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terça-feira, 12 de maio de 2020

Bolsonaro quer legalizar esbulho de terras públicas - Rubens Ricupero

BOLSONARO QUER LEGALIZAR O ESBULHO DAS TERRAS PÚBLICAS, AFIRMA RICUPERO



A medida provisória 910, conhecida como MP da grilagem, “é um escândalo com poucos precedentes em 520 anos de história. É a legalização do esbulho de terras públicas em grande escala. A grilagem, o avanço de particulares nas terras públicas, ocorreu com muita frequência na história. Mas nunca com uma medida proveniente do Executivo, dando a isso legalidade”.
É o que afirma o embaixador Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente e da Fazenda no governo Itamar Franco. Em entrevista ao TUTAMÉIA (clique no vídeo abaixo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV), ele alerta: “Se for aprovada, o governo brasileiro estaria transferindo para o patrimônio particular, de pessoas que são extraordinariamente monopolizadoras da propriedade da terra, terras que pertencem a todos os brasileiros”.
Seria mais uma ação contra o Brasil e os brasileiros perpetrada por Bolsonaro, que Ricupero considera um entrave para que o país consiga enfrentar com algum sucesso a pandemia do coronavírus e iniciar um processo de reconstrução nacional.
“Quanto mais mortes vamos ter que ter até que haja uma reação? Se dependesse de mim, isso teria terminado há muito tempo. O afastamento do atual governo é uma precondição sine qua. Não haverá condições para nós começarmos a reconstruir o país enquanto não acionarmos os mecanismos constitucionais para defender a Constituição e a democracia. Alguém tem que dizer que o rei está nu”.
Para ele, é preciso retirar Bolsonaro do poder por meios constitucionais: “Saída legal e constitucional existe. A Constituição prevê o impeachment. Motivos para isso temos de sobra, desde que começou o governo. Há agressões à Constituição, incitação ao fechamento do Congresso, do Supremo. [No dia da saída de Moro], ele admitiu vários delitos. Não há falta nem de lei nem de motivo; o que falta é vontade política. Vontade política tanto do Congresso, de abrir o procedimento, como do STF, que abriu várias investigações que não se concluem”, afirma.
E acrescenta: “Vejo poucas hipóteses, poucos cenários plausíveis. Um se inicia um processo de impeachment. Se isso não ocorrer, o segundo cenário é de deterioração gradual, segura e progressiva. Um agravamento cada vez maior. Uma obra de autodestruição de um país pode durar muito anos. Pode chegar a extremos de deterioração da vida econômica, política, mortes. Pode ou não conduzir a um basta. Apesar do sofrimento, da dor gigantesca, talvez não tenhamos chegado a um ponto que leva a um desfecho”.
PANDEMIA E CAMÕES
Ricupero fala ao TUTAMÉIA desde sua quarentena no bairro Higienópolis, na região central de São Paulo. Desde março, só saiu de casa uma vez, de carro, para tomar vacina contra a gripe. Ele fala dos sentimentos de incerteza e insegurança provocados pela pandemia e analisa a “crise política sem precedentes”.  Avalia: “Somos praticamente o único país da face da terra que tem que combater não só a pandemia, mas um presidente que trabalha contra. Ativamente contra. Procura a cada dia solapar os esforços [de combate à doença]. Isso não existe em nenhum outo lugar. Mesmo nos EUA, que é governado por uma pessoa que é, de certa forma, um inspirador de muita coisa do governo brasileiro, lá as atitudes são mais comedidas. A crise é sui generis, a capacidade de manifestar é muito limitada. Se não fosse isso, estaríamos indo para a rua para dizer em alto e bom som o que sentimos”.
Ricupero aponta como Argentina, Uruguai e Paraguai, que tomaram duras medidas preventivas, enfrentam a crise de forma muito mais eficaz. “Alberto Fernández, em 23 de março, decretou o lockdown, a proibição de sair na rua. Dois meses depois, a Argentina não tem 10% do número de mortos do Estado de São Paulo. Ele chamou o ex-presidente Macri para mostrar uma unidade nacional de solidariedade. É uma diferença da água para o vinho”. Cita, também, o exemplo exitoso da Índia no combate à propagação do vírus e afirma:
“Não há nada de fatal, de determinístico no que nos atinge. A diferença de comportamento da liderança é que explica a diferença de resultados. As boas lideranças, as lideranças humanas, sensíveis à ciência conseguiram minimizar, reduzir o impacto [da pandemia].”
Na análise de Ricupero, o comportamento de Bolsonaro “agride os fatos, agride a realidade, agride a ciência, agride os próprios ministros competentes dele, como foi o anterior ministro da Saúde. Ou se trata de um comportamento totalmente irracional ou, se tiver alguma racionalidade, só pode ser um cálculo, de que isso acabaria dando a ele a simpatia daqueles vão sofrer mais com perda de emprego, renda, dos empresários que pressionam para a reabertura precoce”.
O embaixador receia que o Brasil se transforme no epicentro da crise, com o agravamento muito acelerado dos casos, das mortes e do colapso de sistema hospitalar. “Isso tem muito a ver com a qualidade da liderança”, reforma. E cita Camões: “O fraco rei faz fraca a forte gente”.  Para Ricupero, “o erro do líder supremo contamina toda a população”.
POLÍTICA EXTERNA INCONSTITUCIONAL
Ao TUTAMÉIA, Ricupero fala do documento que assinou, na semana passada, classificando a atual política externa brasileira como inconstitucional. O texto, endossado por Fernando Henrique Cardoso e ex-ministros de diferentes posições políticas (confira o conteúdo abaixo) aponta como Bolsonaro fere princípios básicos estabelecidos na Carta de 1988, como a soberania, a independência, a autodeterminação dos povos, a não ingerência e a busca por soluções pacíficas para conflitos. “Esses princípios todos estão sendo violados na letra e no espírito”, ressalta.
Ex-embaixador do Brasil nos EUA, ele aponta exemplos e condena enfaticamente a aliança de Bolsonaro com os EUA. Diz que o Brasil, ao se definir como aliado estadunidense, está “hipotecando a sua independência e a sua soberania. Significa que os inimigos dos EUA passam a ser nossos inimigos. O Brasil não tem porque considerar esses países adversários. O Congresso precisaria analisar isso”.
Na visão de Ricupero, o governo também fere a Constituição ao votar contra resoluções em defesa dos direitos humanos e tem uma atitude “absolutamente inexplicável e inconstitucional no caso Venezuela”, quando determinou a saída dos diplomatas daquele país _medida que foi derrubada pelo STF. “Felizmente [o STF derrubou]. É um absurdo sem nome”.
O diplomata fala da possibilidade de frente democrática contra Bolsonaro e considera que o documento da semana passada, que também aponta caminhos para a reconstrução da política externa brasileira, “pode ser uma semente de uma coisa mais ampla, porque reuniu pessoas de crenças, de partidos diferentes. Espero que isso possa inspirar os líderes políticos”.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Ricupero avalia os impactos da pandemia no globo. “Ela vai acentuar, acelerar algumas tendências que já eram perceptíveis antes. Como a tendência a um certo esgotamento, uma desaceleração da globalização”. Prevê uma redução da excessiva dependência das economias em relação à China e uma volta a uma certa autonomia nacional, Haverá, segundo ele, “um grau maior de desintegração daquele acoplamento entre China e os EUA”.
Ele lamenta a falta evidente de cooperação internacional nessa crise e declara:
“Gostaria que depois da pandemia que se tirasse disso uma lição: a necessidade de haver um sistema global para detectar as pandemias no começo e evitar que elas se propagem. É como a imagem de um incêndio na floresta. Quando começa um foco, se ele for detectado em tempo e apagado, não há grandes danos. Não temos um corpo de bombeiros para isso”.
Leia a seguir a íntegra do documento assinado por Ricupero e outros ex-ministros condenando como inconstitucional a política externa de Bolsonaro.
 A RECONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Artigo assinado por FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, ex-presidente da República e ex-ministro das Relações Exteriores; ALOYSIO NUNES FERREIRA, CELSO AMORIM, CELSO LAFER, FRANCISCO REZEK E JOSÉ SERRA, ex-ministros das Relações Exteriores; RUBENS RICUPERO, ex-ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e ex-embaixador do Brasil em Washington; e HUSSEIN KALOUT, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência

