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segunda-feira, 25 de março de 2019

Ricardo Bergamini coloca o dedo na ferida: governo à deriva...

Ricardo Bergamini escreve: 

Aos vazios de ideias e argumentos não vale acusar a oposição (calada), nem a imprensa, nem o IBOPE. O debate tem que ser maduro.

É pública e notória a confusão do governo Bolsonaro. Os seus filhos vão arruinar esse governo. 

Aprovação de Bolsonaro cai 15 pontos e é a pior da série histórica do Ibope

Pesquisa aponta 34% de avaliação positiva, menos que FHC, Lula e Dilma em primeiro mandato

  

'CAUSA PERPLEXIDADE A QUANTIDADE DE CRISES CRIADAS PELO PRÓPRIO BOLSONARO', CRITICA BANQUEIRO

Ricardo Lacerda, sócio fundador do BR Partners e ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil, criticou postura do presidente e se disse pessimista sobre futuro da reforma da Previdência

25/03/2019 - 06:00 - Época


Ricardo Lacerda votou nulo, mas, no começo do governo, se dizia otimista com a reforma da Previdência 

Sócio fundador e presidente do banco de investimento BR Partners e ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na América Latina, Ricardo Lacerda se disse perplexo com a "quantidade de crises criadas pelo próprio Bolsonaro", pelo polemista Olavo de Carvalho e pelos filhos do presidente. Em conversa com a coluna no fim da semana passada, Lacerda disse não ver mais chances de que haja uma reforma da Previdência ambiciosa.

”É normal um certo nível de desarticulação no início do governo. Mas causa perplexidade a quantidade de crises criadas pelo próprio Bolsonaro, bem como o protagonismo de atores como Olavo de Carvalho e os filhos do presidente", criticou Lacerda, elogiando, contudo, a performance do time comandado por Paulo Guedes.

”A equipe econômica tem se mostrado incrivelmente coesa, coerente no discurso e trabalhando duro pra fazer o que realmente precisa ser feito: aprovar a reforma e reduzir o tamanho do estado", afagou.

E faz um alerta a Bolsonaro, cobrando-o tal qual fez Rodrigo Maia:

”A grande dúvida que o mercado vai monitorar daqui pra frente é o quanto isso faz parte da agenda do próprio presidente da República. Se Bolsonaro não se engajar pessoalmente nesses temas veremos um ajuste significativo nos preços dos ativos".

Sobre a reforma da Previdência, foi pessimista:

"Cenário de reforma da Previdência forte não existe mais. Agora é uma reforma fraca ou nenhuma reforma".

Ricardo Bergamini

O Antagonista faz um pouco de terrorismo econômico e político para vender o seu produto...

...mas isso não quer dizer que os argumentos expedidos sejam irrelevantes, ao contrário.
O governo é trapalhão, mas com trapalhões que não nos fazem rir, ao contrário.
Precisamos pensar na governabilidade e no futuro econômico do país, ao contrário da Bolsofamiglia, que só pensa nela mesma.
Leiam os argumentos do Antagonista, que só copiei até certo ponto, porque é muito longo.
Paulo Roberto de Almeida

