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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

'A Venezuela ja implodiu, e' preciso haver um pacto', diz historiadora(FSP)

A historiadora Margarita López Maya tem uma frase contundente para descartar uma nova revolta popular -- como o Caracazo, de 1992, com centenas de mortos -- contra o governo, ou a oposição, em caso de implosão final:
"... qual seria a motivação de um novo Caracazo se não há nem sequer alimentos e eletrodomésticos para saquear?"
Pois é, a Venezuela acabou, para o maior sofrimento do seu povo.
Ela diz ainda isto:
"Maduro... é um homem incapaz, ignorante e indeciso.
Ele está na política desde os 14 anos de idade, foi chanceler, presidente da Assembleia Nacional, um alto quadro do PSUV [partido chavista], mas revelou-se uma nulidade. Isso gera desgosto e angústia dentro do chavismo..."
Puxa vida: isso me sugere alterar apenas um nome...

Mas, qual seria a atitude do Brasil nesta conjuntura?
Vai ajudar a população, ou vai ajudar o governo chavista?
Não tenho nenhuma dúvida sobre a atitude, já tomada, sendo tomada, que será tomada.
Alguém tem alguma dúvida?
Paulo Roberto de Almeida

'A Venezuela já implodiu, e é preciso haver um pacto', diz historiadora
SAMY ADGHIRNI
DE CARACAS /Folha de São Paulo, 10/02/2016

Uma das intelectuais mais respeitadas da Venezuela, a historiadora e cientista política Margarita López Maya diz que o país já implodiu e que a única solução à grave crise econômica e social é um pacto entre o governo chavista e a oposição, hoje no comando da Assembleia Nacional unicameral.
Para López Maya, que recebeu a Folha em seu escritório, a alta participação e o resultado contundente em favor dos opositores na eleição legislativa de dezembro reflete uma mudança já em curso.
Ela questiona, porém, a viabilidade dos esforços parlamentares para abreviar a Presidência de Nicolás Maduro e afirma que uma renúncia seria a opção mais viável.
López Maya diz que o apego popular ao chavismo se esvai aos poucos, como o desencanto de uma relação amorosa, e critica a mentalidade venezuelana rentista que existia já antes de Hugo Chávez (1999-2013).

*

Folha - A transição já começou na Venezuela?
Margarita López Maya- O voto de dezembro foi em favor de uma mudança política, que começou pelo Legislativo, agora independente do Executivo. Isso abre caminho para uma transição democrática ou de qualquer outra natureza. Estamos indo em direção a algo diferente. Maduro tem uma carta na manga, que é ter sido designado por Chávez, mas é um homem incapaz, ignorante e indeciso.
Ele está na política desde os 14 anos de idade, foi chanceler, presidente da Assembleia Nacional, um alto quadro do PSUV [partido chavista], mas revelou-se uma nulidade. Isso gera desgosto e angústia dentro do chavismo, e alguns grupos se movimentam para removê-lo, mas não sei até que ponto isso pode surtir efeito.

Há perspectiva de saída de Maduro no curto prazo?
Muitos cenários estão em aberto. O mais barato e menos traumático é a renúncia, embora não haja sinal de que isso ocorrerá. Se a situação se tornar economicamente insustentável, algo que deve acontecer neste ano, pode chegar o momento em que ele terá de cair. Caso renuncie, a Constituição obriga a convocar uma eleição. [O vice-presidente] Aristóbulo [Isturiz] assumiria a Presidência por 30 dias até que se realize esta eleição, que, aliás, o governo não teria condições de ganhar.
Acho que a aposta do governo é dar um jeito de conseguir dinheiro para chegar até janeiro, porque, se Maduro sair a partir desta data, Aristóbulo ficaria na Presidência até o fim do mandato [2019].
De todo modo, tem de haver acordo com a oposição. Mesmo que haja eleições antecipadas e que a oposição conquiste o Executivo, ela precisará compor com todo o aparato administrativo e os quadros militares chavistas. E, se houver renúncia depois de janeiro, Aristóbulo também precisaria de um pacto para se manter.

Como seria esse pacto?
O país já implodiu, e medidas econômicas são indispensáveis para reverter a crise.
Mas antes de implantar um pacote, é preciso adotar medidas sociais de emergência para proteger as pessoas que dependem de produtos regulados, pois essas pessoas ficarão muito afetadas quando houver uma desvalorização.
A pobreza subiu para 72%. Sem essas medidas, haverá fome. Você não pode deixar as pessoas expostas à tempestade. Um pacto também é necessário para renovar os poderes públicos. A oposição não pode fazer nenhum acordo com o governo se não houver mudança no Tribunal Supremo de Justiça (STJ, corte suprema), no Ministério Público e outros órgãos que precisam recuperar sua independência e autonomia.
Um setor da oposição defende uma emenda constitucional para abreviar o mandato presidencial e outro prefere um referendo revogatório.
Tudo isso é muito complicado. As leis não têm caráter retroativo. Se você aprovar uma lei, ela vale para o mandato seguinte, não para o atual. Além disso, uma emenda precisaria passar pelo TSJ, onde será certamente bloqueada. Ou seja, este caminho não procede.
Um revogatório também é complicado porque as pessoas estão mais preocupadas com seus problemas diários do que em se mobilizar numa coleta de assinaturas e depois votar em um referendo. Acho que a oposição se deu seis meses para encontrar uma saída com a esperança de que Maduro renuncie.

