Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
A frase da semana: Jean Cocteau
Jean Cocteau
Gostei: preciso achar algo impossível para fazer...
Ficar rico, talvez?
Não, acho que não vai dar certo, inclusive porque vivo torrando meu dinheiro em livros.
Voilà! Encontrei: ler e fichar todos os livros de minhas duas bibliotecas.
E arrumá-las também.
Encontrei minhas duas tarefas impossíveis...
Paulo Roberto de Almeida
"Não se muda já como soía" - Camões
A diferença ente a minha postura e a de muitos que estão por aí, se posicionando adequadamente em relação aos novos tempos, aos novos ares, novas posturas e pensamentos, é que eu nunca teria sido capaz de pronunciar certas palavras, defender certas posições e acatar certas instruções, com a mesma desenvoltura -- e até desfaçatez, pode-se dizer -- com que hoje eles fazem alegremente do alto de suas tribunas.
Existem limites para certas coisas. Existe um estômago que se revolta. Existem princípios que consideramos importantes. Existe uma dignidade pessoal a defender. Existe honestidade intelectual a respeitar e honrar. Existe sobretudo vergonha na cara...
Ainda bem que Camões já tinha feito a advertência cinco séculos atrás...
Paulo Roberto de Almeida
As diferenças entre Racismo e Escravismo - José Augusto Conceição
Encontrei o texto particularmente esclarecedor e por isso o estou transcrevendo aqui, como informação e como formação sobre duas questões igualmente importantes na história e no presente da sociedade brasileira.
Não consegui contactar o autor, para pedir sua autorização, mas admito que ela está dada implicitamente, já que o texto se encontrava num espaço público, ao alcance de qualquer leitor.
Paulo Roberto de Almeida
As diferenças entre Racismo e Escravismo
José Augusto Conceição
O escravismo (moderno) e o racismo nada têm em comum.
As razões porque se adotou o regime de trabalho escravo foram de ordem econômica e, repousaram, basicamente no custo da empresa colonizadora. Assalariar a mão-de-obra a inviabilizaria dado o contingente necessário a sua realização.
Convém lembrar que nas Américas espanhola e portuguesa a primeira opção foi recorrer a mão-de-obra indígena que, já disponível no lugar, poupava o valor da compra, do transporte e da tributação. No entanto, especialmente em razão da tributação, se optou, sobremaneira na América portuguesa, pela importação de mão-de-obra africana.
A questão tributária parece explicar, inclusive, a defesa que fez a Igreja contra a escravidão dos indígenas. Visto que de todo tributo pago à Coroa a Igreja obtinha uma parcela (a redízima). O africano, sendo um “produto” importado era tributado; o ameríndio (já disponível na colônia) não o era.
Não houve, pois, nenhuma razão racial nisto, mesmo porque a ideologia racial ainda não se havia desenvolvido. Até, então, os principais elementos de distinçao se fundavam na religião e no estatudo do sangue.
O racismo se liga à consolidação dos Estados nacionais e à II Revolução Industrial, posto que o primeiro evento consolidou o princípio das nacionalidades (cada povo uma nação, cada nação um território), seguido do princípio da não-intervenção (nos assuntos internos dos Estados estrangeiros). Ao passo que o segundo evento, correspondente ao espraiamento do industralismo para a Europa continental e EUA, impôs a estes povos a necessidade de novos mercados de matérias-prima, mão-de-obra e consumo o que, no limite, obrigava (como continua obrigando) a que um invadisse os domínios do outro, em franca ofensa aos princípios expostos acima.
As teorias do chamado racismo científico serviram de fundamento preciso à intervenção dos “mais capazes” sobre os domínios territoriais e, via de consequência, econômicos, dos “menos capazes”, sob argumentos salvacionistas.
Em países como o Brasil, o racismo científico pavimentou o caminho para a reestruturação da pirâmide social no pós-abolição. Com ele se pode retardar, em coisa de 50 anos, o impacto que a igualdade legal concedida aos ex-escravos teria sobre a estratificação social, mais especificamente sobre a distribuição de benefícios sociais, renda e riqueza.