A reforma da Previdência — a reforma das reformas — está em risco.
Brasília vem assistindo a inúmeras disputas internas do governo, a desentendimentos entre governo e Congresso…
Os atritos são públicos e notórios.
A cada dia que passa, surgem mais dúvidas acerca da aprovação da reforma.
Sem a nova Previdência, o Brasil vai quebrar.
E terá um encontro marcado com uma nova crise econômica.
É por isso que sempre defendemos a reforma da Previdência. E seguiremos defendendo que seja feita.
O raciocínio é simples.
Se nada for feito, você sentirá as consequências — antes e depois de se aposentar.
As consequências serão imediatas…
Virão muito mais rápido do que você pensa.
Porque, se Bolsonaro não convencer o Congresso da importância de suas principais medidas…
… você terá de enfrentar uma crise econômica tão grande quanto a que viveu com Dilma Rousseff.
Fonte: g1.globo.com, 08/01/2016
Fonte: g1.globo.com, 22/09/2015
Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/12/2015
Fonte: G1.globo.com, 07/05/2015
Não é apenas o sucesso do governo que está em jogo…
É o futuro da sua família.
O presidente Jair Bolsonaro está numa corda bamba:
  • taxa de desemprego batendo os 2 dígitos;
  • recordes de violência; e
  • população sem dinheiro para nada.
Qualquer tropeço pode comprometer o governo Bolsonaro pelos próximos 4 anos… e a economia do país pelas próximas décadas.
Já é consenso entre os analistas políticos, no Brasil e no mundo…
Ou o presidente mostra a que veio nos primeiros 100 dias ou…
… ficará travado pelo resto do mandato, sem realizar as mudanças necessárias.
“Os primeiros 100 dias não são o fim da história, são o fim do começo.”
Foi o que Michal D. Watkins, professor da Universidade Harvard, disse neste estudo:
Fonte: Harvard Business Review
Na prática, o governo tem pouco tempo para agir.
O Brasil está correndo o risco de cair numa das maiores crises econômicas da história.
A Previdência, hoje, está engolindo os cofres públicos como um leão faminto.
E, se isso seguir assim, você pagará a conta.
Você e todos os 208,5 milhões de brasileiros.
Se a reforma não for feita o quanto antes, o dólar pode bater os R$ 5,00.
A dívida pública sairá de controle, ultrapassando os 80% do PIB.
Em tempos estáveis ela beirava os 50%, como você pode ver no gráfico fornecido pelo Tesouro Nacional.
Mas a dívida pública disparou a partir de 2013 com os desmandos de Dilma.
E sairá de controle se nada for feito, segundo as estimativas dos analistas do FMI e da Secretaria do Tesouro Nacional.
Sem perspectiva, o que ainda resta do dinheiro dos investidores sairá do país.
A taxa de desemprego poderá subir dos atuais 12% para 25%…
Serão 52,1 milhões de pessoas sobrevivendo de bicos, subempregos e ou até mesmo de esmolas.
Fonte: O Antagonista
A imagem do Brasil no exterior ficará ameaçada.
Sem contar que o governo de Bolsonaro será condenado ao fracasso, sem nenhuma mudança expressiva nos próximos 4 anos.
Até idosos e quem se aposentou por invalidez terão que trabalhar.
Somente os rápidos avanços da Reforma da Previdência podem tirar o Brasil desse cenário caótico que está por vir.
Ou seja…
Mesmo depois de você suar para pagar impostos durante toda a sua vida…
Você corre um grave risco de ficar sem nada.
Nada de tomar água de coco na piscina, nada de aproveitar o almoço de domingo com sua família… nada de jogar bola no quintal com seus netos….
Sem dinheiro para remédios básicos ─ e, se você não se precaver, até mesmo sem dinheiro para o arroz e feijão.
Mas a batalha que o governo tem pela frente não é garantida.
E, mesmo com um ex-militar no comando, essa batalha promete ser das mais difíceis.