As divisões dentro da oposição e do governo dificultam a definição dos respectivos candidatos em caso de eleição antecipada?
Não acho. Estamos falando de uma presidência para conduzir um processo de transição durante três anos até terminar o mandato de Maduro. Esse presidente teria que ter um perfil muito específico. É preciso alguém disposto a se sacrificar pela pátria, um veterano, como foi Adolfo Suárez na Espanha após a morte do [ditador Francisco] Franco [1975].
Poderia ser [o presidente opositor da Assembleia Nacional, Henry] Ramos Allup, que tem 72 anos e está no final de sua carreira política.
Do lado do chavismo é mais complicado, não porque há muitos candidatos, mas justamente porque não há ninguém. Na ciência política existe a figura do herói da retirada, o homem que poderia ajudar o chavismo a sair de cena com dignidade. O PSUV teria que buscar alguém capaz de capturar gente para além do chavismo. Poderia ser Aristóbulo.

O resultado de dezembro foi um voto castigo ao governo ou um pedido para mudar o modelo?
As duas coisas. Houve participação massiva, de mais de 70%. Isso é quase um comparecimento em nível de eleição presidencial.
Como em quase todas as eleições na era Chávez, as pessoas votaram como se fossem morrer caso não o tivessem feito. E é sempre um voto contra ou o favor do modelo no poder. Por isso mesmo, por esse caráter plebiscitário, foi um claro rechaço à gestão de Maduro. E isso significa que se quer uma mudança não só dos atores, mas da maneira como o país está sendo conduzido.
Não me atrevo a ir mais longe porque houve forte abstenção no setor chavista. As forças de oposição conquistaram cerca de 400 mil votos a mais que na eleição presidencial de 2013. O voto chavista caiu em mais de dois milhões. Há um desejo de mudança mas não necessariamente um voto em favor da oposição que esteja claro.

Muitos dizem que a oposição ganhou graças a um voto "emprestado".
Desde 2013 o chavismo vem perdendo voto. Até mesmo a última reeleição de Chávez, em 2012, foi a sua vitória com menor porcentagem, cerca de 54%. Na primeira vez, em 1998, ele teve 56%, depois 60% e 64%. Há um deslocamento paulatino rumo à oposição, mas ainda não há um voto contundente em favor da oposição.

Por que não há esse voto contundente em favor da oposição?
O chavismo foi uma força política muito popular que teve seu apogeu em 2006, quando a sociedade estava dividida entre uma maioria de mais de 60% e uma minoria de 35 ou 38%. Hoje a coisa está se invertendo. É como na vida amorosa, quando nos desencantamos pouco a pouco do parceiro. Muitos ainda pensam: 'estou desencantado, mas não posso votar nesses inimigos de Chávez e da pátria', mas cada vez mais se aproximam da oposição.

Falta proposta clara à oposição?
Essa história de que a oposição não tem mensagem é relativa.
Há dois modelos de sociedade em disputa. Um é o que se chama socialismo do século 21, centralizado, hierárquico, com forte concentração de poder no Executivo e no qual tudo pertence e é regulado pelo Estado.
O outro é capitalista, mais ocidental e moderno e supõe uma democracia mais representativa. Mas essa alternativa não é completamente clara porque há coisas que são politicamente custosas de dizer na Venezuela.
Ninguém na oposição fala do que fazer com a estatal petroleira. A Venezuela é um país petroleiro, rentista e acostumado a um petroestado que provê tudo desde antes de Chávez. Nos últimos 17 anos, porém, o discurso chavista reforçou ainda mais essa visão de que o Estado tem que te proteger, te dar casa e comida.
Estados podem prover infraestrutura, esgoto, terrenos, créditos, empregos etc, mas casa? Aqui o governo se compromete a dar casa a todos aqueles que não têm. É algo impossível de fazer. Há uma distorção muito forte na cultura dos venezuelanos, que vem do rentismo e que faz com que seja muito difícil corrigir o discurso político.
Tivemos uma crise pesada nos anos 1980, o governo ficou muito endividado, a arrecadação petroleira caiu, a inflação ficou galopante e havia escassez. A crise de hoje é a mesma, que não foi solucionada.
Nas vacas gordas, entram tantos dólares que vale a pena importar qualquer coisa porque sai mais barato do que produzir aqui. E quando o preço do petróleo cai, o aparato produtivo já ficou destruído. O petróleo se manterá baixo e vai obrigar a buscar uma saída. Mesmo que suba, ficará em torno de US$ 30 ou US$ 40 o barril, o que é totalmente insuficiente para a Venezuela.

A população está disposta a encarar um aumento da gasolina?
Quando [o então presidente] Carlos Andrés Pérez aumentou a gasolina [em 1989], deu-se o Caracazo [protestos que deixaram centenas de mortos]. Mas quando [o presidente seguinte Rafael] Caldera implantou suas medidas, o mal estar era tão grande que as pessoas praticamente estavam pedindo alguma reação, e não houve o mesmo impacto.
Maduro já recuou três vezes de aumentar a gasolina, mas as pessoas têm bom senso. O problema é que os efeitos de um aumento não serão sentidos no curto prazo. Aumentar a gasolina não gera mais dólares, ao contrário de uma desvalorização, que é necessária.

