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sábado, 30 de março de 2019

Problemas de um privatizador obstado pelas mentalidades estatizantes - Salim Mattar

Ricardo Bergamini sempre cáustico transcreve matéria da Veja sobre as tribulações de um privatizador sem apoio na burocracia pública.
Mas o privatizador, Salim Mattar, também exagera ao dizer que o "governo vai bem"...
Paulo Roberto de Almeida

Pelo histórico do presidente Bolsonaro, confesso que sempre tive muitas dúvidas de sua mudança radical de postura em relação ao pensamento Liberal, já que a sua prática legislativa de 28 anos foi na defesa do estado forte e controlador. 
Se for apenas uma armação para ser eleito, em breve a debandada do Ministério da Economia e do Banco Central será pública e notória.
Ricardo Bergamini

SALIM  M ATTAR:   “ESTOU FRUSTRADO”
https://www.institutomillenium.org.br/wp-content/uploads/userphoto/160.thumbnail.jpg

29/03/2019
O empresário Salim Mattar se orgulha de ter transformado uma empresa com seis Fuscas na maior locadora de automóveis da América Latina. Com um patrimônio superior a 1 bilhão de reais, ele foi escalado pelo presidente Jair Bolsonaro para conduzir o segundo pilar da política econômica do governo: o programa de desestatização. Em três meses de Brasília, o secretário conta que, na largada, já percebeu o tamanho da dificuldade que terá de enfrentar. Além dos poderosos interesses corporativos, Mattar enfrenta obstáculos no próprio governo. Para evitar intrigas, não apon­ta os setores dos quais vem a resistência à implementação do programa. Cita apenas um: o Ministério da Ciência e Tecnologia, comandado por Marcos Pontes, cujo secretário executivo já disse, segundo Mattar, que sua pasta não vai privatizar nenhuma de suas estatais. O secretário acredita que as rusgas internas são fruto da falta de informação, apenas isso. A orientação que continua valendo é a que recebeu do presidente: passar para a iniciativa privada o controle de mais de 100 estatais. “Ando com os discursos e com os tuítes do presidente dentro da minha pasta”, diz. A seguir, sua entrevista.
Por que o governo Bolsonaro anunciou um amplo processo de privatização mas não aconteceu nada até agora? 
Estou aqui há cerca de três meses. Ainda me encontro na fase de aquecimento, de entender o governo. Temos 134 empresas estatais, dos mais diversos setores. Existem casos como o de uma estatal que deveria produzir um chip para monitorar os rebanhos. O tal chip, que é instalado na orelha do boi, nem é produzido no Brasil. Hoje, há dezoito estatais que dão 15 bilhões de reais de prejuízo anual. Imagina esse dinheiro abrindo creche, ampliando salas do SUS, dando computador às crianças da periferia? Estamos aquecendo os motores.
O ministro Paulo Guedes já disse que, se dependesse dele, todas elas seriam privatizadas. Comecei a estudar todas as empresas do governo. Algumas podem ser fechadas, outras vendidas ou fundidas. Mas há uma dúzia de empresas que vão continuar existindo, além das três estatais mais valiosas que temos — Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Elas serão adaptadas aos novos tempos. Vão ser um pouco mais enxutas, mais profissionais e mais produtivas. Passarão por um processo de melhoria. As outras, sim, deveremos vender.
Então a privatização será menos ampla do que o anunciado?
Se a decisão fosse minha, eu privatizaria tudo. Não faz sentido o governo ter bancos. Mas a orientação que recebi é manter a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobras. Talvez eu esteja um pouquinho mais à direita do ministro Paulo Guedes, porque sou quase um libertário. Mesmo sem essas joias da coroa, será possível arrecadar quase 1 trilhão de reais com as privatizações.
Como se chega a esse montante?
Vamos vender a participação do BNDES em empresas privadas. Não há razão para existir o BNDESPar (refere-se à empresa de investimentos do BNDES). Vamos vender também a participação da Caixa, do Banco do Brasil e da Petrobras em empresas privadas. Vamos reduzir a dívida. Reduzindo a dívida, caem os juros e sobra mais dinheiro para investir em educação, saúde, segurança e infraestrutura.
Quais serão as primeiras empresas na lista da privatização?
O Serpro, a Dataprev e a Casa da Moeda (a primeira é uma empresa de processamento de dados; a segunda é a empresa de tecnologia da Previdência Social). Vender as duas primeiras imediatamente, no entanto, não é uma boa decisão. Estamos enxugando essas empresas, melhorando a administração. Vamos dar um choque de organização. Elas vão valer mais daqui a um tempo. Eu diria que vamos privatizar mais no terceiro ano que no segundo e mais no segundo que no primeiro ano de governo.
O governo desistiu definitivamente de privatizar a Eletrobras?
O governo se rendeu por não ter dinheiro. O governo está quebrado. Tem mais despesa do que receita. A melhor opção estratégica para o país, neste momento, é capitalizar a Eletrobras, com a iniciativa privada aportando dinheiro, vendendo parte do controle. Aí o governo, que hoje tem o controle da empresa, passará a ter 40%. Podemos vendê-la em outra etapa.
O programa de privatização é um ponto pacífico no governo?
Existem resistências à privatização dentro do governo. No Ministério da Ciência, Tecnologia, o ministro… Qual o nome do ministro-astronauta?
Marcos Pontes…
Sim, Marcos Pontes. Ele tem cinco estatais (Correios, Correiospar, Telebras, Finep e Ceitec) e não quer privatizar nenhuma delas. Pode anotar aí: Júlio Semeghini, secretário executivo do ministro, disse que não vai privatizar nenhuma das estatais do Ministério da Ciência e Tecnologia.
As resistências se limitam ao Ministério da Ciência e Tecnologia?
Nem todo ministro é privatista. Então, alguns acham que é importante, que é de interesse público que a empresa continue estatal. Eu diria que ainda não tentei convencê-los. Há uma coisa que temos de levar em consideração: o presidente Jair Bolsonaro disse que vai privatizar tudo o que for possível. Existe uma orientação clara do presidente nesse sentido.
Mas até o presidente Bolsonaro, ao que parece, já recuou em pelo menos dois casos Às vezes, prometemos algumas coisas que depois no mundo real se tornam um pouco difíceis. Existem dois discursos do presidente dizendo que fecharia a empresa do trem-bala, a EPL. O presidente também falou que iria fechar a EBC. O que é a EBC? Era um antro de petistas, com mais de 2 000 funcionários, que foi usado para tentar segurar a Dilma no processo de impeachment. Agora, o presidente disse que não vamos mais fechar a EBC. Para mim, como secretário de Desestatização e Desinvestimento, é uma decepção. Não faz sentido o Estado ter uma rede de TV.
Existem outros casos semelhantes?
Além da EBC e da EPL, tem os Correios. Setenta por cento da receita dos Correios vem da entrega de pacotes. O Estado é dono de uma transportadora. Isso é absurdo. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) tem 1 bilhão de reais em caixa e 826 funcionários. Só para efeito de comparação, a Finep de Israel, que faz um trabalho parecido, possui sessenta empregados. Há ainda a Conab e a Valec (estatais das áreas de abastecimento e ferrovias). Estamos estudando um pacote para fechá-las. O governo também tem uma empresa que se chama Telebras, que existe para competir com a Tim, a Oi e a Embratel. Aí vem alguém e argumenta que metade do satélite da Telebras é de uso militar — então não pode privatizar. O.k., continua-se utilizando metade do satélite e a outra metade passa para a iniciativa privada.
Deve-se entender então que a ampla privatização era apenas uma promessa de campanha?
Não me dou por rendido. Ainda tenho três anos e nove meses para convencer o presidente a vender essas empresas. Não perdi a guerra. Estou frustrado porque o presidente afirmou que acabaria com aquelas duas empresas, EPL e EBC, mas isso não aconteceu. Mas também é meu papel convencer os ministros. Pode ter certeza: a privatização vai começar lenta e gradual e depois vai pegar velocidade.
O senhor já se queixou ao presidente Jair Bolsonaro sobre essa situação?
Não.
Por quê?
Tem uma reforma da Previdência para acontecer. Vamos evitar contrariar qualquer grupo de interesse até que a reforma da Previdência possa estar concluída. A reforma é a prioridade número 1.
O senhor falou com o ministro da Economia, Paulo Guedes?
Já comentei com o ministro essas dificuldades em vender as estatais, mas, repito, vamos tratar do assunto com maior intensidade depois da reforma da Previdência. Já viu um avião decolando? Ele gasta entre vinte e 25 minutos para chegar a 900 quilômetros por hora. Ainda estamos taxiando.
É mais fácil gerir uma empresa privada ou administrar uma repartição pública?
Administrar uma empresa privada é muito mais fácil. No governo, a tomada de decisão é lenta, enquanto na iniciativa privada ela é mais rápida. Mesmo as estatais, que têm um bom quadro de pessoas, não conseguem ser muito ágeis.
Por quê?
Burocracia. Você tem de seguir uma série de regulações e legislações, todo um arcabouço jurídico. Uma empresa privada segue a lei das sociedades anônimas e a lei do mercado. São mais simples. Aqui no governo, além dessas leis em geral, seguimos uma lei específica que regula como devem funcionar as diretorias e os conselhos de empresas estatais. É tudo mais demorado e difícil.
Os militares ajudam ou atrapalham as privatizações?
Ainda não estive com os militares para formar uma opinião. Mas vai chegar a hora em que terei de procurá-los e dizer: “Por gentileza, eu já privatizei as minhas empresas. Agora venham cá privatizar as suas”.
Os militares alegam questões de segurança nacional para manter algumas empresas na esfera estatal. Ando com os discursos e os tuítes do presidente na minha pasta. Estão grifados em amarelo. Vou mostrá-­los aos que se pronunciam contra as privatizações neste primeiro momento. Acho que eles poderão mudar de ideia. Volto a dizer: existe uma orientação clara do presidente.
Há interferência política na escolha dos diretores e conselheiros das estatais?
Zero de interferência política. Nomeamos as diretorias do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa. Aqui na minha secretaria não houve nenhum pedido. A indicação política não é ruim, não. A deputada Bia Kicis indicou o Rogério Marinho (refere-se ao atual secretário de Previdência e Trabalho) para o ministro Paulo Guedes. Olhe que indicação espetacular! É uma pessoa técnica, profissional, conduzindo a reforma mais importante do governo. A indicação foi política, mas a escolha foi técnica. É assim que tem de ser.
Como o senhor avalia o governo Bolsonaro nestes três primeiros meses de gestão?
É um momento de aprendizado, de construir relacionamentos políticos. Esse stress que estamos vendo em relação ao Congresso é passageiro. O ex-governador Magalhães Pinto (mineiro, 1909-1996) dizia que a política é igual a nuvem: cada hora que você olha está de um jeito diferente. Hoje está de um jeito, amanhã de outro. O governo está indo bem.
Fonte: “Revista VEJA”