Porque de um lado o presidente se vê pressionado a aprovar a reforma e equilibrar as contas públicas…
Do outro, alguns deputados e certos grupos com poder de barganha e influência no Congresso impõem obstáculos para aprovar reforma.
Será uma guerra política que, se o governo perder, quem sofrerá as consequências é você.
E como a história já nos provou, nem sempre é fácil ganhar esta guerra.
Michel Temer, por exemplo, teve uma briga dura quando tentou fazer uma pequena reforma na previdência dos deputados…
Temer X Congresso, em 2017
Fonte: Valor Econômico
FHC também não teve vida fácil…
FHC X Congresso em 1998
Fonte: Folha de S. Paulo
Como você sabe, não é de hoje que o Congresso resiste em aprovar a Reforma da Previdência.
A tarefa do governo Bolsonaro não será nada fácil…
Existem quatro grupos dificultando a reforma, cada um com seu próprio interesse.
O comandante do Exército, Edson Pujol, já anunciou que não quer as Forças Armadas na reforma da Previdência.
Fonte: O Antagonista
Também tem o interesse do Judiciário e Ministério Público…
Fonte: Valor Econômico
Os sindicatos também não gostam das mudanças que a reforma vai trazer.
Fonte: Uol
E o quarto: os interesses de alguns deputados e senadores, que vão votar o tema.
Imagine só…
Na pauta a ser aprovada, consta que a aposentadoria de deputados será reduzida de uma média de R$ 14,1 mil para o teto pago a qualquer cidadão, R$ 5,5 mil.
Fonte: Crusoé
O mesmo poderá valer para senadores, que hoje ganham em média R$ 30 mil de aposentadoria.
Não é justo que esses políticos contribuam por menos tempo e ganhem muito mais do que qualquer cidadão, muito mais do que você.
Como pode ver, a reforma mexe profundamente com os privilégios dos parlamentares.
E tudo isso está deixando o Congresso dividido.
A oposição faz de tudo para colocar a população contra a reforma, acusando-a de promover a “perda dos direitos do trabalhador”.
Fonte: Site Partido dos Trabalhadores, PT
Mas em momento algum ela cita que, se não houver essa reforma, quem não terá direito algum será o próprio trabalhador.
Porque o Brasil sofrerá como no início da década de 1990, quando a inflação do país chegou a 80% ao mês.
Você lembra?
Seu dinheiro tinha um valor no dia 1º e passava a valer bem menos no dia 2…
A moeda toda hora mudava de nome…
A taxa de juros subia nas alturas…
Havia filas quilométricas nos postos de gasolina por causa de aumentos no valor do combustível, às vezes de 50% de uma só vez…
E o Congresso já dá sinais de que colocará muitas barreiras para aprovar esse texto…
Não é de hoje que parte do Congresso fica contra o governo ─ e contra você.
E, quando “os caras” querem jogar contra, eles não brincam em serviço.
Basta uma distração, ou alguma pequena desavença…
… que projetos com o intuito de salvar os cofres públicos são vetados para dar lugar a outros que comprometem ainda mais nossas finanças.
É o que você pode comprovar abaixo:
Fonte: Valor Econômico, 3/4/2018
Michel Temer foi derrotado no Congresso, mesmo com pautas que procuravam amenizar os gastos públicos.
Algum tempo depois, quem deu mais um golpe contra as contas públicas foi o Senado.
Fonte: Crusoé, 04/01/2019
Já sabendo que deixaria o Senado, o senador Eunício Oliveira aproveitou para favorecer todos os senadores que iriam deixar suas cadeiras.
Ele aprovou gastos sem limites com plano de saúde para ele e para todos os seus colegas.
E os golpes contra o governo não param por aí…
Fonte: Congresso em Foco
Mesmo cientes do desequilíbrio das contas públicas, os deputados ainda querem aumentar o salário dos servidores do SUS.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Brasil dividido, com escolhas mais divisivas ainda - Revista Crusoe

