O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador critica a diplomacia brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador critica a diplomacia brasileira. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Politica externa brasileira: critica do Financial Times


FT: Política externa do Brasil o coloca nos bastidores do palco global

Jornal inglês chama atenção para a incapacidade do país de contrariar parceiros autoritários


Jornal do Brasil
O jornal inglês Financial Times publicou uma matéria neste domingo (20) criticando a política externa do governo brasileiro. O autor infere que as fortes relações com países autoritários, como Venezuela, China, Cuba e Rússia poderia atrapalhar o Brasil no objetivo de se estabelecer como uma importante força na geopolítica global.
O último incidente envolvendo o país teria sido na votação sobre o referendo da Crimeia, feita pela ONU no último mês. Brasil, China, Índia e Argentina se abstiveram, enquanto as outras nações consideraram inválido o referendo de anexação da Crimeia pela Rússia.
A reportagem também afirma que o governo é amigo e defende ditadores, como aqueles de Venezuela e de Cuba. Em contrapartida, o Brasil não teria receio em se posicionar contra os Estados Unidos ou a Europa, como aconteceu no caso Edward Snowden, quando foi descoberto que os norte-americanos estavam espionando Dilma Rousseff e seus funcionários, e na visita da presidente há dois anos na Europa, quando ela debateu com Angela Merkel, chanceler da Alemanha, sobre política monetária e comercial.
A matéria termina dizendo que para uma nação que pretende ser um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tentar sempre ser amigo de todos não é mais uma opção. Além disso, deixar agressões passarem em branco poderia prejudicar a coisa que o país afirma estimar: a paz mundial.

sábado, 5 de abril de 2014

Politica Externa de Estado, NAO de partido - Editorial Folha de S.Paulo

POLÍTICA EXTERNA
Diplomacia de Estado
Editorial Folha de S. Paulo, 5/04/2014

Omissão característica da política externa no governo Dilma não se coaduna com um país que tem condições de ser protagonista global

Encerrou-se nesta semana um ciclo de debates organizado pelo Itamaraty com o propósito de discutir os rumos da política externa do país. Participaram não só membros do Ministério das Relações Exteriores mas também entidades da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e representantes de outros setores do poder público.

O encontro servirá de base para o Itamaraty produzir o "Livro Branco da Política Externa Brasileira", documento no qual serão apresentados princípios, prioridades e linhas de ação da diplomacia.

É difícil saber que impacto a iniciativa terá sobre o corpo diplomático. Um espírito jocoso poderia até afirmar que, se depender do desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela área, o referido livro será editado apenas com páginas em branco, tal é o grau de retração do Itamaraty nos últimos anos.

A orientação é uma novidade. No breve hiato entre a vitória nas eleições de 2010 e sua posse, Dilma ofereceu sinais alvissareiros de que promoveria uma bem-vinda adequação na política externa.

Durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil deu passos equivocados na esfera internacional. Foi o caso do apoio quase incondicional a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das constantes violações aos direitos humanos ali promovidas.

Pouco havia de pragmatismo nessa aliança com um tradicional inimigo dos EUA. Tratava-se, assim como em outros episódios do gênero, de usar uma política de Estado para satisfazer alas à esquerda do PT, descontentes com a condução mais ortodoxa da economia.

Reconheça-se que também se verificou, nesse período, salutar aumento do protagonismo brasileiro nos fóruns globais --papel que o país, por seu tamanho e sua história, merece exercer.

Era clara, portanto, a correção a ser feita: sem abrir mão de seu "soft power" crescente, o país deveria abandonar amarras ideológicas ultrapassadas e recuperar a firme defesa dos princípios universais caros ao Ocidente.

Não se viu uma coisa nem outra com Dilma Rousseff.

Tome-se a Venezuela como exemplo. Em 2012, o Brasil compactuou com a decisão de suspender o Paraguai do Mercosul de forma sumária, ação orquestrada para Caracas poder integrar o bloco --Assunção vetava o ingresso.

Neste ano, enquanto Nicolás Maduro reage com violência física e institucional a protestos da oposição, Brasília permanece calada.

Seria, segundo alguns, um momento de maior discrição da política externa, evitando contenciosos desnecessários. A abstenção diante da anexação da Crimeia pela Rússia se inscreveria nesse contexto.

Para a maioria dos analistas, no entanto, a situação resulta da desatenção presidencial e da ausência de estratégia --opinião compartilhada inclusive por atuais integrantes do Itamaraty.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério das Relações Exteriores vinha procurando conquistar terreno nos fóruns geopolíticos regionais e globais. O fim da ordem bipolar vigente na Guerra Fria abriu caminho para esse tipo de pretensão.

Não faz sentido que o Brasil, uma das principais democracias e sétima maior economia do mundo, adote uma política externa de mínimo esforço. Quando mais não seja, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento que boas relações internacionais oferecem.

Na contramão do que pede a circunstância, o governo Dilma nada faz de concreto para destravar acordos de livre-comércio com outras nações. Tratativas do Mercosul com a União Europeia permanecem emperradas pela Argentina, fato que o Brasil aceita como se incontornável fosse. Enquanto isso, progride a Aliança para o Pacífico, iniciativa liberalizante de Chile, México, Colômbia e Peru.

A falta de visão estratégica também se faz notar nos laços com os Estados Unidos. Se havia a esperança de uma normalização das relações com a indicação de Antonio Patriota, ex-embaixador em Washington, para o cargo de chanceler (do qual se demitiu no ano passado), o escândalo de espionagem americana interrompeu o diálogo.

Com Dilma na mira das agências de inteligência, era difícil ser de outro modo. Mas a diplomacia, tal como a espionagem, ocorre sobretudo fora dos holofotes. Não há, todavia, esforços para o Brasil se reaproximar dos EUA, maior economia do mundo e segundo mercado para exportações brasileiras.

Sempre há tempo para mudar, felizmente --ainda mais se, na expressão cunhada pelo chanceler Azeredo da Silveira (1917-1990), "a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se".


