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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O governo dos trabalhadores industriais reprimarizou a economia brasileira: ironia?

Essas surpresas da história: o partido dos trabalhadores, dotado de uma ideologia típica do stalinismo industrial, e representante auto-nomeado dos trabalhadores industriais, foi o maior responsável, com sua política econômica aloprada, conseguiu desindustrializar o Brasil de maneira radical – a participação da indústria caiu à metade durante o período – e tornou a economia brasileira muito dependente da produção e exportação de produtos primários, uma situação "colonial" vergonhosa para o partido que, supostamente defendia o proletariado industrial.
Paulo Roberto de Almeida

Cinco commodities já concentram 44% das vendas externas

Por Sergio Lamucci | De São Paulo

Valor Econômico, 19/12/2017

A concentração da pauta de exportações do Brasil em produtos primários voltou a aumentar em 2017, depois de dois anos de queda. De janeiro a novembro, cinco commodities responderam por 44% das vendas ao exterior, acima dos 40% registrados no mesmo período do ano passado.
O maior peso é do complexo soja, com peso de 15,3% das exportações no acumulado do ano, seguido por minério de ferro (8,8%), óleos brutos de petróleo (7,7%), complexo carnes (6,9%) e açúcar (5,4%), segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).
Num cenário de crescimento mais forte da economia global, as vendas de produtos primários ganharam fôlego neste ano, ao mesmo tempo em que as exportações de bens industriais avançaram em ritmo mais modesto, diz o economista Fernando Ribeiro, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Isso evidencia os problemas de competitividade da indústria", afirma. Com isso, as exportações se concentram nas commodities, segmento em que o Brasil é mais competitivo.
Conquistaram espaço na pauta de vendas externas o complexo soja (grão, farelo e óleo), o minério de ferro e o petróleo. No caso da soja, o que cresceu mais net ano foi a quantidade embarcada. De janeiro a novembro, o volume exportado da chamada soja mesmo triturada subiu quase 30% em relação ao mesmo período de 2016, enquanto as cotações do produto avançaram apenas 0,8%.
No caso do minério de ferro, o efeito predominante foi dos preços, que subiram 47% de janeiro a novembro. Os volumes vendidos cresceram 3,5%. Já as exportações de petróleo aumentaram devido à combinação de expansão robusta tanto de preços como de quantidades. De janeiro a novembro, as cotações subiram 31% sobre igual período de 2016, ao passo que os volumes tiveram alta de 25%.
O pico da participação das cinco commodities na pauta de vendas externas foi atingido em 2011, quando os preços de exportação do Brasil atingiram a máxima histórica, puxada pela alta das cotações. De janeiro a novembro daquele ano, o conjunto desses cinco produtos respondeu por 46,2% das vendas externas totais. Em 2000, essa fatia não chegava a 20%.
O boom de commodities ganhou força especialmente a partir de 2004. Depois de agosto de 2011, os preços de exportação passaram a recuar gradualmente, caindo com mais força a partir de agosto de 2014. As cotações de commodities começaram a se recuperar a partir de meados do ano passado, destaca Ribeiro.
O aumento das exportações de soja, minério de ferro e também petróleo teve um peso importante do "efeito China", como destaca o economista Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre–FGV). Das exportações de soja mesmo triturada, quase 80% se destinam ao país asiático, observa ele. No caso das vendas de minério de ferro, a China absorveu 54% das exportações do produto no período de janeiro a novembro; no do petróleo, 43%, de acordo com números do Mdic.
Para o economista do Ibre, o inconveniente de um país só ser o destino de boa parte das vendas de determinado produto é que torna mais complicada a negociação de preços, dado o poder de mercado do comprador. Observa, porém, que há grande complementaridade entre o que o Brasil produz e o que a China demanda, o que torna o país asiático um destino natural para as exportações brasileiras.
Ribeiro, do Ipea, observa que as exportações de produtos industriais pelo Brasil mostram pouco fôlego, ainda que haja exceções. De janeiro a outubro, o volume exportado de produtos manufaturados cresceu 4,6% em relação ao mesmo período de 2016, alta inferior aos 11,9% dos produtos básicos, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Não há dados disponíveis ainda para novembro.
Uma das exceções da indústria manufatureira é o setor de veículos automotores, reboques e carrocerias subiram, onde as quantidades destinadas ao exterior subiram 32,2% no período de janeiro a outubro. O economista do Ipea observa, porém, que essa alta se deu sobre uma base muito fraca. Para comparar, ele diz que o volume de exportações de veículos, mesmo com a alta acima de 30% neste ano, ainda deve ficar 10% abaixo do registrado em 2006.
Em 2016, as quantidades destinadas ao exterior de manufaturadas cresceram 8%, num ano em que as de básicos encolheram 2,8%. Neste ano, as exportações industriais avançam a um ritmo mais fraco, mesmo num cenário de demanda global mais forte e com um câmbio que, se não é extremamente desvalorizado, não parece inviabilizar as vendas externas, diz o economista do Ipea, o que mostra as dificuldades de competição da indústria. Custo elevado da mão de obra, deficiências de infraestrutura e defasagem tecnológica são alguns dos obstáculos.
Nesse cenário, as exportações de produtos primários ganham terreno na pauta, num ambiente de crescimento global mais forte. Para o economista do Ipea, a tendência é que a fatia das cinco commodities continue a avançar no ano que vem.
O problema de uma pauta tão concentrada em poucos produtos primários o é uma parcela expressiva das exportações fica muito sensível a choque de preços, diz Fernando Ribeiro. A questão é que as cotações de commodities tendem a oscilar mais.
Já Livio Ribeiro considera que a concentração não é um problema em si. O Brasil, lembra ele, tem grandes vantagens comparativas nos segmentos de commodities. "A questão mais importante é usar de forma mais eficiente um eventual ganho de renda proporcionado pelas exportações adicionais desses produtos, atacando carências, por exemplo, em áreas como infraestrutura e educação", afirma Ribeiro. "O ponto central é promover eficiência, seja no uso do dinheiro, seja em toda a economia."

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O "milagre" de Hong-Kong e o seu autor - livro biografia sobre John Cowperthwaite

Na verdade, não tem nenhum milagre. Apenas Adam Smith aplicado na prática, e constantemente.
Muito tempos antes que o World Economic Forum ou o Insead, ou a Heritage Foundation e o Fraser Institute, começassem a fazer os seus rankings e classificações de liberdade econômica, de competitividade, de bom ambiente para negócios, Milton Friedman já tinha detectado o sucesso que era e estava se tornando Hong Kong, um monte de pedras, algumas ilhas, que não tinham absolutamente nada em cima, a não ser uma boa localização no sul da China, perto do enclave português, bem mais antigo, que era Macau.
Pois bem: depois que a colônia inglesa (que tinha sido atribuída à Grã Bretanha por cem anos, de acordo com os tratados desiguais do século XIX) foi libertada da dominação japonesa ao final da Segunda Guerra -- um dos que ficaram presos ali foi o militar Charles Boxer, futuro historiador do império marítimo português -- sua renda per capita era menos da metade da renda per capita da metrópole. Bem antes da colônia ser devolvida à China, a renda já tinha ultrapassado a da metrópole, e atualmente é mais de 30% superior, e isso a despeito, desde os anos 1950 (pós-revolução comunista no continente), de um afluxo constante de refugiados e emigrados de várias partes da Ásia, buscando simplesmente liberdade para empreender, pessoas miseráveis, chegando sem qualquer pertence, muitas delas dormindo em cortiços na cidade (que ainda existem) ou em sampans no rio ou na sua embocadura. São essas pessoas miseráveis que criaram a riqueza de Hong Kong, como aliás dizia Adam Smith, seguida pelo administrador inglês da colônia, o homem que criou a sua prosperidade, e que é objeto desta biografia resenhada nesta matéria.
O que dizia Adam Smith, além da sua famosa frase sobre a "mão invisível", que muitos equivocadamente elevam à condição de teoria, quando é uma simpes imagem. Adam Smith disse o seguinte:

Little else is requisite to carry a state to the highest degree of opulence from the lowest barbarism, but peace, easy taxes, and a tolerable administration of justice; all the rest being brought about by the natural course of things. All governments which thwart this natural course, which force things into another channel, or which endeavor to arrest the progress of society at a particular point, are unnatural, and to support themselves are obliged to be oppressive and tyrannical.

E não venham me dizer que esses princípios só se aplicam em situações especiais, em países pequenos, em cidades-Estado, como Cingapura e Hong-Kong, justamente.
Não: princípios de governo se aplicam em quaisquer circunstâncias, qualquer que seja o tamanho do país, por mais pobre que ele seja. O Brasil podia aprender com isso.
Elementar, não é?

Paulo Roberto de Almeida​
Brasília, 18 de agosto de 2017


The man behind the Hong Kong miracle



I have just finished reading Neil Monnery’s new book, Architect of Prosperity: Sir John Cowperthwaite and the Making of Hong Kong. This fascinating account of the rise of Hong Kong as a global economic powerhouse is well written and, as such, easy to read and understand. I’m happy to recommend it wholeheartedly to CapX’s discerning readership.
I first became interested in the story of Hong Kong in the late 1990s. The emotional handover of the colony from the United Kingdom to China, for example, is deeply impressed on my memory. But also, as part of my doctoral research at the University of St Andrews, I read a number of essays about the rise of Hong Kong written by the Nobel Prize-winning economist Milton Friedman. Friedman, an advocate of the free market and small government, believed that individuals, when left unmolested, will strive to improve their lives and those of their families. Prosperity will follow.
His was similar to Adam Smith’s insight:
“Little else is requisite to carry a state to the highest degree of opulence from the lowest barbarism, but peace, easy taxes, and a tolerable administration of justice; all the rest being brought about by the natural course of things. All governments which thwart this natural course, which force things into another channel, or which endeavor to arrest the progress of society at a particular point, are unnatural, and to support themselves are obliged to be oppressive and tyrannical.”
No country in modern history has come as close to Smith’s ideal as Hong Kong. The territory that the British Foreign Secretary Viscount Palmerston described as “a barren island with hardly a house upon it” was once very poor. In the immediate aftermath of World War II and Japanese occupation, its per capita income was about a third of that in the United Kingdom.
By the time British colonial rule ended, Hong Kong was 10 per cent richer than the mother country. Last year, the former colony was 37 per cent richer than the UK. It is, therefore, apposite that the man credited with Hong Kong’s success should be a Scottish civil servant, a University of St Andrews alumnus, and a devotee of Adam Smith: Sir John Cowperthwaite.
As Monnery explains, Cowperthwaite was not the first small government advocate to oversee the colony’s economy and finances. A succession of colonial governors and their financial secretaries ran a shoe string government. But, they did so out of financial necessity, rather than deep ideological commitment to small government.
As Financial Secretaries, Geoffrey Fellows (1945-1951) and Arthur Clarke (1951-1961) established a regime of low taxes and budgetary surpluses, and free flow of good and capital. To those foundations, Cowperthwaite (1961-1971) added not only the vigour of his convictions, but also a handpicked successor, Philip Haddon-Cave (1971-1981). By the time Haddon-Cave departed, the success of Hong Kong’s experiment with small government was undeniable not only to the British, but also to the Chinese. Margaret Thatcher embarked on her journey to dismantle British socialism in 1979, while Deng Xiaoping started undoing the damage caused by Chinese communism in 1978.


And that brings me to the most important reason why Cowperthwaite, rather than Fellows and Clarke, deserve to be credited with the rise of Hong Kong. Basically, he was the right man at the right place in the right time – the 1960s. It was all well and good to run a small government when the colony was still poor. By the 1960s, however, the colony was prospering and demands for higher government spending (as a proportion of GDP) were increasing. As an aside, the government’s nominal spending increased each year in tandem with economic growth. To make matters much worse, socialism, be it in its Soviet form (i.e., central planning) or in its more benign British form (state ownership of the commanding heights of the economy) was ascendant.
In fact, just before departing from Hong Kong, Clarke appears to have had a sudden crisis of confidence in the colony’s economic model, noting:
“We have, I think, come to a turning point in our financial history … There seem to be two courses we can follow. We can carry on as we are doing … Or we can do something to plan our economy … Which course should we adopt?”
Mercifully, Cowperthwaite was able to articulate the reasons for staying the course. In his early budget debates, he noted:
“I now come to the more general and far-reaching suggestion made by Mr Barton and Mr Knowles, that is, the need to plan our economic future and in particular, the desirability of a five-year plan. I would like to say a few words about some of the principles involved in the question of planning the overall economic development of the colony.
“I must, I am afraid, begin by expressing my deep-seated dislike and distrust of anything of this sort in Hong Kong. Official opposition to overall economic planning and planning controls has been characterised in a recent editorial as ‘Papa knows best.’ But it is precisely because Papa does not know best that I believe that Government should not presume to tell any businessman or industrialist what he should or should not do, far less what he may or may not do; and no matter how it may be dressed up that is what planning is.”
And:
“An economy can be planned, I will not say how effectively, when there unused resources and a finite, captive, domestic market, that is, when there is a possibility of control of both production and consumption, of both supply and demand. These are not our circumstances; control of these factors lies outside our borders. For us a multiplicity of individual decisions by businessmen and industrialists will still, I am convinced, produce a better and wiser result than a single decision by a Government or by a board with its inevitably limited knowledge of the myriad factors involved, and its inflexibility.