A revista Crusoé, feita por jornalistas sensatos, e sobretudo bem informados, diz o seguinte, em sua edição de 13 de setembro (transcrevo excertos): 

(...)

O atual processo de sucessão presidencial desponta como o mais frenético e indefinido da história brasileira.
Se por um lado temos um oceano de indecisos que torna impossível antecipar o desfecho destas eleições…
Por outro, não resta a menor dúvida: apenas um desses caminhos irá selar o seu destino pelos próximos anos:
1— Ou o país retoma as rédeas do crescimento, com a aprovação das reformas estruturais necessárias para resgatar a economia do limbo;
2— Ou retrocede à antiga matriz populista, responsável pelas atuais mazelas como desemprego, inflação, falência da indústria e total desajuste nas contas públicas.

(...)

Às vésperas da reeleição de Dilma Rousseff, em outubro de 2014, as verdadeiras intenções da ex-presidente não eram plenamente conhecidas.
E o resultado foi catastrófico:
O que Dilma prometeu em outubro de 2014
Impacto na economia até o impeachment
Baixar a conta de luz
Apagão e tarifaço
Retomada do crescimento
O PIB despencou e chegou a 3,85% negativos
Controlar a inflação
A inflação saltou de 6,40% para 10,67%
Não elevar juros
A Selic chegou a 14,25%
Geração de emprego
A taxa de desemprego cresceu 90%

Economia não admite experiências de laboratório. Erros cobram seu preço e as consequências podem se estender por gerações.
Acrescento (PRA):
 Se chegarmos às eleições com o país dividido entre dois extremos, e com os dois lados, eventualmente vencedores, contestando o resultado das eleições, com acusações de fraudes, estaremos no olho do furacão, inclusive porque militares (da ativa e da reserva) se pronunciam abertamente sobre o panorama eleitoral e político.
Em qualquer hipótese, o país permanecerá dividido, com possível crescimento da contestação política, manifestações mais do que ruidosas, e instabilidade agregando à deterioração da situação econômica.
Ou seja, o pior dos mundos...
Como muitos eleitores bem informados e ponderados, não tenho nenhuma via muito clara à nossa frente, e tampouco tenho soluções para o impasse.
Meu temor é o de que nos arrastemos penosamente no pântano político e na mediocridade econômica pelos próximos quatro anos, chegando moralmente debilitados ao segundo centenário de nossa independência, em 2022.
O Brasil não terá sido o único país na região a decair, em todos os quesitos, num continente que já carrega exemplos espetaculares de decadência, de crise e até de tragédia.
Espero que consigamos, ao menos, preservar instituições de governança para uma recuperação mais adiante.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 de setembro de 2018

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Reformas no Brasil, pela razao ou pela violencia - Bolivar Lamounier

O instinto nos salva

*Bolívar Lamounier
O Estado de S.Paulo, 25/02/2018

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará. 
No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico. 
E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus. 
A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo. 
No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos. 
Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva. 
O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima. 
Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos. 
Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência. 

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor do livro ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A falencia do RJ antecipa a do Brasil? - Felippe Hermes (Spotniks, 2016)

O Rio de Janeiro faliu. E o Brasil tem muito a aprender com essa história.

O ano é 2010. O Brasil é a bola da vez no mundo. Em meio a uma crise que assola os países mais desenvolvidos do planeta, ocupamos a capa da revista “The Economist”, uma das mais importantes publicações já criadas, com a imagem de um cristo redentor decolando. O Brasil vivia uma festa. O país iria sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e apenas alguns meses depois descobriria seu maior crescimento econômico em 35 anos. Do outro lado do Atlântico, na Europa, o cenário era o exato oposto. Apenas seis anos após sediar uma olimpíada, a Grécia era o centro de um continente em crise, o símbolo de um modelo que deu errado. Passado o mesmo tempo, já em 2016, prestes a sediar as Olimpíadas, a cena se repete – o Rio de Janeiro acaba de declarar falência. Muito mais do que coincidência, a história é, no fundo, uma grande lição.
Do Caburaí ao Chuí, os governos estaduais estão quebrados (dez deles já parcelam salários). Todos, sem exceção, gastam mais do que o recomendado com pagamento de funcionalismo público. Em três deles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já se gasta mais com aposentadorias e pensões do que com educação e saúde. Para onde quer que se olhe, o cenário é quase sempre o mesmo.
Para muitos estados, como o Rio Grande do Sul, por exemplo, que convive há mais de quatro décadas com déficit nas contas públicas, a situação pode ser considerada dentro dos padrões normais, ou ao menos dentro do esperado. Em outros casos, como o do Rio, no entanto, a situação ainda parece difícil de acreditar. Trata-se do mesmo Rio de Janeiro que há 10 anos esperava crescer o dobro da média nacional e atingir até 20% de participação no PIB brasileiro em 2016. O motivo pra euforia? A descoberta da camada pré-sal lá em 2007. O otimismo não rolou à toa. Apenas entre 2014 e 2016 o estado recebeu nada menos do que R$ 235 bilhões em investimentos, boa parte deste valor destinado à indústria do petróleo e à infraestrutura necessária para sediar os jogos olímpicos.
No papel, o Rio estava bombando. Como em uma das famosas apresentações de Eike Batista, seu ilustre morador, tudo parecia ajustado e pronto para explodir. Na prática, porém, as coisas desandaram tão rápido quanto pareciam crescer.
Poucos meses antes de sediar as Olimpíadas para as quais vem se preparando há quase uma década, o Rio declarou “estado de calamidade pública”. A medida emergencial significa que na prática o governo estadual terá acesso mais rápido à liberação de recursos por parte do governo federal (estimados em R$ 3 bilhões), permitindo pagar salários e horas extras, além de continuar investindo nas obras fundamentais para a realização dos jogos olímpicos.
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Com um déficit estimado para este ano em R$ 19 bilhões, ou quase metade do total arrecadado em 2015, o governo do estado não chegou até esse patamar sem nenhum motivo. Disfarçado por muito otimismo, algumas partidas marcantes de Copa do Mundo e uma enxurrada de investimentos por parte de estatais como a Petrobras, há alguns fatores que levaram o estado à situação atual. Entender estes motivos significa na prática se adiantar em alguns meses, ou na melhor das hipóteses, poucos anos, aquilo que tem boas chances de ocorrer ao governo federal. Abaixo, oferecemos um manual completo de como não evitar estes problemas.