Por que não houve outro Caracazo apesar da percepção generalizada de que esta crise é pior que a de 1989?
Naquela época ainda existiam meios de comunicação independentes, que contavam o que estava acontecendo. Hoje há saques diários de caminhões e vários episódios violentos, mas isso não sai na mídia, só nas redes sociais.
O Caracazo já está acontecendo em pequenos episódios que acabam rapidamente controlados. Além da censura, você tem militares por todos os lados na rua. No Caracazo não era assim. A repressão de 2014 ainda é muito presente. Além disso, qual seria a motivação de um novo Caracazo se não há nem sequer alimentos e eletrodomésticos para saquear?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Democracias tem dissidentes; ditaduras possuem transfugas: China na berlinda (FT)

Democracias tem seus opositores políticos, que podem ser dissidentes de governos, denunciantes, contrarianistas (como certo blogueiro que conheço) e outros cidadãos declaradamente contrários a políticas de governo, podendo eles atuar como denunciantes, acusadores, delatores de malversações ou como simples críticos do governo em vigor.
Só ditadores possuem transfugas, pessoas que se refugiam em outros países, por temer por sua segurança ou até por suas vidas. Transfugas podem vir com informações sensíveis, e só são transfugas por isso mesmo.
Parece ser o caso deste chinês.
Paulo Roberto de Almeida

Top China defector passes state secrets to US
by  Jamil Anderlini in Hong Kong and Tom Mitchell in Beijing
The Financial Times, February 4, 2016

    US intelligence agencies interrogating the brother of a disgraced Communist official believe he is the most valuable Chinese defector to flee to America, according to two people familiar with some of the intelligence he has provided.
The defector, Ling Wancheng, is the brother of Ling Jihua, the former chief of staff to President Hu Jintao who was formally detained on suspicion of “serious violations” of Communist party rules in December 2014.
    The secrets Mr Ling has revealed to US investigators include details on Chinese procedures for launching nuclear weapons, the personal lives of China’s leaders, and arrangements for their security and for the protection of the Zhongnanhai leadership compound in central Beijing, according to one senior retired diplomat and a former leading western intelligence official who received briefings in Washington.
In a sign of how badly it wants to get him back, the Chinese government has sent several teams of security officials and agents to the US on official and covert missions to try to secure Mr Ling’s return.
    Last August the Obama administration issued a warning to Beijing after discovering that Chinese spies in the US were trying to track Mr Ling down and repatriate him.  In November an official delegation from the Chinese Ministry of Public Security travelled to the US to present accusations against Mr Ling to the Sacramento Federal Prosecutor.
The Chinese delegation initially alleged Mr Ling had laundered enormous sums of money through the US but it was unable to provide enough evidence to satisfy US prosecutors.
During a visit to Washington in early September, Meng Jianzhu, China’s top security official, also pressed the Obama administration to return Mr Ling to China to face prosecution in connection with his brother’s alleged crimes.
     The White House, the Central Intelligence Agency and the Federal Bureau of Investigation could not immediately be reached for comment.  In his position as director of the general office of the Communist party of China between 2007 and 2012, Ling Jihua was the top aide to President Hu Jintao and was responsible for categorising and archiving all of the party’s most secret and sensitive information.
     Hong Kong-based media reports alleged late last year that Ling Jihua had stolen thousands of classified documents and handed them over to his brother Wancheng, who transferred them to the mansion he owns in California, near Sacramento.
    Ling Jihua last appeared in public in October 2014 and in July last year Chinese state media reported he had been expelled by the party and charged with several crimes and violations of party discipline, including corruption, adultery and stealing state secrets.   The official government announcement at the time said he had “obtained a great deal of the party and state’s core secrets in violation of laws and discipline”, “accepted huge bribes” and “committed adultery with a number of women and traded his power for sex”.
      These charges marked the culmination of a spectacular downfall that began in early 2012 when Ling Jihua’s 23-year-old son was killed in a car crash while driving a Ferrari in Beijing city centre with two young women, one naked.
Despite a media blackout and government attempts to cover it up, the event was widely reported by international news organisations and Ling Jihua was moved to a less sensitive government position later that year.
     Until now, the most valuable Chinese defector to the US was widely believed to be Yu Qiangsheng, spymaster from China’s Ministry of State Security and son of senior party members, who fled to America in 1985.   His defection led to the arrest and conviction of CIA analyst Larry Wu-Tai Chin on charges of spying for China. Mr Chin was found dead in 1986 in his prison cell from apparent suicide just days before he was to be sentenced.   Yu Qiangsheng was later assassinated by Chinese agents, according to Chinese officials familiar with the matter. Mr Yu’s younger brother, Yu Zhengsheng, is now a member of the seven-man Politburo Standing Committee, the highest political body in China.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Saudades da Ditadura! Eu disse saudades? Enfim, comparando com os companheiros atuais...

Explico. Não se trata de saudades da ditadura, enquanto tal, apenas dos seus bons métodos burocráticos, de gravar, registrar, gravar tudo o que se fazia, de bom e de mau (menos os assassinatos, provavelmente...).
Pois bem, por que digo isto (e não estou comparando nosso antigo SNI à Stasi ou à DGI cubana, longe disso)?
É porque hoje, um colega pesquisador, mergulhando nos fundos do Arquivo Nacional, descobriu minha autoria num documento, onde eu era identificado como pertencente a um "grupo subversivo de esquerda".
Ele me deu as referências, que são estas:

Arquivo Nacional: 
Justificativa para uma possível reformulação da política externa no Brasil na África
“grupo subversivo de esquerda” 
Fundo: SNIG; 
AC_ACE_11577_78.PDF; A1157711-1978; 
DATA: 17/9/1978; 
30 páginas.

Com base nisso, fui consultar meus arquivos e encontrei esta referência:

056. “Estratégias da política externa brasileira entre 1960/1978”
Brasília, agosto 1978, 6 pp. 
Análise das diversas etapas da diplomacia brasileira, preparada como texto de apoio à campanha presidencial do PMDB, inserido no documento “Justificativas para uma possível reformulação da política externa brasileira na África”. 
Entregue, em setembro de 1978, ao staff do candidato do Partido, General Euler Bentes Monteiro. Inédito. 