“Over a wide field of our economy it is still the better course to rely on the nineteenth century’s ‘hidden hand’ than to thrust clumsy bureaucratic fingers into its sensitive mechanism. In particular, we cannot afford to damage its mainspring, freedom of competitive enterprise.”
It is not clear whether Cowperthwaite ever read Friedrich Hayek’s 1945 essay, “The Use of Knowledge in Society”, which posits that allocation “of scarce resources requires knowledge dispersed among many people, with no individual or group of experts capable of acquiring it all”, or whether he came to the same conclusions as the Austrian Nobel Prize-winning economist on his own. But, even if he were consciously or sub-consciously influenced by Hayek, it speaks much of Cowperthwaite “the thinker” that he took Hayek’s insights to heart, unlike so many decision-makers around the world, who succumbed to the Siren calls of socialism.
And so it was with considerable amazement that, towards the end of my first year at St Andrews, I discovered Cowperthwaite and I were neighbours. His house on 25 South Street was a few hundred feet away from Deans Court, the University’s post-graduate student residence. I immediately wrote to him and he responded, asking me to come for tea. I spent a wonderful afternoon in his presence and kept in touch with him during my remaining time at St Andrews.
Last time I saw him, he came to the launch of the libertarian student magazine Catallaxy, which my friend, Alex Singleton, and I wrote together. As he took his leave, I saw him walk down Market Street and got a distinct feeling that it would be for the last time. Shortly after I graduated and moved to Washington. A new life and new job took precedence and St Andrews slowly receded down memory lane.
Neil Monnery’s book made those wonderful memories come alive again. His work has immortalised a man to whom so many owe so much. Architect of Prosperity is an economic and intellectual history. Above all, it is a tribute to a principled, self-effacing, consequential and deeply moral man. Monnery deserves our gratitude for writing it.
Marian Tupy is Editor of HumanProgress.org and a senior policy analyst at the Center for Global Liberty and Prosperity

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domingo, 25 de junho de 2017

Brasil na armadilha da renda media - Antony Mueller (Mises Brasil)

Excelente artigo do Antony Mueller​, que explica exatamente o que seja a "armadilha da renda média", na qual o Brasil está desde muito tempo "encurralado" (e este é o termo exato). O autor discute na verdade não fenômenos microeconômicos -- ou seja, estritamente situados no campo da economia -- mas processos de tipo macro, nos quais políticas públicas equivocadas (intervencionismo, protecionismo, cartorialismo) deixam o país encerrado numa situação de renda média (de fato, com deterioração de diversos serviços coletivos estatais). Nada impediria, a rigor, um empresário de inovar individualmente, mas num ambiente de negócios deletério isso se torna muito custoso, por vezes impossível. Se formos agregar a isso uma classe política rentista e crescentemente extratora, como temos no Brasil, a armadilha se converte em maldição, ou em buraco sem fundo e sem saída. Seria esse o destino do Brasil? Talvez. Mudar mentalidades é sempre difícil.
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil na armadilha da renda média
Antony Mueller 
 

Mises Brasil, 2013
Introdução
A armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de estagnação após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana.  Tendo chegado ao nível da renda média, a trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa de ser sustentável.  
Durante a fase da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão econômica em decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as cidades industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração e pela acumulação de capital.  As taxas de crescimento econômico são altas porque a mão-de-obra é abundante e barata, e a acumulação de capital ainda gera altos retornos.
As taxas de crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante e o retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.
O Brasil representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou em políticas erradas que pioraram a situação.
O conceito da armadilha da renda média
Como dito, o termo "armadilha da renda média" denota a situação de uma economia emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai dele.  Atualmente, o Banco Mundial define a faixa entre US$1.036 e US$4.085 per capita como "baixa renda média" e entre US$4.086 e US$12.615 como "alta renda média".
De acordo com o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do limite da categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda média alta.
Classificação
Renda nacional per capita em US$
Países representativos selecionados
Alta renda
> 12.616
Suíça    (82.730)
Renda média alta
4.086-12.615
Brasil   (11.630)
Renda média baixa
1.036-4.085
Paraguai (3.290)
Renda baixa
< 1.035
Congo       (200)
Tabela 1: Faixas da renda segundo classificação do Banco Mundial — Fonte: Banco Mundial
Estar preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da decolagem. Em vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de crescimento fraco, como mostra a figura abaixo.
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Figura 1 - A linha verde mostra a trajetória de um crescimento sustentado; a linha vermelha sólida mostra a entrada na armadilha da renda média; e a linha vermelhada tracejada mostra uma trajetória de crescimento insustentável.
A armadilha da renda média significa que o país não consegue alterar sua estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo para um modelo de economia competitiva, empresarial e inovadora.
Imitar as economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a economia emergente e os países avançados é grande.  Quando a distância diminui, a imitação torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é desconhecido e exige experimentação para se descobrir qual tecnologia irá funcionar.  Esta trajetória envolve um constante processo de tentativa e erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a mera imitação de tecnologias maduras.
Quanto mais a economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias pioneiras, mais este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa pela próxima tecnologia.  No entanto, dado que os governos dos países emergentes sempre tendem a manter suas intervenções sobre a economia, a transição para uma economia competitiva e moderna encontra uma inflexível resistência da parte do poderoso aparelho de funcionários das empresas estatais e da classe política.  Muitas vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma ampliação da atividade estatal.  O típico efeito colateral deste crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando como uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de entrar na faixa da alta renda.
Preso na armadilha
Os países emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e arcaico.  Não é raro que a velha elite passe a explorar o medo da população em relação à "tempestade perene da destruição criativa" (Schumpeter) do capitalismo dinâmico.
Porém, ao renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também acaba por rechaçar a prosperidade, e passa alimentar a ilusão de que é possível enriquecer dentro de um sistema estático.  Na realidade, os países em desenvolvimento que permanecem com um capitalismo de estado não apenas não ganham prosperidade, como também perdem a estabilidade quando inevitavelmente descambam no círculo vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema político comece a oscilar entre o autoritarismo e o populismo.  Vide Argentina e Venezuela, por exemplo.
O desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos.  O primeiro obstáculo consiste em saber superar a barreira que surge quando a baixa renda passa a limitar a poupança e os investimentos, e consequentemente a acumulação de capital.  O segundo grande obstáculo é a armadilha malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não sobe.  Foi a Revolução Industrial quem quebrou este padrão da estagnação.  Parte do mundo saiu da armadilha da pobreza.  Com o avanço da Revolução Industrial a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a produtividade econômica aumentou.  A armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e pavimentou o caminho para um grande aumento dos níveis de renda.
Um pequeno grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação.  Sucessivas revoluções industriais durante os últimos dois séculos levaram a ganhos cada vez maiores de produtividade.
No entanto, enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para trás.  Mesmo hoje, ainda há uma multidão de países presos na armadilha da pobreza e na armadilha malthusiana.  Um outro grupo de países que conseguiu obter a decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso na armadilha de renda média.  Apenas alguns países conseguiram realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar membros do clube dos países de alta renda.
O caso do Brasil
Quando o crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e habilidades.  Nesta fase, o Brasil não mudou a sua estratégia de crescimento.  Em vez de promover uma economia empreendedorial de inovação, o Brasil implantou uma política de forte protecionismo. Como consequência, o país experimentou fases de crescimento artificial que se degeneraram em recessões e altas taxas de inflação.  Na maioria das vezes, o Brasil pagou o preço de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.
Após um crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus fortes e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na década de 2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade econômica.  Em vez de pular para frente, a economia brasileira recuou.  Desde o começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento econômico do Brasil é de apenas 3%, o que significa que o país já se encontra novamente, e há um bom tempo, em uma armadilha da renda média.  
Para conseguir alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria apresentar uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os próximos 50 anos.  Só assim será possível alcançar o nível médio dos países de alta renda da OCDE.  Igualmente, seria necessária uma taxa de crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar ao nível da renda dos Estados Unidos.
Entre as economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países ricos.  O Brasil, com uma taxa de 1% durante o período de 1980 até 2011, está bem fora desta expectativa.  A China, no entanto, ainda está na fase de decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de crescimento econômico.  Não se deve excluir a possibilidade de que a China também caia na armadilha da renda média, como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia.  Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de crescimento econômico reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua contribuição para o crescimento econômico do Brasil.
Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande transformação em sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e imitadora e se tornando uma economia inovadora.  Para sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia econômica.  Em vez de uma transformação de cima para baixo, a economia precisa florescer de baixo para cima.  Esta mudança requer a liberalização dos entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor empreendedor.  Redução da carga tributária e eliminação do pesadelo burocrático são imprescindíveis.  O setor estatal deve abandonar seu intervencionismo ad hoc, o qual cria incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer segurança jurídica e institucional, e que facilite o empreendedorismo.
Porém, não apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política macroeconômica errada para lidar com a armadilha da renda média.  Em vez de liberar a economia, o estado cria cada vez mais controles e regulamentações.  Em vez de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a fortalecer ainda mais seu sistema de capitalismo de estado.  Em vez de abandonar as políticas macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu intervencionismo já extremado.
Adotar políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha da renda média apenas agrava a situação.  Falando em termos de teoria do crescimento econômico, ambas estas políticas levam a economia a um desequilíbrio entre poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio.  Uma atividade econômica que exceda este ponto de "crescimento equilibrado" é insustentável.  Sem o progresso tecnológico para compensar este hiato, a economia recua.  Ainda pior será a situação se o governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram uma redução da taxa nacional de poupança.  Neste caso, em consequência de um crescimento artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo de seu nível anterior de renda.
O grande erro desta política econômica está em confundir as consequências do crescimento econômico com suas causas.  A política macroeconômica que o Brasil adotou para lidar com a armadilha da renda média sofre do mesmo erro que Mises já havia denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras que tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de insumos ao seu dispor.  Este erro de cálculo não apenas faz com que a construção da casa não seja concluída, como também faz com que a casa nem sequer possa ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente projetado.  
Conclusão
Países de renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana, enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata.  Um país emergente cai na armadilha da renda média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de competir com os países de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo, ainda não possui a capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia. A continuidade da ingerência do estado na economia faz com que estes países caiam no regresso.
Tentar sair da armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não apenas não funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento público, e gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo.  O caso do Brasil e seus famosos "vôos de galinha" mostra como o país sofre de recorrentes ciclos de expansão econômica artificial seguida de contração.
Para continuar a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico.  No entanto, se o país recorre a déficits orçamentários e a inflações monetárias, a tragédia econômica está programada.  Para obter maiores níveis de produtividade, o Brasil teria de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi escolhido como o caminho para a decolagem.  Para sair da armadilha da renda média, o Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da destruição criativa.
Antony Mueller
é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica

sábado, 19 de novembro de 2016

Um pequeno resumo da historia economica do Brasil no seculo 20 - Paulo Roberto de Almeida

O pior do século
Desde a crise provocada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, e o declínio repentino dos preços dos produtos primários exportados pelo Brasil (nomeadamente e predominantemente o café), o Brasil não conhecia dois anos seguidos de regressão no seu PIB; isso ocorreu em 1930 e 1931, mas depois o Brasil se recuperou rapidamente, como se pode ver no gráfico construído pela revista The Economist, com base nos dados oficiais do IBGE. Com excessão de dois anos recessivos, mas separados, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, e das crises provocadas pela dívida externa, no início dos anos 1980, e pelo Plano Collor, uma década depois, a trajetória de crescimento do Brasil foi mais do que satisfatória, impressionante mesmo, como se pode constatar no gráfico. A partir do final dos anos 1960, quando os benefícios resultantes das grandes reformas conduzidas pela dupla Octávio Gouvea de Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento) frutificaram no grande crescimento dos anos 1970, o Brasil passou a crescer bem acima da média mundial, mais do que a maioria dos países latino-americanos e mesmo acima dos dinâmicos da região asiática, que ainda não tinha decolado de verdade.
    Depois da crise da dívida externa, e das acelerações inflacionárias da segunda metade dos anos 1980 e os primeiros anos da década seguinte, a trajetória se inverteu, e o Brasil passou a crescer menos do que a média mundial, e bem menos do que os emergentes asiáticos. Após as correções, em 1999, do Plano Real, introduzido em 1994, o Brasil se encontrava pronto para decolar, na medida em que completou o conjunto de reformas macroeconômicas — monetária, com as metas de inflação, fiscal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal e a prática dos superávits primários, e cambial, com a adoção do regime de flutuação —, e apenas necessitava fazer reformas estruturais de amplo espectro (tributária, laboral, educacional, previdenciária) ou de caráter setorial (industrial, agrícola, comercial, etc.), o que poderia fazê-lo deslanchar novamente para um novo ciclo de crescimento sustentado. Mas não foi o que se viu nos governos lulopetistas: a despeito do crescimento ter aumentado nos anos 2000 — muito em favor do próprio crescimento da economia mundial e sobretudo da demanda chinesa pelos nossos produtos primários de exportação — ele ainda ficou abaixo da América Latina, da média mundial e foi três vezes menor do que as taxas registradas nas economias mais dinâmicas da Ásia Pacífico. Ou seja, os governos lulopetistas — sempre gastando mais do que a arrecadação — desperdiçaram completamente uma oportunidade única para colocar o Brasil num novo patamar de desenvolvimento. Em sua última fase, a partir de políticas econômicas totalmente equivocadas, eles lançaram o Brasil no que poderia ser chamado de A Grande Destruição, fazendo o Brasil retroceder pelo menos dez anos em termos de PIB e provavelmente muito mais na qualidade das políticas econômicas: já são dois anos de forte recessão (com perda de 8% no PIB e 10% na renda) e promessa de recuperação medíocre pela frente. Foi também a primeira vez em nossa história econômica que a crise não teve nada a ver com algum estrangulamento externo ou penúria cambial, e sim uma crise criada inteiramente no plano interno, pela total incapacidade da equipe econômica lulopetista.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de novembro de 2016

terça-feira, 26 de julho de 2016

Defesa Nacional: componente da industria e do crescimento nacional - Rubens Barbosa (OESP)

DEFESA NACIONAL: POR UM PAÍS MAIS SEGURO
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 26/07/2016

