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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Um presidente sem noção - Editorial da FSP

Sem noção

Bolsonaro atenta contra evidências empíricas ao tentar mudar regras de trânsito

Em um país cujo trânsito figura entre os mais violentos do mundo, é chocante ver o presidente da República empenhando-se na defesa de políticas que tendem antes a aumentar que a diminuir a quantidade de acidentes em ruas e estradas. 
Assim age Jair Bolsonaro (PSL), como se ainda fosse um deputado de causas nanicas. Na terça (4), seu governo apresentou ao Congresso projeto de lei que modifica, sem justificativa razoável, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). 
No conjunto, as alterações propostas vão na contramão do que recomenda a literatura especializada e o exemplo de países desenvolvidos —aumentam a tolerância com o motorista infrator, relaxam normas e acabam com sanções.
Não bastasse estimular a imprudência no trânsito, o mandatário ainda fez questão de levar o projeto pessoalmente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Depois reclamam quando digo que o presidente Bolsonaro não tem noção de prioridade”, reagiu o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), presidente da comissão da reforma da Previdência —o projeto mais importante de imediato para o sucesso do atual governo.
Dentre as temeridades do texto proposto pelo Executivo consta a ampliação, de 20 para 40, do limite de pontos por multas que leva à suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Com a justificativa pueril de que “alcançar 20 pontos está cada dia mais comum na conjuntura brasileira”, o projeto mal disfarça o intento de agradar aos caminhoneiros, categoria que se destaca entre as bases bolsonaristas. 
Na mesma linha vai a ideia de eliminar a obrigatoriedade do teste toxicológico para habilitação e renovação de CNHs de profissionais.
Se tais medidas ao menos seguem alguma lógica política ou populista, beira o incompreensível a propositura de eliminar sanções para quem desrespeita regras de transporte de crianças em automóveis. 
O tema é hoje regulado por resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), segundo a qual  tais casos constituem infração gravíssima, sujeita a multa mínima de R$ 293,47, perda de sete pontos na carteira e retenção do veículo. 
Em decisão recente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Contran não tem o poder de estabelecer sanções. O projeto de Bolsonaro incorpora normas como a obrigatoriedade de cadeirinhas, mas substitui as punições por uma advertência por escrito.
O presidente já vinha atentando contra a segurança do trânsito brasileiro, que em 2016 tirou nada menos de 37 mil vidas. A pretexto de combater a “indústria da multa”, o governo cancelou a renovação de radares fixos nas estradas federais; fala-se mesmo em extinguir as lombadas eletrônicas.
Não se trata, decerto, da única área em que o governo atenta contra o conhecimento e as evidências empíricas. Esse experimento está entre os mais perigosos, porém.

terça-feira, 12 de março de 2019

Fogueira das crendices - Editorial da FSP sobre ministros Araujo e Velez

Fogueira das crendices

Vélez e Araújo perdem tempo administrando vaidade, superstições e despreparo


O Brasil destina mais de 5% de sua renda ao sistema educacional público —patamar compatível com padrões internacionais— sem conseguir ensinar o básico aos jovens que farão sua economia funcionar nas próximas décadas.
Na prova internacional Pisa de 2015, nossos estudantes classificaram-se em posições decepcionantes em matemática (63ª entre 70 países), leitura (58ª) e ciências (65ª). 
Diante desse panorama, o que acontece no Ministério da Educação transcorridos mais de dois meses do governo Jair Messias Bolsonaro (PSL)? Uma sucessão de maus passos e intrigas, que nada têm a ver a produtividade nacional.
Eis a decorrência previsível de tratar a pasta como quintal para estripulias dos setores mais caricatos na coalizão de forças conservadoras que elegeu o presidente. O mesmo se observa no Itamaraty.
No MEC, fala-se numa misteriosa Lava Jato da Educação, a qual só logrou produzir oscilações na Bolsa dos títulos de conglomerados de ensino. Nos bastidores, as chamadas alas pragmática e ideológica se engalfinham.
Uma carta tresloucada do ministro Eduardo Vélez, incitando diretores a impor execução diária do hino nacional e requisitando vídeos da cantoria, teve como resultado prático uma sequência espetacular de recuos do titular. Foi, também, o estopim para um confronto aberto no ministério.
Vélez, reagindo a invectivas do escritor Olavo de Carvalho desde a Virgínia (EUA), passou a demitir ex-alunos do ideólogo que o indicara. Tal desenvoltura teria irritado o presidente, que exigiu a exoneração de um militar instalado no gabinete, ao que parece, para vigiar e coibir excessos.
Nas Relações Exteriores, o campo se mostra igualmente conflagrado. Ernesto Araújo se inclina a um  alinhamento com Washington, potencialmente prejudicial ao volumoso comércio com a China.
Ironicamente, a potência asiática se prepara para aumentar as importações de soja dos EUA, em detrimento de produtores brasileiros.
Com a vizinha Venezuela à beira de um conflito civil, Araújo voltou sua atenção, na semana passada, para textos críticos à sua gestão publicados por Paulo Roberto de Almeida, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri). Demitiu-o.
Ato contínuo, constrangeu-se a adiar palestra no Ipri do próprio sogro, o embaixador aposentado Luiz Felipe Seixas Corrêa.
Vélez e Araújo perdem tempo precioso administrando uma mistura de vaidade, superstições e despreparo. A responsabilidade maior é do presidente, que enxerga o país pelas lentes enviesadas da internet.
editoriais@grupofolha.com.br ​ ​ ​ ​ ​ 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Colapso, editorial da FSP