Passou da hora de o governo Dilma Rousseff formular uma estratégia de inserção internacional pautada por valores democráticos. Uma política de Estado, como o país precisa, e não de partido, como setores do PT desejam.

sábado, 22 de março de 2014

OEA-Venezuela: Itamaraty cumpre, submissamente, ordens da presidencia da republica - Reinaldo Azevedo

Quando se pensa que a política externa brasileira chegou ao fundo do poço, a gente descobre que é possível descer um pouco mais. Como já informei aqui, a deputada venezuelana Maria Corina Machado — aquela que teve a cara chutada por parlamentares bolivarianos — está ameaçada de perder a imunidade parlamentar e pode ir para a cadeia. Estava prevista uma intervenção sua, nesta sexta, na OEA (Organização dos Estados Americanos). Em dois lances, com a ajuda do Brasil, sua palavra foi cassada.
Num primeiro, a Nicarágua, governada pelo orelhudo Daniel Ortega, propôs que Maria Corina falasse a portas fechadas, sem a presença de público ou da imprensa. A proposta venceu com 22 votos a favor, 9 contra e 1 abstenção. Numa segunda, sugeriu-se pura e simplesmente cortar o tema Venezuela da pauta, o que também foi aprovado, aí com 22 votos a favor, 3 contra e nove abstenções. A deputada só conseguiu se pronunciar brevemente — e a portas fechadas — porque o embaixador do Panamá cedeu a ela a sua palavra, um recurso que é permitido.
Nas duas vezes, o Brasil votou para cassar a palavra de Maria Corina. É nojento!
A parlamentar venezuelana foi à OEA evocar a Carta Democrática Interamericana para que a entidade cumpra a sua função e cobre o respeito do governo da Venezuela aos fundamentos da democracia. Leiam, por exemplo, dois artigos:
Carta Democrática Interamericana 
Restou a Maria Corina falar com mais vagar numa entrevista coletiva: “Não viemos aqui pedir nenhum favor, mas exigir que a OEA cumpra o seu dever. Esta é uma organização de Estados, não um clube de presidentes.” Ela cobra que a OEA reúna o Conselho Permanente para discutir a crise em seu país; que se condem a repressão e a supressão de liberdades e que se faça uma comissão, compostas por reais democratas — como Óscar Arias, ex-presidente da Costa Rica — para visitar a Venezuela.
Ironias
Ao emprestar a sua cadeira para Maria Corina, o Panamá repetiu o gesto generoso da Venezuela pré-chavista, em 1989, quando cedeu o seu lugar para que um representante panamenho denunciasse a ditadura do delinquente Manuel Noriega. Em 2009, já sob os auspícios do bolivarianismo, o representante da Venezuela na OEA, Roy Chaderton, também cedeu seu posto a Patrícia Rodas, ex-chanceler de Honduras, para atacar Porfírio Lobo, presidente eleito e legítimo do seu país. Ocorre que Patrícia era da turma do maluco Manuel Zelaya. Nesse caso, como lembra o jornal “Ela Nacional”, a sessão foi aberta e transmitida ao vivo pela TV chavista VTV.

Já são 31 os motos na Venezuela desde o dia 12 de fevereiro. Mais de 1.800 pessoas foram detidas. Na semana passada, foram presos os prefeitos Daniel Ceballos, de San Cristóbal, no estado de Táchira, e Enzo Scarano, de San Diego, em Carabobo. O primeiro foi acusado de incitar a violência; o segundo, de não ter impedido a formação de barricadas. É espantoso! O Brasil não apenas se cala diante da escalda ditatorial como também cala uma representante da oposição, tentando impedi-la de se manifestar até na OEA.
O governo Dilma poderia se contentar em ser apenas medíocre. Mas não! A mulher está disposta a nos cobrir de vergonha.
============


Governo Dilma e seus aliados impedem fala de deputada oposicionista venezuelana na OEA


Ao lado, Corina, na coletiva, proibida de falar no plenário da OEA pelo Brasil e seus aliados.

CLIQUE AQUI para examinar o video. São apenas 4 minutos. Uma pequena mostra do regime que virou uma ditadura, comandada por bandidos."
CLIQUE AQUI, também, para examinar reportagem de El Nuevo Herald, Miami, mostrando a repressão aos estudantes da Venezuela. 

Com ajuda do Brasil e de países aliados, o governo venezuelano conseguiu abafar nesta sexta-feira uma fala da oposição em um encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizado em Washington.Por duas vezes, os membros da organização apelaram para manobras para impedir a deputada venezuelana María Corina Machado, uma das lideranças da oposição ao presidente Nicolás Maduro, de discursar sobre a repressão promovida pelo governo chavista.

. Em um primeiro momento, o Conselho Permanente da organização decidiu pela proibição do acesso do público e da imprensa à reunião. A proposta recebeu 22 votos a favor, 11 contra e uma abstenção. Posteriormente, os membros da OEA resolveram simplesmente eliminar da agenda o tópico dedicado à crise venezuelana, decisão que contou com 22 votos a favor, três contra e nove abstenções. Nos dois casos, o Brasil se posicionou a favor da censura à deputada.