Apesar de nossas distintas trajetórias e opiniões políticas, nós, que exercemos altas responsabilidades na esfera das relações internacionais em diversos governos da Nova República, manifestamos nossa preocupação com a sistemática violação pela atual política externa dos princípios orientadores das relações internacionais do Brasil definidos no Artigo 4º da Constituição de 1988.
Inovadora nesse sentido, a Constituição determina que o Brasil “rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I- independência nacional; II- prevalência dos direitos humanos; III- autodeterminação dos povos; IV- não-intervenção; V- igualdade entre os Estados; VI- defesa da paz; VII- solução pacífica dos conflitos; VIII- repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX- cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X- concessão de asilo político”.
“Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito.
Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração.
Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse.
Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não-intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero.
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao país custos de difícil reparação, como o desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos.
Admirado na área ambiental, desde a Rio-92, como líder incontornável no tema do desenvolvimento sustentável, o Brasil aparece agora como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global.
A diplomacia brasileira, reconhecida como força de moderação e equilíbrio a serviço da construção de consensos, converteu-se em coadjuvante subalterna do mais agressivo unilateralismo.
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais.
Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem.
Na Europa ocidental, antagonizamos gratuitamente parceiros relevantes em todos os domínios como França e Alemanha. A antidiplomacia atual afasta o país de seus objetivos estratégicos, ao hostilizar nações essenciais para a própria implementação da agenda econômica do governo.
A gravíssima crise de saúde da Covid-19 revelou a irrelevância do Ministério das Relações Exteriores e seu papel contraproducente em ajudar o Brasil a obter acesso a produtos e equipamentos médico-hospitalares.
O sectarismo dos ataques inexplicáveis à China e à Organização Mundial de Saúde, somado ao desrespeito à ciência e a insensibilidade às vidas humanas demonstradas pelo presidente da República, tornaram o governo objeto de escárnio e repulsa internacional.
Criaram, ao mesmo tempo, obstáculos aos esforços dos governadores para importar produtos desesperadamente necessários para salvar a vida de milhares de brasileiros.
O resgate da política exterior do Brasil exige o retorno à obediência aos princípios constitucionais, à racionalidade, ao pragmatismo, ao senso de equilíbrio, moderação e realismo construtivo.
Nessa reconstrução, é preciso que o Judiciário, guardião da Constituição, e o Congresso Nacional, representante da vontade do povo, cumpram o papel que lhes cabe no controle da constitucionalidade das ações diplomáticas.
A fim de corresponder aos anseios do nosso povo e corresponder às necessidades reais do Brasil, a política externa precisa contar com amplo respaldo na opinião pública, e a colaboração na sua concepção de todos os setores da sociedade.
Requer também o engajamento do nosso corpo de diplomatas: uma política de Estado e não uma ação facciosa voltada para excitar os ânimos e exacerbar os preconceitos de uma minoria obscurantista e reacionária.
Nossa solidariedade e decidido apoio aos diplomatas humilhados e constrangidos por posições que se chocam com as melhores tradições do Itamaraty.
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.
São Paulo, 8 de maio de 2020