A questão mais importante para as populações negras na atualidade se situa precisamente neste ponto que trato agora. Já a partir da década de 1920 se vêem sinais de esgotamento das teorias racistas. A publicação de Macunaíma é um exemplo disto. Porém, de 30 em diante este processo ganha vigor, de um lado pelos trabalhos de Gilberto Freyre e seus pares, de outro pela política getulista, notadamente a que se desenvolveu durante os anos do Estado-Novo.
Já em fins da década de 50, especialmente em virtude do desfecho da guerra racial que consumiu o mundo entre 1939 e 1945, o racismo já havia perdido quase que totalmente sua força como demarcador social.
Ocorre que somado os séculos que o escravismo impediu os negros de participar do processo de acumulação primitiva de capitais, com o século que o racismo obstou ao negro o mesmo empreendimento, o tempo de que dispomos para tanto foi muito curto. A bem dizer, se restringe ao período que se inaugura em 1960 e que se estende aos dias de hoje. Isto explica a exclusão social do negro, sua ausência dos postos de comando do setor público e privado, sua recente ascenção à classe média etc.
Com isso, estou a afirmar que não é mais o racismo o que oblitera a mobilidade social ascendente das populações negras. O racismo é, sim, um problema que persiste no âmbito do imaginário social brasileiro exigindo, pois, instrumentos psicossociais para seu enfrentamento. Por exemplo, ações educativas e culturais como a inclusão, no currículo escolar, de conteúdos sobre a história da África e dos negros no Brasil. No entanto, o problema da mobilidade social das populações negras não se vai resolver com medidadas anti-racistas, posto que tal problema já não se relaciona mais com o racismo, desde os fins da década de 50. Tal problema só se resolverá quando completado o processo de acumulação primitiva de capital por parte desta população que por 4 séculos dele ficou excluída.
Sem termos clareza da distinção destes dois problemas que ora enfrentam as populações negras brasileiras, tendemos a propor soluções inócuas. Pior de tudo isso, tem sido acreditar que soluções bem-sucedidas em países estrangeiros serão, igualmente, bem-sucedidas no Brasil. Sem se considerar, por exemplo, que os EUA (de onde vem a idéia de affirmative action [ação efetiva]) teve, até o movimento dos direitos civis, um racismo de natureza institucional (jurídico/legal); enquanto o Brasil, desde sempre tem um racismo de natureza estrutural (psicossocial/cultural).
Por fim, devemos ainda atentar para o dado de que as populações negras já se encontram bastante diversificadas em classes, o que implica em variações expressivas de demandas sociais. Pois que a toda evidência, as demandas dos negros proletários não são as mesmas da classe média negra.
José Augusto Conceição
Ortografia também é cultura: a despedida do Trema (engraçadinho...)
Despedida do TREMA
Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.
Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disseram que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto eles ficam em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C medroso que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências!
Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...
Nós nos veremos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.
Adeus,
Trema.
China: o longo começo de uma queda inevitavel - David Pilling
Paulo Roberto de Almeida
What could bring down China’s rulers?
By David Pilling
Financial Times, February 24 2011
Sooner or later, all dynasties, even Chinese ones, come to an end. The Qin dynasty, which marked the start of imperial China in 221BC, lasted but 15 years. The Han, Tang, Song, Ming and Qing dynasties were far more enduring. But even they came and went. The same will happen to the latest dynastic incarnation – the People’s Republic of China, which has held for 62 years.
No one knows when, or how, the Communist party will lose power. China’s burgeoning wealth and growing international clout contain little obvious portent of imminent crisis. By the standards of its tumultuous and tragic history, China is having its best run in hundreds of years. But the Communist party itself – forever jumping at shadows – remains ultra-vigilant to the slightest hint of opposition. Its jitteriness was on full display this week in its heavy-handed crackdown on human rights lawyers and on last Saturday’s sub-Tahrir “Jasmine revolution”. In a previous column, I argued that the events in Egypt – and now Libya – did not resonate much in China. That was partially borne out by the scant response to an online call for a protest in cities across China. My colleague said the gathering outside a McDonald’s in Beijing – of all the places to start a Mickey Mouse revolution – was more like a meeting of the Foreign Correspondents’ Club, so heavily did journalists outnumber protesters.
