Para aqueles que não sabem eu tenho uma grande admiração pelo economista Samuel Pessoa, economista do IBRE-FGV e colunista da Folha de São Paulo. Trabalhamos juntos no Senado Federal e, desde então, nos comunicarmos com certa frequência. Samuel tem quatro grandes qualidades profissionais invejáveis.
Primeiro, tem uma forte formação teórica como poucos que conheço. Segundo, tem uma vasta leitura que vai muito além de textos e livros de economia. Nas suas férias recente, por exemplo, aproveitou a beleza das praias de Maceió para ler um livro sobre a revolução Constitucionalista de 1932. Terceiro, propositadamente se afastou da sala de aula e passou a escrever com mais frequência nos jornais e a dar entrevistas. O que o tornou um qualificado formador de opinião. Escutei de um amigo da CEPAL esta semana o seguinte: “estou impressionado como o Samuel Pessoa faz boas provocações”.
Quarto, Samuel muda de opinião. Há pouco mais de dois anos mostrei a ele um texto que ele próprio havia escrito, em 2006, com comentários críticos do então Deputado Federal pelo PSDB na época e hoje prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes. Samuel ficou estarrecido com algumas posições do economista Samuel Pessôa de 2005/2006, muito mais normativo do que o atual que fala de pacto social e de escolhas da sociedade.
Gosto muito mais da sua versão moderna do que da sua versão de 2004/2005, quando ele em um debate com a ex-senadora Heloisa Helena na Câmara dos Deputados sobre salário mínimo falou que: “Senadora, no meu mundo não há espaço para o crescimento do salário mínimo acima do crescimento da produtividade”. O Samuel de hoje falaria que isso é uma escolha social com custo e benefícios e caberia aos políticos explicitar para a sociedade esses custos e benefícios para a tomada de decisão. Concordo 100% com ele. Eu não acredito em pessoas iluminadas por mais inteligentes que sejam e que acham que podem “resolver os problemas da sociedade”.
Por gostar de um debate o mais transparente possível, inclusive com pessoas que pensam diferente da sua forma de pensar, Samuel sai do sério com propostas do tipo: “controlar o crescimento do gasto público com choque de gestão”; quando alguns heterodoxos defendem uma maior desvalorização da taxa de câmbio e não falam que, no curto prazo, os salários reais diminuiriam; quando algum economista propõe aumento da poupança pública e ao mesmo tempo fala em expandir os gastos sociais, sem explicitar que seria necessário aumentar a carga tributária; etc.
Por que estou falando sobre Samuel Pessôa? porque o artigo que ele escreveu hoje na Folha de São Paulo (clique aqui) encaixa como uma luva na sua luta por um debate mais qualificado e transparente.
Samuel vem nas últimas semanas refletindo sobre o modelo nacional desenvolvimentista e a importância da indústria. Na visão do Samuel não é certo que, no mundo atual, o desenvolvimento esteja ligado ao tamanho da participação da indústria no PIB. Por exemplo, a única forma de o Brasil se tornar desenvolvido é aumentando a participação da indústria no PIB e modificar o mix da produção industrial? Samuel acha que não, mas está aberto ao debate.
Mas o economista Luiz Gonzaga Belluzzo tentou dar “uma aula” a Samuel mostrando a importância da revolução industrial no desenvolvimento de alguns países (clique aqui). O problema é que Belluzzo fugiu do debate e usou uma evidência histórica para tentar solucionar falsamente o debate que Samuel havia começado.
Se a crescente participação da indústria no PIB está ligado ao crescimento de algumas economias no sec. XIX e XX, então podemos concluir que, sem sombra de dúvidas, o Brasil precisa fazer um esforço descomunal para aumentar a participação da indústria no PIB pois essa é a única forma de o país se tornar uma economia desenvolvida?  Qual deve ser participação da indústria no PIB? quanto maior melhor? Será que é preciso aumentar a participação da indústria no PIB dos atuais 13% para 20% do PIB para que o país possa crescer de forma sustentável? E que tal 25% do PIB? por que não mais?
Ao invés de entrar no debate proposto por Samuel Pessôa e discutir experiências de política industrial do século XX vis-à-vis o tipo de política industrial que adotamos desde 2008, Belluzzo tentar dar uma aula de revolução industrial para explicar a importância da indústria hoje. Samuel raramente perde a calma mas, com razão, mandou um recado muito claro para Belluzzo:
“Sempre que se depara com alguém que pensa diferente, sua reação é presumir a ignorância do interlocutor, o que resulta em longas exposições por parte do professor, que procura desqualificar a divergência recorrendo à erudição ligeira.... o professor preferiu confrontar minhas ideias com uma longa exposição sobre a história econômica da Europa do século 18 ao 19 e a Revolução Industrial, com floreios de citações literárias.”
Esse debate mostra muito bem a dificuldade de se debater de forma transparente a atual política econômica. Se você questiona o benefício de determinados subsídios, você é chamado automaticamente de “neoliberal” de uma forma pejorativa ou de inimigo da indústria. O que me deixa particularmente inquieto é que alguém com a história e cultura do professor Luiz Belluzzo faça algo semelhante.