Ou seja, um documento, do qual eu participei apenas com meras 6 páginas, das 30 do total, me valeu ser fichado no SNI como "subversivo", o que não é nada excepcional.
Naquela época, todo mundo que não fosse do regime poderia ser classificado como opositor, e subversivo. Eu estava apenas participando da luta democrática, e é óbvio que o general Euler perdeu feio para o candidato oficial, General Figueiredo (com quem, aliás, tenho uma foto, mais o Golbery do Couto e Silva, na cerimônia de formatura da turma de diplomatas, nesse mesmo ano de 1978).

Pois bem, onde estão as saudades da ditadura?
Nisto: aposto como as trapaças atuais dos companheiros, a espionagem (que certamente eles fazem) contra seus opositores (entre os quais eu me incluo, certamente, como sempre fui contra todos os partidários das ditaduras e dos totalitarismos), as roubalheiras, a corrupção, os malfeitos, de forma geral, nada disso está documentado, e os companheiros vão para a lata do lixo da história sem deixar traço de suas patifarias.
Infelizmente, ou felizmente, eles não são como o SNI, ou antiga Stasi, que documentava cuidadosamente, burocraticamente, tudo o que era feito.
Ó tempora, ó mores...
Paulo Roberto de Almeida 

terça-feira, 8 de abril de 2014

Filme: O Dia que Durou 21 Anos - minha avaliacao (PRA)

Assisti ontem, na Universidade de Yale, a este filme, e o cartaz remete à próxima apresentação na Universidade de Princeton. No intervalo, ele deve ser exibido na Universidade Brown, em Providence, RI, onde devo participar de um seminário, "Brazil: from Dictatorship to Democracy", sobre os cinquenta anos do golpe de Estado que deu início ao regime militar no Brasil (já postei aqui o programa).


Dou a minha opinião sobre o filme.
Trata-se de um filme extremamente simplista, redutor, deformado, ainda que tecnicamente bem feito.
Ele parte justamente dessa ideia simplista de que antes, no Brasil, havia uma democracia, que os perversos americanos armaram uma conspiração com os militares, os grandes grupos econômicos, a direita brasileira, para dar um golpe contra um presidente progressista, que só estava querendo fazer reformas de base, em beneficio dos brasileiros, mas que os americanos e a direita o derrubaram, e implantaram a ditadura. Depois vem, num sucessão desonesta de imagens, cenas de tortura, de repressão, e vários depoimentos de personagens ligados ao golpe ou ao regime militar, alguns contra, outros a favor, mas numa completa barafunda de temas, épocas, imagens, sem qualquer sequenciamento correto do processo histórico.
A única coisa válida, penso eu, são as transcrições dos telegramas de Lincoln Gordon, então embaixador dos EUA no Brasil, na fase imediatamente anterior e posterior ao golpe.
Na verdade, Lincoln Gordon tinha sido designado por Kennedy para lidar com um presidente que os americanos consideravam "reformista", que era o Jânio Quadros (na verdade, um maluco com tendências autoritárias). Jânio renunciou assim que Gordon foi designado, e ele teve de lidar com um regime confuso, anárquico, incapaz de fazer reformas, apenas aprofundando a crise brasileira. Nada no filme revela o caos administrativo que era o governo Goulart, a espiral inflacionária, a deterioração das instituições.
Em primeiro lugar, não se pode caracterizar o processo histórico como sendo um de "democracia-golpe-regime militar-ditadura-volta à democracia". Isso é simplismo, sobretudo no que se refere à conspiração americana para derrubar Goulart.
O Brasil tinha motivos suficientes para fazer aquilo que já tinha sido feito em 1930, 1937, 1945, diversas vezes nos anos 1950, 1961 e finalmente 1964: crises políticas, incapacidade das elites, intervenção militar.
Os americanos entram pelo lado da Guerra Fria, mas como não considerar a crise dos foguetes em Cuba, em 1962, e as simpatias do governo Goulart pelos regimes socialistas?
Enfim, um filme simplista, redutor, historicamente deformado.
Paulo Roberto de Almeida

PS.:
Como disse, no filme, não há nada sobre o quadro econômico e social dos anos Goulart, com inflação indo para os 100% ao ano, sem qualquer correção, seria bom relembrar.
Tampouco existe uma palavra sequer sobre as ações guerrilheiras que vieram antes, muito antes, que o governo autoritário virasse uma ditadura.
Permito-me reproduzir aqui um trecho, apenas um trecho do manifesto divulgado durante o sequestro do embaixador Burke Elbrick:
"Este ato (...) se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores. Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural."

quarta-feira, 19 de março de 2014

Venezuela-OEA: oposicao venezuelana ao chavismo mantem a ilusao de que conseguira comover os paises...