domingo, 17 de março de 2019

Chanceler do Brasil: entrevista (globalismo, nacionalismo, EUA) - Brasil Paralelo

Entrevista concedida ao Brasil Paralelo pelo chanceler atual, com uma transcrição não oficial mais abaixo. Compreende-se certa insegurança no ministro, ao buscar contestar tudo o que se fazia antes – um pouco como o PT fazia, negar qualquer crédito ao passado, e partir do zero, uma espécie de "Nunca Antes" da direita – e procurar palavras que revelem essa "novidade", daí as hesitações e repetições (que eu obviamente suprimi na transcrição abaixo), como já se tinha manifestado na sua "aula" no IRBr de 11/03/2019.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de março de 2019

(ENTREVISTA) Min Ernesto Araújo denuncia o GLOBALISMO e defende o resgate do NACIONALISMO


Brasil Paralelo

Publicado em 17 de março de 2019

Nesta sexta-feira entrevistamos o Min. das Relações exteriores: Ernesto Araújo.
O Ministro contou sua posição sobre Estados Unidos, China, Globalismo, Nacionalismo, Identidade Brasileira e muito mais.
Entrevista por Lucas Ferrugem Vídeo por Filipe Valerim
Acesso: https://www.youtube.com/watch?v=2Y1Nn6ZopMQ&feature=em-uploademail 