            No momento em que a crise econômica afunda o Brasil em grave recessão e desemprego, obrigando o governo de transição a reduzir os gastos públicos de forma drástica de modo a diminuir o tremendo desequilíbrio fiscal, todos os setores da administração pública são afetados. É esta a herança dos treze anos de governo do PT.
            Nesse quadro conjuntural que deve se estender por alguns anos, torna-se ainda mais difícil justificar recursos para um dos setores mais importantes para a manutenção da soberania e da segurança do pais: aquele da Defesa, que detém apenas cerca de 1,5% do orçamento geral da União.
            País pacífico, cuja constituição advoga a solução negociada dos conflitos, a única guerra com vizinhos em que o Brasil se viu envolvido foi contra o Paraguai em 1865. Todos os conflitos de fronteiras foram resolvidos em entendimentos bilaterais ou por arbitragem.  Com esse pano de fundo, não é difícil explicar a falta de uma forte cultura de Defesa, como nos EUA, na Rússia e na Europa. Os 21 anos de autoritarismo contribuíram, por outro lado, para as restrições à renovação do equipamento militar obsoleto pelo medo talvez de estimular o ressurgimento do poder militar no Brasil. Hoje conhecemos os nomes do juízes da suprema corte, mas, ao contrário do que ocorreu entre 1964 e 1984, não sabemos quem são os comandantes militares, apenas a identidade do ministro civil da Defesa.          
            A ausência dessa cultura de Defesa explica, em grande parte, as constantes reduções de recursos públicos para a manutenção da capacidade operacional das três forças. E isso não parece despertar qualquer preocupação na sociedade quanto aos riscos para a proteção de nosso território terrestre (fronteiras) e marítimo (plataformas de exploração de petróleo) e para uma reação adequada às novas ameaças globais, como o tráfico de armas, de drogas, do terrorismo e da guerra cibernética. 
            O mundo se tornou mais complexo e ameaçador. O terrorismo exige recursos e atenção redobrada para tornar o pais mais seguro. O Brasil não é uma ilha e não se pode esperar que sempre estaremos livres de atentados de facções terroristas ou do crime organizado.
Nos dias que correm, não somente o reequipamento das forças armadas -  seguidamente chamadas a desempenhar funções na área de segurança pública, como agora nos jogos olímpicos - mas programas essenciais para a defesa nacional tiveram recursos cortados. Entre outros, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) que, com o atraso previsto pela falta de recursos, só estará finalizado em 2040, o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SISGAAZ) e o Programa Espacial Brasileiro. Este adiamento vem afetando toda a cadeia produtiva, com grande número de falências das empresas participantes e crescente taxa de desemprego no setor.  Para se ter uma ideia da gravidade da situação, a quase totalidade dos projetos que deveriam ser executados até 2021 foram postergados para 2031, quando a tecnologia utilizada já estará desatualizada e terá de ser substituída.
            Segundo dados do Ministério da Defesa, a falta de recursos deixa 46% da frota da marinha parada, sem navios de escolta necessários para dar proteção às plataformas do pré-sal. No exército, os frequentes contingenciamentos exigiram a redução drástica da linha de produção do carro blindado Guarani, que poderá levar a empresa construtora do equipamento a suspender a produção por falta de pagamento. Na aeronáutica, quase metade da frota aérea está parada. A construção do avião cargueiro KC 390 só prossegue porque a Embraer , mesmo sem receber mais de R$ 1,5 bilhão devido pelo governo federal, está bancando o projeto sozinha, com o custo de atraso de dois anos.
            Em breve, o governo brasileiro deverá atualizar a Estratégia Nacional de Defesa, o Plano Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa. Realista e pragmaticamente, esses documentos deverão enfrentar esses problemas e prever formas para melhor utilização dos recursos e previsibilidade na liberação dos financiamento dos projetos mais estratégicos, pois não há uma percepção generalizada da necessidade da continuação desses programas de governo. Seria importante que a discussão desse documentos não ficasse restrita ao Ministério da Defesa, mas que o Congresso, através das Comissões de Relações Exteriores e Defesa (CRED) da Câmara dos Deputados e do Senado, além de instituições privadas interessadas no assunto pudessem participar do debate e contribuir para seu conteúdo. A CRED do Senado divulgou excelente relatório do Senador Ricardo Ferraço sobre as políticas públicas relacionadas à indústria nacional de defesa, com recomendações que deveriam ser examinadas e debatidas.  O Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (IRICE) já programou para setembro um encontro em São Paulo para começar a discutir esses temas que são de grande relevância para o Brasil.
            A industria brasileira de defesa, em especial a empresa estratégica, terá de se associar e formar "joint ventures" com empresas estrangeiras para ter acesso a novas tecnologias e financiamento, enquanto não houver avanço autóctone significativo em inovação e  financiamento. Formas criativas terão de ser examinadas, como, entre outras, por exemplo, o desconto adiantado de títulos de recebimento de pagamentos do governo para haver disponibilidade imediata de recursos.         
            A recuperação da economia e a volta ao crescimento permitirão que a discussão sobre o papel das Forças Armadas na defesa de nosso território seja ampliada. Nenhum pais pode se dar ao luxo de ignorar essa necessidade. O "soft power" representado pela ação do país no exterior, através de sua política externa, para ser efetivo, deve estar fundado num "hard power" que respalde o interesse nacional.

Rubens Barbosa, Diretor Alterno do Comdefesa (Fiesp) e presidente do IRICE.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Roberto Macedo: uma estrategia de crescimento (e precisa de uma?)

Eu tendo a acrescentar que nem precisaria de estrategia nenhuma, que tendem a ser "planejadas" por tecnocratas distanciados do mundo da produção pois a sociedade, deixada em liberdade econômica, tenderia a criar uma ordem espontânea favorável ao crescimento, desde que o Estado, os políticos, não atrapalhassem muito...
Paulo Roberto de Almeida