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Bolsonaro faz o Brasil ser ameaça e virar um país pária, diz Ricupero - Matheus Leitão (Veja)


Bolsonaro faz o Brasil ser ameaça e virar um país pária, diz Ricupero

Embaixador diz que estudos mostram que país pode ser novo epicentro 

da pandemia e defende o afastamento constitucional do presidente

Por Matheus Leitão - Veja, 11 maio 2020, 08h47 

O diplomata Rubens Ricupero acredita que o Brasil já é visto como uma ameaça internacional em meio à pandemia do coronavírus e caminha agora para se tornar um pária. Na avaliação do ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos, para além da equivocada ou “autoexcludente” política externa do chanceler Ernesto Araújo, o país será, em breve, o epicentro mundial da pandemia e outros países deverão adotar medidas de quarentena contra o Brasil.
“Infelizmente, creio que, a esta altura, parece cada vez mais claro que o Brasil se encaminha celeremente para se tornar o epicentro mundial da pandemia. Epicentro no sentido de país onde o crescimento da curva de aumento de casos, de mortes e colapso do sistema hospitalar será de longe o mais grave, em comparação aos demais países”, acredita Ricupero.
“Veja bem, digo isso não por ‘achismo’: é a conclusão dos vários cálculos de universidades, da Fiocruz, das projeções estatísticas. À medida que a situação aqui se agrave, parece forte a possibilidade de que outros países adotem medidas de quarentena contra o Brasil”, explicou o embaixador à coluna.