Destaques:
Pergunta sobre o que é o "ser político brasileiro".
EA: "Durante muito tempo o brasileiro não se sentiu representado pela política. Política foi identificada com coisas ruins. (...) A política andou pouco afeita aos valores dos brasileiros. (...) O ser político brasileiro era um ser alijado de si mesmo. Era uma desidentificação com a política, com o Estado, e sobretudo essa ausência da discussão do seu destino. Hoje uma das coisas positivas que veem acontecendo com a vitória da política é que as pessoas se reconectam com a política, com a discussão sobre os destinos da polis, e isso muito especialmente com a política externa."
"Essa era a área onde esse afastamento mais se manifestava. Durante muito tempo se pensou que o brasileiro não se interessava por política externa. Antes isso não motivava as pessoas. Hoje motiva. Agora voltou-se a falar de política externa. Muitas vezes com críticas, a grande imprensa criticando o que a gente faz, mas falando-se de política externa.
"Estamos voltando a discutir a inserção da nossa comunidade histórica no mundo, isso é uma coisa fundamental, estamos voltando a discutir o futuro da polis.
"Então o ser político brasileiro está voltando a existir. Em política externa isso é muito claro. Claro que eu preferia que alguns comentários fossem mais positivos, mas isso não é o problema. O importante é a discussão."

PRA: Parece-me que foi isso que eu tentei fazer, mas não foi muito bem recebido pelo ministro, que não admite críticas à sua política.

EA: "As pessoas [antes] não se interessavam por política externa porque ela era apresentada como pouco relevante para as pessoas. A política externa entrava assim um pouco pelo lado da política comercial, numa coisa muito imediata, da questão consular, que é importante também, mas muito compartimentada. Agora se está discutindo as grandes questões, as questões de valores, a nossa inserção no mundo, onde fica o Brasil diante desse debate entre nacionalismo e globalismo.
"Então no Brasil a política voltou a ser política e a política externa voltou a ser parte disso."

Pergunta: Isso sempre foi assim, ou a partir de certo momento os brasileiros passaram a se desinteressar pela polis?
EA: "Não, não é desde sempre, não. Eu acho que naquele início de século XIX, até a independência, e um pouco depois, naquela elite letrada, havia uma discussão. Olhando os documentos dessa época, é uma coisa extraordinária, haver um debate, dentro de uma sociedade que era tão precária. Havia um debate muito intenso, e depois no final do Império também, e depois no começo da República. E depois, havia alguns momentos em que era mais intenso de discussão de política nesse sentido.
"O período do Império é um período muito pouco estudado. Eu não sou especialista, mas eu acho que sei o suficiente para ver que há ali muito mais coisas do que normalmente se estuda. Depois no período dos anos 1930, há uma discussão sobre a brasilidade. [corte na gravação]
"Nós nos acostumamos também, nesse período de deserto intelectual [??], a viver só no presente, e isso também é um enorme empobrecimento do ser humano, do ser brasileiro no caso. Nós no Itamaraty precisamos contribuir para abrir esse poço da memória, e contribuir para trazer água do fundo desse poço. Nós fazemos parte desse jogo da memória.
"Hoje é como se nós tivéssemos um romance que começa na página 360, né?; você tem que ver tudo, conhecer os personagens, as coisas ficam mais vivas, ficam mais interessantes quanto teem essa dimensão.
"Então, eu procurei trazer essa ideia da Aletheia para o Itamaraty, e também usando a ideia do Ministério do Tempo, não é?; procurei trazer essa ideia do poço. (..) Sem isso você pode fazer uma certa política externa, fazer um pouco aqui, outro ali, mas é algo muito pobre, muito pobre, e as coisas podem fazer sentido dentre de uma história, de uma certa aventura.
"Quero passar essa ideia aqui no Itamaraty: você passa a ser mais eficiente, a trabalhar com maior prazer ao ver que você faz parte de um romance, de uma grande aventura.
"Outra coisa é tentar pensar a realidade como um todo, e não a compartimentação da realidade, que é uma tendência de toda a pós-modernidade, que no fundo vem desde os anos 1960, que é a compartimentação. Que é dizer: não, isso aqui é comércio, isso aqui é política, isso aqui é tecnologia, isso aqui é direitos humanos, aquilo lá... Isso é útil, mas a realidade é um todo. Acredito muito nisso. Procurar ver as conexões, fazer as analogias, pensar filosoficamente, e sobretudo perguntar, perguntar para a realidade, e saber ouvir as respostas, não achar que a gente já sabe.
"A atitude filosófica é fundamental. Não achar que você já sabe. E se questionar a si mesmo.
E se questionar dentro desse conceito de uma realidade integral. E onde a política externa está dentro disso, e parte da vida social, claro, o Brasil está no mundo e isso é decisivo.
"Uma terceira coisa é não ter medo. Existe muito medo, As pessoas hoje estão nascendo com medo. Medo. Isso é plantado, acho que pela mídia, pela grande mídia, não pela mídia alternativa, que é tão importante por isso. Qualquer coisa que você vai dizer vão te chamar de alguma coisa, que vc está fora do mainstream, que vc é maluco. Claro, isso vai implantando medo na cabeça das pessoas.
"E o medo paralisa, o medo limita. Então eu faço muito esse esforço para que as pessoas não tenham medo de falar e de pensar.""

PRA: Pois foi exatamente o que tentei fazer, inclusive fazendo críticas ao seu modo de fazer política externa, mas o ministro não gostou que eu não tivesse medo de pensar e de falar...