Estratégia - crescimento econômico

ROBERTO MACEDO*
O Estado de S. Pauo, 
Este artigo integra série voltada para uma estratégia diante da atual crise política, econômica e social (os artigos estão disponíveis em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, o primeiro em 19/11/2015 e os demais na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês).
Como um país cresce economicamente? Começo pelo que é crescimento econômico, em seguida descrevo o processo pelo qual ele ocorre e dentro desse processo as forças que atuam com maior vigor. Ele é, num país, o aumento do seu produto interno bruto (PIB) por habitante. Esse produto vem da interação de trabalho, capital produtivo e tecnologias disponíveis. A incorporação de mais trabalhadores aumenta o PIB se com força suficiente para ampliá-lo por habitante. O mesmo se dá com mais capital produtivo, como máquinas em geral e terras agrícolas.
A maior qualificação dos trabalhadores agrega valor ao PIB, daí a importância da educação, do ensino técnico e do treinamento no trabalho. O mesmo se verifica se o capital se torna mais eficiente, como pela incorporação de máquinas mais produtivas. E há desenvolvimentos tecnológicos que ampliam a produtividade tanto do trabalho quanto do capital, como os ocorridos nas telecomunicações. Inovações em produtos também são estimulantes, ao gerarem demanda adicional que amplia a produção.
Mas por que alguns países crescem mais do que outros?
A resposta é bem mais complexa. Um famoso historiador econômico, David Landes, dedicou-lhe cerca de 500 páginas de seu livro A Riqueza e a Pobreza das Nações (Editora Campus, 1998).
Ao concluir, afirma que a cultura faz toda a diferença entre países. Cultura no sentido lato, dos valores intrínsecos e atitudes que guiam o comportamento da população de um país. Um exemplo dessa influência cultural, apontado por Landes, vem da análise de Max Weber, sobre a evolução do capitalismo nos Estados Unidos, na qual destaca o papel da ética do protestantismo. Ela enaltecia uma vocação ou um compromisso efetivo com o trabalho voltado para necessidades materiais, e sem prodigalidade na utilização dos lucros obtidos desse esforço, o que acelerava e levava à acumulação de capital.
Landes diz que essa visão ainda se sustenta. Também aponta outras influências culturais positivas, como na recuperação do Japão e da Alemanha no pós-2.ª Guerra e o avanço ainda mais recente da China e da Coreia do Sul. E ressalta que “o que conta é o trabalho, o uso cuidadoso do dinheiro e dos bens, e honestidade, paciência e tenacidade.”
Ora, entre outras falhas, a cultura brasileira enfatiza muito o consumo, num descaminho agravado pelo populismo dos governos petistas e seu apego ao crédito consumista. A ênfase deve ser na poupança investida, inclusive a antecipada por crédito, como o habitacional e para atividades produtivas. Não conheço quem tenha prosperado sem poupar e investir, exceto herdeiros de quem fez isso no passado. E a poupança deve ser levada a investimentos que expandam a capacidade produtiva da economia e seu PIB por habitante. No Brasil há quem poupe dinheiro, em seguida levado a aplicações financeiras lastreadas na dívida pública, mas um governo que quase nada investe dessa forma. Ademais, com mais poupança própria o País seria menos dependente da externa e, assim, menos vulnerável à volatilidade que vem de fora.
A mesma questão foi abordada por Douglass North, laureado com o Prêmio Nobel de Economia de 1993. Seu livro mais conhecido é Institutions, Institutional Change and Economic Performance (Cambridge University Press, 1990). Foca nas instituições de uma sociedade, as “(...) suas regras do jogo, ou (...) as humanamente desenhadas restrições à liberdade de agir como quiser que dão forma à interação humana.” Esta, por sua vez, é um processo de escolhas, o que incorpora a visão de Landes, pois aí entram os traços culturais da sociedade.
Instituições assim definidas não devem ser confundidas com organizações, estas os entes ou jogadores atuantes nesse jogo, como partidos políticos, igrejas, empresas, sindicatos e agências governamentais. Para avançar economicamente é preciso que as regras do jogo, formais ou não, reforcem incentivos para que as organizações – e o povo em geral, acrescento – se engajem em atividades produtivas. E que não se fique quase que só a distribuir o resultado delas, ou a restringir a competição e as oportunidades, entre outras dificuldades que podem vir dessas regras. Acrescente-se também que elas devem ser estáveis para facilitar a interação humana no seu empenho na atividade produtiva.
No Brasil é comum dizer que nossas instituições funcionam, a exemplo do Judiciário e da Polícia Federal no trato que dão à Operação Lava Jato. Mas essa é uma visão mais voltada para organizações, e não para instituições no sentido dado por Douglass North. Entre outros aspectos, nossas regras do jogo tributário distorcem incentivos à produção, as orçamentárias não impediram a desastrosa crise fiscal em andamento, e no pré-sal foi prejudicada a própria Petrobrás e reduzida a competitividade no setor. Houve outras intervenções também desestimulantes da atividade produtiva em setores como os da eletricidade e do etanol. No geral, ao sucessivamente violar regras do jogo, o governo gerou essa enorme incerteza que inibe decisões de consumidores e empresários, com o que a atividade produtiva foi seriamente prejudicada.
Neste momento em que o País procura definir agendas ou estratégias para enfrentar a imensa crise em que se debate, essas ideias sustentadas pela lógica econômica e pela evidência histórica devem ser levadas em conta. É preciso ir às raízes dos problemas. Assim, numa estratégia de crescimento há que enfrentar traços inconvenientes da cultura do país e das regras do jogo econômico em que interagem seu povo e suas organizações.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Emprego nao resulta necessariamente em crescimento economico - Frank Shostak (Mises)

Você também é daqueles que acredita que em momentos de crise é melhor o governo pagar gente para abrir e fechar buracos?
Pois pense duas vezes. Think again.
Este artigo vai fazer você revisar essa opinião...
Paulo Roberto de Almeida

Employment Does Not Drive Economic Growth
Frank Shostak
Mises Daily, February 19, 2015


For the head of the Federal Reserve Board Janet Yellen — and most economists — the key to economic growth is a strengthening in the labor market. The strength of the labor market is the key behind the strength of the economy. Or so it is held. If this is the case then it is valid to conclude that changes in unemployment are an important causative factor of real economic growth.

This way of thinking is based on the view that a reduction in the number of unemployed persons means that more people can now afford to boost their expenditures. As a result, economic growth follows suit.

We Need More Wealth, Not Necessarily More Employment

The main driver of economic growth is an expanding pool of real wealth, gained through deferred consumption and increases in worker productivity. Fixing unemployment without addressing the issue of wealth is not going to lift economic growth as such.

It is the pool of real wealth that funds the enhancement and the expansion of the infrastructure, i.e., an expansion in capital goods per individual. An enhanced and expanded infrastructure permits an expansion in the production of the final goods and services required to maintain and promote individuals’ lives and well-being.

If unemployment were the key driving force of economic growth then it would have made a lot of sense to eradicate unemployment as soon as possible by generating all sorts of employment.

It is not important to have people employed as such, but to have them employed in wealth-generating activities. For instance, policy makers could follow the advice of Keynes and his followers and employ people in digging ditches, or various other government-sponsored activities. Note that the aim here is just to employ as many people as possible.

A simple commonsense analysis however quickly establishes that such a policy would amount to depletion in the pool of real wealth. Remember that every activity, whether productive or non-productive, must be funded. When the Fed or the federal government attempt to increase employment through various types of stimulus, this can result in the expansion of capital goods for non-wealth generating projects which leads to capital consumption instead of growth.

Hence employing individuals in various useless non-wealth generating activities simply leads to a transfer of real wealth from wealth generating activities and this undermines the real wealth-generating process.

Unemployment as such can be relatively easily fixed if the labor market were to be free of tampering by the government. In an unhampered labor market, any individual that wants to work will be able to find a job at a going wage for his particular skills.

Obviously if an individual demands a non-market related salary and is not prepared to move to other locations there is no guarantee that he will find a job.

For instance, if a market wage for John the baker is $80,000 per year, yet he insists on a salary of $500,000, obviously he is likely to be unemployed.

Over time, a free labor market makes sure that every individual earns in accordance to his contribution to the so-called overall “real pie.” Any deviation from the value of his true contribution sets in motion corrective competitive forces.

Purchasing Power Is Key

Ultimately, what matters for the well-being of individuals is not that they are employed as such, but their purchasing power in terms of the goods and services that they earn.

It is not going to be of much help to individuals if what they are earning will not allow them to support their life and well-being.

Individuals’ purchasing power is conditional upon the economic infrastructure within which they operate. The better the infrastructure the more output an individual can generate.