But the state’s reaction – thuggish and out-of-proportion – makes me wonder. If there is really no appetite for rebellion in China, what is there to be so afraid of? More than 100 lawyers and activists have had their freedom curtailed, according to human rights groups. Jason Ng, a Beijing-based blogger, compared the authorities to “ants in a hot wok”. He reported that Renren.com, a social networking site, designated the word “tomorrow” sensitive the day before the aborted “revolution”. On the big day itself, “today” was treated as suspect. Now the call has gone up for weekly protests.
What could go wrong for the Communist party? Its legitimacy, at least in the past 30 years, stems almost entirely from its spectacular economic performance. That makes a faltering economy, and the social unrest that might follow, by far its biggest concern. With 10 per cent growth, you would have thought it could relax. But there are underlying concerns. One is inflation. The consumer price index, which rose 4.9 per cent in January, has stayed stubbornly above its 4 per cent target. Although the pace moderated last month, a persistent rise in food prices is a big concern in a country where food makes up 30 per cent of an average household’s spending.
The government has brought inflation under control before. It is taking aggressive action again, raising interest rates three times since October. But inflation could be stubborn. Labour shortages, partly due to demographics, threaten accelerated wage rises. The head of one company complained, with a touch of hyperbole, that “workers are God now”.
Another inflationary threat comes from ballooning money supply. Despite recent efforts to rein in lending, M2, which includes money in circulation and bank deposits, has risen more than 50 per cent in two years. Banks have been shovelling out credit, increasing off-balance sheet lending as a way around tighter controls. A slowing economy could expose non-performing loans. The building binge has moved decisively inland. Like dozens of other cities, Zhengzhou, capital of the poor inland province of Henan, is alive with cranes. A recent elevator ride inside one of its sleekest towers revealed a near-total absence of occupants. On most floors, the elevator shaft was blocked with wooden boards.
Much credit is going to infrastructure. A high-speed rail link has opened between Zhengzhou and Xi’an, in Shaanxi province, cutting the six-hour journey to two. But the sleek train ejects its passengers 18km outside Xi’an itself. The assumption is that Xi’an will spread out towards the station. If it does, China’s planners will be hailed as geniuses. But if growth slows, such Pharaonic projects might look a tad ambitious. The dismissal of the railway minister on suspicion of “severe disciplinary violations” does not look good.
The Communist party is hypersensitive to the problems that could arise if credit-fuelled growth stalled. The so-called “Wen Jiabao put” – the assumption that the government will ensure high growth until the political transition in 2012 – is likely to hold. Growth at 10 per cent covers numerous sins. But even at this pace, it cannot hide the concomitant social ills: land confiscations that are vital to state finances, corruption and a yawning wealth gap.
One woman in Chongqing complained that the ideal of taxation – “kill the rich, nurture the poor” – had been abandoned by a state that was spoiling its wealthy progeny. An academic said: “I believe more and more people realise this economic success cannot be sustained.” If that is true – even with the economy growing at full pelt – imagine what might happen in a slowdown.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
China: 30 mil chineses evacuados da Libia
Império é isso aí.
China starts evacuation of 30,000 from Libya
Shanghai Daily, 25/02/2011, Page A2
AROUND 4,600 Chinese had left Libya by yesterday in China's largest-ever evacuation, the rescue of about 30,000 nationals stuck in the riot-torn north African state.
China's first chartered flight to evacuate its nationals left Tripoli for Beijing yesterday afternoon, with 200 Chinese aboard, most of them women and children, said Foreign Ministry spokesman Ma Zhaoxu.
The government dispatched the second chartered flight early yesterday.
Meanwhile, two groups of Chinese evacuees returned China through commercial flights yesterday.
The first group of 43 arrived at Beijing Capital International Airport yesterday morning. Another group of 40 Chinese arrived at Shanghai Pudong International Airport in the afternoon.
The workers were employed by China Building Technique Group Co Ltd.
Ma said China would continue to work on the ground to protect the country's interests.
"Relevant agencies and officials posted abroad will continue to coordinate and make every possible effort at every possible moment to ... protect the lives and property of Chinese citizens and preserve China's national interests," he told reporters during a regular press briefing.
China has called for a return to stability in Libya, and said it will "spare no efforts" in evacuating its citizens.
Chinese embassies in the region were arranging evacuation efforts by air, sea and land, Ma said, with more than 4,600 Chinese nationals already back in China or sent to "safer third countries."