Pergunta: Existe algum país que o Sr. gostaria que nós conhecêssemos a história e aprendessemos mais a sua política, a política diplomática?
EA: "Certamente. Um país que tem uma história riquíssima e que a gente conhece pouco são os Estados Unidos. Podemos enriquecer muito a nossa percepção conhecendo a história americana, que tem momentos únicos. como a guerra civil americana, por exemplo. como todo o processo dos anos 1930, e o New Deal, e depois o pós-guerra, enfim, as correntes intelectuais e políticas americanas.
"Os EUA é [sic] um país onde a história está viva. acho que diferente da percepção que se tem da Europa. Acho que na Europa a história está renascendo, mas nesses últimos trinta anos, nos países europeus, centro de civilização, a história meio que morreu. E as pessoas deixaram de pensar, política também, um pouco como no Brasil. deixaram de se conectar com o seu passado. Nos Estados Unidos isso nunca aconteceu. A pessoas vivem a história, as pessoas vivem a sua aventura nacional de uma maneira muito presente, o debate político americano é extremamente vivo e rico, as pessoas estão sempre citando exemplos do século XIX, Roosevelt, etc.
"O Brasil também pode ser isso, esse país de uma história viva, é raro você ouvir aqui [como nos EUA] alguém se referir aos anos 1920, um político do passado, e tem no século XIX um cabedal enorme que poderia ser lembrado.
"Então acho que se poderia comparar os EUA com a Europa. A Europa com toda aquela sensação de superioridade intelectual que eles têm em relação aos EUA, eles durante muito tempo estavam jogando fora todo esse patrimônio histórico e vivendo numa coisa muito encaixotada, no presente, um presente muito limitado.
"Vários países europeus estão tentando recuperar isso. O ser político europeu está renascendo também, como no Brasil. A gente vê isso, vários países europeus estão tentando recupera isso, não só no Brasil; a gente vê isso na Itália, a gente vê isso na Polônia, na Hungria, na Áustria, na Espanha, agora. E em toda a parte tem isso, mas esses são os países onde a coisa se veja mais presente.
"É interessante observar essa reconexão das pessoas com a sua realidade política, que é influenciar no seu destino. Durante muito tempo se discutiam coisas menores – taxa de juros, etc. – mas não é isso só, isso também, mas não é isso só.
"E durante muito tempo: "Não pode discutir nada!". E essa recuperação vem junto com o passado histórico, a recuperação dos heróis, a recuperação... Heróis é um conceito extraordinário que se perdeu, não é?
"Então é importante olhar isso: a Europa era um caso muito interessante de sociedades que estavam completamente adormecidas, e que estão renascendo.
[corte na gravação]
   [Pergunta?: ]
EA: Cada vez mais podem olhar para o Brasil como de certa maneira algo que espelha eles. [?] Mas, no nosso caso certamente. É um espelho que alguém quebrou, alguém resolveu quebrar num certo momento. Nós estamos recompondo esse espelho.
"Então no nosso caso, essa recuperação de uma identidade acontece, em outros países também, mas nos Estados Unidos é uma coisa especial nesse espelhamento. Então, a aproximação com eles, e a aproximação conosco são parte do mesmo fenômeno.

Pergunta: Agora há pouco, o Sr. comentou que o nacionalismo ganhou uma acepção negativa na sociedade, e também comentou que o Bolsonaro seria o primeiro presidente nacionalista nos últimos cem anos. Gostaria que explicasse por que e qual o entendimento que faz da palavra.
EA: EU acho que o nacionalismo é uma concepção de nação no seu sentido etimológico, algo de nascimento. Você tem um corpo de pessoas que estão unidas no tempo também. Tem a questão das gerações. Não são só indivíduos que estão só num espaço físico. São pessoas que estão ali, seus ancestrais viveram ali, claro que você tem migrações e tudo isso, mas você tem de ter um núcleo que faça sentido para que vc possa falar de nação.
"Nacionalismo é reconceber a sociedade como nação, e não só como uma coleção de indivíduos, e também não só como indivíduos conectados simplesmente pelo Estado.
"Porque hoje é muito isso. A concepção de um Estado pós-nacional não deve ser assim. A nacionalidade tem de vir do fundo do tempo.
"A concepção do que deve ser a sociedade, isso é o nacionalismo. As sociedades não deveriam se basear muito nas leis, como dizia o meu pai; elas devem se basear na confiança. As leis são fundamentais, mas você não pode ter lei para tudo, para dizer para as pessoas como elas devem se relacionar.
"E o que acontece com essa fragmentação social dessa pós-modernidade? A sociedade deixa de funcionar baseada na confiança. E aí vc tem de apelar para o Estado.
"As pessoas não deveriam se conectar umas às outras só baseadas na lei; elas tem de se conectar com base na confiança orgânica. Então isso é visão de nacionalismo.
"É o anseio natural das pessoas de viverem numa comunidade orgânica, e não numa coleção de indivíduos.

Pergunta: Creio que o receio com o termo [nacionalista], principalmente. veio com a forte aproximação com os regimes totalitários do século XX, Então qual a diferença que o Sr. traça desse nacionalismo para os regimes italiano, alemão e até da Rússia?
EA: Eu acho que esses regimes totalitários eles no fundo apelaram para uma força muito profunda, que é a força do sentimento nacional, para chegarem ao poder, para se manterem no poder, e distorceram esse sentimento; eles de certa forma sequestraram esse sentimento. Coisa que eu falo muito: isso é muito da esquerda, ela pega uma coisa boa, transforma, perverte e transforma numa coisa ruim: por isso que eu digo também que fascismo e nazismo são fenômenos de esquerda. E isso deu um mau nome ao nacionalismo.
E por isso o repúdio a esses regimes, as pessoas jogaram fora o nacionalismo.
Essa é a grande tragédia. Não fazer a desassociação entre a ideia de nação dos totalitarismos tão trágicos da história do século XX.
Então esse é o nosso esforço, o esforço de outros países, é o de ter um nacionalismo que é democrático, estou certo de que se pode ter, porque essa sociedade coesa, orgânica, que o nacionalismo prega, é naturalmente democrática. Porque essa democracia que ele prega não é imposta, ela vem de baixo para cima: um povo que gosta de estar junto, ele vai ser naturalmente democrático.
"Por isso que o conceito de polis, lá atrás, também tem a ver com o nascimento da democracia.
"Então é isso: é preciso recuperar o nacionalismo dessa associação perversa com os regimes totalitários."