Raras vezes eu concordo com um editorial desse jornaleco metido a besta, e que se equilibra entre o razoável e o francamente ruim, com seus jornalistas alienados.
Mas, devo dizer que concordo com todas as linhas deste editorial, que até acho moderado, pois esquece de mencionar, que além da incompetência, tivemos de aguentar o maior esquema de corrupção, roubalheira, falcatruas e mentiras de toda a história do Brasil durante os últimos treze (ou mais) anos.
Em lugar de colapso, que ainda não chegou realmente, trata-se de uma situação que eu chamo de A Grande Destruicao lulopetista.
Paulo Roberto de Almeida

Colapso
Editorial/FSP, 3/12/2015

Poucas vezes se viu, na história brasileira, um encolhimento tão expressivo de nossa economia. De abril de 2014 a setembro deste ano, o PIB ficou 5,8% menor, e inexistem sinais de que a redução será interrompida no curto prazo. Não se vê nada parecido desde o início dos anos 1980; antes disso, é preciso voltar à década de 1930.

Com os resultados do terceiro trimestre –queda de 1,7% em relação aos três meses anteriores–, o PIB deve fechar 2015 com contração próxima a 4%. Esvaem-se, com isso, as esperanças de que 2016 possa trazer algum alento. O ano que vem será de nova retração. Com sorte, o crescimento voltará, tímido, apenas em 2017.

O colapso da demanda interna afeta quase todos os setores, algo também raro. A combinação de crise em segmentos de grande peso para o investimento e o emprego –como a construção civil, toda a cadeia de óleo e gás e a indústria– torna mais difícil antever o possível caminho da recuperação.

A extensão da degradação social ainda está por ser plenamente estabelecida. Já se nota, porém, a reversão de tendências positivas da última década. Aumentam a informalidade da mão de obra e a desocupação entre os jovens, por exemplo. A se confirmarem prognósticos que não soam pessimistas, até o ano que vem o país terá perdido 4,5 milhões de postos de trabalho.

Por essas razões, a recessão atual se anuncia muito mais prolongada do que as contrações de 2003 e 2009. Nos dois casos, nossa economia voltou a se expandir menos de um ano depois e não tardou a superar o tamanho que tinha antes da crise. Desta vez, é quase certo que o país chegará a 2018 com patamar de produção inferior ao de 2014.

Evidencia-se, pois, a precariedade do modelo petista, que se baseou unicamente em aproveitar os bons ventos internacionais para distribuir dinheiro e obter, de políticos e empresários, apoio mercenário a um projeto econômico primitivo.

Não foi por falta de aviso que falhou a via do intervencionismo tosco e da escolha arbitrária de setores a serem agraciados com benesses oficiais. Não surpreende que nesse ambiente opaco tenham vicejado a corrupção e as piores práticas de administração pública.

Mudar esse quadro sombrio demandará a implementação de um regime oposto ao que se construiu nas gestões petistas. Trata-se, para começar, de basear o sistema em produtividade, abertura e transparência e de reforçar o que há de republicano nas instituições políticas e econômicas.

sábado, 5 de abril de 2014

Politica Externa de Estado, NAO de partido - Editorial Folha de S.Paulo

POLÍTICA EXTERNA
Diplomacia de Estado
Editorial Folha de S. Paulo, 5/04/2014

Omissão característica da política externa no governo Dilma não se coaduna com um país que tem condições de ser protagonista global

Encerrou-se nesta semana um ciclo de debates organizado pelo Itamaraty com o propósito de discutir os rumos da política externa do país. Participaram não só membros do Ministério das Relações Exteriores mas também entidades da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e representantes de outros setores do poder público.

O encontro servirá de base para o Itamaraty produzir o "Livro Branco da Política Externa Brasileira", documento no qual serão apresentados princípios, prioridades e linhas de ação da diplomacia.

É difícil saber que impacto a iniciativa terá sobre o corpo diplomático. Um espírito jocoso poderia até afirmar que, se depender do desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela área, o referido livro será editado apenas com páginas em branco, tal é o grau de retração do Itamaraty nos últimos anos.

A orientação é uma novidade. No breve hiato entre a vitória nas eleições de 2010 e sua posse, Dilma ofereceu sinais alvissareiros de que promoveria uma bem-vinda adequação na política externa.

Durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil deu passos equivocados na esfera internacional. Foi o caso do apoio quase incondicional a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das constantes violações aos direitos humanos ali promovidas.

Pouco havia de pragmatismo nessa aliança com um tradicional inimigo dos EUA. Tratava-se, assim como em outros episódios do gênero, de usar uma política de Estado para satisfazer alas à esquerda do PT, descontentes com a condução mais ortodoxa da economia.

Reconheça-se que também se verificou, nesse período, salutar aumento do protagonismo brasileiro nos fóruns globais --papel que o país, por seu tamanho e sua história, merece exercer.

Era clara, portanto, a correção a ser feita: sem abrir mão de seu "soft power" crescente, o país deveria abandonar amarras ideológicas ultrapassadas e recuperar a firme defesa dos princípios universais caros ao Ocidente.

Não se viu uma coisa nem outra com Dilma Rousseff.

Tome-se a Venezuela como exemplo. Em 2012, o Brasil compactuou com a decisão de suspender o Paraguai do Mercosul de forma sumária, ação orquestrada para Caracas poder integrar o bloco --Assunção vetava o ingresso.

Neste ano, enquanto Nicolás Maduro reage com violência física e institucional a protestos da oposição, Brasília permanece calada.

Seria, segundo alguns, um momento de maior discrição da política externa, evitando contenciosos desnecessários. A abstenção diante da anexação da Crimeia pela Rússia se inscreveria nesse contexto.

Para a maioria dos analistas, no entanto, a situação resulta da desatenção presidencial e da ausência de estratégia --opinião compartilhada inclusive por atuais integrantes do Itamaraty.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério das Relações Exteriores vinha procurando conquistar terreno nos fóruns geopolíticos regionais e globais. O fim da ordem bipolar vigente na Guerra Fria abriu caminho para esse tipo de pretensão.

Não faz sentido que o Brasil, uma das principais democracias e sétima maior economia do mundo, adote uma política externa de mínimo esforço. Quando mais não seja, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento que boas relações internacionais oferecem.

Na contramão do que pede a circunstância, o governo Dilma nada faz de concreto para destravar acordos de livre-comércio com outras nações. Tratativas do Mercosul com a União Europeia permanecem emperradas pela Argentina, fato que o Brasil aceita como se incontornável fosse. Enquanto isso, progride a Aliança para o Pacífico, iniciativa liberalizante de Chile, México, Colômbia e Peru.

A falta de visão estratégica também se faz notar nos laços com os Estados Unidos. Se havia a esperança de uma normalização das relações com a indicação de Antonio Patriota, ex-embaixador em Washington, para o cargo de chanceler (do qual se demitiu no ano passado), o escândalo de espionagem americana interrompeu o diálogo.

Com Dilma na mira das agências de inteligência, era difícil ser de outro modo. Mas a diplomacia, tal como a espionagem, ocorre sobretudo fora dos holofotes. Não há, todavia, esforços para o Brasil se reaproximar dos EUA, maior economia do mundo e segundo mercado para exportações brasileiras.

Sempre há tempo para mudar, felizmente --ainda mais se, na expressão cunhada pelo chanceler Azeredo da Silveira (1917-1990), "a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se".


Passou da hora de o governo Dilma Rousseff formular uma estratégia de inserção internacional pautada por valores democráticos. Uma política de Estado, como o país precisa, e não de partido, como setores do PT desejam.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A politica economica do governo (confusa) - Editorial Folha de S.Paulo

