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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Raizes do colapso brasileiro, um texto de 2006 - Paulo Roberto de Almeida

Um texto de 2006, que na verdade atendia a um pedido de jornalista para comentar o livro de Jared Diamond, sobre o colapso de civilizações, para oferecer comentários à obra e aplicá-la ao caso brasileiro. A despeito dos dez anos decorridos, creio que o diagnóstico e as prescrições se mantêm quase integralmente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/01/2016


Raízes do Colapso

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais. Diplomata.
Respostas a perguntas colocadas por jornalista
do jornal do agronegócio Raízes (São Paulo, SP).


Perguntas e respostas, tendo como referência o livro:
Jared Diamond
Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso
2ª edição; Rio de Janeiro: Record, 2005.

1) Gostaria de contextualizar o livro de Jared Diamond, para o empresário do agronegócio entender porque este livro é nossa referência aqui e por que o senhor foi chamado a analisá-lo. Em sua opinião, o que esta obra trouxe de novo e por que se tornou tão comentada? Por que ela chamou a sua atenção especificamente?

PRA: Eu já conheço a obra desse autor americano, um cientista-pesquisador da área da biologia evolutiva, desde muitos anos, como editor da revista de divulgação científica Discover, da qual eu tinha assinatura nos anos 1980. Mais recentemente li o seu primeiro best-seller Armas, Germes e Aço (ainda na primeira versão americana), que aprecio particularmente, ainda que eu possa criticar a ênfase talvez excessiva nos fatores ambientais, e menos naqueles sócio-culturais ou econômicos, que explicam como as sociedades humanas evoluíram de maneira diferenciada ao longo dos últimos dez mil anos. Trata-se, em todo caso, de uma pesquisa original, de amplo escopo explicativo, trazendo uma macro-história ecológica global da humanidade, nesse percurso muitas vezes milenar que conduziu algumas sociedades à abundância e à liderança tecnológica e outras ao atraso relativo ou mesmo à miséria temporária. Um livro brilhante, sem dúvida, mesmo descontando a já referida ênfase no meio ambiente, em detrimento dos fatores moldados pelo próprio homem.
Era natural, assim, que eu me interesse por este novo livro, sobretudo contendo um título tão accrocheur, como diriam os franceses, ou appealing, no dizer dos americanos. Sempre somos fascinados pelos desastres, pelos fracassos, tanto quanto pelo sucesso e pela prosperidade. Este livro trata do “lado errado” das sociedades, que deveria ser estudado tanto quanto os motivos de sucesso, pois aprendemos mais pelos erros do que pelos acertos. Como se diz, a vitória tem muitos pais, o fracasso tem uma só mãe, quando não é órfã, ou solitária. Casos de insucesso nos negócios, de fracasso completo nos empreendimentos deveriam ser estudados nos cursos de administração, de forma tão detalhada, ou talvez até mais, do que os casos de executivos brilhantes ou de grandes realizações no mundo dos negócios, pois é pelos fracassos que podemos medir nossas chances de sucesso futuro, ou evitar os erros mais comuns.
Como eu acho que o Brasil configura, nos últimos anos, um notório caso de “fracasso” econômico, com um baixo crescimento cumulativo há praticamente duas décadas, fui buscar no livro alguns motivos de reflexão que poderiam me dar algumas luzes sobre as razões do nosso insucesso no crescimento econômico e na inclusão social.

2) O que o senhor destacaria como principais pontos do livro?

PRA: No plano metodológico, a visão macro-histórica já destacada, pois ela permite ver o mundo evoluindo no longo prazo, a trajetória das civilizações, que reproduzem certo ciclo de vida. Ainda no plano metodológico, a perspectiva comparada, que permite ver como algumas sociedades enfrentam problemas de modo criativo, enquanto outras não conseguem superar problemas prosaicos, como pode ser o do simples equilíbrio ecológico, ou da subsistência em meios materiais, que deveria ser objeto de simples planejamento elementar.
No plano substantivo, o livro fornece um amplo painel sobre diferentes caminhos de sociedades do passado e algumas do presente, mostrando, finalmente, que nada é muito novo na trajetória do homem e que os mesmos problemas sempre se colocam de forma recorrente, ainda que os meios técnicos e as paisagens se tenham alterado por vezes de maneira fundamental ou radical, desde a antiguidade, ou na era dos descobrimentos, e em nossa própria época.

3) Que paralelos podemos estabelecer entre a realidade brasileira e os exemplos bem-sucedidos e catastróficos descritos por Diamond?

PRA: O Brasil, como economia ou sociedade, não está exatamente apontando para algum colapso iminente, ainda que “pequenos colapsos” possam ocorrer, talvez nas contas públicas, como resultado dos crescentes déficits previdenciários, ou no terreno dos investimentos em infra-estrutura, onde obras importantes deixaram de ser feitas nos últimos anos por insuficiência orçamentária ou, mais exatamente, por incapacidade administrativa. Mas, o Brasil não está na iminência de uma grande catástrofe como as descritas no livro de Diamond, problemas de tal monta que acabam desestruturando toda a sociedade de forma irremediável. Nossos problemas são de natureza cumulativa, basicamente de organização, mais do que falta de meios ou de inteligência.
O que chama a atenção na experiência brasileira dos últimos vinte anos ou, praticamente, no último quarto de século, é a incapacidade do país de crescer de modo sustentável, primeiro pela aceleração inflacionária e pelo descontrole econômico ocorrido nos anos 1980 e na primeira metade dos 90, depois pela ausência de poupança e de investimentos produtivos, justamente. O que mais chama a atenção, de fato, é a nossa própria cegueira, mais exatamente da classe política, em continuar aprovando aumento de gastos públicos, não para fins produtivos, mas para alimentação dos “meios” tão simplesmente, em total descompasso com o crescimento da economia ou com a disponibilidade de recursos. A classe política tem demonstrado uma brutal insensibilidade para os efeitos cumulativos do baixo crescimento, do acúmulo de despesas obrigatórias sob responsabilidade do próprio Estado, do tributarismo e do regulacionismo excessivos, que na verdade “empurram” milhares de pessoas e de pequenas e médias empresas para o lado informal da economia, não porque elas ali queiram estar, mas porque não podem fazer de outro modo, em vista dos constrangimentos que teriam nos planos fiscal, tributário, regulatório. se desejassem, por acaso, ascender ao plano da formalidade e da plena legalidade.
Nossas pequenas “grandes” catástrofes estão nessa miríade de regulamentos burocráticos, de obrigações legais e, sobretudo, de regimes tributários que tornam a vida do empreendedor um inferno digno de Dante.

4) O Brasil está destinado ao fracasso ou há caminhos que indicam uma luz no fim do túnel? Ou ainda: que saídas temos para reverter nosso "colapso"?

PRA: O Brasil, certamente, não está, a priori, condenado ao colapso. Emprego este conceito num sentido bem mais metafórico do que real. Mas, o Brasil está, sim, condenado ao baixo crescimento, a uma quase estagnação do crescimento per capita, a uma deterioração sensível e contínua das instituições públicas, a uma erosão continuada da qualidade de sua educação, tudo isso ao mesmo tempo e cumulativamente, a persistirem os mesmos sintomas que indicam baixo crescimento da produtividade, desrespeito à lei, carga fiscal muito elevada, pesadas barreiras à entrada para novos negócios, corrupção generalizada no setor público, caixa 2 no setor privado – geralmente mantido mais em função do excesso de tributos de origem estatal do que por “necessidades” da própria empresa – e uma pesada herança do burocratismo de outras eras que ainda não foi extirpado de nossa cultura. Todos esses fatores podem não levar, exatamente, ao fracasso do Brasil, enquanto sociedade ou economia, mas indicam, sim, uma incapacidade desta nação de se adaptar ao mundo dinâmico da globalização contemporânea e podem, ao contrário, levar uma indefinição persistente quanto às reformas necessárias para superar esse tipo de impasse.
No campo das reformas, eu indicaria um conjunto de tarefas que nos permitiriam superar os problemas apontados, mas confesso desde já que sou totalmente pessimista quanto à capacidade dos governos – quaisquer que sejam eles – e da própria sociedade de aprová-las e implementá-las. Essas reformas, sinteticamente expostas, seriam as seguintes:
1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Em vista dos seus custos para o País e os cidadãos (que pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis (federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.

2. Reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado (estritamente definidas).

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista.

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional, cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento (diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).

6. Prosseguimento da abertura econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

5) Se é possível escolher entre o fracasso ou sucesso, como observa Diamond, temos exemplos acertados do Brasil em direção ao sucesso?

PRA: Certamente. O Brasil é uma sociedade extremamente maleável, receptiva a quaisquer inovações que possam ocorrer no resto do mundo, capaz de adaptar e incrementar bens, serviços, modas ou quaisquer outras coisas que surgem nos mais diferentes quadrantes do globo, geralmente melhorando o próprio original. Começamos que somos uma verdadeira sociedade multirracial, o que é uma qualidade e um atributo extremamente positivos no plano interno, ainda que isso possa não ser ainda devidamente valorizado em outros países. Nossa proverbial tolerância e acolhimento da chamada “alteridade” também é um valor que devemos preservar e ampliar.
No quadro dos países em desenvolvimento, fomos uma das sociedades mais bem sucedidas na construção de um sistema produtivo industrial e agrícola de excelente qualidade geral. Nosso establishment científico também rivaliza, em qualidade intrínseca, com os melhores do mundo, faltando apenas maiores investimentos na pesquisa para levá-la a patamares ainda superiores de descoberta e inventividade. Temos sérios problemas quanto à transposição do conhecimento científico para o plano de suas aplicações tecnológicas, mas poderemos melhorar esse aspecto também, uma vez que as condições técnicas parecem já estar dadas para tanto.
Destruímos muito nossa natureza no passado e, de certa forma, continuamos ainda a dilapidar nossos recursos naturais, mas a sociedade já se conscientizou dos problemas e parece pronta para inverter o ritmo e a direção da “insustentabilidade” que estava sendo criada. Mais um pouco e teremos estabelecido um padrão de convivência com os recursos da biodiversidade que nos colocará no caminho do desenvolvimento dito “sustentável” (com toda a carga de “politicamente correto” que esse conceito possa ter).
De certa forma, a maior parte do establishment científico, dos técnicos de alta formação, dos formadores de opinião, dos pesquisadores sociais em políticas públicas e, certamente, muitos quadros governamentais, todos esses personagens da nossa vida social e governamental têm perfeita consciência dos problemas brasileiros, da origem de nossos problemas macroeconômicos, setoriais, das deficiências educacionais, enfim, dos “males de origem”, e já traçaram diagnósticos corretos e até “manuais de correção” dos problemas detectados. Os obstáculos parecem situar-se muito mais no plano político-institucional, do que no âmbito da própria sociedade civil, que poderia estar disposta a enfrentar um programa de reformas, desde que bem explicadas e justificadas como necessárias, para retomar antigos patamares de crescimento e de desenvolvimento econômico e social.

6) Quais as principais lições a serem tiradas desta obra, tendo em vista a situação do país?

PRA: A principal lição é a de que a persistência no erro é o caminho mais rápido para a decadência, a estagnação e, possivelmente, o colapso. Antes do Brasil, outras sociedades declinaram durante décadas, senão séculos: nos três séculos que se seguem ao Iluminismo europeu e à emergência de sociedades avançadas e conquistadoras na Europa, a China constituiu um desses exemplos de notável declínio, mais até do que econômico ou tecnológico, propriamente civilizacional. No século XX, tanto a Grã-Bretanha “imperial” e a Argentina “periférica” passaram por décadas de lento mas constante declínio econômico, industrial e, para esta última, até político, processo que neste caso não está totalmente revertido. Em todos esses casos de retrocesso ou de estagnação, o que primeiro experimenta disfuncionalidades são as próprias instituições públicas, que deixam de operar em condições de racionalidade aceitável, passando a acumular problemas operacionais e algumas vezes até conceituais que impedem essas sociedades de conduzir as reformas necessárias para reverter o declínio (que é sempre relativo, no começo, antes de converter-se em absoluto).
Deve-se dizer que a maior parte dos exemplos citados por Jared Diamond se refere a desequilíbrios das sociedades estudadas com o seu próprio meio ambiente natural ou social e geográfico, o que não é absolutamente o nosso caso. O Brasil tem, mais precisamente, disfuncionalidades institucionais, de natureza essencialmente política, que inviabilizam atualmente a continuidade de um processo de reformas que de certa forma foi conduzido com sucesso no decorrer dos anos 1990 – estabilização macroeconômica, por exemplo, ou privatizações e criação de agências regulatórias – mas que encontra muitas resistências para ser levado adiante naquilo que se refere ao espectro de contratos sociais – reforma trabalhista, por exemplo – ou naquilo que se refere ao controle dos gastos públicos – aqui envolvendo toda a classe política, nos três níveis da federação –, além de diversas outras reformas que tocam nos famosos “direitos adquiridos” (como a questão previdenciária).
Se não estamos (ainda?) em desequilíbrio com o nosso meio ambiente, estamos há muito em desequilíbrio com as contas públicas e com a qualidade (deplorável) da educação pública. Esses problemas graves precisam ser revertidos urgentemente.

7) - Esteja à vontade para acrescentar outras informações e comentários.

PRA: Tenho absoluta consciência de que existe uma enorme distância entre a amplitude dos problemas brasileiros, tal como detectados de modo breve nos parágrafos acima, e as modestas possibilidades de seu encaminhamento satisfatório por meio de um processo de reformas racionais e totalmente voltadas para os fins desejados: a retomada do crescimento em bases sustentáveis, socialmente inclusivo, com transformação produtiva e inserção na economia internacional.
Ao não acreditar que isso seja possível no futuro previsível, só posso antecipar que o Brasil continuará a “patinar” no baixo crescimento e na deterioração ainda maior de suas instituições públicas – entre elas os diversos legislativos, o próprio Judiciário, as polícias, as universidades e as escolas, de modo geral –, com o irremediável comprometimento da qualidade de vida de nossos filhos e netos, que certamente terão de enfrentar um problema fiscal ainda maior do que o que temos hoje. Em vista dos bloqueios persistentes existentes na sociedade brasileira – que não devem ser confundidos com alguns exemplos de “inconsciência societal”, tal como detectados no livro de Jared Diamond – minhas previsões são moderadamente pessimistas, para não dizer virtualmente “declinistas”. Meu maior desejo, sinceramente, é o de ser desmentido pelos fatos e pelos processos futuros.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de agosto de 2006

Como criar uma nacao de assistidos - Paulo Roberto de Almeida (2007)