Não há nada, ou quase nada (talvez se imolando pelo fogo, como os monges budistas tibetanos) que a oposição venezuelana possa fazer para convencer os companheiros dos companheiros venezuelanos que seu país vive sob uma ditadura assassina, e que os países deveriam exigir o cumprimento da Carta Democrática da OEA, dos compromissos democráticos da Unasul e do Mercosul, enfim, de simples regras de civilidade, de humanidade, de respeito elementar pelos direitos humanos.
Nada. Os países, ou a maioria deles, continuarão indiferentes ao que se passa no país.
Vergonha é a palavra, mas haveria muitas outras também, para qualificar o que acontece com países e instituições próximas. Talvez inqualificável seja a palavra...
Paulo Roberto de Almeida


Venezuela protestas

La diputada opositora venezolana María Corina Machado partió de Venezuela para hablar en la Organización de Estados Americanos (OEA) sobre las protestas que vive su país tras aceptar un ofrecimiento de Panamá de cederle su asiento en el organismo regional.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Golpe de 1964 e ditadura militar: 50 anos - comeca o maniqueismo (Cafe Historia)

Precisamos estar preparados para a nova onda de maniqueísmo que vai assolar o país: os 50 anos do golpe de 1964 (em 31 de março ou 1ro de Abril, como preferirem) e o julgamento peremptório da maior parte dos historiadores no sentido mais convergente com a historiografia corrente, ou seja, de que o golpe foi uma armação da direita brasileira -- ai confundidos capitalistas, ou burguesia nacional, latifundiários, militares e, sobretudo, os perversos imperialistas americanos -- e do Império, para derrocar um governo democrático empenhado em reformas.
Creio que vou escrever algo a respeito, para tentar restabelecer a balança...
Paulo Roberto de Almeida

Do site Café História, 7/01/2014

MURAL DO HISTORIADOR

Ditadura Militar 50 Anos - Parte I
Durante os últimos trinta anos, o jornalista Elio Gaspari reuniu documentos que serviram de base para a edição e a reedição de seus livros sobre o governo militar no Brasil. Entre bilhetes, despachos, discursos, manuscritos, diários de conversas travadas pela cúpula e telegramas do governo americano, seu arquivo pessoal reúne mais de 15 mil itens sobre a ditadura. São registros que se iniciam nos anos anteriores ao golpe de 1964 e seguem até os estertores do regime. Entre eles, há 10 mil provenientes do arquivo do general Golbery do Couto e Silva, como suas apreciações e análises conjunturais redigidas em três momentos distintos, de 1960 a 1968. A partir de fevereiro de 2014 o seu site “Arquivos da Ditadura” passará a disponibilizar uma seleção desse rico material, parte dela presente também na versão em e-book dos quatro volumes da série sobre os “anos de chumbo”. É a primeira vez que esses documentos ficam disponíveis para consulta na internet. Confira aqui.

Ditadura Militar 50 Anos - Parte II
O jornal Folha de S.Paulo inaugurou uma página especial em seu site dedicada exclusivamente aos 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964, o qual jogou o Brasil em uma ditadura que levaria mais de vinte anos. O site foca nos momentos e nas circunstâncias que levaram à deposição do presidente João Goulart. Em destaque: os 53 militares, políticos e civis mais importantes no contexto do golpe militar; os dez momentos em que as Forças Armadas atuaram na política antes do golpe de 1964; uma comparação do contexto econômico, demográfico e cultural de 1964 com os dias atuais. No site, é possível ver também uma cronologia do golpe, hora a hora. Para ver o site, que já se encontra no ar, clique aqui.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Chefe da quadrilha quer silenciar companheiro moderado: totalitarios inconformados...

O jornal Correio do Brazil é um instrumento pessoal do chefe da quadrilha para tentar reverter sua situação desesperada, e colocar todo o partido, que já tem tendências totalitárias a serviço de sua causa perdida, que é a de transformar o Brasil, como país, em instrumento servil dos companheiros totalitários, como ele.
A matéria abaixo é um reflexo dessa tentativa de isolar um ministro companheiro que pecou por não partilhar da mesma vocação ditatorial dos seus companheiros de partido.
Paulo Roberto de Almeida

Centrais sindicais consideram Paulo Bernardo ‘desastroso’