. Ela acabou falando para a imprensa, numa coletiva improvisada, na própria sede da OEA. 

quarta-feira, 19 de março de 2014

Politica externa brasileira: dos remendos a uma totalmente nova? -Sergio Fausto (OESP)

Início do conteúdo

Não bastam remendos na política externa

19 de março de 2014 | 2h 09

Sergio Fausto* - O Estado de S.Paulo
"Antes, (estava) o Chávez, (que) era amigão do Lula. Quando eles se encontravam, destravavam os pagamentos. Agora as coisas se complicaram." Assim se expressou uma fonte citada em matéria do jornal Valor Econômico, na edição de 5/3, sobre os pagamentos em atraso a empresas brasileiras na Venezuela. No caso das grandes empreiteiras, o montante alcançaria US$ 2 bilhões. As complicações atuais derivam do aprofundamento da crise econômica no país vizinho e da perda do canal político-diplomático privilegiado entre os dois ex-presidentes. A declaração espanta não por revelar o que não se soubesse, mas por indicar até que ponto chegou a mistura entre interesses políticos e empresariais na política externa brasileira para a América do Sul nos últimos dez anos.
O governo Dilma administra mal, sem estratégia alternativa, o legado de problemas herdados do hiperativismo ad hoc do seu antecessor imediato. A influência do governo brasileiro na Venezuela é declinante. Não ousa fazer-se ouvir de maneira mais assertiva pelo governo de Maduro e é malvisto pelas oposições.
O mesmo se pode dizer da influência do governo brasileiro na Bolívia. As relações dos dois países dependiam muito da interlocução pessoal entre Lula e Evo Morales. A estreita relação direta de ambos não impediu Morales de mandar o Exército boliviano ocupar militarmente a refinaria da Petrobrás nem evitou que o Brasil se visse envolvido em conflito por causa da controversa construção de uma estrada que corta um parque nacional indígena. Melhor teria sido que as agências do Estado brasileiro - a começar pelo BNDES, que concedeu empréstimo a uma empreiteira brasileira encarregada da obra - tivessem avaliado o risco ambiental, político e financeiro do projeto, sem pressões da "diplomacia presidencial". Também no caso da Bolívia, passamos do hiperativismo ad hoc, com Lula, à vacuidade da política externa, sob Dilma. Ali estamos sem embaixador desde o início do segundo semestre do ano passado.
Tampouco se pode dizer que a influência brasileira tenha crescido na Argentina. Enredados na administração pontual dos recorrentes entraves da relação bilateral, sem um novo horizonte para o Mercosul, salvo no plano retórico, o Brasil e suas empresas sofreram, como quaisquer outros, às vezes até mais, as consequências da gestão arbitrária dos governos Kirchner, apesar da azeitada relação entre os presidentes dos dois países, especialmente na vigência da dupla Lula-Néstor.
A perda de influência do Brasil na América do Sul não se limita a esses três países, onde supostamente investimos nossos melhores esforços na última década. Na verdade, ela é um fenômeno generalizado na região. O governo fracassou no propósito de liderar o bloco bolivariano e, em torno desse eixo, organizar a integração sul-americana. Ao mesmo tempo, assistiu à formação da Aliança do Pacífico, compreendendo três países sul-americanos - Chile, Peru e Colômbia - e o México, em contraponto à política externa brasileira de estruturar a integração regional a partir de um Mercosul formalmente ampliado (e substantivamente enfraquecido).
Sem o dizer e muito menos admitir, o próprio governo Dilma já emite sinais de que reconhece a necessidade de mudar a política externa, a exemplo do empenho em fazer avançar o acordo do Mercosul com a União Europeia (UE). O movimento, porém, é reativo e incompleto. O novo esforço em direção aos europeus resulta antes do temor diante dos riscos que novos acordos da UE com grandes parceiros do Norte - de imediato com o Canadá e mais à frente com os EUA - colocam para as exportações brasileiras do que de uma revisão mais ampla da política Sul-Sul que guiou o Brasil nos últimos dez anos. No plano regional, embora menos disposto a acomodar as idiossincrasias da Argentina, o governo permanece preso a um Mercosul que não vai nem vem. A matriz de pensamento continua a mesma. Além disso, Dilma nem delega nem assume o papel de liderança na área de política externa. O fato é que precisamos de uma nova política externa, e não de remendos na atual.
Uma nova política externa requer estabelecer o papel do Brasil na região em outros termos, para gerar regras estáveis e horizontes previsíveis nas relações entre os Estados, e não apenas entre governos eventualmente afins. Essa mudança deve ser feita de olho na nova configuração da economia e da geopolítica globais. Não podemos aceitar um novo Tratado de Tordesilhas e deixar que se aprofunde a divisão entre a América do Sul do Atlântico e a do Pacífico. É contra os interesses nacionais de longo prazo que parte importante da região passe a orbitar fundamentalmente em torno das relações econômicas e geopolíticas que se vão adensando velozmente na grande bacia do Pacífico, sob a coexistência competitiva de dois gigantes, China e EUA. O Brasil não tem como anular essa tendência, mas pode contrabalançá-la.
Como já apontou corretamente o experimentado embaixador José Botafogo Gonçalves, é preciso avançar de modo mais radical e rápido na derrubada de barreiras tarifárias e principalmente não tarifárias ao comércio e aos investimentos entre o Brasil e os países sul-americanos do Pacífico. Trata-se de um passo na direção correta, mas não será o bastante. Devemos voltar a pensar no espaço latino-americano e dar prioridade a um amplo acordo de comércio e investimentos com o México, como parte de um processo mais amplo de inserção do Brasil na economia internacional, o que não implica lançar por terra o Mercosul.
Não é apenas por questões econômicas que devemos fazê-lo. A aproximação entre Brasil e México pode dar a ambos e à América Latina melhores condições para lidar com temas relativos à segurança e à política das Américas e do mundo a partir de perspectivas e realidades distintas dos dois gigantes globais.
*Sergio Fausto é superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP. E-mail: sfausto40@hotmail.com. 

sábado, 15 de março de 2014

Venezuela-Brasil: uma relacao complicada (para dizer o minimo) - Leandro Loyola (Epoca)

Tolerância com o atraso venezuelano
Desastre no comércio bilateral e motivo de constrangimento no cenário internacional. Assim é a parceria do Brasil com a Venezuela
LEANDRO LOYOLA