Como criar uma nação de assistidos

Paulo Roberto de Almeida

Segundo anúncios feitos por quem de direito, o Brasil comportava, em 2007, em seu programa oficial de assistência social, mais de 11,1 milhões de famílias inscritas, ou perto de 46 milhões de pessoas, formalmente dependentes da ajuda governamental. A primeira formatação do programa, nos idos de 2003, era de que se tratava de um “fome zero”, ou seja, existia um número enorme de brasileiros que não dispunham de recursos para se alimentar decentemente. Ninguém duvida que o Brasil exibisse um volume anormalmente grande de pobres e miseráveis, mas o que não se sabia, ao certo, era que esses pobres e miseráveis estavam morrendo de fome.
Dito assim, de chofre, seria difícil que alguém se opusesse a uma iniciativa que visava, ao que parece, aplacar a fome desse imenso contingente de miseráveis. Muitos desses eram visíveis, nos semáforos das grandes cidades, nas favelas das metrópoles, nos arrabaldes das aglomerações menores e, sobretudo, nas regiões rurais do imenso interior do país. Mas, salvo engano, não se tinha a impressão, de que estivessem todos morrendo de fome, inclusive porque o instinto de sobrevivência parece inato no homem, como entre os animais diga-se de passagem. Esses pobres, andrajosos que fossem, pareciam aplacar a sua fome mediante estratégias diversas: xepa nas feiras das cidades, pequena produção de subsistência nas zonas rurais, trabalhos precários aqui e ali, enfim, não se tinha notícia de que pessoas estavam morrendo de fome nas cidades e nos campos do Brasil. Claro, sempre havia o problema da insegurança e da carência alimentar, mas mesmo os mais pobres deviam ter estratégias de sobrevivência, pois os registros disponíveis não indicam um morticínio muito grande pela privação alimentar, salvo casos localizados em fases de desequilíbrio climatológico em certas regiões do país.
Como é que se pôde chegar, então, a esse número preciso de 11,1 milhões de famílias carentes que necessitavam absolutamente da ajuda governamental? Suspeito que por cálculos aproximados quanto à renda disponível dos cidadãos, renda essa que é sempre subestimada para as faixas inferiores de rendimentos. Seja como for, se montou no Brasil um imenso programa de ajuda oficial que talvez não encontre paralelo no mundo: trata-se, afinal de contas, de toda uma “Argentina” vivendo no cartão magnético, segundo um cadastro que é conduzido pelos prefeitos e pelos órgãos oficiais (federais e locais) de assistência pública. Acredito, pessoalmente, que a tentação de superestimar o número de necessitados é enorme, nas diversas pontas do processo: políticos que queiram constituir uma clientela eleitoral, intermediários que queiram incluir o maior número de “necessitados” para demonstrar “produtividade” e os próprios interessados, enfim, pessoas pobres que não teriam nada contra receber mensalmente 50 ou 80 reais, um maná dos céus em face da sua pobreza real, independentemente de a quanto se eleve a sua pobreza efetiva (ou falta de renda). Devem existir, claro, aqueles que não são exatamente “sem renda”, mas aos quais não falta a cara de pau de se inscrever num programa absolutamente generoso de distribuição de verbas públicas, aparentemente quase sem contrapartidas: basta ser pobre e, plim-plim, pinga aquela verbinha no final (ou no começo?) do mês, apta a comprar o trivial costumeiro no empório da esquina.
Em condições normais, presumo que a massa de novos consumidores – desobrigados, ao que parece, de lutar pelo seu próprio alimento – poderia provocar certa inflação sobre os preços dos alimentos, pois o movimento corresponderia a uma elevação da demanda por esses bens de primeira necessidade sem que os próprios interessados estivessem participando do processo produtivo (uma vez que suspeito que, mesmo a agricultura familiar de subsistência, ficaria “prejudicada”, dispondo-se da alternativa de compra direta dos alimentos no empório da aldeia). Não parece ter ocorrido essa pressão inflacionista, uma vez que a oferta alimentar no Brasil permanece abundante, graças, em grande medida, à pujança da agricultura de mercado.
Mas, entendo, com meus modestos conhecimentos de economia, que a pressão sobre os mercados de trabalho já estejam se exercendo com toda uma sinalização negativa para a demanda de trabalho não especializado. Colhedores de algodão, de cana, de café podem se tornar arredios a um trabalho vil e mal pago, o que obrigará os produtores – capitalistas gananciosos, por certo – seja a elevar os salários pagos, seja empreender um movimento que redundará na mecanização ampliada de suas culturas, elevando, portanto, as cifras de desemprego (se é verdade que os contemplados do programa de ajuda freqüentam essas listas, do que duvido). As conseqüências serão, de todo modo, igualmente nefastas no plano da previdência social, pois um contingente enorme de trabalhadores que poderia ser formalizado no mercado de trabalho permanecerá à margem dos registros oficiais, sem deixar, contudo, de se bater às portas da previdência, quando a ocasião se apresentar. Já nos níveis mais baixos de salário isso ocorre com grande intensidade: por que contribuir agora sobre um salário mínimo – diminuindo a renda pessoal em 10%, aproximadamente – se a aposentadoria virá inevitavelmente, no futuro, exatamente no mesmo valor da remuneração de base? Os pobres podem não ter educação formal, mas não deixam de ser espertos...
Em qualquer hipótese, um programa como esse parece fácil de ser criado, mas deve ser uma das coisas mais difíceis de terminar, ou diminuir. Ainda que os pobres não tenham acesso aos meios de comunicação e não costumam vir a Brasília reclamar “direitos”, eles votam, pelo menos a cada dois anos, e esse fator é um poderoso indutor político para a continuidade, e até a ampliação, de programas desse tipo. Finalmente, não se pode desprezar um contingente de algo como 20 milhões de votos, segundo calculo, incluindo ai os organizadores e os que capitalizam em cima da ajuda que eles não recebem, mas que ajudam a prestar.
Independentemente da existência de pobres e muito pobres no Brasil, o que não nego, tenho por mim que estamos criando um exército de assistidos que se constituirá em fator bastante negativo na conformação futura das políticas públicas, sobretudo setoriais. A nação está sendo dividida em “pagadores” e “recebedores” e isso não me parece bom no plano dos “costumes” sociais. Sempre achei que o trabalho deveria merecer remuneração adequada e que as pessoas devem encontrar uma forma de sustento pelo seu próprio trabalho, não pela benemerência pública, à exceção, obviamente, dos incapazes e necessitados absolutos. O país está assistindo à lenta elaboração de um novo tipo de apartheid, os do Bolsa-Família – um quarto, ao que parece, da população – e todos os demais, alguns até pobres, mas que não tiveram a “sorte” de entrar no programa oficial (mas que fariam algum esforço para entrar, suspeito, aumentando a pressão para a continuidade e a expansão do programa, a partir de seus níveis atuais).
Tenho por mim que ainda se aplica aquele antigo versinho de um nordestino também saído de uma região muito pobre, mas que se fez pelo seu esforço na grande cidade:
“Meu sinhô, uma esmola, para um pobre que é são,
Ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão...”

Brasília, 25 de agosto de 2007

Reflexao sobre a felicidade a partir de coisas simples... - Paulo Roberto de Almeida


Reflexão sobre a felicidade a partir de coisas simples...

Paulo Roberto de Almeida

“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”
Cora Coralina, poeta de Goiás (1889-1985)