A higher output means that a worker can now command higher wages in terms of purchasing power.

domingo, 9 de novembro de 2014

O processo de desenvolvimento segundo Peter Temin (resumido por Drunkeynesian)

Salários altos, Revolução Industrial e o Brasil de hoje 
The Drunkeynesian, quarta-feira, 2 de julho de 2014

 
"As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender" (Paulinho da Viola em Coisas do mundo, minha nêga)

Nessa pausa da Copa, aproveite o tempo para ler este paper de Peter Temin (professor emérito do MIT), uma revisão, em linguagem simples e acessível, da evolução da "Nova História Econômica" (que também atende pelo nome de cliometria.) A cliometria é produto tanto da quantificação da economia, cujo marco inicial foi a publicação do The Foundations of Economic Analysis, de Paul Samuelson, em 1947 (Samuelson tinha 32 anos, mortais—e é uma das celebridades que compartilham o dia de aniversário com este que vos escreve, como Raí e os gêmeos De Boer), quanto da evolução das técnicas econométricas, da disponibilidade de dados e do poder dos computadores para processá-los.

Temin destaca a pesquisa recente de Robert C. Allen, Hans-Joachim Voth e Nico Voigtländer (os dois últimos são coautores), que tenta responder a pergunta mais clássica de história econômica: por que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra no século XVIII? A narrativa que emerge desses trabalhos é fascinante. Vou tentar resumir em um parágrafo (já me perdoem pela heresia):

A Peste Negra, no século XIV, foi a mãe de todos os choques exógenos: surgiu inesperadamente e, em pouco tempo, reduziu drasticamente a oferta de mão de obra na Europa. Como consequências, para cultivar plantações cujo tamanho não mudou: i) salários subiram, ii) aumentaram os incentivos para adoção de novas tecnologias, iii) mulheres passaram a fazer parte da força de trabalho (tanto pela demanda por trabalhadores quanto pela adoção de tecnologias que diminuíram a necessidade de força física para o trabalho agrícola.) Com isso, mulheres passaram a se casar mais tarde e a ter menos filhos. A população passou a crescer mais lentamente, o que manteve a oferta de mão de obra restrita e os salários mais altos. Começava a se romper a "armadilha malthusiana": as famílias, menores, passaram a dispor de mais renda e puderam incrementar a alimentação (comer mais proteína animal), que, por sua vez, seguiu alterando o padrão da agricultura. A Revolução Industrial surge como uma tentativa de produtores reduzirem custos (já que empregar gente ficou permanentemente mais caro), alimentada pela criatividade de pequenos empreendedores que passaram a ter renda acima do nível de subsistência e tempo livre para experimentar (falta a peça do quebra-cabeça que explica o porquê da Inglaterra e não outro país europeu: energia barata, segundo Allen.)

Temin liga a história do desenvolvimento da Europa (depois replicada para outros continentes) aos problemas atuais de economia do desenvolvimento. A diferença entre a Europa pobre, pré-Revolução Industrial e a Europa rica que veio depois é similar à diferença corrente entre países pobres e países ricos: estes pagam salários maiores e usam tecnologia mais avançada. Ambos os fatores são, claro, interligados: salários mais altos justificam o investimento em tecnologia, e o aumento de produtividade sustenta níveis de renda maiores. A dificuldade está na transição: como fazê-la em (muito) menos que 400 anos e sem depender de um enorme choque exógeno. Se buscarmos respostas na história de sucesso da Europa, um bom começo passa por inclusão de mais mulheres na força de trabalho e redução da taxa de fertilidade.

Corta para o Brasil de hoje: um dos fatores mais importantes e menos alardeados da história econômica do país desde a redemocratização é uma profunda transição demográfica, que segue surpreendendo nós, pobres economistas. A taxa de fertilidade caiu muito rápido: lembro de um texto de Roberto Campos, acho que do início dos anos 1980 (estou sem o livro aqui, é um dos primeiros do Ensaios Imprudentes, salvo engano) que a listava como "o" principal problema do país. Tal problema desapareceu em pouco mais de uma geração: em 1980 esperava-se que cada mulher tivesse 4 filhos durante sua vida; hoje, menos de 2. Em mais uma geração, a população total do país deve começar a declinar, a partir de um pico de 220 milhões. A surpresa mais recente, e que ajuda a explicar porque o desemprego segue baixo mesmo após anos de atividade econômica fraca e salários subindo, é o baixo crescimento da população economicamente ativa (está bem explicado neste artigo do Marcelo Muinhos). Não só a população total cresce pouco como também, aparentemente, demora-se mais para entrar no mercado de trabalho, já que o aumento da renda das famílias permite financiar mais anos de educação e diminui a pressão para que jovens comecem a trabalhar o quanto antes.

A tragédia do Brasil recente é a produtividade, que é frequentemente ligada à adoção de tecnologia. Além dos dados, anedotas não faltam: os ônibus nas grandes cidades ainda empregam cobradores, o enorme contingente de empregadas domésticas, manobristas, garçons, frentistas, recepcionistas, porteiros... Claro que não se trata de simplesmente extinguir esse tipo de trabalho, mas criar condições para que os que se empregam nele consigam trabalhos melhores e sejam substituídos por tecnologia e processos mais avançados (exemplo: grandes prefeituras poderiam aproveitar o mercado de trabalho aquecido e criar projetos para acabar com cobradores de ônibus em poucos anos, oferecendo um pacote de alguns meses de salário e cursos de qualificação. Há, claro, uma briga necesária a ser comprada com sindicatos e afins.) É preciso criar um círculo virtuoso onde empregadores concluam que só conseguirão ser competitivos se diminuírem o uso de mão de obra, invistam em tecnologia e a mão de obra dispensada, suficientemente qualificada, consiga outros empregos, criados por novos investimentos visando um mercado consumidor maior e com mais poder aquisitivo. Mais fácil falar do que fazer, evidentemente, mas boa parte das condições de uma "revolução industrial contemporânea" estão dadas pela transição demográfica descrita acima. Essas condições precisam ser aproveitadas antes que prevaleça a história do "país que envelheceu antes de ficar rico."

A grande conquista dos governos no PT (muito ajudados por um grande choque de termos de troca entre 2002 e 2012, é sempre bom reconhecer), e que, na minha visão, é totalmente coerente com a história do partido, foi o aumento consistente dos salários reais. Como isso ocorreu com produtividade em queda, dependeu de uma grande redistribuição que está culminando, acredito, em taxas de lucro das empresas que não justificam novos investimentos (além da inflação persistentemente alta.) Se isso está correto, a política econômica dos próximos anos deve ser fortemente voltada para o lado da oferta, assumindo que, corretamente, as conquistas recentes em salários não podem retroceder e serão naturalmente defendidas pelos enormes grupos de interesse que se criaram em torno delas (a obviedade aparente do suicídio eleitoral que seria defender a desindexação do salário mínimo é um bom indicador da força dessa defesa.) Acho que, dentro da conjuntura, há pouco espaço para mais "trabalhismo" e muito para um "desenvolvimentismo" que tem pouco a ver com o significado que tem se dado à palavra. Criá-lo vai requerer muita criatividade e esforço de economistas e políticos que, por enquanto, ainda precisam gastar tempo e energia discutindo e pensando em questões como controle da inflação e disciplina fiscal.