Pergunta: Eu queria saber como o Sr. enxerga o Brasil no mundo e como o mundo enxerga o Brasil, o que o Brasil significa no mapa de todo o globo? Qual é a sua visão?
EA: Eu já devia saber, eu já intuia, mas nesse período muito intenso que estamos vivendo, eu estou me dando conta como o Brasil conta no mundo. É impressionante. Abstratamente, a gente podia imaginar, mas que muita gente já não acreditava.
"Nos contatos que eu tenho feito, eu tenho visto como há uma expectativa enorme pelo que o Brasil vai dizer, a partir de agora, pelo que o Brasil vai fazer, uma expectativa enorme de que nós coloquemos o nosso peso, por exemplo, na questão da democracia na Venezuela, em todas as áreas, por exemplo, a favor de uma revisão de uma nova OMC, por exemplo, uma reforma da maneira de atuar da OMC, em todas as áreas; na hora do Brasil, [todos perguntam], o que que o Brasil vai fazer?
"Vivemos um período em que nós não nos dávamos conta do nosso peso. não é, onde achávamos que o Brasil não tinha capacidade de influenciar, que era só copiar, fazer só uma variações nas posições globais, no máximo isso.
"Então, o mundo vê o Brasil com uma importância gigantesca, inclusive isso tem a ver com as críticas que se fazem nos países europeus ao governo Bolsonaro, mas isso tem a ver com uma percepção do peso do Brasil; porque eles estão vendo que o Brasil está colocando o seu peso a favor de coisas que eles não gostam: a favor da nação, a favor de coisas que, no caso, a esquerda europeia detesta.
"Então é por isso que o governo Bolsonaro aparece de forma tão negativa em tantos órgãos da imprensa europeia, porque eles estão assstados, o Brasil assusta, o Brasil chega lá, e fala muito mais grosso do que a gente imagina que fala.
"Ah, mas será que a gente tem condições...?
"Tem, a gente tem condições de influir. Na nossa região evidentemente, mas fora da nossa região também, também, contatos em relação ao Oriente Médio, em relação ao que está acontecendo na própria Europa, na Ásia, em toda a parte...

Pergunta: Um termo que surgiu no debate público a partir de alguns influenciadores americanos, e aqui no Brasil através do professor Olavo de Carvalho, é globalismo, a denúncia do que seria o globalismo; que basicamente se resume em agentes de representação notável, com interesses de organizar órgãos supranacionais, que intentassem um governo global. O que o Sr. entende por isso, e o Sr. concorda com isso e que agentes seriam esses?

EA: Eu acho que isso é parte do globalismo. Eu acho que essa maneira de ver o globalismo é algo limitado. Apenas a tentativa de criar organizações globais. Eu acho que o mais grave do globalismo é na mente, no pensamento. O globalismo é perigoso porque ele é sobretudo um sistema de pensamento, ou de anti-pensamento. Eu vejo globalismo sobretudo como um processo pelo qual, a ideologia marxista, a partir do começo dos anos 1990, e sobretudo a partir dos anos 2000, penetra na globalização econômica e faz dela o veículo da sua propagação. Então, justamente através da globalização começa a entrar com a sua agenda em temas como ideologia de gênero, o ambientalismo distorcido e outros, e começa sobretudo a controlar o discurso, a controlar o discurso, a dizer o que vc pode dizer e o que vc não pode dizer. E cada vez o que vc pode dizer é menos, ocupa um menor espaço.
"Então, eu vejo mais o globalismo assim, aquela ideia que... o marxismo descobriu que não precisa mais controlar os meios de produção econômica, quando ele pode controlar os meios de produção de ideias, que é o que vinha acontecendo.
"E é através desse controle das ideias que essa corrente começa a capturar instituições, e começa a partir dessas instituições, tentar se, agir para diminuir justamente as identidades nacionais e as identidades pessoais também. Porque, no fundo é isso, parte do problema só é a diminuição das identidades nacionais, o fundamental é a diminuição das identidades pessoais também, o achatamento do ser humano, que a meu ver é o projeto marxista.
"Então não é questão de dominação mundial, quer que a ONU domine, não é isso. É a utilização de todos os instrumentos para a diluição da nação e o achatamento do ser humano. Isso é o que é realmente grave do globalismo.
"Claro que o globalismo remete a esses organismos multilaterais, mas não é só isso. Isso é um instrumento. As pessoas perguntam: "onde está o globalismo?"
"Não está em nenhum lugar. Ele é um sistema de anti-pensamento, que meio que começou a replicar sozinho na cabeça das pessoas. Porque ele é tão difícil de... Se fosse uma instituição, a central mundial do globalismo, então vc vai lá e toma. Mas não é isso.
"É como se fosse um vírus de computador que se espalhou na cabeça das pessoas.
"Como eu digo, então o globalismo, eu enxergo o globalismo como o pensamento marxista capturando a globalização; então a nossa ideia é libertar a globalização dessa captura.
"A globalização é uma coisa extraordinária, que permite tanta coisa, interação super democrática entre as pessoas, isso tem que ser preservado; então o que é preciso é, eu digo assim, o que aconteceu é que o marxismo sentou na cadeira de piloto da globalização, é tirar daí, e nós vamos sentar na cadeira de piloto.
"Nós, eu digo, quem tenta representar essa linha que vê o ser humano com uma dimensão mais rica, a nação como algo que tem de ser uma comunidade orgânica, etc. Nada contra a globalização, ao contrário, é libertar a globalização, para que que ela sirva ao ser humano.
"Isso tem a ver com o Brasil, muito claramente, precisamos de uma economia liberal, precisamos da abertura econômica; a economia fechada, sufocada e sufocante foi parte de um projeto de um país sufocado, de um país que deixava de ser nação.
"Acho que isso é fundamental, a esperança para nós, para o mundo, é a conexão de um pensamento nacionalista, conservador, na base, com uma economia liberal aberta. Essa é a filosofia humanista, liberal, e que tenha lugar também para a fé, que essa filosofia, essa visão do mundo, esteja no comando da globalização, e permita que a globalização seja algo para ampliar os horizontes do ser humano. Nós temos que quebrar o amálgama marxista liberal, que é o globalismo, e transformar isso num amálgama conservador liberal. Essa é a grande tarefa.