Tomei conhecimento tardiamente da frase acima de Cora Coralina e, quando dela me “apossei”, constatei que outros milhares de leitores, um tribo imensa de curiosos, professores e candidatos a poetas já a tinham incorporado em centenas de outras citações, provavelmente esparsas e incompletas. O Google “devolveu” 107 mil resultados para uma busca (feita em novembro de 2007) com essas palavras entre aspas, o que, descontando as inúmeras repetições, consolida, ainda assim, vasto repositório de citações de uma frase simples e no entanto imensamente poética e cativante.
Creio, como muitos outros antes de mim, que a felicidade pode estar justamente nesse ato de ensino-aprendizado, que de fato me parece uma dupla atividade, nos dois sentidos captados pela poeta de Goiás velho. Sempre aprendemos algo tentando ensinar alguma coisa a outras pessoas, pois a própria atividade docente constitui um aprendizado constante. Eu pelo menos estou sempre lendo algo para melhorar minhas aulas, trazendo novos materiais em classe, enviando artigos aos alunos, esforçando-me para que eles consigam superar o volume forçosamente limitado daquilo que é humanamente possível transmitir em sala de aula.
Eu me permitiria acrescentar à singela constatação da poeta goiana uma outra fonte de felicidade, que aliás está implícita no seu sentido do ensino: o hábito da leitura. Aproveito para transcrever uma outra frase, de um escritor e dramaturgo conhecido, autor reputado popular, ainda que personalidade sabidamente complicada:
“Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer e com alegria”. Ariano Suassuna.
Creio poder dizer que eu não tenho apenas a paixão da leitura. Talvez minha atitude esteja mais próxima da obsessão, da compulsão, um verdadeiro delirium tremens na fixação do texto escrito, qualquer que seja ele, do mais simples ao mais elaborado. Quando digo obsessão, não pretendo de forma alguma referir-me a algo doentio, fora de controle, pois sou absolutamente calmo e controlado em minhas visitas a livrarias e bibliotecas: contemplo com calma cada lombada ou capa e apenas ocasionalmente retiro um livro para consultar seu interior. Não me deixo dominar pelos livros e de forma alguma sou um bibliófilo ou mesmo um colecionador de livros. Na verdade, não consigo me enquadrar em nenhuma categoria dessas que supostamente compõem o mundo dos amantes de livros.
Para começar, não tenho nenhum respeito pelos livros, nenhuma devoção especial, nenhum cuidado em manuseá-los ou guardá-los (muito mal, por sinal, pois acabo me perdendo na selva de livros que constitui minha caótica biblioteca, se é que ela merece mesmo esse título). Os livros, para mim, são objetos de uso, de consumo, de manuseio indiferente, eles só valem pelo seu conteúdo, como instrumentos de aquisição de um saber, que este sim, eu reputo indispensável a uma vida merecedora de ser vivida.
Não hesitaria um só instante em trocar todos os meus livros por versões eletrônicas, se e quando esse formato se revelar mais cômodo e mais interessante ao manuseio e leitura. Não hesito em sacrificar um livro se devo lê-lo em condições inadequadas, pois o que vale é o que podemos capturar em seu interior, não sua aparência externa ou sua conservação impecável. Ou seja, não sou um colecionador de livros, sou um “colhedor” de leituras, um agricultor da página impressa, um cultivador do texto editado, eventualmente também um semeador de conhecimento a partir dessas leituras contínuas.
De fato, o que me permite ser professor, resenhista de livros (tudo menos profissional, já que só resenho os livros que desejo) e, talvez até, um escrevinhador contumaz, antes que de sucesso, é esse hábito arraigado da leitura ininterrupta, em toda e qualquer circunstância, para grande desespero de familiares e outros “convivas”. Estou sempre lendo, algumas vezes até quando dirijo carro – o que, sinceramente, não recomendo –, mas ainda não encontrei um livro impermeável à água para leitura na ducha (na banheira seria mais fácil, mas não tenho paciência para esse tipo de prática).
Creio que a felicidade pode ser encontrada nesse tipo de coisas simples: um bom livro, uma boa música, um ambiente acolhedor, um sofá confortável, o que, confesso, raramente acontece comigo. Acabo lendo na mesa do computador, segurando o livro com a perna e teclando de modo desajeitado ao anotar coisas para registro escrito do que li. Aliás, as duas mesas de trabalho que existem em meu escritório, já não comportam mais nenhum livro: as pilhas se acumulam dos dois lados do teclado, e a outra mesa já está alta de jornais, revistas e livros, muitos livros, que também se esparramam pelo chão, como as batatinhas daquele poema infantil.
Leitor anárquico que sou, tenho livros em processo de leitura espalhados pelos diversos cômodos da casa, um pouco em todas as partes, novamente para desespero dos familiares. Não creio que venha a mudar agora esses maus hábitos. O que me deixa mesmo pensativo é a dúvida sobre quantos anos ainda terei pela frente para “liquidar” todos os livros (meus e de outras procedências), que aguardam leitura. Preciso de mais 80 ou 100...

Brasília, 1838: 19 novembro 2007

Sobre mudar de ideias - Paulo Roberto de Almeida (2008)

Um texto de 2008, mas que preserva inteiramente sua validade...
Paulo Roberto de Almeida


Sobre mudar de idéias

Paulo Roberto de Almeida

É conhecida a resposta de John Maynard Keynes dirigida a alguém que lhe questionava a postura de mudar de opinião quando suas antigas idéias já não mais se encaixavam em novas circunstâncias; a crítica se referia especificamente ao fato de ele ter mudado sua orientação em política monetária logo após a depressão instalada na seqüência da crise de 1929. O economista britânico respondeu calmamente a seu interlocutor: “When the facts change, I change my mind. What do you do, sir?
Essa frase me veio à lembrança a propósito da questão que, no início de 2008, o site The Edge (http://www.edge.org/), especializado em ciência e pesquisa, apresentou à comunidade de cientistas. A cada início de ano, desde 1998, uma questão provocadora é colocada para reflexão de grande número de pesquisadores; esta foi a deste ano: “em que você mudou de opinião e por quê?” (As contribuições recebidas pelo The Edge em reação à questão do presente ano podem ser lidas aqui: http://www.edge.org/q2008/q08_index.html; para conhecer todas as questões feitas a cada ano, a partir de 1998, ver este link: http://www.edge.org/questioncenter.html).
O site defende a ciência, mas não apresenta posições dogmáticas ou sectárias. Seus argumentos podem ser resumidos nestas três afirmações: “quando o pensamento muda as suas idéias, isto é filosofia; quando Deus muda a sua opinião, isto é fé; quando os fatos mudam as suas idéias, isto é ciência”. Para orientar as respostas da questão anual de 2008, o site renovou os seus argumentos. “A ciência é baseada em evidências. O que acontece quando os dados mudam? Em que as descobertas ou argumentos científicos mudaram a sua opinião?”

Pois bem, sem pretender me colocar entre a comunidade de cientistas contatados pelo The Edge, ofereço, a seguir, um texto que pretende contribuir com esse tipo de reflexão.

Mudei quanto aos meios de tornar a sociedade mais inclusiva e como melhor “produzir” desenvolvimento econômico e maior justiça social. Quanto aos objetivos, continuo comprometido com a idéia de fazer do Brasil um país melhor para os seus cidadãos e, sobretudo, uma sociedade mais justa para os mais humildes. Ou seja, a minha idéia básica permanece a mesma, desde que me considero um cidadão ativo e comprometido com uma determinada “causa”, em torno dos 14 ou 15 anos de idade. Apenas os meios ou instrumentos para alcançar esse objetivo central é que mudaram significativamente desde algum tempo, aproximadamente dez anos depois de tomada aquela decisão básica.