Gaste mais com aposentados do que com estudantes

Falar que há problemas na previdência brasileira pode parecer chover no molhado. Há anos a reforma no setor vem sendo debatida e discutida. Evitar um déficit que pode alcançar a casa dos trilhões é provavelmente uma das mais urgentes medidas que qualquer governo poderia tomar. Apenas para este ano, por exemplo, o governo federal estima que o déficit dos 28 milhões de beneficiários do INSS deve atingir R$ 146 bilhões, valor próximo daquilo que deve ser alcançado pelos 1,2 milhão de aposentados e pensionistas do serviço público. Dizendo de outra forma, nada menos do que R$ 700 bilhões serão gastos em 2016 para pagar benefícios sociais (mais do que a arrecadação de todos os estados brasileiros).
Escondida em meio a esse debate nacional, a previdência dos estados chega a apresentar dados ainda mais assustadores. Para este ano, o déficit programado deve atingir R$ 51 bilhões. E quase 25% deste valor deve-se a um único estado: o Rio de Janeiro.
Em todo o país, apenas dois estados possuem mais aposentados do que trabalhadores na ativa: o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Em outras palavras, para cada médico, policial ou professor que lhe presta um serviço público, você precisa pagar por pelo menos dois.
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Como nos demais estados brasileiros, o Rio de Janeiro se especializou em um sistema no qual cada funcionário na ativa paga uma contribuição sobre seu salário, que é destinada a cobrir o salário daqueles que estão aposentados. A diminuição do número de funcionários na ativa em relação aos inativos tem se agravado nos últimos anos – e com ela a necessidade de aportes do Tesouro.
Ao contrário dos demais estados, porém, o Rio criou uma fonte específica e complementar de financiamento da sua previdência estadual: os royalties do petróleo. Em 2014, nada menos do que 55% dos pagamentos de aposentadorias e pensões tinham como origem os royalties aos quais o estado tinha direito. Cerca de 95% de todos dos royalties do estado se destinavam a cobrir gastos com previdência. Com a queda no preço do barril de petróleo, no entanto, a situação tornou-se insustentável. Royalties hoje bancam apenas 28% dos gastos com previdência. Cabe ao governo do estado complementar. Em 2015, isso significou aportar R$ 7 bilhões na “RioPrevidência”.
Entre 2007 e 2015, os gastos com previdência no Estado saltaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 17 bilhões. Graças à receita abundante dos royalties, em especial quando o petróleo atingiu US$ 145 por barril, o estado pode reajustar pensões, elevando o gasto médio de R$ 900 para R$ 4 mil no período. Atualmente, cerca de 66 em cada 100 funcionários na ativa possuem a chamada “aposentadoria especial”, podendo se aposentar mais cedo do que as demais categorias (em especial, bombeiros, policiais e professores), o que contribui significativamente para elevar o déficit da previdência. O socorro ao fundo de previdência fez os gastos do governo estadual com aposentados e pensionistas saltar nada menos do que 118% apenas em 2015.
Juntos, os estados brasileiros possuem uma conta a ser paga de R$ 2,4 trilhões na previdência. Ao contrário do Rio, no entanto, a maioria deles não pode contar com a sorte de ter as maiores reservas de petróleo no país. Sozinhos, os gastos com previdência no Rio atingem mais do que aquilo que é gasto em saúde (R$ 3,96 bilhões), educação (R$ 4,04 bilhões) e segurança (R$ 5,18 bilhões), somados.