Pergunta: É interessante ver na sociedade o desaparecimento e o surgimento de novas palavras. Nos anos 1990 foi sumindo a palavra "moral" e foi surgindo a "ética". O que está por trás dessas palavras?
EA: Essa é a grande distinção que eu faço entre o nominalismo versus realismo. O projeto globalista é um projeto nominalista, pegar as palavras e isolá-las da realidade, e transformá-las em instrumento de dominação.
O que é a tolerância? Posso tolerar alguma coisa em nome de um bem maior. Isso é o realismo. O nominalismo é pegar a palavra e transformar isso em algo absoluto.
"Parte do nosso esforço é trazer as palavras de volta ao realismo. É absolutamente essencial ter uma visão realista, que não é o absolutismo da linguagem. Hoje tem uma série de correntes que vivem num mundo de palavras, como no mundo de Wittgenstein.

(33 minutos e 32 segundos)

Vídeo original neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=2Y1Nn6ZopMQ&feature=em-uploademail

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Rubens Ricupero: "Estamos voltando ao mundo de 1914" (OESP)

Entrevista embaixador Rubens Ricu

‘Estamos voltando ao mundo de 1914’

Para embaixador, Primeira Guerra Mundial marcou entrada da diplomacia brasileira no século 20 como protagonista

O Estado de S. Paulo, 13/11/2018

O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cujo centenário se celebra neste mês, marcou a entrada da diplomacia brasileira como protagonista no século 20. A avaliação é do diplomata Rubens Ricupero, diretor da Faculdade Armando Alvares Penteado (Faap). Para Ricupero, a relação custo benefício da participação brasileira no conflito foi excelente em termos diplomáticos e de prestígio no cenário mundial em virtude do pequeno capital militar empregado no conflito. Ele alerta para os riscos do ressurgimento do nacionalismo no mundo.  
Qual a importância para a diplomacia brasileira da atuação do País durante a Primeira Guerra?
O que vale a pena realçar é que é uma grande relação custo-benefício. O custo foi pequeno em termos militares e estratégicos. Perdemos seis navios, mas eram perdas inevitáveis. O Brasil em relação à Segunda Guerra Mundial até participou menos. Mas o que recebeu em troca em termos diplomáticos e políticos foi muito grande. Participamos da Conferência de Paris com três delegados, algo destinado apenas às grandes potências da época, graças ao apoio americano e ao argumento de que o Brasil de certa maneira representava todo o continente latino-americano. Então, a participação foi destacada e resolveu as duas questões pendentes de seu interesse: o pagamento do café apreendido pelos alemães em depósitos na Europa e a posse dos 46 navios alemães apreendidos pelo País. De certa maneira, a primeira vez que o Brasil aparece de fato entre as grandes potências mundiais é na Conferência de Paris (em 1919).  Quando a Primeira Guerra acabou, França, Inglaterra e Itália elevaram o nível da delegação que tinham no Brasil para embaixada, que, na época, apenas Estados Unidos e Argentina mantinham aqui.  
Por que o Brasil não enviou um representante de primeiro escalão a Paris para as celebrações do centenário do armistício?
Não entendi a razão e achei penoso. Sendo o único país latino-americano que participou do conflito, achei estranho. Não houve uma explicação do lado brasileiro. Aparentemente foram convidados e não foram. Mandar o embaixador em Paris é pouco. Um evento desses merecia uma delegação especial.  
Como a opinião pública da época viu a entrada do Brasil no conflito?
Era muito favorável. Desde o início, tinha uma posição favorável, sobretudo, à França, que era o país das elites brasileiras. Além disso, as colônias de imigrantes eram muito grandes, sobretudo os italianos, imigrantes e descendentes. De 1,5 milhão de italianos no Brasil, cerca de 12 mil foram lutar na guerra. Em São Paulo a colônia italiana era muito favorável à guerra. O jornal Fanfulla, o segundo maior da época, voltado para a colônia italiana, era partidário de entrar no conflito. . A exceção era a colônia alemã. Em Porto Alegre, por exemplo foram atacadas casas e lojas da colônia.  
A ida do Epitácio Pessoa para a conferência de Paris em 1919 acabou impactando de alguma forma em sua vitória na eleição daquele ano?
Foi muito curioso. Enquanto Epitácio estava em Paris, morreu o Rodrigues Alves, vítima de gripe espanhola, já eleito. E aí tiveram que escolher um novo presidente, naquela coisa típica da República Velha. E como não tinha um candidato de consenso para enfrentar o Ruy Barbosa, candidato dos paulistas, acabaram escolhendo o Epitácio, que nem voltou da França para fazer campanha. E ele acabou eleito. Voltou de Paris já eleito. Isso mostra bem como era o Brasil da República do Café com Leite. 
O senhor vê algum paralelo entre o mundo pós primeira guerra, com ascensão dos nacionalismos, e o século 21 pós crise de 2008? Que lição tiramos deste centenário?
Eu acho que o paralelo é total. Tanto o Macron quanto a Merkel deram ênfase à denúncia da volta do nacionalismo como ameaça à paz mundial. A política que vemos hoje nos EUA, Rússia e China, corrói o sistema internacional criado depois da Segunda Guerra Mundial. Há 73 anos, esse sistema previne um novo conflito mundial. Agora, corremos o risco de voltar à era das rivalidades dos nacionalismos, que justamente deu origem às duas grandes guerras. O perigo é muito grande, desta vez com atores novos, como China e Estados Unidos. E a Rússia sempre lá. Apenas a Europa ainda joga a carta do multilateralismo, ainda que enfraquecida com o Brexit e as divisões internas na Itália, Hungria e Polônia. O nacionalismo destruiu a civilização europeia em 1914. O (Henry) Kissinger, que é um realista, tem advertido contra os riscos dessa tendência atual. O caso do Trump é o mais evidente. Mas o Putin e os chineses, com mais prudência, também. Estamos voltando a 1914. 
No começo dos século 20, o Brasil era muito alinhado aos EUA. E o presidente eleito Jair Bolsonaro hoje quer retomar esse alinhamento. Como o senhor vê essa aproximação?
O mundo mudou, né? O Brasil se escudava e se protegia atrás dos Estados Unidos. Era um país frágil e usava essa aliança para se projetar. Hoje em dia, o Brasil tem um relacionamento muito diversificado e não faz mais sentido tomar partido. Se a rivalidade entre Estados Unidos e a China se agravar, tomar partido para o Brasil não teria sentido. A China é nosso maior mercado e os Estados Unidos não a substituem porque os Estados Unidos não importam o que vendemos. Eles são nossos concorrentes. Vai vender para quem se perder a China? E aí você afeta o agronegócio, que é um apoiador do presidente eleito. O Brasil tem que manter um bom relacionamento com EUA, China, Rússia, e União Europeia. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Espanha: de imperial a decadente, e agora ameacada de desmembramento - Manuel Muniz