Revista Época, 07/03/2014

O governo brasileiro tem um histórico de tolerância em relação ao atraso da Venezuela. Quando vinha ao Brasil, Hugo Chávez nunca avisava a que horas chegaria, desrespeitando uma tradição da boa diplomacia: um país sempre avisa sobre o horário em que o avião com seu chefe de Estado passará pelo espaço aéreo do outro. Os venezuelanos, ao contrário, nunca determinavam um período exato – apenas um longo intervalo de horas. Seu
sucessor,Nicolás Maduro, o professor Girafales da Venezuela, não mimetiza apenas os longos discursos que Chávez adorava. Ele também reserva longos horários quando vem ao Brasil, de modo que nunca se sabe a hora exata que chegará. O Brasil continua sem saber quanto esperará a Venezuela. Mas tolera seu atraso.
E o tolera num constrangedor silêncio. É um mutismo que revela a dificuldade – ou a deliberada resistência – do governo Dilma em pôr o Brasil na liderança geopolítica e econômica da América Latina, contribuindo para o avanço democrático nos países vizinhos.
Nada seria mais natural. Nas últimas semanas, enquanto o pau cantava nas ruas de Caracas, o Palácio do Planalto a tudo observou em silêncio, como se temesse melindrar os colegas chavistas. Estivesse o governo Maduro à direita de suas preferências ideológicas, teriam Dilma e o Itamaraty observado o mesmo obsequioso cuidado? Até a União Europeia pediu equilíbrio a Maduro e a seus opositores. Ninguém espera ou exige que o Brasil acolha posições golpistas contra Maduro, um presidente eleito pelo voto popular, embora num país que se distancia rapidamente das boas regras da democracia. Mas ficar em silêncio significa tolerar os abusos e a violência praticados pelas forças paramilitares do chavismo e, em menor grau, pela oposição. Não há razão pragmática para adotá-lo. Há apenas razão ideológica.
Do Brasil, não veio um murmúrio de sensatez. Do Mercosul, sob a Presidência temporária da própria Venezuela, veio um grito insensato, em nota que se assemelha às declarações palanqueiras de Maduro e seus apoiadores. “Os Estados do Mercosul”, diz o texto, “reiteram seu firme compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e rechaçam as ações criminosas dos grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como instrumento da luta política.” O Brasil, integrante do Mercosul, subscreve a nota. O que o Brasil ganha com isso? É difícil dizer. 
Em compensação, o Itamaraty divulgou uma nota sobre a violência e as mortes nos protestos em Kiev. Ucrânia e Venezuela vivem realidades diferentes, mas em ambos os casos os princípios da diplomacia brasileira deveriam ser os mesmos. Estão na Constituição, entre outros: “Prevalência dos direitos humanos” e “solução pacífica dos conflitos”. 
Para assessores próximos de Dilma, ela não falou, nem disse ao Itamaraty que falasse, porque não valeria a pena – não haveria como mudar a Venezuela, esse país eternamente condenado à instabilidade institucional. Parece uma postura pragmática. Talvez seja uma posição cínica, ou confortavelmente derrotista. “O Planalto tem desavenças com o governo Maduro, mas abdicou de jogar duro com ele. Como o assunto é tema de política interna no Brasil – simpatizantes do PT consideram o chavismo um experimento emancipador, e a oposição vê um regime autoritário –, o governo Dilma sente que qualquer crítica ao vizinho seria fazer o jogo dos opositores”, afirma o cientista político Matias Spektor, doutor em relações internacionais e professor da Fundação Getulio Vargas. “O resultado é que Brasília acoberta Caracas mesmo sem querer fazê-lo, e a presidente tem um espaço de manobra reduzido.”
O Brasil sempre demonstrou benevolência com a Venezuela. Em 2005, o então presidenteLuiz Inácio Lula da Silva combinou com Chávez a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a ser tocada por Petrobras e PDVSA. Deu errado. Os venezuelanos deram calote na Petrobras. (Agora exclusivamente brasileira, a Abreu e Lima ainda está em construção, e seu preço passou de R$ 3 bilhões para R$ 19 bilhões.) O Brasil não faltou à Venezuela em momentos constrangedores. Lula não criticou Chávez por nacionalizar empresas estrangeiras, em 2006, nem por tratorar o Congresso para mudar a Constituição e ganhar o direito de disputar a reeleição eternamente, como se fora um ditador africano. Em 2012, o governo Dilma aproveitou um golpe político no Paraguai para suspender o país e forçar a entrada da Venezuela no Mercosul. Foram favores imensos.
Apesar da boa relação, Lula não deixava de discordar de Chávez. “Lula era simpático a Chávez, mas nunca deixou de se fazer ouvir com clareza”, diz Spektor. A relação de Dilma com Maduro não é assim. “Ao Brasil, hoje falta interlocução com Caracas.” 
A preocupação real do governo Dilma é com os reflexos econômicos da crise. O governo brasileiro incentivou empresas a investir na Venezuela. No ano passado, o Brasil exportou US$ 4,9 bilhões para lá – e importou apenas US$ 1,1 bilhão. A Venezuela seria um grande mercado para o Brasil, pois, como não produz quase nada além de petróleo, importa 96% de tudo o que consome. Nos últimos meses, as empresas brasileiras levam uma verdadeira canseira para receber. As indústrias calçadista e têxtil desistiram de exportar. No caso dos têxteis, o volume de exportações, de US$ 90 milhões em 2011, caiu a praticamente zero neste ano. “Demorávamos até dois anos para receber”, afirma Alfredo Bonduki, presidente do Sinditêxtil de São Paulo. É uma aberração. Em negócios com países normais, os exportadores recebem adiantado ou a transação é feita com cartas de crédito emitidas por bancos. Isso não é possível, porque a Venezuela é um país quebrado. O governo controla o câmbio a conta-gotas, para não esgotar suas escassas reservas. As empresas venezuelanas compram das brasileiras, depositam seus bolívares (a moeda local) para a conversão, mas o governo venezuelano não libera os dólares para o pagamento às empresas brasileiras. Esse impasse pode levar meses.
O governo brasileiro teme que as empresas nacionais vendam ainda menos para a Venezuela por causa da crise. É uma péssima situação, especialmente porque se repete com a Argentina, o terceiro maior comprador do Brasil. Assim como a Venezuela, a Argentina tem escassas reservas cambiais. Com dois parceiros do Mercosul em crise, o Brasil sentirá um impacto em sua balança comercial, num ano em que as perspectivas econômicas não são das melhores. Ao demonstrar tolerância com a Venezuela, o Palácio do Planalto terá de torcer para que seu silêncio não fique constrangedor, caso os protestos perdurem ou se agravem. Talvez precise ver mais alguns gestos bolivarianos estranhos à democracia, conversar muito para que pagamentos atrasados sejam liberados e fingir não ligar para a falta de cerimônia em visitas. Mas, como se sabe desde Chávez, ao Brasil não falta tolerância com o atraso da Venezuela.