Outros links:
—O paper de Voth e Voigtländer;
—Um resumo da pesquisa de Robert C. Allen;
—Se não conseguirem acessar o Temin no NBER, uma alternativa.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Que tal um novo 7 a 1? 7pc de inflacao e 1pc de crescimento... - um texto à propos...

Em 2010, trabalhando na China, li pela internet um texto de um colega, aliás Secretário de Planejamento Estratégico, depois de ter sido Secretário-Geral do Itamaraty durante sete anos, sobre como o Brasil iria, ou teria de, crescer 7% ao ano, e alcançaria os EUA até completar 200 anos de vida independente (enfim, cito de cabeça, preciso retomar o dito cujo). Discordei de cabo a rabo, se ouso dizer, e escrevi um artigo rebatendo ponto por ponto, mas sobretudo insistindo que o colega -- sim, ele mesmo, Samuel Pinheiro Guimarães -- tinha feito mais uma declaração política do que uma análise econômica.
Eu achava que o Brasil, com uma taxa de investimento inferior a 20% do PIB podia crescer no máximo a 2 ou 3% ao ano, esticando muito (com investimento estrangeiro) a 3,5%, e só. E dizia porque (mas não me lembro muito dos meus argumentos agora, pois não reli ainda o trabalho).
Pois bem, como é que eu podia imaginar, que os companheiros, assim tão voluntariamente e alegremente desenvolvimentistas, tão entusiasmados com a sua nova matriz econômica, iriam nos brindar com um SETE a ZERO na área econômica? Parabéns, eles conseguiram...
Bem, não quero tripudiar.
Submeto aqui, para a análise dos mais entendidos, esse meu artigo de 2010, feito inteiramente com base em pesquisas de internet -- com toda a dificuldade que isso representava na China, o Estado mais orwelliano que vocês poderiam encontrar na face da Terra; e não confundam com a Coreia do Norte, pois esse país é dadaísta-surrealista-kafkiano -- e com o único incômodo que ele se refere o tempo todo ao artigo do nobre colega, que está linkado no meu, e se não estiver disponível, creio que posso fornecer aos interessados.

“Como (Não) crescer a 7%”
Shanghai-Beijing, 20-27 junho 2010, 14 p. 
Comentários a texto de Samuel Pinheiro Guimarães sobre o crescimento do Brasil, evidenciado lacunas de seus argumentos (mais políticos do que econômicos) e indicando os requisitos do crescimento e as reformas indispensáveis a tal efeito. 
Publicado Espaço Acadêmico (ano 10, n. 110, julho 2010, p. 73-83; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/10517/5795). 
Republicada em Espaço da Sophia (ano 4, n. 39, agosto-setembro 2010; ISSN: 1981-318X). 
Postado no blog Diplomatizzando (23/12/2013; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/crescer-com-politica-economica-dos.html). 
Relação de Originais n. 2155; Publicados n. 979.

Alguns trechos: 
(...)
Os argumentos de SPG para “esperar” uma taxa de crescimento de 7% no Brasil dos próximos dez ou doze anos pertencem, numa avaliação generosa, a um terreno voluntarista ou puramente impressionista, já que em nenhum momento tratando dos condicionantes materiais, de natureza propriamente econômica, que deveriam sustentar esse tipo de esforço produtivo. Exemplo disso é sua conclusão, que merece ser citada para evidenciar a natureza puramente subjetiva de sua análise do crescimento brasileiro, um ato de vontade como outro qualquer: “caso se deseje manter o Brasil como país pobre e subdesenvolvido, basta crescer a taxas modestas, obedecendo a todas as metas e a supostos potenciais máximos de crescimento, e, assim, lograr manter a economia estável porém miserável. Este baixo crescimento corresponderá a um custo humano e social elevadíssimo para a imensa maioria da população, exceto para os super-ricos, que se transformarão, cada vez mais, em proprietários rentistas e absenteístas, distantes e alheios aos conflitos que se agravarão cada vez mais na sociedade brasileira”.  
(...)
Em nenhuma passagem do trabalho citado de SPG se consegue saber como, exatamente, o Brasil poderá alcançar a taxa milagrosa de 7% ao ano para superar a barreira do subdesenvolvimento como pretende seu autor.  
(...)
A Comissão do Crescimento, formada por vinte especialistas convidados pelo Banco Mundial, publicou, em 2008, um relatório sobre estratégias de desenvolvimento que preconiza um conjunto de cinco “fatos estilizados” que comporiam uma boa “receita de desenvolvimento sustentado, curiosamente também fixado num patamar de 7% ao ano: (a) integração à economia mundial; (b) manutenção da estabilidade macroeconômica; (c) manter altas taxas de poupança e investimento; (d) alocar recursos mediante mecanismos de mercado, e (e) dispor de instituições sólidas e de governos capazes e comprometidos com o desenvolvimento.  [ Growth Commission, The Growth Report: Strategies for Sustained Growth and Inclusive Development (Washington: The World Bank, 2008; disponível no link: http://cgd.s3.amazonaws.com/GrowthReportComplete.pdf).
Poucos desses “fatos estilizados” são estudados ou discutidos seriamente por SPG em conexão com o caso brasileiro, ou quando o são a perspectiva adotada é, justamente, diametralmente inversa às recomendações da Comissão do Crescimento, como no caso da leniência com a inflação ou a opção preferencial por mecanismos alocativos dominados pelo Estado, sem qualquer menção à abertura externa ou integração à economia mundial. 
De minha parte prefiro enfatizar um conjunto similar de tarefas, talvez numa outra ordem de prioridade, mas que consolidam o aprendizado que se pode obter a partir da experiência brasileira de crescimento errático e de desenvolvimento não sustentado. Essas tarefas guardam relação com as propostas da Comissão do Banco Mundial, mas foram elaboradas previamente à sua divulgação, ainda em 2006. [ “Uma verdade inconveniente (ou: por que o Brasil não cresce 5% ao ano...)”, Espaço Acadêmico (ano 6, n. 67, dezembro 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/067/67pra.htm).
Elas estão sintetizadas nos seguintes requisitos para um processo de crescimento sustentado: 1) Estabilidade macroeconômica; 2) Microeconomia competitiva; 3) Capacidade institucional; 4) Qualidade dos recursos humanos; 5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros. 
(...)

Estas são as tarefas, certamente complexas, que compõem uma agenda mínima de reformas macro e microestruturais, sem as quais o Brasil dificilmente terá condições de crescer mais de 5% ao ano. Cabe ver como os próximos dirigentes do Brasil – ou seja, o presidente e sua equipe econômica e política – enfrentarão esses desafios a partir de 2011, uma vez que essas reformas ficaram congeladas até aqui. Se o Brasil quiser crescer a taxas mais vigorosas do que aquelas conhecidas nas duas últimas décadas – que ficaram bem abaixo de suas médias históricas anteriores e bem abaixo da média mundial, com exceção do período recente, que foram anos de crise econômica mundial –, quaisquer que sejam essas taxas, não poderá contornar essas reformas. Talvez não todas ao mesmo tempo, nem todas elas, mas algumas são absolutamente indispensáveis para aumentar suas taxas de poupança e de investimento produtivo e, portanto, seu ritmo de desenvolvimento.

Shanghai-Beijing, 20-27 de junho de 2010.