Rubens Ricupero se refere, claro, aos estudos e publicações internacionais – caso do produzido pela Imperial College de Londres – que apontam que o Brasil, entre 48 países, tem a maior taxa de infecção do novo coronavírus. Ele também comenta o trabalho da The Lancet, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, que afirmou que o presidente Jair Bolsonaro é a maior ameaça à resposta do Brasil à Covid-19.
Mas, afinal, por que o país pode virar um pária? Em primeiro lugar, justamente pelo comportamento do presidente, que insiste em minimizar os efeitos da Covid-19, enquanto o mundo se une em temor e respeito pela violência do vírus. O Brasil atravessa a triste fronteira de mais de 10 mil mortos e ele passeia de Jet Sky, dizendo que tudo não passa de neurose.
O diplomata lembra que líderes de países vizinhos, como Argentina e Uruguai, veem com preocupação a perda de controle no Brasil, e o que isso significa para a população de seus países. Nos EUA, Donald Trump, aliado de primeira hora de Bolsonaro, vem multiplicando ultimamente as referências de preocupação com o Brasil, sempre em busca de um bode expiatório.
Trump já aventou publicamente a possibilidade de suspensão dos voos vindos do Brasil. Dois conservadores republicanos, seja o governador do Estado da Flórida, seja o prefeito de Miami, admitem suspender as rotas que tenham como origem cidades brasileiras.
Na conversa com a coluna, o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-ministro do Meio Ambiente, avaliou que “enquanto Bolsonaro continuar no poder, não há possibilidade de evitar a tragédia que se anuncia na pandemia, nem, a rigor, de encaminhar ou resolver nenhum problema”.
“Refiro-me, é claro, ao afastamento dentro da Constituição e das leis. Motivos já há de sobra. Se isso não acontecer, o país vai sofrer cada vez mais até que a dimensão esmagadora do sofrimento torne inevitável o que hoje parece difícil”, diz o diplomata.
Nos EUA, a curva começa a mostrar tendência declinante, assim como já sucedeu na Itália, Espanha, Europa em geral e, antes, na China e na Ásia. A África surpreendeu positivamente, diz Ricupero, tendo desempenho bem melhor do que se esperava. A Argentina adotou de saída o lockdown (bloqueio total) e até agora tem um número de casos e de mortes que não chega a dez por cento do número de São Paulo, estado mais ou menos com a mesma população.
“Coisas mais dramáticas como a proibição de voos ou de ingresso de brasileiros em países estrangeiros poderão ou não ocorrer dependendo do comportamento da pandemia no país. Pode ser até que a tragédia da Covid-19 desperte a comiseração mesclada ao desprezo, do mundo exterior”, acredita Ricupero.


domingo, 3 de maio de 2020

Rubens Ricupero: "O cenário da política externa é um cenário de ruínas" - Consultor Jurídico

CENÁRIO DE RUÍNAS

"A 'lava jato' acabou, pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade"