An estimated 30,000 Chinese nationals were awaiting evacuation, and the figure was changing as the evacuation proceeded, said Du Minghao, spokesperson for the Chinese Embassy in Libya.
It was expected to be China's largest-ever evacuation, said Gao Zugui, director of the Institute of World Politics of the China Institute of Contemporary International Relations.
China has suffered severe economic losses as a result of the political turmoil in Libya, it said yesterday.
About 75 Chinese companies were operating in Libya, involving about 36,000 staffers and 50 projects, said a statement on the Ministry of Commerce website.
As of Wednesday, 27 Chinese construction sites or camps had been attacked and robbed, with injuries reported but no deaths so far, the MOC statement said.
Armed gangsters
Armed gangsters attacked some Chinese companies, institutions and project camps in Libya, robbing them of grain and leaving people with shortages of materials, said the statement.
The ministry did not give a monetary value for the losses.
The evacuation was carried out by sea, air and land.
More than 4,000 Chinese left Libya yesterday on two Greek liners chartered by the Chinese Embassy in Greece, China's Foreign Ministry said in a statement yesterday.
Chinese companies, including China Ocean Shipping (Group) Company, had actively participated in the evacuation, Ma said.
Meanwhile, the Chinese embassy in Egypt said it had received more than 400 Chinese who left Libya by road.
Uma outra piada da semana: Ahmadinejad concorre contra Kadafi...
Esses piadistas concorrem entre si, para ver quem solta a melhor piada da semana.
Acho que Kadafi ainda ganha de Ahmadinejad, mas pode ser que tenhamos um terceiro; aí já seria demais.
Vamos aguardar a próxima piada, sangrenta, talvez...
Paulo Roberto de Almeida
'Revolta chegará à Europa e à América' diz Ahmadinejad
O Globo, 24/02/2011
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, disse [ontem] que a onda de revoltas contra governos no Oriente Médio vai se espalhar pela Europa e pela América do Norte, levando ao fim os governos que, segundo ele, oprimem e humilham as pessoas.
O presidente iraniano também condenou os ataques da Líbia contra manifestantes. Ahmadinejad, cujo país usou de violência para dispersar a oposição no início do mês, chamou a ação de "grotesca".
- O mundo está a beira de uma grande evolução. Mudanças estão vindo e vão envolver o mundo inteiro da Ásia até a África, passando pela Europa e pela América do Norte - afirmou Ahmadinejad.
========
O que não foi piada, em contrapartida, foi ver Ahmadinejad condenar a repressão de seu concorrente Kadafi contra o povo líbio e mandar baixar o porrete contra seu própio povo.
Piada sem graça, essa...
Paulo Roberto de Almeida
Piada da semana (talvez apenas do dia): Kadafi
Gaddafi blames revolt on Bin Laden
The Libyan leader also said protesters were under the influence of hallucinogenic pills.
Mas ele também acusou os revoltosos de estarem mancomunados com o Ocidente.
Claro: uma aliança entre o Ocidente e Bin Laden, estimulada por pílulas alucinógenas, seria a única força humana, e sobrehumana, capaz de derrotá-lo.
Acho que sua queda virá, mais cedo ou mais tarde, e depois teremos um governo de coalizão com Bin Laden e a CIA.
Talvez ainda tenhamos outras piadas do gênero ao longo da semana.
Pena que cada uma dela carregue um substrato de centenas de mortos...
Paulo R. Almeida
Reflexoes ao leu, 3: Diplomacia comercial brasileira
Mas, sempre pode servir para alguma coisa.
Por isso mesmo, aqui vai o terceiro da série.
Reflexões ao léu, 3: Diplomacia comercial brasileira
Paulo Roberto de Almeida
Oito anos atrás, a diplomacia brasileira empenhou-se ativamente na implosão da Alca, segundo reconheceram, diversas vezes, o presidente e seu chanceler, além, obviamente, do então Secretário-Geral do Itamaraty, o mais empenhado nessa gloriosa tarefa.
As alegações para recusar a Alca eram muitas, mas basicamente as seguintes.