A Espanha já foi um dos impérios mais poderosos do mundo. Começou a decair justamente por ser um império desmesurado, por ambição de seus dirigentes -- os imperadores que dominavam metade da Europa e metade do mundo, pelo menos teoricamente -- e pelo fato desses pretenderem ter mais do que podiam administrar, gastando recursos preciosos não para administrar bem o que já tinham, mas para aumentar ainda mais a extensão de seu poderio, em lugar de cuidar adequadamente da educação dos súditos espanhois. Foi derrotado pelo império americano em ascensão, e depois não conseguiu se corrigir no século XX, caindo ainda mais no enfrentamento das duas ideologias autoritárias desse "breve século XX", o fascismo e o comunismo. Triste Espanha, no dizer de Ortega y Gasset, invertebrada, talvez, mas sobretudo vítimas das ideologias. Pode ser que a Europa seja uma solução ao maior perigo que países ou impérios enfrentam: esse nacionalismo estreito, mas existe também outro, que é a mediocridade dos dirigentes, das elites... e esse perigo também é enfrentado por países não imperiais, como o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 13 de dezembro de 2017

Europe As A Solution To Nationalism




Manuel Muñiz
Manuel Muñiz
José Ortega y Gasset, one of Spain’s pre-eminent intellectuals of the 20th century, wrote in his 1922 seminal work “Invertebrate Spain” that what underpins the existence of nations is not a common history but rather a “compelling project for tomorrow”. For Ortega it was not a shared past that brought and kept diverse peoples together but a captivating vision for the future.
For him, Spain’s territorial decomposition, first with the loss of overseas possessions, and ultimately with the emergence of pro-independence movements in the Iberian Peninsula itself – mainly in Catalonia and the Basque Country – was a product of prolonged decline and the dissolution of the Imperial project. The Empire had acted for centuries as a centripetal force bringing together widely varied political communities under one same roof and justifying that co-existence through a civilizational narrative in which Spain’s role was central. As the Empire began to collapse this narrative was slowly eroded and different political communities started to build – or in some instances re-build – narratives of their own.
When one tries to understand the current troubles in Catalonia it is important to keep Ortega’s analysis in mind. It is no coincidence that Catalan pro-independence sentiment only began in earnest with the collapse of the Empire and that it has since ebbed and flowed according to the economic and political climate in Spain and Europe. The latest swing of that pendulum has been particularly strong. Before the financial crisis began in 2007 support among Catalans for an independent Catalonia was scarcely above 10%. Today, after what could be described as the worst economic crisis in recent Spanish history, it stands at just below 50%. This period of economic contraction has also seen a great deal of corruption scandals affecting national political leaders, political parties and institutions, which has strengthened the idea that Catalans might do better if they had their own state.

Original sin

The reason that led Ortega to write about nationalism was his deep concern about its consequences. He could see, just as many of his contemporaries, that in its desire to exacerbate national identities it carried the seeds of conflict. Nationalism lives off the creation of narratives that instead of including as many as possible seek to elevate a few over others that are depicted as different, inferior or less worthy. This is the reason why it flourishes in moments of pain and misery. Through the lens of nationalism, the origin of such evils is but the other, a certain minority, an external group or a corrupt political class. This adoration of the particular, of that which makes some people different to others, is nationalism’s original sin and the source of its many pernicious consequences.
Not all nationalists would subscribe to this description of their ideology and many believe their actions will in the end produce open and cosmopolitan societies. This is particularly true in the Catalan case with many pro-independence supporters proclaiming to be at the same time nationalists, liberals and globalists. And yet one cannot on the one hand proclaim the value of openness and on the other the impossibility of living within a democratic society shared by peoples that speak different languages or manifest different cultural traits. This is as contradictory as attempting to build a global Britain while at the same time extirpating the country from the world’s largest single market and its most diverse political community.
The parallels between the British and Spanish cases are actually startling in many regards. The United Kingdom was itself a product of the Imperial project. Perhaps the most powerful force that brought together the different nations of the British Isles was the prospect of empire. Scottish nationalism, despite its many claims to deeper roots, only really took hold after the 1950s and gained pace only after de-colonisation. Also, Scottish independence became a far more attractive proposition once the UK decided to leave the European Union and deprive the Scots of the overarching political framework they desired. By voting for Brexit the British hurt their Union more than they could have anticipated. This is particularly tragic in the case of English nationalists that in a display of great short-sightedness rabidly criticise European integration and at the same time praise British integration, when they are today more than ever two sides of the same coin.