Em 2004, quando deixou sua carreira diplomática, Rubens Ricupero —ministro da Fazenda quando da implantação do Plano Real — tinha se acostumado com a posição de prestígio alcançada pela diplomacia brasileira. Historiador e formado em Direito pela USP, ele deu entrevista à ConJur, por telefone, analisando a política externa atual e o legado da "lava jato".
Desde a redemocratização, em 1985, o modo que o país encontrou para se projetar internacionalmente foi regido pelo mesmo princípio: diplomacia é a busca da autonomia por meio da participação. 
O conceito, segundo o diplomata, começou a cair por terra quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência. De lá para cá, diz, a política externa se tornou cada vez mais alinhada ao governo de Donald Trump e contrária a Pequim.
Mas política externa, antes de vir ao mundo, é gestada intestinamente. Em 2016, Ricupero afirmou que existia à época um "partido togado", que podia interromper o jogo político a qualquer momento — em referência à força das autodenominadas "operações" que se arvoraram como combatentes da corrupção. 
Revisitando o assunto, diz que a "lava jato" perdeu força no decorrer dos anos e dá seus últimos suspiros. "Aqueles filhotes da 'lava jato' que tinham sido criados nas justiças federais de diversos estados continuam existindo, mas em fogo brando. Como fenômeno político-judiciário, a 'lava jato' hoje pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade", afirma. A conversa ocorreu antes de Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça. 
Se a "lava jato" é passado, o "partido da toga" legou ao país um novo presidente — e sua nova política externa, conduzida por agentes que negam o isolamento social como saída para enfrentamento da epidemia de Covid-19, mas que aceleram o isolamento do país no mundo.
"O saldo líquido das decisões brasileiras é nos levar ao isolamento — em todos os sentidos do termo — e a uma perda extraordinária do poder brando que o país tinha acumulado. Hoje, sem nenhum exagero, o Brasil é o país cujo governante figura entre os mais menosprezados e mais detestados do mundo. O cenário da política externa é um cenário de ruínas", afirma.
A entrevista foi feita antes de Sergio Moro ter se demitido do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Confira a entrevista na íntegra: 
ConJur — Em entrevista concedida ao El País, o senhor afirmou que havia dois teatros durante a ditadura: o da vida política e o dos bastidores. Os fardados podiam intervir, interrompendo a peça a qualquer momento. De lá para cá, referindo-se à "lava jato" em Curitiba, disse que o partido fardado deu espaço ao partido togado. Ainda vê essa força toda emanando da "lava jato"?
Rubens Ricupero —
 Vejo uma espécie de esgotamento natural da operação, em parte por mudanças políticas — a eleição do Bolsonaro, a decisão de Moro aceitar ser ministro da Justiça, as revelações [do site] Intercept e toda a desmoralização que veio disso. A "lava jato" acabou. Ela continua existindo em tese, porque há condenações pendentes, assim como os recursos relativos ao Lula. Muito está por resolver, mas a "lava jato" acabou, assim como a "mãos limpas" acabou na Itália. O juiz que substituiu Moro não tem, nem de longe, aquele tipo de ativismo jurídico que o Moro tinha, ou aquele entendimento com os procuradores. Houve também uma certa aversão do STF e de outras instâncias. Aqueles filhotes da "lava jato" que tinham sido criados nas justiças federais de diversos estados continuam existindo, mas em fogo brando. Como fenômeno político-judiciário, a "lava jato" hoje pertence mais ao domínio da história do que ao da realidade. 
ConJur — O senhor já afirmou em algumas ocasiões que o confronto inicial gerado pela "lava jato" teve importância e gerou consequências positivas. Hoje, com tudo que se sabe sobre a atuação do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores, mantém essa opinião?
Rubens Ricupero —
 Como consequência política, a "lava jato" teve um impacto enorme na história brasileira. É responsável por boa parte do que aconteceu nos últimos anos. Basta ver que os escândalos de corrupção colocaram fim ao período de hegemonia do PT. Até hoje o PT não se reergueu do golpe que levou. Por outro lado, sempre tive dúvidas sobre a duração da "lava jato", que parecia exagerada enquanto operação judiciária. Além desse aspecto, a operação, em essência, pela própria natureza do Judiciário, continha uma limitação que, cedo ou tarde, acabaria por comprometê-la: operações policiais e judiciárias podem ser importantes para trazer luz sobre esquemas de corrupção, mas não conseguem por fim a eles. Isso acontece porque as soluções só podem ocorrer por meio de mudanças legislativas, algumas até de ordem constitucional, já que o que existia na raiz da corrupção eram problemas que apontavam para as imperfeições das instituições, para os defeitos que vão desde a politização das estatais até a ineficácia dos mecanismos de fiscalização. 
O saldo da "lava jato" é que algumas pessoas foram punidas, com grau maior ou menor de adequação, mas as raízes do problema não foram removidas. Esse problema permanece, tanto que uma das suas consequências foi a de dar ao presidente Jair Bolsonaro a justificativa de não tentar fazer um presidencialismo de coalizão, negociando com os partidos políticos ministérios, verbas e cargos de estatais. Por outro lado, isso cria um conflito maior com o Congresso, o que, novamente, demonstra o quanto as instituições são defeituosas. Em resumo, vejo a "lava jato" como uma tentativa de atacar os sintomas, não as causas da doença. Talvez tenha conseguido inibir os sintomas por um tempo, mas não removeu as causas profundas e não fez isso porque não podia fazer. A operação teve um papel histórico, mas, por todos os defeitos práticos, e em certos momentos deixando visível um ativismo jurídico muito grande, a "lava jato" deixou de existir.
ConJur — Falando agora de política externa: é possível resumir a diplomacia brasileira, a partir da redemocratização, como a busca da autonomia por meio da participação. Com essa atuação, o país conquistou prestígio. Agora, a marca definidora da política externa é o alinhamento com os Estados Unidos. Quais os impactos disso?
Rubens Ricupero —
 É mais do que isso. Não é um alinhamento com os EUA, mas com o governo de Donald Trump, que, por sua vez, conduz uma campanha sistemática contra todas as instituições do sistema internacional criado no pós-guerra — o multilateralismo, um sistema que funciona na base de normas, de leis, não da força. Ao se alinhar com esse governo, o Brasil trabalha contra o seu próprio interesse, pois os EUA têm muito poder. Já o Brasil é um país com pouco poder, que pode se tornar vítima da força alheia. Nosso país não é uma potência econômica e militar. Mas tem poder brando, que é a diplomacia do convencimento, da persuasão, da negociação. Ao se alinhar com os EUA, abrimos mão disso e nos subordinamos a um país que, esse sim, tem poder e que pode utilizá-lo de maneira deflagradora, sem nenhum limite. 
O saldo líquido das decisões brasileiras é nos levar ao isolamento — em todos os sentidos do termo — e a uma perda extraordinária do poder brando que o país tinha acumulado. Hoje, sem nenhum exagero, o Brasil é o país cujo governante figura entre os mais menosprezados e mais detestados do mundo. O cenário da política externa é um cenário de ruínas.
ConJur — Outra consequência apontada é o esgarçamento da relação com a China. Essas relações podem se desgastar ainda mais?
Rubens Ricupero —
 Essa deterioração é, em grande parte, culpa daquele núcleo mais ideológico, mais fanatizado do governo brasileiro. Mas, para além disso, há uma competição estratégica entre EUA e China, em todos os sentidos — militar, econômico, político etc. Quando o Brasil se alinha a Trump, ele está comprando a agenda norte-americana, que vem com todas as inimizades que os Estados Unidos têm: contra a China, Rússia, Irã, Cuba, e assim por diante.