Uma repartição pública a céu aberto

Pouco mais de um século e meio como capital do país fizeram do Rio um estado onde se respira funcionalismo público. Nem mesmo cinco décadas de mudança da capital para Brasília foram capazes de apagar isso. Ainda hoje, inúmeras empresas estatais, bancos públicos e repartições das mais variadas possuem o Rio de Janeiro como sede. 
Não por acaso, há mais funcionários públicos federais no Rio de Janeiro hoje do que em Brasília. São cerca de 258,5 mil contra 178,5 mil funcionários públicos na atual capital federal. Em termos de salários, o Rio é destino de R$ 22 bilhões anuais contra R$ 10,3 bilhões de Brasília (incluindo aí apenas funcionários do Executivo).
Cerca de 1 em cada 5 trabalhadores no estado tem como empregador o setor público. São 18,64%, acima da média nacional. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não obriga os estados a contabilizarem gastos com previdência como sendo “gastos com pessoal”, a situação do estado passou anos como sendo aparentemente uma das mais positivas do país.
Toda maquiagem contábil, porém, não impediu que o Rio fosse o segundo estado do país a começar a parcelar salários. Mesmo sendo em teoria o estado que menos gasta com pessoal em todo o país (apesar de ser um dos que mais emprega), o Rio está oficialmente “incapacitado de pagar o funcionalismo”, nas palavras do próprio governador em exercício.
Justamente por não ferir o que manda a LRF (gastar no máximo 44% da sua receita corrente líquido com funcionalismo), o Rio se viu livre para elevar salários e amenizar o fato de que seus policiais e professores se encontram entre os cinco mais mal pagos do país.
Quando somado ao aporte que o Estado teve de fazer para pagar aposentados e pensionistas, a folha de pessoal teve custos de R$ 24,5 bilhões em 2015, sendo R$ 10,84 bilhões com inativos. A receita do estado, porém, teve queda, atingindo R$ 39 bilhões. Quando incluídos aí todo os gastos com funcionalismo inativo, o Rio de Janeiro gastou R$ 31,6 bilhões no ano, um crescimento de 146% desde 2009. No mesmo período a inflação medida pelo IPCA atingiu 57,29%.