Perverse politics

How one views the issue of diversity within a society is as a matter of fact one of the most defining features of one’s ideology. Those who find meaning in closed groups with strong and excluding identities are in one camp. Those that seek to build open, diverse and cosmopolitan societies are in the other. Given the historical record of nationalism and its perverse political and geopolitical consequences, it is somewhat startling to find people in the 21st century ascribing to the latter.
Ortega, himself a convinced liberal, was certain that nationalism was a force to be contained. He believed that imperialism was also perverse and that even though it had provided a solid narrative for the existence of numerous European nations, it did so at the expense of the rights of many others. So, for him the only solution to the troubles affecting Spain and other European powers was European political integration. Only together could Europeans build a peaceful and prosperous project and to matter in the world. He suggested moving in the direction of a European Union with a common foreign and defence policy and others. The alternative would be division, mistrust and ultimately conflict. It is of course tragic that Europeans opted at first for the latter and began two wars that ended up engulfing the entire world and costing millions of lives. It was from the ashes of those wars that the European integration spirit re-emerged in the 1950s.
The ultimate solution to the Catalan problem – and to that of many of Europe’s secessionist movements – is, therefore, the construction of a compelling political project for tomorrow and in particular the completion of a federal Europe. The European goal of an ever-closer union is now more important than ever. The alternative is not just a weaker EU but quite probably the breakup of many European states, dissension and conflict.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Ministerio da Utopia (SAE) - Demetrio Magnoli

Ministério da utopia
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 05/08/2010

Intelectuais tendem à utopia, pois ela precisa de uma descrição e eles são seus autores. Isaiah Berlin não está entre os filósofos mais célebres precisamente porque é um pensador antiutópico. "As utopias têm o seu valor - nada amplia de forma tão assombrosa os horizontes imaginativos das potencialidades humanas -, mas como guias da conduta elas podem se revelar literalmente fatais", anotou Berlin. As utopias almejam a completa realização de um conjunto de premissas, com a exclusão de todas as outras. É um caminho muito perigoso, "pois, se realmente acreditamos que tal solução é possível, então com certeza nenhum preço será alto demais para obtê-la".

A democracia constitui um sistema político avesso à utopia porque, por definição, rejeita atribuir estatuto de verdade incontestável a qualquer conjunto de premissas ideológicas. Os intelectuais utópicos têm um lugar na democracia - o de instigadores do debate público. Mas o sistema democrático de convivência de ideias contraditórias se estiola quando eles são alçados à posição de sábios oficiais e suas utopias são convertidas em verdades estatais.

Samuel Pinheiro Guimarães, até outro dia secretário-geral do Itamaraty, foi guindado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). No novo cargo, elaborou um documento intitulado O Mundo em 2022, ainda em versão preliminar, que circula no governo e no Itamaraty. Trata-se de um delineamento das tendências do sistema internacional, com propostas de políticas estratégicas do Brasil. Dito de modo direto, é a plataforma de uma utopia ultranacionalista, a ser aplicada num hipotético governo de Dilma Rousseff, que colide com os valores e as tradições da democracia brasileira.

Num texto escrito em português claudicante, o intelectual utópico expõe uma doutrina antiamericana que solicita uma curiosa articulação estratégica entre Brasil, Rússia, Índia e China "para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário". Os Brics, acrônimo cunhado no interior de um banco de investimentos, constituem um "bloco" apenas na acepção restrita de que seus integrantes passaram a influenciar a governança econômica global. Eles, porém, não compartilham interesses geopolíticos relevantes - uma evidência clamorosa que escapa por completo à percepção de Guimarães, moldada por um obsessivo antiamericanismo.


Os equívocos teóricos pouco significam, perto das prescrições políticas. Nostálgico do "Brasil-potência" dos tempos de Ernesto Geisel, Guimarães atribui ao Estado os papéis de "estimular o fortalecimento de megaempresas brasileiras (...) para que possam atuar no cenário mundial globalizado" e de conduzir um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de amplas implicações militares. Os significados desta última proposição podem ser entrevistos na passagem em que o autor define o Tratado de Não-Proliferação Nuclear como o "centro" de um processo ameaçador de "concentração de poder militar". A leitura do documento oferece indícios sugestivos para a compreensão da lógica subjacente à aproximação entre Brasil e Irã e à operação diplomática brasileira de cobertura do programa nuclear iraniano.


No programa ultranacionalista, ausências falam tanto quanto presenças. Ao longo de 54 itens, não há nenhuma menção aos direitos humanos. Não é surpreendente: um livro de Samuel Pinheiro Guimarães, publicado em 2006, qualificou a defesa dos "direitos humanos ocidentais" como uma forma de dissimular "com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das Grandes Potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos". A militância do governo Lula contra a política internacional de direitos humanos - expressa na ONU, em Cuba, no Irã, no Sudão, na China e em tantos outros lugares - não é um fenômeno episódico, mas reflete uma visão de mundo bem sedimentada. Lastimavelmente, as ONGs brasileiras de direitos humanos financiadas pela Fundação Ford trocaram a denúncia de tal militância pela aliança com o governo na difusão da doutrina dos "direitos raciais".

A utopia regressiva de Samuel Pinheiro Guimarães colide com a Constituição, que veta a busca de armas nucleares e situa a promoção dos direitos humanos no alto das prioridades de política externa do Brasil. Se a sua plataforma política aparecesse na forma de artigo, isso não seria um problema - e, talvez, nem mesmo uma fonte de debates interessantes. As coisas mudam de figura quando ela emerge como documento de Estado, produzido num Ministério encarregado de formular as diretrizes estratégicas do País.

O governo Lula exibe, sistematicamente, inclinação a partidarizar o Estado. A contaminação ideológica da política externa é uma dimensão notória dessa inclinação. Há, contudo, um antídoto contra a doença, que é a supervisão parlamentar das diretrizes estratégicas de política externa. Nos EUA, uma nação presidencialista como a nossa, as prioridades e os orçamentos do Departamento de Estado são submetidos ao crivo do poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, expressão do controle social, bipartidário, sobre uma política de Estado. O Senado brasileiro tem uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Entretanto, sua gritante ineficácia, que exprime uma carência quase absoluta de poder real, proporciona ao governo as condições para a continuidade da folia ideológica em curso.

A SAE foi concebida como uma jaula dourada para acomodar (e ridicularizar) Roberto Mangabeira Unger, quando ele aderia ao governo que definira como "o mais corrupto da história". Agora, sob Guimarães, a jaula transforma-se em linha de montagem de uma utopia ultranacionalista que funcionaria como a régua e o compasso da inserção internacional do Brasil. A Nação tem o direito inalienável de se proteger contra o Ministério da Utopia, sujeitando a política externa ao escrutínio democrático dos parlamentares.