Portanto, sem nenhuma justificativa para isso, o Brasil está no momento em posição antagônica a todos esses países que constituem grandes mercados para as nossas exportações. É claro que de imediato a China não vai, por exemplo, deixar de comprar soja do Brasil, pois não há uma alternativa fácil para nos substituir como fornecedores de alguns produtos. Mas, no médio e longo prazo, as relações comerciais ser tornarão cada vez mais difíceis. O Brasil está jogando todas as suas esperanças em um país [EUA] do qual ele não pode esperar nada. Nem mercado, nem investimento. 
ConJur — Se não há justificativas, essa postura brasileira com relação à China ocorre por uma questão meramente ideológica?
Rubens Ricupero —
 Puramente ideológica. É o equívoco de uma maneira de ver o mundo. O Brasil vê o mundo com os olhos da guerra fria. É uma visão completamente fora do tempo histórico, anacrônica, porque o país se comporta hoje em relação à China como o governo militar do Castelo Branco em 1964 se comportava em relação à União Soviética. O Brasil vê a China como o centro do comunismo mundial, uma espécie de "origem do mal", quando nada disso corresponde à realidade internacional. 
ConJur — O senhor disse que os EUA — e agora o Brasil — se portam de modo contrário ao sistema criado no pós-guerra, indo no caminho do anti-multilateralismo. Agora o mundo passa por uma pandemia. O coronavírus matou o multilateralismo?
Rubens Ricupero —
 O que está acontecendo com a pandemia é que quase todas as reações têm sido majoritariamente de tipo nacional, infelizmente. Em um primeiro momento, é até compreensível que seja assim, porque diante de uma emergência cada nação reage da forma mais rápida que pode e isso quase sempre é mais fácil no plano nacional. Mas deveríamos rapidamente passar a uma fase de coordenação internacional, tanto para combater a doença quanto para combater as consequências econômicas dela. Há algum esboço para utilizar o Grupo dos Vinte [G20, formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das maiores economias do mundo] para sustentar a dívida dos países mais pobres durante um ano. Mas são reações fracas.
Mesmo na União Europeia, os países mais afetados pelo coronavírus, como a Itália e a Espanha, não receberam uma ajuda significativa da comunidade europeia. A Itália recebeu mais ajuda da China do que dos seus vizinhos no começo. Agora a União Europeia começa a reagir, mas o panorama é de sombras e luzes — mais de sombras. Existe algum grau de cooperação, mas é pequeno. E existe muitos, infelizmente muitos exemplos de egoísmo nacional, inclusive esses que afetaram o Brasil, de países que se atravessaram para comprar equipamentos que já tinham sido negociados. Então, sem dúvidas, o multilateralismo está em crise. Mas não desespero dele, porque acho que existem inúmeras perspectivas de que isso melhore. Por exemplo, ainda é incerto o que vai acontecer na eleição dos EUA. É possível que, devido a tudo isso, as eleições acabem enfraquecendo o atual presidente e ele não consiga se reeleger. Se ele não se reeleger, teremos condições de recuperar muito do que se perdeu em matéria de multilateralismo, porque 90% ou mais do que está acontecendo é praticamente resultado da ação do governo Trump. 
ConJur — Dentro desse cenário de pandemia, o senhor vislumbra a possibilidade de que surja uma nova ordem econômica e jurídica?
Rubens Ricupero —
 Sobre isso eu tenho dúvidas. Pandemias e epidemias, mesmo as muito mais graves que essa, em geral nunca mudaram o sistema econômico-político. Quando elas foram muito fortes, elas afetaram tendências que já existiam. Mas mesmo a peste negra, a peste bubônica, assim como as pestes que se seguiram, nunca afetaram o sistema político das monarquias da época. As tendências, as rivalidades que existiam, assim como os sistemas econômicos de troca, permaneceram iguais. Os sistemas econômicos, políticos e jurídicos obedecem à ação de forças profundas.
O que podem ocorrer são mudanças de curto prazo, que às vezes se seguem quando há acontecimentos suficientemente poderosos. Eu não ficaria surpreso, por exemplo se, passada essa crise, os países buscarem adquirir uma certa autonomia, uma certa autossuficiência em matéria de produtos farmacêuticos e médico-hospitalares. As nações podem buscar reduzir a dependência sobre esses produtos que existe com relação à China e outros países asiáticos. Isso pode acontecer, mas não vejo a possibilidade de uma reforma profunda na estrutura do capitalismo ou do sistema político que temos hoje. 
ConJur — Com o avanço do novo coronavírus, aliás, foram adotadas algumas medidas emergenciais. O Senado aprovou, por exemplo, o PL 1.179/20, que, entre outras coisas, flexibiliza dispositivos do Código Civil. O que acha de medidas como essa?
Rubens Ricupero —
 A ideia básica de tentar encontrar uma solução para o momento é correta. Há um abalo muito grande até no sistema normal de pagamentos. Muitas empresas e indivíduos não são capazes de cumprir suas obrigações. Em certos casos, as regras precisam ser suspensas, da mesma forma como está se fazendo com regras de contrato de trabalho, flexibilização que busca manter a existência do emprego. Portanto, acredito que essas iniciativas são necessárias. Não me refiro especificamente ao PL citado, mas à tentativa de dar uma resposta ao que está acontecendo. Os contratos são vigentes enquanto mantidas as condições em que eles foram celebrados. Quando as condições se alteram de modo muito radical, muitas vezes não há a possibilidade de manter os termos tal como foram acordados. 
ConJur — Nos últimos anos, uma série de conflitos entre Legislativo e Executivo acabaram sendo resolvidos pelo Judiciário. O que pensa a respeito dessa judicialização?
Rubens Ricupero —
 Eu tenho a impressão de que esse fenômeno coincide com o agravamento da crise institucional. Vivemos uma crise prolongada, que começa no primeiro governo da Dilma Rousseff e que se prolonga até hoje. O impeachment não resolveu a crise e em cada governo surgem problemas novos. No fundo, o quadro é de mau funcionamento das instituições. O sistema presidencialista tem uma rigidez que não permite a solução de problemas quando há impasse entre Executivo e Legislativo — e a tendência é a de que esses poderes entrem cada vez mais em conflito.
Um exemplo que vem logo à mente é a incapacidade que o Legislativo tem de resolver problemas com conteúdos ligados à questões de tipo moral: moral familiar, moral sexual, aborto, casamento entre homossexuais etc. O Legislativo fica paralisado diante dessas questões porque há uma representação grande de grupos religiosos. Então, embora sejam claramente do âmbito do Legislativo, esses temas acabam indo ao Judiciário. Quase todas as grandes decisões envolvendo temas como esses — o aborto no caso de fetos anencéfalos, casamento homoafetivo — foram talhadas pelo Judiciário. Creio que isso continuará acontecendo, porque a solução definitiva é fazer uma reforma profunda do sistema político, o que não parece estar no horizonte. Assim, as pautas continuarão indo ao Judiciário. 
ConJur — Em casos como esses, em que o Legislativo deixa um vácuo ao não tratar de certas questões, é justificável a atuação do Judiciário?
Rubens Ricupero —
 Existe a necessidade colocada pelo próprio sistema político. Não se pode conviver com o vácuo de poder. Há decisões que precisam ser tomadas. Se não forem pelas instâncias que normalmente deveriam resolver o problema, acabam indo aos tribunais. Nesse sentido, a necessidade justifica as decisões judiciais. Não é o ideal, mas não vejo outra saída. 
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.