Editorial Folha de São Paulo, 29/12/2013

O governo rendeu-se

Ouvir o texto

Muito a contragosto, o governo rendeu-se às críticas de que sua política econômica conduziria o país a uma crise grave. Premido pelo esvaziamento de seus cofres, rendeu-se ao fato de que não pode continuar a gastar como nos primeiros anos de Dilma Rousseff.
Acuado pelo risco de fracasso das privatizações de serviços públicos, rendeu-se à necessidade de reformular os leilões de concessão.
Rendeu-se ainda à necessidade de dar combate direto à inflação, e a taxa básica de juros voltou a subir. Rendeu-se ao descrédito e malogro de sua política de controlar preços, diretamente ou por meio de desonerações de impostos, embora os desarranjos ainda permaneçam, maquiando e reprimindo artificialmente a inflação.
O esgotamento do arsenal de medidas de estímulo econômico e de intervenção em preços e rendas não resultou em progresso nem segundo os critérios do governo.
A presidente e seus ministros diziam no início de 2011 que a economia cresceria a 6% ao ano; mudaram para 4,5% em 2012. No final do ano passado, acreditavam em expansão de 4% neste 2013. Na média anual, o PIB do triênio não terá avançado mais de 2%.
Seria difícil ter crescido muito mais que isso, sob qualquer governo. No início dos anos Dilma, o país tinha de lidar com os problemas da crise mundial, os excessos do final da gestão Lula, os efeitos de quase meia década de inércia reformista, entre outros obstáculos.
Mas é lamentável que o triênio tenha sido perdido em tentativas pueris de estimular a economia no curto prazo, como se o país estivesse pronto para deslanchar.
Impressionado pelas ruas, pelo descrédito internacional, pelo aumento das taxas de juros no mercado doméstico, o governo cedeu. Até sua estimativa de crescimento é mais modesta para 2014: "melhor que o deste ano", apenas.
Ainda assim, não se percebe atitude positiva do governo. Desistiu de acumular equívocos, mas não deu provas de que vai reformular de modo decisivo sua política. Se por mais não fosse, 2014 é ano de eleição. Convém não fazer marolas, não desagradar nem a comunidade financeira nem o eleitorado.
Seria ingênuo, pois, reivindicar que fizesse logo o ajuste necessário para o país retomar ao menos o caminho da normalidade, tendo, assim, condições de refletir sobre alternativas de desenvolvimento.
Normal seria o governo ao menos controlar sua dívida. Desistir de reprimir preços –arbitrariedade que, por exemplo, avaria a mais importante empresa do país, a Petrobras. Normal seria o realismo tarifário no setor elétrico, nos serviços públicos a conceder; seria a redução de subsídios caríssimos a empresas, por meio do BNDES.
Trata-se de uma proposta muito modesta, nada além de um primeiro e pequeno passo para que o Brasil se habilite a planejar e modificar o seu futuro, nublado por três anos de imediatismos simplórios e, obviamente, ineficazes.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Cotas raciais sao sempre prejudiciais - Editorial Folha de S.Paulo

Cotas sem sentido
EDITORIAL FOLHA DE S.PAULO,  07/11/2013

O governo Dilma Rousseff ganhou aplausos, em especial nos círculos militantes, com a adoção do sistema de cotas raciais em universidades federais --e gostou. Iniciativas semelhantes ameaçam multiplicar-se por outras esferas.

A administração propõe agora projeto de lei que reserva a negros 20% das vagas em concursos federais. Dois deputados petistas apresentaram uma proposta de emenda constitucional que estabelece cotas até no Legislativo.

Esta Folha se opõe à utilização da cor da pele como critério para o que quer que seja. Apoia, entretanto, que se usem categorias sociais para definir a alocação de determinados recursos públicos, como lugares em universidades.

A maior proporção de negros e pardos entre os mais pobres garante que a cota social beneficiará esses grupos, sem a necessidade de o Estado incidir numa classificação racial dos cidadãos, que mais reforça do que dissolve barreiras.

As iniciativas para estender as cotas ao mercado de trabalho e ao Parlamento pecam não apenas por disseminar e naturalizar ainda mais a ideia de raça na sociedade como também por misturar lógicas que são muito distintas.

Faz sentido reservar vagas em universidades porque a educação tem o propósito explícito de tentar nivelar as pessoas. Um de seus objetivos é assegurar que todos os cidadãos, independentemente de origem social e acidentes de percurso, possam disputar em condições de igualdade as oportunidades que lhes serão oferecidas.

Não é absurdo, assim, manipular as regras de admissão universitária para tentar conciliar o ideal de equidade com outras metas da educação superior, como a formação dos melhores quadros possíveis.

Não é tão simples transpor esse princípio para o Poder Legislativo e para os concursos públicos. Nessas atividades, a lógica de promover a igualdade não se impõe como prioritária.

Quando o Estado contrata um servidor, espera-se que seja o mais qualificado. Quando um eleitor escolhe seu representante, deve fazê-lo tão livremente quanto possível. Os princípios da seleção nesses casos devem ser a eficácia administrativa e a liberdade de escolha.

O racismo é uma chaga social que o Estado brasileiro tem obrigação de combater. Deve fazê-lo, entretanto, com as ferramentas adequadas, sem comprometer ou enfraquecer demais outros objetivos relevantes do poder público.

domingo, 7 de julho de 2013

A erosao do BNDES - Editorial Folha

BNDES fragilizado
Editorial Folha de São Paulo, 06/07/2013

Há décadas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social tem papel essencial no financiamento de investimentos de longo prazo. Para preservar essa função, é importante que o BNDES se mantenha disciplinado e bem capitalizado --o que vem se perdendo.

Em 2011, a cada R$ 100 emprestados, o BNDES tinha R$ 20,6 em patrimônio. No ano passado, essa proporção caiu para R$ 15,4. Embora próxima da média dos bancos privados e acima do piso definido pelo Banco Central (R$ 11), ela preocupa por sinalizar a rápida redução do colchão patrimonial.

As razões para tal mudança são conhecidas: pressa em expandir o crédito e algumas práticas contábeis duvidosas que fragilizam o balanço da instituição.

Historicamente, os empréstimos do banco são alimentados principalmente por recursos captados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e retenção de lucros. O crescimento do crédito sempre foi ancorado nessas contas, que tendem a aumentar gradualmente.

