o Ministério da Economia com isso ganha poderes absolutos para liderar o processo decisório nessa área. Como tenho ressaltado nos últimos anos, o fortalecimento da CAMEX com comando único, coordenação e competências definidas claramente se faz necessário para que, nas relações com o governo, o setor privado possa contar com um ponto focal ágil e eficaz.
  

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)