Distribua benefícios e socialize o prejuízo

R$ 138 bilhões.
O valor, quase oito vezes o déficit que o governo estadual deve atingir em 2016, representa aquilo que, de boa vontade, os governadores do estado abriram mão de arrecadar em ICMS entre 2008 e 2013.
Para atrair empresas da área de petróleo, infraestrutura, siderurgia e bebidas, o governo do estado não se fez de rogado – botou a mão no bolso dos pagadores de impostos e distribuiu as benesses. Ao mesmo tempo em que elevava a distribuição de isenções fiscais, o governo fluminense aumentava também a sua já preocupante dívida. Ao final de 2013, o Rio devia R$ 107 bilhões, quase o dobro dos R$ 59,2 bilhões devidos em 2008.
A escolha de quem receberia os benefícios ficou a cargo do governo estadual. No meio de tantos bilhões, casos como a indústria de jóias, que recebeu isenções de R$ 230 milhões, chamam a atenção. Enquanto obrigava toda a população a bancar uma máquina pública cada vez mais pesada, o governo concedeu benefícios a uma indústria cuja base de consumidores é essencialmente a camada mais rica dos moradores do estado.
Dentro deste valor, há ainda casos mais curiosos, como o da montadora Nissan, que recebeu R$ 353 milhões em isenções, além de ter tido sua fábrica no estado financiada pelo próprio governo, ao custo de R$ 5,9 bilhões, com carência e prazo para pagamento em 30 anos.
Outros R$ 760 milhões via crédito de ICMS foram destinados a financiar a expansão da AMBEV em Piraí, onde o governador Pezão foi prefeito por dois mandatos. Menos de um ano antes, a empresa havia recebido R$ 850 milhões para financiar uma de suas sedes. A montadora alemã Volkswagen foi outra das beneficiadas, recebendo R$ 2,1 bilhões para se instalar no estado.
Para o governo, a prática estimula a geração de empregos. No acordo com a AMBEV, por exemplo, foram criadas 73 vagas de empregos. Somando os dois contratos, a empresa recebeu nada menos do que R$ 7 milhões por emprego gerado.

Use o cartão de crédito para bancar as festas

Reformado para os jogos Panamericanos, para a Copa do Mundo e agora para as Olimpíadas, o Maracanã já demandou sozinho R$ 1,2 bilhão do governo do Estado – quase 5 vezes o valor investido em sua construção na década de 40 (com valores são atualizados). Hoje sob concessão da empreiteira Odebrecht, o estádio é apenas um dos exemplos da festa que foi o Rio de Janeiro na última década. A expectativa das Olimpíadas, a final da Copa do Mundo e tudo que gira ao redor disso, fizeram o estado entrar em uma onda de gastos que pode chegar a R$ 39,1 bilhões, ou mais de duas vezes o valor estimado para o déficit deste ano.
O decreto emitido pelo governo em exercício é parte do plano para impedir que os serviços públicos no estado entrem em colapso antes das olimpíadas. Quase R$ 3 bilhões devem ser liberados. Após a festa, a conta ainda deve perdurar por algumas décadas.
Apenas a dívida do governo do estado com a União atinge mais de R$ 75 bilhões, ao custo de R$ 6,5 bilhões por ano – ou mais do que o valor gasto com a segurança no estado. O serviço total da dívida, no entanto, atinge R$ 10 bilhõeseste ano, mais do que os valores de saúde e educação somados. Como resultado, o estado investe menos da metade do que a lei determina em saúde.
O resultado da farra de gastos, porém, não deve se limitar ao próprio estado. Impedido por lei de dar calote na União (caso deixe de repassar a parcela da dívida, a União pode legalmente bloquear as contas do estado e impedir repasses), o governo do estado já aplicou calotes em outras dívidas. A Agência Francesa de Fomento, por exemplo, deixou de receber o que lhe era devido pelo estado ainda em junho deste ano. Para compensar, a União teve de arcar com o prejuízo. Cerca de 90% da divida já foi paga. Pagamentos futuros ainda são incertos.
O calote é parte de uma tragédia anunciada. Em maio deste ano, a agência Fitch já havia rebaixado a nota de crédito do Rio para BB-, ou “mau pagador”.
De fato, a situação do Rio de Janeiro não é alheia aos demais estados e muito menos ao próprio país. Ao longo das últimas duas décadas, governos estaduais têm se convertido a cada dia que passa em pagadores de salários, relegando investimentos. Enquanto o investimento público total no país saltou de 0,8% para 1,1% nos últimos 20 anos, os gastos públicos totais saíram de 25% para 36% – e ao que tudo indica, não deve haver nenhuma reversão deste cenário em um futuro próximo.
Para qualquer turista, o samba, o futebol, as praias, a caipirinha, o Corcovado e o Cristo Redentor são a cara do Brasil. Um olhar mais atento, porém, identificaria que a verdadeira coincidência entre o Brasil e o Rio nesse momento são os seus problemas econômicos. Evitá-los é o grande desafio das próximas décadas a qualquer liderança política que se preze.