Durante minha formação intelectual, na adolescência, aderi precocemente ao socialismo e às soluções estatais no que concerne a organização econômica da sociedade. Não se tratou apenas de uma adesão intelectual, isto é, derivada de leituras e influências intelectuais típicas da época – ou seja,o grande debate comunismo versus capitalismo do final dos anos 1950 e início dos 60, com a forte predominância do marxismo entre os intelectuais e universitários em geral –, mas também de uma escolha “prática”, derivada de minha condição social e situação econômica à época: vindo de uma família pobre, tive de trabalhar desde cedo e não podia, obviamente, dispor de muitos bens – brinquedos, bicicleta, roupas caras, clubes ou restaurantes – ou de facilidades que eram oferecidas a muitos dos meus colegas de estudo: férias com viagens, cursos de língua, ou, simplesmente, TV e telefone em casa. Nada disso estava ao meu alcance, senão pelo trabalho duro e contínuo.
Lancei-me, portanto, na militância socialista desde muito cedo, com o objetivo de mudar o Brasil para o que me parecia ser a “redenção dos mais pobres”, armado de todo o arsenal de idéias que eram as daquela época: confrontação de modelos de desenvolvimento (o socialismo aparentemente crescia mais rápido do que os regimes capitalistas, e deveria, segundo Kruschev, superá-los em mais alguns anos); reforma agrária radical em benefício dos camponeses pobres (como prometiam os modelos chinês e cubano); promoção da educação das massas (e esta parecia ser a grande atração do socialismo para países como os latino-americanos); industrialização rápida (essa parecia ser a única justificativa do stalinismo); avanços científicos (o Sputnik era a prova disso); tudo isso, de acordo com o historicismo marxista, no exato sentido da história, do progresso, do avanço inelutável dos modos de produção, que prediziam que o socialismo iria fatalmente superar o capitalismo, de acordo com as análises aparentemente inatacáveis de Marx e Engels.
A opção era tanto mais aceitável em países como os latino-americanos quanto as oligarquias locais eram de fato reacionárias, opostas aos direitos trabalhistas dos “servos dos latifúndios”, ao passo que as burguesias já tinha renunciado a qualquer “projeto nacional”, preferindo aliar-se ao imperialismo na exploração das massas trabalhadoras. No plano intelectual, as ciências sociais no âmbito universitário eram inegavelmente influenciadas pelo marxismo ou por diferentes vertentes do socialismo, o que nos conduzia naturalmente a preconizar a “revolução socialista”, a tomada do poder pelo partido da vanguarda – não havia clareza quanto à identidade do partido, pois o Partidão, o PCB, já era considerado reformista, conciliador, aliado da burguesia nacional, e portanto, incapaz de conduzir a revolução à sua versão mais radical – e a construção do socialismo, após uma “breve fase” de ditadura do proletariado. O que mais nos seduzia era o modelo cubano, não aqueles soviéticos sem graça, burocratas sem alma, e tampouco os chineses, que até o momento da gloriosa Revolução Cultural permaneciam misteriosos para a maior parte dos militantes da causa.
Não preciso retomar aqui o itinerário de ascensão de “lutas populares” contra a ditadura militar no Brasil, a passagem (equivocada) à luta armada e todo o cortejo de tragédias individuais e coletivas que se abateu sobre os militantes a partir do endurecimento do regime, em 1968-69, e do recrudescimento da repressão sobre os movimentos de esquerda, não só os armados. Mesmo o Partidão, que não passou à luta armada, sofreu duramente durante os chamados “anos de chumbo”, quando os limites da legalidade – ou do simples respeito aos direitos humanos – foram rompidos pelas chamadas “forças da repressão”. Para resumir: saí do Brasil, como vários outros de minha geração (colegas de luta, inclusive), embora, no meu caso, o tenha feito em relativa legalidade, sem fuga e dotado de passaporte próprio.

Creio que comecei a mudar de opinião desde minha chegada ao meu primeiro local de “exílio voluntário”, a então República Socialista da Tchecoslováquia, recém entrada na repressão que seguiu à invasão militar soviética para liquidar a chamada “primavera de Praga”. Cheguei sem bolsa e sem visto de permanência, à diferença de alguns colegas que tinham conseguido admissão na Universidade 17 de Novembro, dedicada à “solidariedade socialista” com estudantes do Terceiro Mundo. Abrigado provisoriamente na residência universitária de Praga, chegado em pleno inverno de 1970-71, comecei a tomar contato com a burocracia socialista ao mesmo tempo em que lia o grande livro, “O Processo”, do escritor tcheco por excelência, Franz Kafka, numa tradução para o espanhol editado pela Casa de las Américas, de Cuba. O clima kafkiano era exatamente aquilo que eu via, no contato com as autoridades e na vida diária. O ambiente de penúria diária, a falta de produtos básicos, a rusticidade da vida “normal” logo me apareceram como características básicas do socialismo.
A atenta observação da realidades nesses países – eu viajei para alguns dessa área –, a constatação clara de que a mentira era uma forma de vida, a repressão burra, estúpida, contra as idéias e materiais do Ocidente me fizeram refletir sobre a natureza do socialismo. Para me informar sobre o que estava se passando no mundo, e até no próprio socialismo, eu tinha de ir ler o Le Monde na Alliance Française de Praga, um dos poucos lugares onde se podia ler revistas e jornais ocidentais. Eu ficava também observando as velhas senhoras freqüentadoras do local, damas vistosas, a despeito de suas roupas fora de moda e seu ar melancólico. Minha conclusão foi inevitável: além de todas as misérias materiais, evidentes na vida diária, o que o socialismo mais produzia eram mesquinharias morais, uma pobreza ética, um reino da mentira.
Depois de alguns meses abandonei o socialismo e viajei para o capitalismo, vindo a instalar-me em Bruxelas, na Bélgica, onde retomei os estudos de ciências sociais, começados e abandonados na USP. Continuei viajando, sempre que possível, tanto para o socialismo quanto para os países capitalistas, assim como estabeleci, para mim mesmo, um imenso programa de leituras, obviamente centradas (ainda) no marxismo, o que me converteu em um “rato de biblioteca”, voltado para um intenso estudo dos clássicos do pensamento socialista e em várias outras áreas de ciências sociais na biblioteca do Instituto de Sociologia da Universidade de Bruxelas.

Minha “mudança de idéias” derivou, portanto, não apenas de um atento estudo dos processos sociais, em perspectiva histórica, mas igualmente de uma observação atenta da realidade, com destaque para os “socialismos realmente existentes”. Não era possível lutar por um regime como aqueles, no Brasil, e o novo ideal seria buscado na direção das social-democracias européias, ou seja, do socialismo reformista. Eu ainda mudaria substantivamente de idéias nesse mesmo terreno, sobretudo no que se refere às formas de organização econômica da sociedade, afastando-me gradualmente do estatismo ainda exacerbado no socialismo reformista (com a melhor das intenções, cabe sublinhar).
Quanto às razões dessa mudança, elas estão inteiramente na linha aquilo que o The Edge apresenta como argumento para o pensamento científico: “quando os fatos mudam as suas idéias, isto é ciência”. Os fatos são as observações diretas, tiradas de minha experiência nos diversos socialismos que pude conhecer, assim como o mesmo exercício conduzido nos vários capitalismos realmente existentes que fui conhecendo em minhas viagens, para países desenvolvidos e “subdesenvolvidos”, sem qualquer tipo de preconceito contra os fatos coletados. Tudo isso foi colocado na perspectiva da história, uma convivência constante, fiel e extremamente benéfica para a correta avaliação das realidades contemporâneas, retirada de um imenso cabedal de leituras, de todos os tipos. Acredito ter lido a quase totalidade da literatura marxista conhecida, assim como busquei todas as outras opiniões e argumentos em estudos especializados de todas as linhas filosóficas e políticas.
Atualmente não me considero nem socialista, nem liberal (no sentido inglês da expressão), tão simplesmente um cidadão bem informado, um estudioso que se pauta por um extremo rigor na avaliação das fontes e que prima, antes de mais nada, pela honestidade intelectual e pela racionalidade plena, em todos os seus sentidos. Minhas opiniões podem ser encontradas nos muitos livros e artigos que publiquei, assim como nos textos que divulgo no meu site ou nos meus blogs. Elas poderiam ser resumidas, como segue, retomando aqui uma inserção informativa nos meus blogs: “Minhas preocupações cidadãs voltam-se para os objetivos do desenvolvimento nacional, do progresso social e da inserção internacional do Brasil. Entendo que quatro das condições básicas para que tais objetivos sejam atingidos podem ser resumidas como segue: uma macroeconomia estável, uma microeconomia competitiva, uma alta qualidade dos recursos humanos e a abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.”
Acredito que pautei minha carreira acadêmica e profissional pelos princípios da honestidade intelectual e pela busca do bem comum. Por isso, mudei de idéias. Acho que vou continuar mudando, sempre quando isso for o resultado de dados objetivos e de argumentos racionais. Isto é ciência. Basta-me isso...