Nos últimos anos, o governo, a fim de acelerar a economia, mudou os critérios. Cresceram os aportes do Tesouro, que emite papéis de dívida pública e os repassa ao BNDES. Inflado o balanço, sua capacidade de emprestar aumenta.

A manobra traria ainda benefícios ao governo: com maiores lucros contábeis, o banco pagaria mais dividendos ao Tesouro. Assim, melhoraria o superavit primário (soma de receitas e despesas do governo antes de pagar juros), aparentando controle fiscal.

Desde 2009, o BNDES recebeu mais de R$ 300 bilhões por essa via e pôde emprestar mais --os desembolsos foram de R$ 91 bilhões em 2008 para R$ 156 bilhões em 2012.

Mas a impressão de vigor é em parte ilusória. Verifica-se erosão da qualidade do capital do banco e piora dos indicadores de solidez.

O governo tem forçado o BNDES a absorver ações de estatais como capital --cerca de 40% do total já seria formado por esses papéis, cujos preços têm derretido na Bolsa.

Não há sinais de que a estratégia esteja no caminho certo. Nesta semana, o Tesouro injetou mais R$ 15 bilhões no banco para manter o ritmo de expansão de crédito, algo temerário a esta altura.

Por seu turno, a prática de emprestar grandes montantes a pretensos campeões nacionais tem se mostrado pouco eficaz.

Finalmente, seguem fragilizadas as próprias contas do governo, cuja saúde depende cada vez mais dos dividendos pagos pelo BNDES e por outras estatais.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Contra a politizacao dos direitos humanos...

Essa mania dos americanos de manipularem resoluções nos órgãos de direitos humanos é de fato insuportável e precisa de uma resposta ousada. Justamente como certas pessoas pensam que é o correto como postura internacional. Não se pode deixar os países politizarem questões à vontade, praticamente sozinhos. Que coisa...

Abstenção pró-Irã
Editorial Folha de S.Paulo, 25/11/2010

Ao abster-se na votação de uma resolução das Nações Unidas contra as violações dos direitos humanos no Irã, aprovada na última sexta-feira, a diplomacia do governo Lula manteve-se coerente com sua política de confrontação com os Estados Unidos.

Se os norte-americanos manobram contra moções que firam seus aliados, então os brasileiros recusam-se a votar reprimendas a adversários da grande potência, mesmo que sentenciem mulheres a morrer apedrejadas ou se envolvam em campanhas genocidas.

O Brasil deve assumir atitude altiva em suas relações com os EUA, mas já são suficientes os contenciosos com aquela nação para que se amplie desnecessariamente as frentes de conflito.

Ao justificar a abstenção na resolução sobre o Irã, o representante brasileiro queixou-se de que os direitos humanos são tratados na ONU de forma "seletiva e politizada". São termos, aliás, que definem bem a atual política do Itamaraty, em contraste com a melhor tradição brasileira.

O governo Lula condenou, por exemplo, "de forma veemente" o golpe hondurenho. Interveio nos assuntos internos, cedendo a embaixada para a volta do presidente banido e, num extremo de intransigência, ainda recusa-se a aceitar o resultado da eleição que, goste ou não, superou o impasse.

Ao mesmo tempo, evitou manifestar-se sobre os conflitos no Irã, onde divergências políticas foram - e continuam sendo - tratadas com prisões, mortes e expurgos.

No ano passado, o ditador do Sudão, Omar al Bashir, já havia dito que tinha o "apoio do presidente Lula". O Brasil se eximira de condenar o governo sudanês por sua responsabilidade na campanha de "limpeza étnica" que chegou ao auge em 2004 e custou a vida de milhares de pessoas.

Incongruências dessa espécie só servem para minar a credibilidade de nossa diplomacia.

A política externa deve ser um instrumento de defesa dos interesses econômicos do país, colocando-se a favor da resolução negociada e pacífica de conflitos e de princípios como direitos humanos e autodeterminação.

No caso do Irã, não havia laços comerciais relevantes a atenuar a abstenção - que, dado o histórico recente, ganhou sabor de um renovado apoio ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.
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Addendum (para destacar um comentário e minha resposta):
felipe disse...
Olá PRA, Afinal, o que você acha que tem mais efeito prático ? As sanções impostas pela ONU, ou o meio do diálogo, que o Brasil tem colocado em pauta atualmente ? Gostaria de ouvir um pouco "a voz da experiência". Obrigado, Felipe França