terça-feira, 28 de abril de 2020

Brazil Conference reune ex-chanceleres para debater política externa

Política externa do governo isola o País, afirmam ex-chanceleres

Ex-ministros e analistas das relações exteriores criticam atual diplomacia brasileira durante debate na Brazil Conference

28 ABR2020
19h07
atualizado às 22h16
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Ex-chanceleres afirmaram nesta terça-feira, 28, que a política externa do governo de Jair Bolsonaro não contribui para os interesses do Brasil no exterior e não traduz as necessidades do País em oportunidades de investimentos. Os diplomatas disseram que a atual política externa prejudica a projeção do Brasil no mundo e promove o autoisolamento do País, e defenderam a restauração da racionalidade.
"O que acontece agora é a incapacidade de afirmar construtivamente a presença do Brasil no mundo de acordo com suas necessidades e seus interesses, até em matéria de coisas óbvias como é nosso relacionamento com a China", disse Celso Lafer, que atuou como ministro nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
As declarações foram dadas no painel sobre diplomacia da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento anual da comunidade de estudantes brasileiros em Boston e que, neste ano, acontece por videoconferência por causa do coronavírus. O debate foi mediado pela colunista do Estado e editoria do site BR Político, Vera Magalhães.
O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira (governo Michel Temer) afirmou que uma boa política externa precisa ter noção de que o mundo não começou com ela. "Se inscreve em linhas de continuidade, que definem um perfil diplomático do país e lhe confere credibilidade e previsibilidade nas relações que se travam com os países."
O ex-chanceler Celso Amorim, que atuou nos governos FHC, Lula e Dilma, disse que em "meio século" nunca viu nada igual e que a reputação do Brasil no exterior é muito ruim. "Sempre houve uma linha de continuidade. Me envergonho de tudo da política externa hoje. O Brasil teria todas as condições de ser o sócio privilegiado da China, e agora somos o último da fila", afirmou. Amorim afirmou ainda que é preciso restabelecer a racionalidade e promover a restauração da atuação na política externa.
O diplomata Rubens Ricupero afirmou que o governo tem feito alianças erradas ao se aproximar do ex-presidente argentino Mauricio Macri e ao criticar o francês Emmanuel Macron e a alemã Angela Merkel, enquanto privilegia os líderes de países como Estados Unidos, Hungria e Polônia. "O governo tem uma percepção de um universo de ficção, é uma política destrutiva que nada traz em favor dos interesses brasileiros", afirmou Ricupero.
Ele também defendeu a resolução pacífica das controvérsias e disse que o Brasil precisa ajudar a encaminhar soluções, sendo uma voz construtiva na comunidade internacional, independente de ideologia. "No passado, éramos parte da solução e hoje somos parte do problema. Nós agravamos todos os problemas", afirmou. "Não podemos sucumbir a atitudes ideológicas reducionistas de que o mundo é uma conspiração contra a cultura judaico-cristã, coisas absolutamente fictícias. Temos que olhar a realidade, compreender a complexidade (do mundo) e não seguir visões maniqueistas".