Correio do Brasil, 11/7/2013 10:55
Por Felipe Bianchi - de São Paulo

ABr
O ministro das Telecomunicações, Paulo Bernardo, sofreu duras críticas das centrais sindicais
Em entrevista realizada nesta capital, a respeito das preparações para as manifestações realizadas ao longo deste 11 de julho, as centrais sindicais criticaram a atuação do ministro Paulo Bernardo à frente da pasta das Comunicações. Para os representantes dos trabalhadores, o ministro tem dado declarações que representam apenas suas posições individuais, nitidamente contrárias à democratização da mídia.
A roda de perguntas, mediada por Rita Casaro, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, contou com a presença do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas; do vice-presidente, Nivaldo Santana (vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); do diretor-executivo da Força Sindical, Claudio Prado; do presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Dantas; e do presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto.
Apesar da mobilização para as paralisações, greves e manifestações nacionais programadas para o 11 de Julho ser a pauta principal da atividade, transmitida pela TVT, os representantes das centrais foram tachativos ao serem questionados sobre a atuação de Paulo Bernardo e do Ministério das Comunicações. O papel partidarizado da grande imprensa brasileira e a importância da mídia alternativa para a agenda sindical também foram abordados.
De acordo com Wagner Freitas (CUT), Bernardo bate de frente com as deliberações feitas pelo partido e, inclusive, pela própria CUT, entidade da qual o ministro é oriundo.
– Suas posições não refletem nada do que discutimos sobre o tema, afinal, somos favoráveis à criação do marco regulatório do setor – diz, salientando que “suas declarações mais recentes são patéticas”. Recentemente, Bernardo concedeu entrevista às páginas amarelas da revista semanal de ultradireita Veja, declarando ser contrário à regulação e ganhando o apelido de “bom petista” por parte da revista.
Para Ubiraci Dantas (CGTB), Bernardo é um cidadão “que jogou a toalha”. Em sua avaliação, o ministro faz um “desserviço” à comunicação: “Ele está no caminho contrário da democratização, ao entregar o setor para os grandes empresários, atrasando e boicotando a luta pela regulação.”
O papel da mídia na cobertura do 11 de julho também foi debatido pelos representantes das sindicais. Houve consenso de que os grandes veículos tentarão distorcer o sentido das manifestações.
– É comum reunirmos dezenas de milhares de pessoas e não sair uma linha na mídia, mas quando diz respeito aos seus interesses, uma dezena de pessoas basta para deem destaque – opina Nivaldo Santana (CTB), que prevê uma “desqualificação gritante” quanto aos atos nacionais.
Os sindicalistas celebraram a importância da mídia alternativa, que faz contraponto à visão única sustentada pelos grandes conglomerados de comunicação. A imprensa sindical, como a TVT e a Agência Sindical, por exemplo, já está preparada para a cobertura em tempo real das manifestações do 11 de julho.
Pauta trabalhista
A unidade das centrais sindicais para as manifestações nacionais foram a tônica da entrevista coletiva. Todos os representantes destacaram a importância da pauta unitária para destravar a pauta trabalhista no governo, que não avança e, pior, vê grandes possibilidades de retrocesso. De acordo com Wagner Freitas, a intenção é “forçar o governo a atender às demandas”, destacando “o fim do fator previdenciário, fim da terceirização e redução da jornada de trabalho sem redução do salário, além de outras pautas periféricas”.
– Não é um ato das centrais sindicais, mas sim dos trabalhadores e trabalhadoras, chamados pelas centrais para se manifestarem, em um único rumo, a defenderem seus direitos – avalia.
Claudio Prado, da Força Sindical, destaca o Projeto de Lei 4330 como um dos principais alvos da manifestação.
– O PL 4330 foi feito por um dos maiores empresários do país. O que será que ele defende? – questiona.
A situação, na avaliação dos sindicalistas, é um golpe aos direitos dos trabalhadores, pois terceiriza o trabalhador, reduzindo seu salário e minando seus direitos.
Antonio Neto (CSB) e Nivaldo Santana (CTB) argumentam que, diferentemente das recentes manifestações de rua do país, o 11 de Julho tem pauta definida – “a defesa dos interesses dos trabalhadores” – e direção.
– Creio que será a maior mobilização sindical do Brasil nos últimos 10 anos – aposta Santana.
Segundo Ubiraci Dantas (CGTB), existe uma situação emergencial, que está na pauta unificada das centrais.
– Não se trata de um Fora Dilma, pelo contrário: estamos propondo guinada de direção dentro do próprio governo, com propostas ao invés de pedras na mão – opina.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A marcha da democracia na América Latina (para tras) - K vs Clarin

Parece que uma hermana, muy amiga, aliada da mesma causa, vai conseguir fechar o último grande jornal que se lhe opõe. Estamos indo bem no Mercosul: do Caribe à Patagonia, a liberdade de imprensa vai sendo estrangulada.
O Brasil ainda não chegou lá: mas já existem dezenas, centenas, milhares de mercenários a soldo da imprensa sabuja, feita de rastejamento frente ao poder, inclusive para viver de recursos públicos.
A última rede de televisão independente da Venezuela acaba de ser "vendida" a empresários amigos do poder.
O Clarin não vai ser vendido: ele vai ser estrangulado.
O bolivarianismo chega mais perto do Brasil.
Aqui também os espaços se reduzem. Sobram os blogs independentes, como este quilombo de resistência intelectual. Espero que não seja asfixiado...
Paulo Roberto de Almeida


Para a oposição e órgãos de defesa da liberdade de imprensa, a intervenção seria mais um passo para calar o Clarín com quem o governo vem travando uma guerra desde 2009.

A principal empresa de comunicação da Argentina está correndo o risco de sofrer uma intervenção do governo.
A cada domingo, uma nova denúncia de corrupção contra o governo, apresentada pelo jornalista Jorge Lanata, no Canal 13, que pertence ao Grupo Clarín.
Uma delas foi a da ex-secretária do ex-presidente Néstor Kirchner, morto em 2010. Ela disse que via o chefe receber sacos de dinheiro de empresários que tinham contratos com o governo.
E que os valores eram levados para a casa da família Kirchner na cidade de El Calafate, no sul do país. Lá haveria uma caixa forte.
No domingo (12), o arquiteto responsável pela obra confirmou a construção desse cofre.
No fim do programa, Jorge Lanata se despediu alertando sobre uma possível intervenção do governo no grupo.

O governo nega. “Querem gerar um clima de medo e terror na Argentina”, reagiu o secretário geral da presidência da república, Oscar Parrilli.
A expectativa de intervenção por parte dos donos do Clarín vem crescendo desde que o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, invadiu uma reunião de acionistas do grupo há duas semanas. Ele reclamou da queda nos lucros da empresa, depois que os jornais foram proibidos pelo próprio governo de publicar anúncios de supermercados para evitar o aumento dos preços.
O governo tem 9% das ações do grupo desde a nacionalização de fundos de pensão. Por ser sócio minoritário, ele pode pedir intervenção na empresa, graças a uma lei aprovada ano passado que dá o direito de acionistas minoritários de pedir intervenção sem a mediação na Justiça.
O porta-voz do Clarín, Martin Echevers, afirmou que a direção do grupo está certa de que essa intervenção ocorrerá - uma consequência das denúncias de corrupção contra o governo.
Para Echevers, qualquer avanço sobre os meios de comunicação é um avanço contra a liberdade de imprensa.
Para a oposição e órgãos de defesa da liberdade de imprensa, a intervenção seria mais um passo para calar o Clarín com quem o governo vem travando uma guerra desde 2009.
A presidente Cristina Kirchner já tentou atacar o grupo através de reforma na lei de meios e do judiciário. E agora enviou ao Congresso um projeto de lei para expropriar a única empresa que produz papel para jornal, que tem como sócio majoritário o próprio Clarín.