Ucrania e a diplomacia brasileira: ate tu G7? Mas, cade o G8?

Acho que o G8 não vai se reunir mais, ou pelo menos não este ano em Sochi, como estava previsto. Melhor voltar ao formato anterior de G7 e esquecer o que se passou nos últimos 15 anos...
Quanto ao BRICS, aposto como a próxima reunião vai ser desenxabida, talvez até patética, pois não vai poder tocar naquilo que supostamente seria uma das motivações do grupo: oferecer a sua visão, alternativa à dos arrogantes imperialistas e hegemônicos do G7, aos problemas de segurança, paz e estabilidade do mundo, junto com outras pequenas receitas, claro, como crescer, cooperar, limpar o planeta, melhorar a vida dos outros, enfim, essas coisas triviais para grandes potências e aspirantes a sê-lo...
Não ingerência nos assuntos internos de outros países chega a ser piada, quando se tem o registro do Paraguai, de Honduras, e de diversas outras aventuras por aí...
Paulo Roberto de Almeida

 G-7 cobra posição firme do Brasil na crise ucraniana
O Estado de S. Paulo, Sábado, 15 de Março de 2014

Os EUA e os demais países do G-7 vêm cobrando do Brasil uma posição mais dura em relação à crise na Ucrânia. Nos últimos dias, diplomatas das grandes potências têm procurado o Itamaraty em busca de uma condenação à Rússia e ao referendo da Crimeia, mas encontraram apenas evasivas.
 
Eles questionam a ausência do País, que pretende ser um ator global, em uma das crises mais graves do período pós-Guerra Fria. "O silêncio e ausência brasileira é notável", disse ao Estado um diplomata de alto escalão.
 
A cobrança é feita sobre dois princípios tradicionais da diplomacia brasileira: o respeito à integridade territorial e a não ingerência em outros países. A reputação de ser fiel aos preceitos da Organização das Nações Unidas está sendo questionada pelos diplomatas estrangeiros, além de haver críticas veladas ao fato de o País, que almeja um assento permanente no Conselho de Segurança, evitar se posicionar.
 
A única nota emitida pelo governo brasileiro em um mês de agravamento da crise ucraniana foi em 19 de fevereiro, depois que confrontos entre manifestantes e policiais deixaram 82 mortos. O texto tem o tom típico da diplomacia brasileira: demonstra preocupação com o que chama de deterioração do quadro político e institucional, lamenta as mortes e pede diálogo entre as partes, além de dizer que a crise deve ser solucionada pelos próprios ucranianos, no que pode ser interpretado como uma crítica pouco explícita à interferência da Rússia.
 
Desde então, tropas russas ocuparam a Crimeia e o Parlamento local decidiu que fará um referendo para decidir sobre a anexação à Rússia. Procurado, o Itamaraty deixou claro que a posição brasileira continua a mesma de três semanas atrás.
 
Internamente, a avaliação é que a cobrança é feita porque o G-7 quer angariar apoio contra o referendo e a interferência russa, mas a diplomacia brasileira não pretende comprar essa briga contra um parceiro do Brics (Brasil, Rússia, Índia China e África do Sul), especialmente um mês antes de sediar uma nova reunião do grupo. Além disso, a diplomacia brasileira evita condenações diretas a Estados, porque considera que uma crítica pública dificulta negociações diplomáticas nos bastidores.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Nunca antes na diplomacia... - Editorial Estadao

Pois é, parece que nunca antes fomos tão longe, não tão altos, ao contrário, para o outro lado, de forma tão completa, tão transparente, tão declarada.
Algum registro há de ficar, na história, sobre estes tempos não convencionais...
Paulo Roberto de Almeida 