O chefe de Estado repetia sempre uma bobagem do PT, segundo o qual o tratado da Alca não seria de integração -- e não seria mesmo, pois os EUA estavam propondo apenas livre-comércio -- mas sim um tratado de "anexação" da América Latina pelos EUA.
Vejam vocês, o maior país da América Latina, o Brasil, tinha medo de sua anexação pelo império, junto com todos os demais, e portanto recusava a Alca. Ponto, parágrafo.
O chanceler não se cansava de repetir a cantilena de uma tal "nova geografia do comércio internacional". Segundo ele, e nisso era replicado pelo presidente, o Brasil não podia ficar "dependente" do comércio com os EUA, e tinham de diversificar suas parcerias externas, de preferência com os países em desenvolvimento, a tal de "diplomacia Sul-Sul" e também a "diplomacia da generosidade", como nossos irmãos menos desenvolvidos. Em relação a estes, o presidente recomendava que os importadores brasileiros comprassem mais deles, mesmo que seus produtos fossem mais caros e de menor qualidade. Desconheço se algum importador cometeu essa loucura.
O chanceler, numa surpreendente demonstração de lógica ex-post, disse que se o Brasil tivesse aceito a Alca o Brasil teria tido uma crise como a do México, quando os EUA ingressaram em sua crise financeira. Textualmente teria ocorrido o seguinte: em lugar de uma mini-recessão, teríamos tido uma mega-recessão, o que revela desconhecidos dotes de profeta do apocalipse, para um país, o Brasil, que jamais teria tido a dependência (80% do seu comércio exterior) que o México exibe em relação aos EUA. Ou seja, uma desonestidade intelectual ex-post.
Quanto ao SG-MRE, ainda mais apocalíptico, ele dizia que se o Brasil aceitasse a Alca nossa indústria seria destruída pela indústria americana, mais forte e mais competitiva que a nossa. Ele preferia ampliar os laços econômicos e comerciais com a China, um país não-hegemônico, não-imperialista, em desenvolvimento como o Brasil, e interessado, como o Brasil, em desmantelar a arrogância imperial e criar uma "ordem internacional mais democrática".
Pois é, deu no que deu: os empresários brasileiros reclamam hoje que os competidores chineses estão desmantelando a indústria nacional. Que coisa triste!
Em lugar de reclamar com a "presidenta", eles deviam reclamar com o ex-presidente, com o ex-chanceler, com o ex-SG-MRE. Foram eles que permitiram isso...
Bem, essas eram apenas reflexões ao léu.
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 24/02/2011)
Reflexões ao leu, 2: sobre as revoltas nos países islamicos
Bem, essas reflexões que saltam não me pegam desprevenido: tenho sempre um ou dois moleskines no bolso da camisa ou do paletó, e duas ou três esferográficas sempre prontas a soltar sua tinta, e lá vai mais um pouco de papel sujo com algumas ideias. Quando não é, claro, diretamente no computador, aliás muito frequentemente, pois tampouco saio de casa sem ele, pelo menos para o trabalho e a faculdade (os cachorros ainda não me deixam escrever em paz, quando estou passeando com eles na rua, mas consigo, pelo menos, ler e responder e-mails do meu iPhone...).
Pois é assim que acabo perpetrando essas reflexões ao léu, a primeira das quais foi feita logo no começo do ano, e divulgada aqui mesmo neste blog, neste link:
Reflexões ao léu, 1: Fukuyama, marxista, detestado pelos “marxistas”
Paulo Roberto de Almeida (Uberlândia, 6 de janeiro de 2011)
Pois eu gostei da fórmula, textos curtos, refletindo a atualidade, ou as leituras do momento, mesmo históricas e de muitos anos atrás...
Aqui segue, pois, o segundo da série.
Paulo Roberto de Almeida
Reflexões ao léu, 2: sobre as revoltas nos países islâmicos
Paulo Roberto de Almeida
Existem duas situações que incitam os povos à revolta: fome e opressão. Foi por causa da fome que os camponeses franceses do ancien Régime começaram a reclamar de sua situação sob a monarquia absolutista francesa. Mas eles não tinham condições, sozinhos, de mudar essa situação; precisaram da burguesia e dos intelectuais, que estavam em busca de representação e autonomia, para que se chegasse à revolução. Foi também por causa da fome, em grande medida provocada pela guerra, que os camponeses e operários russos se levantaram contra o czarismo; mas eles precisaram de líderes revolucionários de classe média, que na verdade lutavam contra a opressão do regime, para derrubar o czar e colocar em seu lugar um governo republicano (que, aliás, continuou a guerra e não deu pão aos pobres).