[Brasília, 14.02.2008; revisão: 25.06.2008]

domingo, 10 de janeiro de 2016

Joseph Stigliz, o premio Nobel que precisa aprender economia (ou pelo menos políticas comerciais)

Raras vezes, ou praticamente nunca, eu concordo com o que diz esse Prêmio Nobel "unicampista" (mas da Columbia University) Joseph Stiglitz. Desta vez NÃO é exceção. Não que eu discorde fundamentalmente do acordo de Paris (2015) sobre mudanças climáticas, que acho apenas inócuo, ainda que aponte possivelmente para uma boa direção: a diminuição do componente fóssil, não renovável, na matriz energética mundial, em favor dos renováveis e a diminuição da emissão dos gases de efeito estufa na atmosfera (não que eu acho que isso venha a fazer uma grande diferença na escala geológica, mas vamos deixar esse pessoal tranquilo). É que eu acho que mercantilismo -- ou seja, substituição de mecanismos de mercado e de formação de preços nas interações livres entre produtores e consumidores, por burocratas governamentais e internacionais decidindo o que pode e o que não pode fazer na economia -- nunca resolveu nada na vida real, e só tende a distorcer ainda mais a avaliação da raridade relativa dos bens, que é o que importa.
Mas vejamos o que diz esse economista que parece não ter aprendido o beabá das políticas comerciais: "Furthermore, a “most favoured nation” provision ensures that corporations can claim the best treatment offered in any of a host country’s treaties. That sets up a race to the bottom – exactly the opposite of what US President Barack Obama promised."
Stiglitz se engana redondamente, no caso quadradamente: MFN NUNCA significou que o mais alto padrão de um determinado país represente a norma universal para todos os países, e ele não sabe do que está falando. MFN significa simplesmente que um país, ao estabelecer os SEUS PADRÕES NACIONAIS, e ao entrar em acordo com outros países, para comércio, investimentos, ou quaisquer outras coisas, não pode simplesmente dar um melhor tratamento a um do que a outro, e toda e qualquer medida que esse país introduza, de acordo com a sua SOBERANIA NACIONAL que seja mais favorável a um determinado parceiro de UM ACORDO é estendido, unilateral e ilimitadamente, sem qualquer tipo de discriminação a TODOS OS DEMAIS parceiros DAQUELE acordo, e apenas daquele acordo, sem valer para terceiros.
ENTENDEU Mr. Stiglitz? Faça um cursinho rápido de política comercial antes de escrever bobagens...
Incidentalmente: eu não acho o TPP a maior maravilha, acho apenas que se trata de mais um acordo mercantilista, igual a dezenas de outros, dentro ou fora do Gatt-OMC. Apenas acho que esse acordo não é melhor ou pior do que outros que existem por ai.
O "first best", seria a abertura comercial unilateral, ou seja, o livre-comércio universal, sem precisar negociar com ninguém, apenas abrindo seu próprio mercado ao todos os países do mundo. Mas, como os políticos não permitem essa simples medida de racionalidade econômica, melhor ter um acordo mercantilista que liberalize um pouco o comercio, ainda que com todas as restrições e salvaguardas protecionistas e subvencionistas, do que não ter acordo nenhum, correto.
Portanto: o que Mr. Stiglitz deveria estar promovendo é o livre comércio, não "melhores acordos comerciais". Isso simplesmente não faz sentido: o melhor acordo comercial é a abertura unilateral.
Ponto. Entendeu, Mr. Stiglitz?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10/01/2016

In 2016, let's hope for better trade agreements - and the death of TPP



Japanese protesters oppose Trans-Pacific Partnership trade talks in Atlanta, USA
The Trans-Pacific Partnership may turn out to be the worst trade agreement in decades

Japanese protesters oppose Trans-Pacific Partnership trade talks. Obama has sought to perpetuate business as usual, whereby the rules governing global trade and investment are written by US corporations for US corporations. Photograph: Steve Eberhardt/Demotix/Corbis

Last year was a memorable one for the global economy. Not only was overall performance disappointing, but profound changes – both for better and for worse – occurred in the global economic system.
Most notable was the Paris climate agreement reached last month. By itself, the agreement is far from enough to limit the increase in global warming to the target of 2ºC above the pre-industrial level. But it did put everyone on notice: the world is moving, inexorably, toward a green economy. One day not too far off, fossil fuels will be largely a thing of the past. So anyone who invests in coal now does so at his or her peril. With more green investments coming to the fore, those financing them will, we should hope, counterbalance powerful lobbying by the coal industry, which is willing to put the world at risk to advance its shortsighted interests.
Indeed, the move away from a high-carbon economy, where coal, gas, and oil interests often dominate, is just one of several major changes in the global geo-economic order. Many others are inevitable, given China’s soaring share of global output and demand. The New Development Bank, established by the Brics (Brazil, Russia, India, China, and South Africa), was launched during the year, becoming the first major international financial institution led by emerging countries. And, despite Barack Obama’s resistance, the China-led Asian Infrastructure Investment Bank was established as well, and is to start operation this month.
The US did act with greater wisdom where China’s currency was concerned. It did not obstruct the renminbi’s admission to the basket of currencies that constitute the International Monetary Fund’s reserve asset, Special Drawing Rights (SDRs). In addition, a half-decade after the Obama administration agreed to modest changes in the voting rights of China and other emerging markets at the IMF – a small nod to the new economic realities – the US Congress finally approved the reforms.
The most controversial geo-economic decisions last year concerned trade. Almost unnoticed after years of desultory talks, the World Trade Organization’s Doha Development Round – initiated to redress imbalances in previous trade agreements that favored developed countries – was given a quiet burial. America’s hypocrisy – advocating free trade but refusing to abandon subsidies on cotton and other agricultural commodities – had posed an insurmountable obstacle to the Doha negotiations. In place of global trade talks, the US and Europe have mounted a divide-and-conquer strategy, based on overlapping trade blocs and agreements.
As a result, what was intended to be a global free trade regime has given way to a discordant managed trade regime. Trade for much of the Pacific and Atlantic regions will be governed by agreements, thousands of pages in length and replete with complex rules of origin that contradict basic principles of efficiency and the free flow of goods.
The US concluded secret negotiations on what may turn out to be the worst trade agreement in decades, the so-called Trans-Pacific Partnership (TPP), and now faces an uphill battle for ratification, as all the leading Democratic presidential candidates and many of the Republicans have weighed in against it. The problem is not so much with the agreement’s trade provisions, but with the “investment” chapter, which severely constrains environmental, health, and safety regulation, and even financial regulations with significant macroeconomic impacts.
In particular, the chapter gives foreign investors the right to sue governments in private international tribunals when they believe government regulations contravene the TPP’s terms (inscribed on more than 6,000 pages). In the past, such tribunals have interpreted the requirement that foreign investors receive “fair and equitable treatment” as grounds for striking down new government regulations – even if they are non-discriminatory and are adopted simply to protect citizens from newly discovered egregious harms.
While the language is complex – inviting costly lawsuits pitting powerful corporations against poorly financed governments – even regulations protecting the planet from greenhouse gas emissions are vulnerable. The only regulations that appear safe are those involving cigarettes (lawsuits filed against Uruguay and Australia for requiring modest labeling about health hazards had drawn too much negative attention). But there remain a host of questions about the possibility of lawsuits in myriad other areas.
Furthermore, a “most favoured nation” provision ensures that corporations can claim the best treatment offered in any of a host country’s treaties. That sets up a race to the bottom – exactly the opposite of what US President Barack Obama promised.
Even the way Obama argued for the new trade agreement showed how out of touch with the emerging global economy his administration is. He repeatedly said that the TPP would determine who – America or China – would write the twenty-first century’s trade rules. The correct approach is to arrive at such rules collectively, with all voices heard, and in a transparent way. Obama has sought to perpetuate business as usual, whereby the rules governing global trade and investment are written by US corporations for US corporations. This should be unacceptable to anyone committed to democratic principles.
Those seeking closer economic integration have a special responsibility to be strong advocates of global governance reforms: if authority over domestic policies is ceded to supranational bodies, then the drafting, implementation, and enforcement of the rules and regulations has to be particularly sensitive to democratic concerns. Unfortunately, that was not always the case in 2015.
In 2016, we should hope for the TPP’s defeat and the beginning of a new era of trade agreements that don’t reward the powerful and punish the weak. The Paris climate agreement may be a harbinger of the spirit and mindset needed to sustain genuine global cooperation.

China: desenvolvimento econômico até 2050 - José Ignacio Martínez Cortés

Estudios

China 2050: Base 2030

Observatorio de lá Política China, 23/11/2015

José Ignacio Martínez Cortés, Profesor e investigador adscrito al Centro de Relaciones Internacionales de la FCPyS de la UNAM.