Meu comentário em retorno (PRA):
Felipe,
Em primeiro lugar, uma coisa (as sanções coletivas, decididas num órgão multilateral) não se opõe à outra (o diálogo bilateral).
Em segundo lugar, o diálogo bilateral raramente traz soluções ou constitui um meio eficaz de pressão, a menos que seja numa situação de assimetria tão grande que o grande consiga fazer pressões (neste caso ilegítimas) contra o suposto pequeno, para trazer resultados tangíveis para o que se pretende.
No caso da Coréia do Norte, por exemplo, sanções multilaterais não surtem nenhum efeito. Mas a China, se desejar, pode estrangular o país em pouco mais de uma semana. O mesmo não se aplicaria ao Irã, que depende muito pouco de um grande vizinho e menos ainda dos órgãos multilaterais. Mas as sanções multilaterais são indispensáveis se se desejar resolver a questão pelo lado prático, independente de qualquer diálogo bilateral.
Portanto, nesse caso, a "experiência" recomendaria, sanções, primeiro, e bem fortes, depois "diálogo", seja lá o que isso significar.
Trogloditas do cenário internacional (e ainda existem vários) são dificilmente enquadráveis pela voz da razão: apenas sanções fortes (e que infelizmente prejudicam o povo do país) ou um grande porrete unilateral podem trazer resultados.
Mas, os países precisam ter coerência: não se pode deixar de sancionar o Irã e pretender sancionar Honduras, por exemplo.
As simples as that...
Paulo Roberto de Almeida

domingo, 26 de setembro de 2010

Limites do poder - editorial Folha de S.Paulo

Todo poder tem limite
Editorial - Folha de S.Paulo
Domingo, 26 de setembro de 2010

Os altos índices de aprovação popular do presidente Lula não são fortuitos. Refletem o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento, apesar da crise que atinge o mundo desenvolvido. Refletem,em especial, os acertos do atual chefe do Estado.
Lula teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor. Seu governo conduziu à retomada do crescimento e ampliou uma antes incipiente política de transferências de renda aos estratos sociais mais carentes.A desigualdade social, ainda imensa, começa a se reduzir. Ninguém lhe contesta seriamente esses méritos.
Nem por isso seu governo pode julgar-se acima de críticas.O direito de inquirir,duvidar e divergir da autoridade pública é o cerne da democracia, que não se resume apenas à preponderância da vontade da maioria.
Vai longe, aliás, o tempo em que não se respeitavam maiorias no Brasil. As eleições são livres e diretas, as apurações, confiáveis -e ninguém questiona que o vencedor toma posse e governa.
Se existe risco à vista, é de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras. Nesses períodos, é a imprensa independente quem emite o primeiro alarme, não sendo outro o motivo do nervosismo presidencial em relação a jornais e revistas nesta altura da campanha eleitoral.
Pois foi a imprensa quem revelou ao país que uma agência da Receita Federal plantada no berço político do PT, no ABC paulista, fora convertida em órgão de espionagem clandestina contra adversários.
Foi a imprensa quem mostrou que o principal gabinete do governo, a assessoria imediata de Lula e de sua candidata Dilma Rousseff, estava minado por espantosa infiltração de interesses particulares. É de calcular o grau de desleixo para com o dinheiro e os direitos do contribuinte ao longo da vasta extensão do Estado federal.
Esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral.
Quem acompanha a trajetória do jornal sabe o quanto essa mesma orientação foi incômoda ao governo tucano. Basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso,na entrevista em que se despediu da Presidência, acusou a Folha de haver tentado insuflar seu impeachment.
Lula e a candidata oficial têm-se limitado até aqui a vituperar a imprensa, exercendo seu próprio direito à livre expressão, embora em termos incompatíveis com a serenidade requerida no exercício do cargo que pretendem intercambiar.
Fiquem ambos advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas -e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Populismo cambial: governo comete, e custa caro...

Os "economistas" do governo atual, aliás o próprio ministro da Fazenda, e o candidato ao governo paulista pelo partido que "combatia o populismo cambial" do governo "neoliberal" anterior, parece terem se esquecido de suas acusações sem pé nem cabeça. E, no entanto, é o que eles mais estão praticando, desde que chegaram ao poder, acumulando ainda reservas em excesso, a um custo anual superior a 20 bilhões de dólares.
Parece que eles não têm a solução para o problema, a não ser comprar mais dólares, o que estimula os "especuladores" e trazer mais dólares ainda ao Brasil.
Quanto isso vai durar? Enquanto o governo tiver condições de comprar dólares e jogar a conta nas nossas costas pelo futuro imprevisível...
Paulo Roberto de Almeida