Início do conteúdo

Dilma degrada a diplomacia

13 de março de 2014 | 2h 07

Editorial O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff definitivamente rebaixou o Brasil à condição de cúmplice de regimes autoritários na América Latina. Não bastasse a reverência (e o vasto financiamento) à ditadura cubana, Dilma agora manobra para que os atos criminosos do governo de Nicolás Maduro contra seus opositores na Venezuela ganhem verniz de legitimidade política.
Em vez de honrar as tradições do Itamaraty e cobrar do regime chavista respeito aos direitos humanos e às instituições democráticas, a presidente desidratou a única iniciativa capaz de denunciar, em um importante fórum internacional, a sangrenta repressão na Venezuela, que já matou duas dezenas de pessoas. Mandou o representante do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) votar contra o envio de uma missão de observadores à Venezuela e impediu que a entidade reunisse seus chanceleres para discutir a crise.
Como todos os líderes populistas da região, Dilma considera que a OEA é quintal dos Estados Unidos. O falecido caudilho Hugo Chávez costumava referir-se à organização como "instrumento do imperialismo", entre outros nomes menos simpáticos. Para o governo petista, contaminado pelos ares bolivarianos, uma decisão da OEA sobre a Venezuela poderia ser considerada inoportuna e com potencial para acirrar as tensões. Assim, a título de não melindrar Maduro, premiam-se a brutalidade e a indisposição para o verdadeiro diálogo democrático.
Manietada pelo Brasil e por seus parceiros bolivarianos, a OEA limitou-se a emitir uma nota cuja anodinia mal disfarça a tentação de apoiar Maduro. O comunicado manifesta "solidariedade" ao presidente e dá "pleno respaldo (...) às iniciativas e aos esforços do governo democraticamente eleito da Venezuela" no "processo de diálogo nacional" - como se fosse autêntica a pantomima a que os chavistas chamam de "Conferência de Paz". Estados Unidos, Canadá e Panamá votaram contra essa nota, pela razão óbvia de ela não refletir os compromissos da OEA com a democracia e os direitos humanos.
O passo seguinte da manobra, este ainda mais escandaloso, foi convocar uma reunião de chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para acertar o envio de um grupo de "mediadores" para a Venezuela. A Unasul, como se sabe, é instrumento dos governos bolivarianos - desimportante, ela hoje só existe para dar reconhecimento a governos claramente antidemocráticos, em nome de uma certa "integração latino-americana".
Assim, os tais "mediadores" da Unasul não farão nada além do que deles se espera, isto é, fazer vista grossa às ações violentas de Maduro. Ao anunciar a iniciativa, Dilma explicou, em seu linguajar peculiar, que a ideia é "fazer a interlocução pela construção de um ambiente de acordo, consenso, estabilidade, lá na Venezuela". Ora, que "diálogo" é possível quando não se pretende exercer a necessária pressão diplomática sobre Maduro, que reprime manifestantes usando gangues criminosas e encarcera dissidentes sem o devido processo legal?
Portanto, a constituição de uma comissão na Unasul para a Venezuela tem o único objetivo de deixar Maduro à vontade, sem ser constrangido a recuar e a ouvir as reivindicações da oposição - que basicamente protesta contra a destruição da Venezuela pelo "socialismo do século 21".
Percebendo o truque, os oposicionistas venezuelanos trataram de enviar uma carta à Unasul em que pedem aos países-membros que observem os acontecimentos no país "com objetividade" e que a entidade "não seja usada como um instrumento de propaganda". Mas é justamente disso que se trata: se tudo ocorrer conforme o script bolivariano, a Unasul vai respaldar o governo Maduro, revestindo-o de legitimidade - o que, por conseguinte, transforma a oposição em golpista.
Ao tratar de forma leviana este grave momento, em respeito a interesses que nada têm a ver com a preservação da ordem democrática na região, o Brasil torna-se corresponsável pela consolidação de um regime delinquente.

domingo, 2 de março de 2014

Diplomacia inerte, com erros estrategicos - Fernando Henrique Cardoso

COLUNA

Diplomacia inerte

 El País, Brasil, 1 MAR 2014 - 19:42 BRTO Estado de S.Paulo, 2/03/2014


Domingo de Carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas, que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de Momo. Por mais que nos anestesiemos no Carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.
Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia guiou-se pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o Presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada pelos seus teóricos do neo-conservadorismo, e da corte de equívocos da política externa daquele país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos etc.) e dos desastres provocados por estas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.
De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do “declínio do Ocidente”, com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente a América Latina, como parte deste “terceiro mundo” renascido. Esta visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da “política externa independente”, de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual “os grandes” tivessem que compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.
Contudo, uma coisa é desejar um objetivo, outra é analisar as condições de sua possibilidade e atuar para que, dentro do possível, buscando ampliar seus limites, nos aproximemos do que consideramos o ideal. Nisso é que o governo Lula calculou mal. Se a Europa, sobretudo depois da crise financeira de 2008, perdeu tempo em tomar decisões e está até hoje embrulhada na indefinição sobre até que ponto precisará integrar-se mais (compatibilizando as políticas monetárias com as fiscais), ou voltar, na linguagem de De Gaulle, a ser a “Europa das Pátrias”, nem a China se perdeu nos devaneios maoístas, nem os Estados Unidos no neoconservadorismo que acreditava que a América poderia agir como se fosse uma hiperpotência. Pelo contrário, a China lançou-se às reformas para inverter o polo investimento/consumo, diminuindo aquele e aumentando este, e os americanos deixaram de lado a ortodoxia monetarista, recalibraram a sua política externa e se jogaram à inovação das fontes de energia. Hoje propõem uma coexistência competitiva, mas pacífica com a China, baseada no comércio, e lançam cordas para que a Europa saia do marasmo e se incorpore aos Estados Unidos, que funcionariam como dobradiça entre a China e a Europa, formando um formidável tripé.
Enquanto isso, o Brasil faz reuniões com países árabes, que não deixam de ter sua importância, propõe negociações sobre o Irã em coordenação com a Turquia (imagine-se se os turcos fariam o mesmo, propondo-se a ajudar o Brasil para resolver o litígio das papeleiras entre Uruguai e Argentina...), abre embaixadas nas mais remotas ilhas para, com o voto de países sem peso na mesa das negociações, chegar ao Conselho de Segurança. Por outro lado, comporta-se timidamente quando a Petrobrás é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, se abstém de entrar em bolas divididas, como no conflito argentino-uruguaio, além de calar diante de manifestações anti-democráticas quando elas ocorrem nos países de influência “bolivariana”.
Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma a relação Sul/Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global, exceção parcial feita à China (neste caso, não há menosprezo, mas falta de estratégia). Perdemos liderança na América Latina, hoje atravessada pela cunha bolivariana que parte da Venezuela com apoio de Cuba, estende-se acima até a Nicarágua, passa pelo Equador, abaixo, desce direto à Bolívia e chega à Argentina. No outro polo, se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México e nós ficamos encurralados no Mercosul, sem acordos comerciais bilaterais e, pior, calados diante de tendências anti-democráticas que surgem aqui e ali.
Ainda agora, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania. O Mercosul, desabridamente se põe do lado do governo de Maduro. O Brasil, timidamente, se encolhe enquanto o partido da Presidente apoia o governo venezuelano, sem qualquer ressalva às mortes, aprisionamento de oposicionistas e cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano.
Agindo assim, como esperar que, chegada a hora, a comunidade internacional reconheça os direitos que cremos ter (e de fato poderíamos ter) de tomar assento nas grandes decisões mundiais? Fomos incapazes de agir, ficamos paralisados em nossa área de influência direta. A continuar assim, que contribuição daremos a uma nova ordem global? Chegou a hora de corrigir o rumo. Que a crise venezuelana nos desperte da letargia.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Venezuela: pronunciamento da oposicao brasileira