sábado, 11 de maio de 2013

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (9, final) Paulo Roberto de Almeida


Continuação do post anterior e conclusão

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (9, final)
Paulo Roberto de Almeida
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Uma última análise subjetiva da questão da luta armada
Infelizmente, a questão da luta armada no Brasil ainda não faz parte da História, ou pelo menos resiste a recolher-se à sua dimensão histórica objetiva, sendo ainda objeto de embates políticos e de tentativas de reescrita da história. A razão é a mesma já apontada anteriormente: os derrotados vingativos chegaram ao poder e pretendem se vingar de seus supostos algozes, se preciso for deformando a história e manipulando os acordos políticos já realizados durante a transição quase consensual da democratização.
De certa forma, elas já detém o monopólio da historiografia, como pode ser constatado por inúmeros exemplos da literatura didática e mesmo de livros que passam por sérios tratando do período. Os escribas universitários, não apenas os declaradamente de esquerda ou simplesmente progressistas, já internalizaram uma versão da história política brasileira, dos anos 1960 em diante, que transforma o período em uma oposição de preto e branco, uma interpretação maniqueísta que transforma os militares em servos da burguesia e do imperialismo, e os “resistentes” como bravos e impolutos defensores da democracia e lutadores desprendidos em prol das liberdades. A contrafação da história real é evidente, mas ela vem sendo servida durante muito tempo, inclusive no curso do próprio período militar, para não se impor como verdade para grande parte do povo brasileiro, jovens que nunca viveram aquele período que tendem naturalmente a acreditar nessa versão da luta dos bons contra os maus.
A “Comissão da Verdade” não constitui senão mais uma tentativa de impor essa versão à sociedade atual, pelos remanescentes dos derrotados de outrora. Faz parte, como outras iniciativas – como a “indústria” das indenizações –, das farsas montadas para alterar a história e obter ganhos políticos, quando não materiais, aos que ainda tentam fazer do Brasil outra coisa que não uma grande democracia de mercado. A chamada “relação de forças” pode dar aos derrotados vingativos algumas compensações temporárias, e é por isso que o trabalho didático de esclarecimento se revela importante pelo simples dever de respeitar a verdade dos fatos e defender a integridade intelectual dos que estão efetivamente comprometidos com a causa da democracia e das liberdades no Brasil. Como protagonista menor, e totalmente sem importância, da voragem de insanidade temporária que se abateu sobre o Brasil, entre meados dos anos 1960 e meados da década seguinte, meu dever era o de testemunhar. É o que fiz agora.

Paulo Roberto de Almeida - Hartford, 8 março de 2013

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (8) - Paulo Roberto de Almeida