“Pão e liberdade” foi o slogan escolhido pelos bolcheviques para conquistar o poder, por meio de um golpe que prometia acabar com a guerra e trazer comida para os famélicos russos. Eles deram então início a uma das mais pavorosas experiências totalitárias do século 20 – nisso secundados pelo maoísmo delirante – sem nunca ter conseguido propiciar benefícios materiais à população (no máximo pão seco) e condenando-a a viver sob um dos regimes mais opressivos da História. No final, um pouco pela carência de bens, mas muito mais pela falta de liberdade, os povos se revoltaram novamente, derrubando os muros e derrocando os regimes comunistas.
Nos países árabes e islâmicos, atualmente, as revoltas são comandadas tanto pela situação de marginalidade socioeconômica de grande parte da juventude provinda de camadas não privilegiadas, quanto por demandas de liberdade por parte da juventude universitária conectada. O fator religioso pode ter tido um papel importante na guerra civil britânica do século 17 e, parcialmente, na revolução iraniana que derrubou o xá da Pérsia, em 1979; mas não teve nenhum na atual revolução dos países islâmicos. Trata-se da mesma demanda por “pão e liberdade”, em versão atualizada, que moveu as massas francesas em 1789 e as russas em 1917.
Mas aí terminam as semelhanças com essas ilustres predecessoras. Começam talvez aqui as comparações com o ciclo que se observou em 1989, nos países socialistas. Não são propriamente líderes políticos ou partidos revolucionários que estão à frente dessas revoltas, mas mais exatamente o povo comum; se de um lado estavam aqueles que faziam a revolução com os pés e as picaretas, emigrando para o Ocidente e depois derrubando o muro, do outro estavam os jovens com pedras, nas ruas e praças de vários países árabes e muçulmanos.
As revoltas na Tunísia e no Egito podem ser os equivalentes funcionais – para os que gostam de analogias históricas – da derrubada dos muros e dos regimes nos países comunistas do Leste Europeu, mas as semelhanças param por aí. A euforia da queda de ditaduras opressivas, que, aliás, condenaram seus países à estagnação material – um pouco como nos antigos países do socialismo real – podem até gerar expectativas otimistas quanto à conformação de regimes democráticos nesses países, um pouco como ocorreu nos países da MittelEuropa (da Polônia à Hungria, apenas, passando pela República Tcheca e Eslováquia, e também a Eslovênia), mas não na Rússia e nas ex-satrapias soviéticas (que continuam autoritárias). Não creio, porém, que a mesma trajetória liberal venha a ser implantada nos países que enfrentam agora a “revolta das ruas”, por razões que exponho a seguir.
Os países da MittelEuropa que hoje fazem parte do arco democrático europeu e integram a União Europeia possuíam, antes da sua conversão forçada ao comunismo (pela força dos tanques soviéticos), sociedades civis vibrantes e culturas políticas feitas de organização política e de sindicatos atuantes. Eram também capitalistas, cum grano salis. O comunismo foi um intervalo de duas gerações, mas nunca apagou da lembrança das pessoas a liberdade e o capitalismo que tinham sido perdidos na esteira do Exército Vermelho. Muito diferente é a situação dos países árabes ou islâmicos que hoje conhecem revoltas de suas incipientes sociedades civis. Não se pode dizer que qualquer um deles tenha conhecido, antes da dominação otomana ou imperialista europeia, uma cultura democrática apoiada numa sociedade autônoma e independente em relação a seus respectivos Estados autocráticos.
A forma especificamente ocidental de fazer política – que está na base da teoria e das práticas políticas liberais, baseadas na representação democrática, no respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais – nunca existiu, propriamente, nos países que hoje passam pela “revolta das ruas”: não existem partidos organizados no sentido programático da expressão; a Irmandade Muçulmana, presente em vários desses países, não é um substituto ideal à política partidária conducente a uma representação responsável, como concebido nos modelos de governança do Ocidente moderno. Em outras palavras, as sociedades árabes, e por extensão muçulmanas (provavelmente mais aquelas do que estas), não possuem sociedades civis, no entendimento weberiano, ou florentino, do termo. Não se pode, assim, esperar, que esses países venham a se tornar sociedades abertas e regimes políticos democráticos na plena acepção desses conceitos.