O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cederia de bom grado também ao Senador Pedro Simon, que tem todos os títulos para exercer sobre todos nós a mais tutelar das precedências.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil inscreveu na Constituição de 1988, mais precisamente no art. 4º da nossa Carta Magna, os compromissos que temos, que o nosso País tem, que a República brasileira tem na ordem internacional. Entre outros, são esses os compromissos: guiar-se pela prevalência dos direitos humanos e também pela não intervenção e pela autodeterminação dos povos.
Estamos assistindo, Sr. Presidente, a uma escalada de radicalização política na Venezuela. Todos acompanhamos com enorme preocupação o que ocorre nesse país vizinho. O Presidente Nicolás Maduro, pupilo do falecido ditador Hugo Chávez, depois de haver exercido ilegitimamente, por algum tempo, a presidência da República – tempo necessário para preparar eleições nas quais se elegeu por uma margem diminuta de votos, num pleito contestado pela oposição –, defrontando-se com uma oposição crescente do seu povo, inconformado com a situação de caos econômico, inflação desenfreada, escassez de produtos e escalada do autoritarismo, esse presidente opta pela violência e repressão.
São mais de 500 presos, pessoas que foram detidas, algumas liberadas; 45 venezuelanos continuam na cadeia hoje. Há oito mortos, conhecidos até agora, a se lamentar. O presidente insiste em garrotear a liberdade de expressão, censurando a imprensa, pressionando os canais de televisão e de rádio. Chegou até, Sr. Presidente, a interferir no funcionamento da internet para impedir a comunicação entre os cidadãos em províncias consideradas por ele como inimigas, províncias onde prevalece o voto e a liderança da oposição. A cada dia, a ideia de que aquele país possa prosseguir sob a presidência de semelhante desequilibrado parece mais remota.
A Presidente Dilma, evidentemente, manifestou-se sobre esse assunto, provocada pela imprensa, na reunião de Bruxelas, e não poderia ter sido mais infeliz a sua declaração. Primeiro, ela começa por uma obviedade: a Venezuela não é a Ucrânia. Muito grato, Senhora Presidente, pela lição. Todos nós sabemos disso. Mas, a partir dessa obviedade, dessa platitude, a Presidente da República emite um conceito profundamente inquietante a respeito do valor que ela empresta à democracia na apreciação que tem de determinada situação, de determinado país, no caso, um país membro do Mercosul, que atualmente exerce a presidência rotativa desse organismo. Minimizando a situação democrática, minimizando e malbaratando o déficit democrático crescente e a escalada de violência promovida pelo governo Maduro, Sua Excelência diz apenas: “Precisamos levar em conta os avanços na área da saúde e na área da educação que a Venezuela tem conhecido.” Em primeiro lugar, eu não sei se são tão grandes assim esses avanços. O fato é que a Venezuela é um dos países mais violentos. Caracas, talvez, seja a campeã mundial da violência, medida pelo número de homicídios. Não sei até onde vão esses avanços, mas não há avanço econômico e social, ainda que fosse real, que possa ser alcançado ao preço do desprezo das instituições democráticas, da democracia, do respeito aos direitos humanos.
A Presidente da República do Brasil jamais poderia fazer esse tipo de balanço – de um lado, os avanços supostos ou reais na área da educação e da saúde; de outro lado, o sistema democrático em frangalhos –, para que prevalecesse a sua apreciação sobre o aspecto econômico e social da realidade da Venezuela de hoje.
É absolutamente inaceitável, Sr. Presidente, que a Presidente da República de um País democrático, que se orgulha da sua democracia – é a grande democracia do continente sul-americano – e que deveria ter na democracia o apanágio maior da sua presença nas relações internacionais, especialmente na América Latina, faça essa afirmação. É inaceitável essa afirmação da Presidente da República!
Soma-se a isso, meus caros colegas, uma nota da qual o Brasil é signatário, emitida pelo Mercosul, a respeito da mesma situação, a situação da Venezuela. Essa nota o Brasil teria feito muito melhor em não assiná-la. Se fosse compelido a renunciar ao seu papel de liderança, seria melhor que ele não a assinasse, pois o Brasil, desmentindo a tradição, a melhor tradição da diplomacia brasileira, nessa nota, condena a oposição venezuelana. É isso que se lê na nota emitida pelo Mercosul, quando chama os opositores de semeadores da violência, do caos e de ações criminosas. Pois criminoso é o regime chavista de Nicolás Maduro!
Evidentemente, não cabe ao Brasil interferir na vida de qualquer país, embora, na América Latina, recentemente, tenha havido intervenções no sentido de reforçar tiranetes, como o Presidente deposto de Honduras, Zelaya, e também ao patrocinar uma intervenção, uma violência contra o Paraguai, afastando-o do convívio do Mercosul, depois que, seguindo os trâmites da Constituição, o Presidente Lugo foi afastado.
Evidentemente – volto a dizer –, não preconizo nenhum tipo de intervenção, mas é preciso que o Brasil deixe claro, especialmente aos seus parceiros do Mercosul – alguns deles têm uma inclinação perigosamente autoritária, que se esconde sob um rótulo fantasista de bolivariano –, que, nas relações internacionais, o nosso compromisso é com a prevalência da democracia e dos direitos humanos.
Essa declaração da Presidente Dilma emitida ontem em Bruxelas e a vergonhosa nota do Mercosul são absolutamente inaceitáveis diante dos princípios constitucionais que regem a nossa política externa e diante da consciência democrática do povo brasileiro.
Muito obrigado.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Diplomacia tortuosa - Editorial Jornal do Commercio