Enxurrada de dólares
Editorial Folha de S.Paulo, 22.09.2010

Apesar das incertezas que ainda pairam sobre a economia mundial, cresce com rapidez o fluxo de capitais para os países em desenvolvimento. O Brasil é um destinatário privilegiado: nos últimos 12 meses, os investimentos estrangeiros em renda fixa e Bolsa superam US$ 65 bilhões, um recorde em anos recentes. Por causa dessa enxurrada de dólares, o país experimenta um processo de forte valorização do real -uma ameaça ao equilíbrio das contas externas.
As causas são globais. A mais importante é a consolidação de uma disparidade de crescimento econômico entre países ricos e o mundo em desenvolvimento. São hoje os emergentes, Brasil entre eles, os responsáveis pelo dinamismo e pelas oportunidades de investimento mais atrativas.
EUA e Europa -onde se concentra grande parte da riqueza financeira do mundo- amargam uma recuperação complicada, lenta, insuficiente para reduzir o desemprego. Não há dúvida de que a taxa real de juro dessas economias permanecerá próxima de zero por muito tempo, o que incentiva os investidores a buscar opções fora de seus países.
É natural, portanto, que se observe uma persistente realocação de capitais em favor dos países em crescimento. Estima-se, por exemplo, que menos de 5% da carteira dos grandes investidores institucionais europeus e americanos se encontre alocada em títulos de nações emergentes, parcela que poderá subir para cerca de 20% nos próximos anos.
É um movimento que agravará as dificuldades de gestão para os países receptores.
Como está em curso um processo de desvalorização do dólar e do euro, em razão da crise, a pressão pela valorização cambial afetará quase todas as outras economias -como tem ocorrido. Nesse quadro, ações isoladas em plano nacional podem amenizar, mas não eliminarão o problema.
A maior parte dos países em desenvolvimento tenta administrar a valorização de suas moedas por meio de compras de dólares nos mercados de câmbio. Valem-se para isso das vultosas reservas internacionais que acumularam nos últimos anos.
Mas há diferenças que precisam ser ressaltadas. Algumas economias -em especial as asiáticas- estão mais aparelhadas para acumular dólares, pois contam com ampla poupança interna e juros baixos. Não é o caso do Brasil, onde o custo de aumentar o volume de reservas pode se tornar proibitivo. Sustentar US$ 250 bilhões com uma diferença de juros nominais de 8% em relação aos ricos (10,75% contra 2,5% nos EUA) já onera o Tesouro em US$ 20 bilhões ao ano. Logo, os recursos para adquirir dólares não são "ilimitados", e a autorização para o Fundo Soberano comprá-los, como já se anunciou, não deverá alterar muito essa realidade.
Por outro lado, a opção de lavar as mãos e não intervir é insustentável, pois tornaria ainda maior o dano para a competitividade do setor produtivo. Cabe ao governo agir para minimizar as disparidades e o custo das intervenções -por exemplo, desonerando as exportações e o investimento.
É preciso que se criem logo condições fiscais para aproximar a taxa de juros interna dos padrões internacionais, levando-a para cerca de 2% ao ano, em termos reais, ou seja, descontada a inflação.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (8): um editorial e novas informacoes

Sem nenhum comentário, pois o oferecido pelo editorial da Folha já é suficiente. Mais algumas informações do jornal O Estado de S.Paulo.
Talvez sim, um comentário: por que o líder do governo tem de vir dar declarações sobre um caso que circula apenas na esfera criminosa privada?
Ou seja, estamos mesmo em uma república mafiosa?
Paulo Roberto de Almeida

Descalabro
Editorial Folha de S.Paulo, 2.09.2010:

A empresária Veronica Serra, filha do candidato tucano à Presidência da República, José Serra, também teve seu sigilo fiscal violado por funcionários da Receita. O caso se soma a outros, noticiados recentemente, no que já se configura como mais um escândalo nacional. O novo capítulo reforça a percepção de que as ações criminosas no âmbito do órgão federal têm motivações políticas.

É bom recapitular a sucessão dos fatos para que se tenha noção mais clara do banditismo em curso: em junho, esta Folha revelou que Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, teve seu sigilo fiscal violado no ano passado. Dados do Imposto de Renda do dirigente tucano integravam um dossiê confeccionado pelo grupo de inteligência da campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT), que negou participação no episódio.

Há uma semana, descobriu-se que outros três nomes ligados ao PSDB também haviam sido vítimas de idêntico abuso, na mesma agência da Receita, localizada em Mauá, na região do ABC paulista, berço do PT e reduto histórico do sindicalismo atrelado ao partido.

Tudo leva a supor que a violência perpetrada contra a filha de Serra faça parte de uma mesma articulação delinquente a serviço da candidatura petista.

No que se refere a Veronica Serra, há algumas diferenças de procedimento em relação às demais violações. O acesso aos dados fiscais ocorreu na delegacia da Receita de Santo André, também no ABC, mediante uma procuração fajuta. A filha de Serra não tinha firma reconhecida no cartório, a assinatura que consta no documento não é a sua, e o carimbo utilizado é falso. Além disso, o titular da procuração utilizava cinco CPFs e ostenta vasto histórico de cheques sem fundo -um perfil típico do estelionatário.

Sabe-se já da existência de um esquema criminoso de compra e venda de dados sigilosos envolvendo a agência de Mauá. Ali teriam acontecido pelo menos 320 acessos sem amparo legal.

Estarrecedor, o descalabro está sendo usado como cortina de fumaça pelo governo para tentar despolitizar o escândalo. Se há crime comum, há também crime político-eleitoral, cuja intenção é intimidar e chantagear adversários do grupo hoje no poder.