Continuação do post anterior

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (8)
Paulo Roberto de Almeida
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Onde a luta armada se desenvolveu? A “geografia humana” da luta armada é feita, basicamente, de idealistas de classe média guiados por uma adesão equivocada a certas causas – basicamente as da revolução cubana, mais até do que a do socialismo de inspiração soviética – e de alguns egressos do comunismo histórico, seduzidos pelo chamamento e o apoio cubano a um grande empreendimento que se pretendia de libertação do continente do latifundismo, do imperialismo e, em última instância, da burguesia capitalista. Ela raramente envolveu legítimos trabalhadores – senão alguns poucos “líderes” sindicais já adquiridos à ação militante, de natureza política, não exatamente sindical – e menos ainda camponeses típicos, senão alguns poucos agitadores políticos que já tinham base em zonas rurais. Ela foi basicamente urbana.
Foi um fenômeno essencialmente de, e restrito à classe média, em algumas metrópoles brasileiras, recrutando adeptos no mesmo universo de universitários conquistados às teses leninistas ou gramscianas, e emocionalmente estimulados pela epopeia vitoriosa – em grande medida romantizada e idealizada – dos revolucionários cubanos. Creio poder dizer que sou um típico representante dessas camadas de estudantes “revoltados” que viam na luta armada não apenas – ou talvez não exclusivamente – o meio de “libertar o Brasil dos generais gorilas”, mas basicamente uma via romântica de atuação política-prática, seguindo o exemplo daquele pequeno grupo de bravos guerrilheiros que conduziram uma luta exemplar até a vitória. Essa perspectiva da “tomada do poder” por colunas guerrilheiras, secundadas, no momento decisivo, por uma greve geral da população contra a ditadura opressiva, fazia parte do universo mental de todo candidato a guerrilheiro urbano, que forneceu, de modo geral, 90% do contingente humano para a luta armada (o experimento do PCdoB nas selvas do Araguaia jamais assumiu proporções significativas, em termos humanos e materiais, e nunca teria tido qualquer influência no debate político contemporâneo, se esse partido não fosse constituído de fundamentalistas devotados às suas causas esquizofrênicas).
Como a luta armada se desenvolveu? Jamais de forma coordenada, unificada ou organizada, de forma a representar um risco real para o governo, ou o próprio regime. Foram impulsos isolados, dispersos, desorganizados, improvisados, ao sabor das decisões dos líderes que se sucediam, alguns “históricos”, outros que ascenderam na própria luta armada, sem qualquer formação política especial – foi o caso de Lamarca, por exemplo, ou de alguns outros chefes “guerrilheiros”, que “subiram” na hierarquia por via de sequestros e assaltos a bancos. Era uma clara aventura, levada muito a sério pelos militares, que sempre tendem a maximizar a dimensão dos perigos, por instinto natural e pelo claro desafio à sua autoridade.
Os militares “overreacted” aos pequenos bandos de guerrilheiros armados que os desafiaram? Possivelmente, sim, e teriam provavelmente obtido os mesmos resultados com um pouco mais de inteligência e menos força bruta. Eles tinham razão em chamar os cowboys travestidos de guerrilheiros de “terroristas”? Efetivamente não, embora alguns o fossem, mas a maioria não o era. A guerrilha estava condenada, desde o início, a ser o que sempre foi: ações isoladas de cowboys do asfalto, incapazes de assumir o comando de qualquer movimento relevante de oposição ao governo militar, com um registro de algumas ações espetaculares, mas incapazes, por si só, de mobilizar o apoio da população para suas causas bizarras. A “luta contra a ditadura” era uma realidade apenas para uma minoria extremamente reduzida de uma fração também muito reduzida da classe média instruída, ou seja, um punhado de “patriotas equivocados”, como a eles se referia o Partidão. Nunca passaram disso, e seu movimento teria se estiolado, como ocorreu em diversos países europeus na mesma época – que não extravasaram nos métodos repressivos como no Brasil – na absoluta indiferença, e provavelmente até no repúdio, da maioria da população.
Como essas ações marginais vieram a assumir a dimensão que tiveram, seja na historiografia, seja na política prática do Brasil atual, estas são questões que merecem argumentos mais extensos que me eximo de adiantar aqui. Elas podem ser explicadas, porém, pelo absoluto monopólio de que gozam os escribas gramscianos no ambiente acadêmico – eles foram derrotados, historicamente, mas se encarregaram de escrever a sua própria história, deformando-a – e também pelo fato de que as forças, tendências, ideologias e personalidades derrotadas durante o período militar finalmente chegaram ao poder e tratam, agora, de reconstruir seus equívocos apresentando-os como algo que não foram, ou seja, uma luta em favor da democracia. Trata-se, portanto, de uma imensa deformação da história, agora conduzida porque temos no poder justamente aqueles a quem designei de derrotados vingativos.
E por que tivemos luta armada no Brasil? Como já evidenciei anteriormente, ela jamais teria existido na sequência “normal” do processo político brasileiro, mesmo em situação de “golpe militar”, ou de “ditadura”? Como consagrado em outro tipo de literatura – em obras menos passionais, de brasilianistas, por exemplo – existia já uma tradição de intervenção militar na política doméstica, e não se pode dizer que o mores político brasileiro fosse naturalmente democrático e civilista. As tradições positivistas, castilhistas, comtianas, e até fascistas, ou pelo menos corporativas, existiam desde até antes da República e na maior parte desta não se conheceu, de verdade, um sistema de representação política, aberta, transparente, accountable, enfim, democrático. Tanto quanto os militares, os líderes de esquerda também eram autoritários, quando não totalitários, e em nome da democracia pretendiam, na verdade, implantar um regime de “ditadura do proletariado”, ou o que lhe fosse equivalente, segundo as possibilidades e arranjos da fase “pós-burguesa”, que de todo modo se pensava superar rapidamente. Creio que não existe nenhuma dúvida quanto a isso, e desafio qualquer saudosista dos movimentos armados a me provar que se pretendia implantar no Brasil um sistema liberal, de livre competição política com partidos “burgueses”: se tratava justamente do contrário, de assegurar o predomínio da causa proletária ou alguma variante disso.
O mais importante, porém, e isso é preciso ressaltar sempre, é que ela não teria existindo sem o impulso, o apoio, ou praticamente o apelo dos dirigentes cubanos, para que seus verdadeiros amigos do continente empreendessem, rapidamente, outros processos revolucionários, com vistas a romper o isolamento cubano. O mesmo fenômeno ocorreu no início da revolução bolchevique, quando líderes como Lênin e Trotsky trataram de impulsionar a revolução comunista na Alemanha e em outros países, para romper o “cerco imperialista” ao regime bolchevique; a Terceira Internacional foi constituída justamente para isso e por isso, e foi em função de suas diretivas, e ordens diretas, que Prestes empreendeu a sua patética (mas traumática) intentona no final de 1935. O PCB era, até 1961, o Partido Comunista do Brasil, como o Komintern tinha exigido que se chamassem as “seções nacionais” da III Internacional. A revolução cubana tendeu recriar essas estruturas através da OLAS e da OPANAL, mas eram iniciativas totalmente artificiais, no contexto dos países latino-americanos, como foram artificiais, e por isso derrotadas, as aventuras guerrilheiras de inspiração castrista e guevarista em diversos países da região.
Não importa quais fossem as especificidades nacionais, o fato é que a luta armada no Brasil foi um empreendimento nacional, mas basicamente impulsionado de fora, com dinheiro, treinamento e suporte logístico vindos de fora, essencialmente dos amigos cubanos (que podiam repassar alguns recursos soviéticos, que sempre quiseram estar no comando de várias frentes de combate). O apoio cubano extravasou, aliás, o simples financiamento da guerrilha, e se manifestou, durante muito tempo, em diversas outras “frentes de trabalho”, algumas não de todo reveladas, ainda – embora não desconhecidas – e que poderão vir a público se a inteligência cubana não tiver tempo de destruir os seus arquivos antes da derrocada final daquele regime moribundo. Esta é uma realidade que muitos dos companheiros atuais não gostam de admitir, mas que eles sabem ser verdade, como o sabem também os órgãos de inteligência do Brasil. O dia em que a história for escrita, em todos os seus matizes e com todas as suas fontes, esses aspectos poderão aparecer em toda a sua luminosidade obscura, se ouso o trocadilho.

(Continua... e termina.)