Subserviência aos Estados Unidos

Pesquisador da Universidade de Harvard, o cientista político Hussein Kalout criticou a subserviência do governo brasileiro ao do presidente Donald Trump, algo que nunca aconteceu em 200 anos de política externa. Kalout destacou também a necessidade de diferenciar a relação entre pessoas e entre Estados. "Nas relações internacionais não há amizade, há interesses", disse.
"É de extremo amadorismo acreditar que Trump e Bolsonaro são a mesma coisa e que interesses são convergentes em tudo." O pesquisador afirmou que o País tem feito concessões reais em troca de migalhas. "Essa antidiplomacia vai impingir ao Brasil graves danos."

Mundo pós-pandemia

Os analistas avaliaram que a pandemia pode reforçar tendências como o nacionalismo, a xenofobia, o protecionismo e o enfraquecimento do multilateralismo, lembrando que nenhuma delas favorece o País. "O Brasil deve fazer tudo o que puder para fortalecer o sistema internacional de cooperação. O Brasil poderia sair na frente com uma proposta de melhorar a governança global em matéria de pandemias, reforçar a OMS", sugeriu Rubens Ricupero, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
Na mesma linha, o ex-senador Aloysio Nunes defendeu que a "pandemia global exige uma resposta global" e que o Brasil se coloque de maneira mais proativa e construtiva no cenário internacional. "Essa atitude negacionista vai custar muito caro porque a pandemia está aí, as mortes estão aí". Nesta terça, o Brasil ultrapassou a China no número de mortes decorrentes da covid-19, totalizando 5.017.
Amorim destacou que o mundo precisará pensar de forma muito mais profunda sobre a globalização e disse que a cooperação em temas como saúde e mudanças climáticas deve ser mais evidente. "Isso permitirá aos poucos uma reconstrução desses organismos (internacionais) e do multilateralismo".

Economia verde

Também foi dito que o Brasil deve unir o seu ativo de um dos maiores produtores de alimentos do mundo com a conservação ambiental. "O Brasil tem que recuperar o seu papel proativo em matéria de economia verde e desenvolvimento sustentável", resumiu Ricupero. Kalout destacou que o fato de o País ser potencial agrícola e ambiental não deve ser excludente. "Podemos perfeitamente ser o maior líder mundial na produção agrícola e manter nossa capacidade de influir no sistema multilateral sobre grandes recomendações das linhas ambientais. É um falso dilema".

Venezuela

Os debatedores concordaram que o Brasil precisa fornecer uma solução para a crise política e econômica da Venezuela. "O Brasil é o maior vizinho, o maior país da região, não pode ficar de fora", disse Amorim, que criticou os bloqueios econômicos ao país. "Ferem o direito internacional e o direito humanitário".
O ex-chanceler fez questão de afirmar que não concorda com tudo que é feito pelo regime, "independente do qualificativo que queira usar". "Tipificar certa situação para bloquear sua própria capacidade de dialogar e encontrar soluções não é bom", respondeu, quando questionado se o país era uma ditadura. Celso Lafer destacou que o Brasil tem dez vizinhos e trabalhar em paz com eles é um dos principais objetivos da política externa brasileira, enquanto Aloysio Nunes afirmou que é preciso manter o diálogo e a cooperação com os vizinhos. 
Nunes criticou o fato de o Brasil ter retirado diplomatas funcionários da embaixada e dos consulados do Brasil na Venezuela. "Chega a ser cruel", disse. "Só se retira todos os diplomatas em guerra", complementou Amorim.

Brazil Conference

Ainda participarão da edição online da Brazil Conference o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), os governadores João Doria (PSDB-SP), Helder Barbalho (MDB-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES), entre outros.
Para mais informações acesse o site do evento: https://www.brazilconference.org/

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