Não bastassem as evidências (há petistas entre as vítimas?), é preciso registrar que o atual governo tem caudaloso histórico de aparelhamento do Estado -do mensalão à quebra de sigilo do caseiro, dos aloprados de 2006 aos delinquentes de agora.

Instalou-se no país um ambiente intolerável de impunidade e desfaçatez. Espera-se que a Polícia Federal e o Ministério Público ainda reúnam condições de desmascarar a farsa de uma investigação propensa a apontar a responsabilidade de barnabés e ocultar as motivações políticas que, conforme todos os indícios, estão por trás do caso.

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Receita tentou abafar caso da violação do sigilo fiscal da filha de Serra
Leandro Colon / BRASÍLIA
O Estado de S.Paulo, 02 de setembro de 2010

Em meio ao discurso de que não havia irregularidade, governo já sabia que a procuração usada para violar dados de Verônica era falsa

O comando da Receita Federal suspeitou de fraude na violação do sigilo fiscal da filha do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, mas mesmo assim montou uma operação para abafar o escândalo e evitar impacto político na campanha de Dilma Rousseff (PT). Em meio ao discurso oficial de que não havia irregularidade, o governo já sabia que a procuração usada para violar os dados de Verônica Serra poderia ser falsa.

Os novos documentos da investigação, a que o Estado teve acesso ontem, também provam que a Receita sabia desde o dia 20 de agosto que o sigilo fiscal de Verônica havia sido violado em setembro do ano passado.

A prova da suspeita da Receita está em um documento que mostra que, na tarde de terça-feira, a comissão de inquérito decidiu encaminhar o caso ao Ministério Público Federal. Ou seja, antes de a filha de Serra e o cartório afirmarem que o documento era falso, o que desmente o discurso e a entrevista dada ao Estado pelo secretário-geral da Receita, Otacílio Cartaxo.

Num documento obtido pelo Estado, com data de terça-feira, a comissão de investigação levanta suspeitas sobre Antônio Carlos Atella Ferreira, autor da procuração utilizada para retirar os dados fiscais de Verônica Serra em uma agência da Receita em Santo André. No ofício, Ferreira é tratado como pessoa "supostamente" autorizada a retirar os documentos da filha de Serra. A comissão levantou informações sobre ele e cita que tem quatro CPFs em "diversos municípios". Diante da suspeita, a comissão pede que a procuração seja enviada à Procuradoria da República para "confirmação de autenticidade". O documento da comissão, tratado como "ata de deliberação", registra o horário das 17h de terça. A Receita descobriu pouco antes, às 13h42, que Ferreira era dono de quatro CPFs.

Na noite daquele mesmo dia, quando o portal estadão.com.br revelou, com exclusividade, o episódio, o Ministério da Fazenda e a Receita procuraram a imprensa, inclusive o Estado, para informar que não havia irregularidade e os dados de Verônica foram consultados mediante requisição autorizada e assinada por ela. O discurso foi compartilhado pelo primeiro escalão do governo durante toda a manhã de ontem, incluindo o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o líder no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

"A Receita vai comprovar que a filha de Serra pediu o acesso aos dados", anunciou Jucá na Comissão de Constituição e Justiça, falando como porta-voz do Planalto. "A Receita é confiável e toda a curiosidade será explicada", disse o próprio presidente Lula, com base em informações da Receita que garantiam a autenticidade da procuração. Mantega também chegou à Fazenda dizendo que "tudo seria esclarecido".

Comissão. Os documentos obtidos pelo Estado mostram ainda que, além de já suspeitar da violação do sigilo, a Receita descobrira havia pelo menos 10 dias que os dados fiscais da filha de Serra haviam sido invadidos ilegalmente. Mais exatamente às 17h59 do dia 20 de agosto, quando Eduardo Nogueira Dias, membro da comissão de investigação, consultou o histórico dos acessos aos dados de Verônica. Naquele dia, ele descobriu que as declarações de renda dela foram acessadas às 16h59 de 30 de setembro de 2009 por meio da senha da servidora Lúcia de Fátima Gonçalves Milan, lotada em Santo André.

Ou seja, quando deram uma entrevista coletiva, convocada às pressas na sexta-feira passada, Cartaxo e o corregedor-geral, Antônio Carlos da Costa D" Avila, já tinham conhecimento do acesso aos dados fiscais de Verônica. Na sexta, Cartaxo e D" Avila anunciaram uma versão que até agora não se sustenta nos autos da investigação. Afirmaram que a Receita descobriu a existência de um esquema de venda de dados fiscais mediante "encomenda" e "pagamento de propina".

Indiciamento. A Receita indiciou na segunda-feira duas servidoras, Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva e Adeildda Ferreira dos Santos, por serem as donas da senha e do computador usados para violar o sigilo de Eduardo Jorge e de Luiz Carlos Mendonça de Barros, Gregório Marin Preciado e Ricardo Sérgio de Oliveira. Na terça-feira, a comissão de investigação incluiu Lúcia de Fátima Gonçalves Milan no rol de "acusados"