En recientes años la economía mundial ha tenido grandes transformaciones motivadas por la innovación tecnológica y la internacionalización del capital, con lo cual en el comercio internacional hoy predomina la exportación e importación de productos, mercancías y servicios con mayor valor agregado, y han perdido presencia en los mercados internacionales aquellos países que no han logrado transformar su proceso productivo. De hecho, a partir de la década de 1950 el sector que más ha crecido en el comercio internacional es el manufacturero (cuadro 1), en el que se plasma la innovación tecnológica de las últimas décadas.

Os chineses leem os livros de Kissinger... sobre a China

Hablando de los libros sobre China de Henry Kissinger

Observatorio de lá Política China, 15/12/2015
Autor del comentario:

Enrique E. Yang


Siendo la estrategia estatal un foco en la comunicación social china, las versiones chinas de El Orden Mundial y Sobre China, los dos últimos libros de Henry Kissinger, editadas respectivamente en agosto 2015 y octubre 2012, en volúmenes de 570 y 618 páginas, siguen disfrutando de un lugar destacado en la venta on line e incluso en puestos ambulantes de libros.

Estudioso de por vida en el internacionalismo y siempre al servicio del gobierno de los Estados Unidos, el Dr. Kissinger no escatima esfuerzos en defender los intereses de su nación, pero sus fundamentaciones apoyadas en análisis histórico y raciocinio lógico difieren radicalmente de aquellas tristemente célebres propagandas con identificado estigma utilitarista. 

La paz mundial nunca ha sido estable por carencia de garantías firmes. Su ruptura se repetía más de una vez a causa de una expansión inesperada de alguna fuerza y la consecuente pérdida del equilibrio existente entre diversas partes. En el mundo actual en que el pluralismo político está en boga, no suele haber ni disposición moral ni coincidencia política entre diferentes polos.  Los estadistas idealistas  norteamericanos, adeptos a la fraternidad, igualdad y libertad, pilares de la configuración de su Estado, no encuentran medios para llegar pronto a una reconciliación a escala mundial con esos valores que creen universales. 

La revolución china pudo triunfar, democracia y libertad como banderas en alto, y ha permitido una nueva potencia que reforzando herencias sociales sospechosas como compromiso actual y emergiendo con impetuoso avance militar, enfrenta con rechazo categórico “intervenciones  en asuntos internos” mientras sigue sin tapujos en represión interna y en estímulos a favor de “una guerra inevitable”. No obstante, el Dr. Kissinger estima las cosas en un tono más o menos optimista al sostener que inclusive en la época de un posible exterminio total de las dos partes en caso de guerra termonuclear, sería muy poco probable que China, tan enredada en enormes compromisos internos,  se lanzara a una resistencia estratégica, y EEUU tendría necesidad de insertar en su ejercicio político reflexiones realistas sobre los valores que otros defienden. Así que sería probablemente económica y social, en vez de militar, la competencia que se desarrollase entre EEUU y China.

Ocupa un lugar prominente en el discurso del autor la inquietud por la reforma-apertura china que arrancó en los tiempos de  Deng Xiaoping. Pregunta: ¿Es ésta una fatalidad histórica o un compromiso moral y espiritual?  El Dr. Kissinger, conocedor perfecto de China adonde ha viajado en más de 80 ocasiones, será de seguro el político occidental que más contactos directos tuvo con los máximos líderes chinos a partir de Mao. Se ha valido de informaciones de primera mano, recogidas personalmente en regateos políticos de máximo nivel entre EEUU y China, para constatar la evolución de China frente a EEUU y dilucidar de modo discreto pero contundente lo misterioso y accidentado que era el recorrido político soportado por las autoridades chinas.  Inciden en limpio la descripción de cada uno de sus interlocutores y la presentación de prósperos  juicios particulares, denotando su competente penetración en trasfondos diversos y su capacidad sofisticada para el análisis psicológico. Conoce las vicisitudes de China probablemente mucho mejor que los chinos preocupados del destino del país, con cargos oficiales o con iniciativas no gubernamentales.  Mirando desde amplios horizontes  histórico e internacional, se declara en favor de una sinergia EEUU-China como potencias estrellas en la causa constructiva mundial en vez de una colisión frontal que supondría una total catástrofe fatal, y advierte no sin inquietud que el mundo vive justamente ahora un momento crítico para la decisión. 

Independientemente del motivo del autor y de la editorial para publicar y traducir de modo algo sensacional estos libros, éstos proporcionan cuantiosos datos fiables, muchas veces eclipsados de alguna manera, que ayudan indudablemente al lector en nuevas reflexiones, y académicamente constituyen un prototipo de análisis socio-científico, una referencia importante para esclarecer las cuestiones difíciles de China y dominar bien la metodología en estudios internacionales.

RBPI: os pareceristas desconhecidos finalmente se tornam conhecidos

09-Jan-2016

Dear Dr. Paulo Roberto de Almeida:

We would like to thank all of the RBPI reviewers from over the past year - http://www.ibri-rbpi.org/?p=14787

Sincerely,

The Editorial Team

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Many colleagues, professors and researchers from several institutions, provided us with their enlightening reviews and supported our Journal in so many ways.

We are deeply grateful for the generous use of their time that helped us to run the Revista Brasileira de Política Internacional (http://www.scielo.br/rbpi) in 2015:

Altemani de Oliveira, Henrique - Universidade Estadual da Paraíba
Alvarez, Luis - University of California, Los Angeles
Asal, Victor - State University of New York at Albany
Barder , Alex - Florida International University
Bertonha, João Fábio - Universidade Estadual de Maringá
Bruneau, Thomas - Naval Postgraduate School
Caixeta Arraes, Virgílio - University of Brasília
Carvalho Pinto, Vânia - University of Brasília
Cepik, Marco - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Cervo, Amado - University of Brasília
Chaves de Rezende Martins, Estevão - Universidade de Brasília
Chernoff, Fred - Colgate University
Cherry, Robert - Brookly College
Cortinhas, Juliano - Ministério da Defesa
Costa Leite, Iara - Universidade Federal de Santa Catarina
Costa Vaz, Alcides - Universidade de Brasilia
Cunha, Raphael - Ohio State University
de Almeida, Paulo Roberto - Centro Universitário de Brasília
De Matos-Ala, Jacqueline - University of Witwatersrand
de Souza Farias, Rogério - University of Chicago
Duque, Marina - Ohio State University
Esteves Duarte, Érico - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Flores, Fidel - Universidade de Brasília
Frueh, Jamie - Bridgewater College
Galindo, George - Universidade de Brasília
Goucha Soares, Antonio - Universidade de Lisboa
Guimarães, Maria - Universidade do Minho
Henokl, Thomas - University of Agder
Hochstetler, Kathryn Ann - University of Waterloo
Horovitz, Liviu - ETH Zurich
Hurrell, Andrew - University of Oxford
Inoue, Cristina - Universidade de Brasília
Jackson, Patrick - American University
Kenanoglu, Pinar Dinc - University of London
Kenkel, Kai - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Krain, Matthew - The College of Wooster.
Kubalkova, Vendulka - University of Miami
Lantis, Jeffrey - The College of Wooster.
Las Casas, Taiane - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Lasmar, Jorge - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Lessa, Antônio Carlos - University of Brasília
Lightfoot, Simon - University of Leeds
Liu, Tony Tai-Ting - National Chung Hsing University
Owen IV, John - University of Virginia
Mansfield, Andrew - University of Sussex
Mazzuoli, Valerio - Universidade Federal de Mato Grosso
Merke, Frederico - Universidad de San André
Miyamoto, Shiguenoli - Universidade de Campinas
More, Rodrigo - Universidade Católica de Santos
Moreli, Alexandre - Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
Nolte, Detlef - GIGA Institute of Latin American Studies
O'Mahoney, Joseph - Seton Hall University
Onuki, Janina - Universidade de São Paulo
Ostos, Maria del Pilar - Universidad Nacional Autónoma de México
Palacios Jr, Alberto - Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo
Peltonen, Hannes - University of Tampere
Pinheiro, Letícia - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Platiau, Ana Flávia - Universidade de Brasília
Proença Júnior, Domício - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ramanzini Júnior, Haroldo - Universidade Federal de Uberlândia
Rodrigues, Thiago - Universidade Federal Fluminense
Rosamond, Ben - University of Copenhagen
Roy, Joaquin - University of Miami
Rudzit, Gunther - Faculdades Rio Branco
Santa-Cruz, Arturo - Universidad de Guadalajara
Saraiva, Míriam Gomes - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Seabra, Pedro - Universidade de Lisboa
Seghezza, Elena - University of Genova
Stuenkel, Oliver - Fundação Getúlio Vargas
Thompson, William - Indiana University
Vermeiren, Mattias - University of Ghent
Villa, Rafael Duarte - Universidade de São Paulo
Viola, Eduardo - Universidade de Brasília
Tickner, Arlene- Universidad de los Andes
Yamato, Roberto - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Crise brasileira de 1998-99: Clinton e Blair ajudam o Brasil, a despeito de sermos antiamericanos