Diplomacia tortuosa
Editorial Jornal do Commercio, 9/10/2013

Quando as críticas aos rumos trilhados pelo Itamaraty nos últimos anos se transformam em consenso entre diplomatas de larga experiência, talvez seja o momento para uma arrumação. A política externa não pode ser pautada pela hostilidade, muito menos se o alvo é a maior economia do mundo e o maior parceiro comercial do Brasil. Se os EUA têm pisado na bola no tratamento à América Latina, não podemos incorrer no mesmo erro, nivelando por baixo. Como já disse a própria presidente Dilma, os laços culturais que unem brasileiros e o norte-americanos são maiores do que a transitoriedade imanente às políticas governamentais.
O alinhamento automático à agenda de nações como a Bolívia, a Venezuela, o Equador e Cuba não pode ser a prioridade da diplomacia brasileira. Por mais que seja necessário, como já afirmamos neste espaço, um posicionamento firme e coletivo dos povos latino-americanos contra os abusos que têm sido cometidos pelos EUA, em nome de uma sempre superdimensionada defesa dos interesses e da segurança dos norte-americanos, a nossa diplomacia não pode se restringir a isso. Ampliar o arco da atuação diplomática e da pauta brasileira no planeta não significa, de maneira alguma, compactuar com o ranço imperialista característico da Casa Branca, tampouco aceitar passivamente a invasão de soberania que representa a espionagem oficial dos órgãos de segurança chefiados por Barack Obama.
O esgarçamento das relações da potência do norte com o nosso continente deve-se em boa medida à atitude arrogante assumida pelos EUA. Mas para a diplomacia o mais importante não é o obstáculo, e sim, superá-lo. Como afirmou Henry Kissinger, "países não têm amigos, têm parceiros". O tom emocional de parte do continente, por motivações claramente ideológicas, contra a Casa Branca, não deveria ser replicado cegamente pelo Itamaraty. Até porque o Brasil não possui apenas liderança regional: cresce a importância brasileira no cenário global, e essa voz de precisa ser ativada, e se fazer ouvir, fora das queixas e de um comportamento anti-americanista convicto.
Além do mais, a suposta amizade com os irmãos latinos não evita que parcerias sejam desfeitas sem cerimônia. Foi o que ocorreu quando a Bolívia enxotou a Petrobras, e outras empresas se viram obrigadas a abandonar o país por absoluta falta de garantia institucional para exercerem suas atividades. A Venezuela não deixou por menos, e deu mostras de arrogância comparáveis às praticadas pelos norte-americanos, ou mesmo piores, sem que o Itamaraty reagisse com a contundência esperada.

Desta forma, o que se espera de uma diplomacia tortuosa é que retifique o seu caminho o quanto antes, pois o equívoco estratégico nesse campo traz repercussões de longo alcance em diversas áreas, contaminando relações comerciais que levaram décadas para se consolidar e estreitando as oportunidades de novos caminhos a serem abertos nas relações multilaterais.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Brasil e a nao-intervencao: ABC Color lembra a intervencao nos assuntos internos do Paraguai

Dilma dice que su gobierno “no interfiere en vida de otros países”
ABC Color (Paraguai), 29/08/2013

La presidenta brasileña, Dilma Rousseff, afirmó ayer que su gobierno no interviene en asuntos internos de otros países, a poco más de un año de que, junto a los otros miembros del Mercosur y Unasur buscara impedir que el Paraguay cambiase el gobierno que, en ese momento, le era adicto.

“No interferimos en la vida de otros países, no colocamos la vida de quien quiera que sea en riesgo, adoptamos rigurosamente el concepto de la no intervención y solo respaldamos acciones excepcionales si pasamos por el debido escrutinio de la ONU”, dijo Dilma Rousseff, olvidando obviamente lo que su gobierno llevó a cabo hace poco más de un año en el Paraguay.

En Sudamérica, dijo Rousseff, “somos 12 países hermanos, iguales en derechos, merecedores del mismo respeto, democráticos, en un continente como el nuestro, que estuvo marcado por dictaduras y que hoy vive un estadio de modernización política”.

El año pasado, en junio de 2012, una “patota” de cancilleres llegó hasta el “hermano” Paraguay para intentar impedir que sus representantes políticos (el Congreso) aplique una norma de la Constitución paraguaya (el juicio político) para cambiar legalmente a un presidente que le era adicto, el entonces mandatario Fernando Lugo.

Estas declaraciones las pronunció la Presidenta en el Palacio del Planalto durante la ceremonia de toma de posesión del nuevo canciller brasileño, Luiz Alberto Figueiredo, en reemplazo de su predecesor Antonio Patriota, quien fue el enviado de Rousseff al Paraguay en 2012.

El relevo en Itamaraty se produjo luego de la huida de la Embajada del Brasil, en La Paz, del senador opositor boliviano Roger Pinto, asilado en esa legación desde hacía más de un año.

Esa acción, según el Gobierno brasileño, no contaba con el conocimiento ni consentimiento del Ministerio de Relaciones Exteriores ni de la Presidencia del Brasil.

La gobernante brasileña reiteró la postura oída frecuentemente en las alocuciones oficiales referentes a las relaciones internacionales en la región.

“El fundamento de nuestra política externa es la relación armoniosa y respetuosa con nuestros hermanos latinoamericanos, a ellos siempre debemos dar lo mejor de nosotros, la mayor de nuestras prioridades es la integración regional”.

La Presidenta brasileña realizó estas declaraciones en relación al caso ocurrido con el senador boliviano, días atrás.


Sus palabras, no obstante, hacen referencia a los “12 países hermanos” de Sudamérica, donde queda incluido el Paraguay, una nación que aún recuerda la intervención brasileña (y de otros países) en sus asuntos constitucionales, tras lo cual fue suspendido de diversos órganos internacionales, en un intento de aislarlo diplomáticamente, al haber cambiado de Gobierno, en contra de lo que aquellos países pretendían.