Transcrição de ligações de Clinton e Blair nos anos 90 mostram preocupação com crise econômica no Brasil

Jamil Chade, correspondente / Genebra - O Estado de S. Paulo 

Conversas sigilosas divulgadas nessa sexta-feira mostram que líderes temiam o sentimento antiamericanista no País; para Clinton, Republicanos poderiam transformar EUA num 'Brasil melhorado'

GENEBRA - O ex-presidente dos EUA Bill Clinton se queixou do 'antiamericanismo' no Brasil, mas no final dos anos 90 tentou convencer os demais governos ricos a sair ao resgate do País, diante da crise financeira enfrentada na época. Mais de 500 páginas de transcrições de suas conversas confidenciais com o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair foram publicadas nesta sexta-feira, 8, e revelam diálogos telefônicos dos líderes entre 1997 e 2000, quando ambos estavam no poder. 

Nessas conversas, Clinton chega a acusar os políticos do Partido Republicano de quererem transformar os Estados Unidos num "Brasil melhorado", com "ricos atrás de portões" e "famintos que não poderiam chegar neles". 

Página mostra trecho de conversa entre Bill Clinton e Tony Blair em 1998, quando os dois eram líderes dos EUA e da Grã-Bretanha, respectivamente

Página mostra trecho de conversa entre Bill Clinton e Tony Blair em 1998, quando os dois eram líderes dos EUA e da Grã-Bretanha, respectivamente

As transcrições foram publicadas pelo Clinton Presidencial Library. Num raro mergulho sobre a franqueza de um debate entre dois dos principais líderes de sua geração, os documentos revelam como Londres e Washington multiplicavam ligações a cada semana e como, em dezenas de temas, tentavam adotar uma posição conjunta. 

Nas conversas, Clinton chama George W. Bush de uma "fraude" que "nunca poderia estar preparado para ser presidente".  O líder americano também rejeita uma proposta para assassinar Saddam Hussein ou Slobodan Milosevic, chama o Congresso do seu país de "reacionário" e não mede palavrões em alguns momentos. Os documentos também mostram como líderes podem se enganar sobre quem seriam seus aliados. Vladimir Putin, por exemplo, é considerado por Clinton como alguém "com potencial". 

O clima entre "Bill" e "Tony" enquanto comandavam seus países era de amizade, com perguntas sobre como haviam dormido e até um pedido inusitado do americano para que o primeiro-ministro continuasse na linha enquanto ele abria a porta de onde estava para que o cachorro pudesse sair ao jardim. Clinton brincou que iria ser cidadão britânico quando deixasse o governo, contou sobre a vida de sua filha e até se ofereceu para ser baby-sitter do novo filho de Blair. 

O que as dezenas de conversas divulgadas nesta sexta-feira também deixam claro é uma preocupação com o Brasil e a aliança com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. "Sobre Florença, fico satisfeito que deixamos Cardoso vir", disse Clinton em relação a um encontro de cúpula do G-7 na Itália em 1999 que teve o Brasil como convidado. 

Numa conversa em 31 de julho de 1998, Clinton também se queixa da atitude que existiria no Brasil e na França em relação aos EUA. "França e Brasil são dois países que tem governos permanentes, para o bem ou para o mau, mas têm um antiamericanismo inato que tinge a atmosfera", criticou. Ainda assim, o democrata insistia com frequência sobre a necessidade de ajudar o Brasil. 

No centro do debate entre os dois sobre o Brasil estava a crise financeira que atraía todas as atenções. No dia 2 de outubro de 1998, falando de um avião, Clinton alertou Blair sobre a "crise financeira" afetando os emergentes e apoiou a ideia de linhas de crédito bilaterais. Apesar de indicar que os alemães eram contrários, ele insistiu que essa seria a saída. "Estou muito preocupado com essa crise afetando a América Latina, em especial o Brasil", disse. "Os bancos europeus tem tanta exposição nesses empréstimos que temos um risco de uma recessão mundial. Precisamos de algum tipo de acordo." 

Blair então respondeu: "não acho que tenhamos visto o pior disso ainda". Clinton concordou, mas insistiu em sua proposta. "Não. Mas se agirmos rapidamente poderemos evitar que o Brasil seja levado abaixo", afirmou.  

No dia 6 de outubro, em outra conversa, a preocupação de Clinton era de que a crise econômica não se proliferasse pela América Latina e, para isso, ele planejava acordos no G7 para lidar com a situação. Sua preocupação com o Brasil, porém, era ainda mais nítida.

"O grande teste agora é o que ocorrerá com o Brasil", disse Clinton. O americano lembra que Fernando Henrique Cardoso havia vencido as eleições, dois dias antes, mas que a crise não estava resolvida. "Eles tem menos de US$ 40 bilhões de reservas (em espécie) agora e não acho que ele consegue segurar por três semanas sem dizer qual é sua proposta para reformas", alertou. "Se o Brasil cair, todos nós iremos de lidar com isso."

Menos de dez dias depois, em 14 de outubro, outra vez a crise financeira brasileira aparece no radar dos dois líderes. Ao debaterem estratégias para lidar com a situação nos países emergentes, Clinton defendeuuma ação rápida no Brasil. "Quanto mais esperarmos, maior a chance de um colapso que vai custar muito dinheiro para arrumar", disse. 

"Acho que precisamos de uma linha clara para ajudar o Brasil e evitar que a América Latina caia nessa. Os riscos de não termos sucesso são maiores do que quando ajudamos o México", disse. "Mas os riscos serão minimizados se simultaneamente tivermos uma estratégia completa de curto prazo, incluindo para ajudar esses países, mas não apenas para eles." O ex-presidente americano foi além sobre sua intenção de ajudar FHC. "Precisamos mostrar que estamos sendo sérios sobre o Brasil. 

No dia 21 de janeiro de 1999, a crise voltaria à pauta dos dois líderes. Clinton contou a Blair como Carlos Menem, ex-presidente da Argentina, o havia visitado. "Ele tem uma grande política econômica", disse. Sobre o Brasil, porém, Clinton lamentou. "O país está tremendo."  

Desigualdade. O americano parecia entender bem a situação de desigualdade social no Brasil. Em 18 de junho de 1999, ele se queixou com Blair sobre os Republicanos no Congresso. "Eles simplesmente querem cortar impostos para todos. Querem colocar os ricos atrás de portões para que os famintos não cheguem a eles", alertou. "Basicamente querem um Brasil melhorado para os EUA", disparou Clinton. "É horrível, mas acho que conseguiremos vencer."

Sobre o restante da América Latina, Clinton não economizaria críticas. Falando sobre a disputa comercial relativa às exportações de bananas, o americano ironizou: "a América Central e Caribe parecem garotos de escola se queixando. Ele deveriam pensar em seus interesses comuns", completou.