Isto não quer dizer que esses países – alguns mais do que outros, o Egito e a Tunísia mais do que a Líbia ou o Iêmen, por exemplo – não possam se converter, oportunamente, em sociedades democráticas, ou pelo menos em regimes formalmente democráticos, ainda que isto tome certo tempo, variável segundo fatores contingentes que não é possível prever ou antecipar cronologicamente. Esse processo será lento, doloroso, conhecerá retrocessos e até algumas tragédias humanas, previsivelmente, mas o sentido geral, em todas essas sociedades, será sempre na conquista de “pão e liberdade”.
Os jovens desempregados e os jovens universitários que enfrentaram as milícias repressivas nas ruas dos países islâmicos estavam, como seus predecessores franceses, russos, iranianos e os cidadãos do Leste Europeu, clamando seja por pão, seja por liberdade, nem sempre por ambos ao mesmo tempo, e geralmente não numa ordem pré-determinada. Eles provavelmente terão pão, meio amarfanhado, é verdade, não o de melhor qualidade, mas o que for possível fornecer em regimes semi-capitalistas em transição para um capitalismo menos patrimonialista, que será o que esses países conseguirão obter num futuro de médio prazo. Quanto à democracia política, ou o respeito pelos direitos humanos e as liberdades individuais, isso terá de esperar, pois a construção de regimes verdadeiramente democráticos vai demorar certo tempo, pela própria lógica das construções societais, sempre lentas a mudar, a assumir novas formas, no longo desenvolvimento estrutural do tempo braudeliano.
Não creio que eu esteja sendo muito pessimista. Apenas realista, usando para isso um exemplo bem conhecido aqui na região: a América Latina. Os países latino-americanos já não conhecem as ditaduras do passado, nem as formas mais anacrônicas de oligarquias latifundistas, explorando a ignorância do povo rural, embora isso também exista, mas é residual. O que realmente distingue a América Latina é a pobreza mais que residual e a má qualidade de sua democracia, com uma corrupção pujante e uma classe política cada vez mais autista, ou autocentrada. A governança é errática, por vezes melhora, em outras se deteriora rapidamente. A despeito de progressos reais em várias áreas, o cenário social se deteriora em outras: na educação, no tráfico de drogas, na miséria moral de certos “representantes” do povo. Talvez a América Latina seja um bom exemplo do que aguarda esses países árabes que estão saindo de uma ditadura miserável para uma democracia hesitante.
Certamente devemos saudar as “revoluções” democráticas nesses países, mas devemos guardar a cabeça fria: eles estão recém chegando à realidade, a uma realidade de tipo latino-americano, digamos assim. Com todos os nossos defeitos, de latino-americanos difíceis de chegar à democracia e ao desenvolvimento, tudo parece melhor do que antes, e de fato é melhor do que nada. Pão e liberdade, OK, mas a embalagem de entrega não passaria por algum controle de qualidade dos mais rigorosos. Não se pode ser perfeccionista demais. Não se pode pedir muito a este mundo imperfeito, sobretudo em certas latitudes. Ainda temos duas ou três gerações de aperfeiçoamento democrático e de progresso econômico. Vai demorar, mas vai chegar.
Portanto: viva a primavera árabe, mas bem-vindos à realidade...
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 20/02/2011)
Pensamento da semana: diplomacia brasileira preservando a soberania
As alegações para recusar a Alca eram muitas, mas basicamente as seguintes.
O chefe de Estado repetia sempre uma bobagem do PT, segundo o qual o tratado da Alca não seria de integração -- e não seria mesmo, pois os EUA estavam propondo apenas livre-comércio -- mas sim um tratado de "anexação" da América Latina pelos EUA.
Vejam vocês, o maior país da América Latina, o Brasil, tinha medo de sua anexação pelo império, junto com todos os demais, e portanto recusava a Alca. Ponto, parágrafo.
O chanceler não se cansava de repetir a cantilena de uma tal "nova geografia do comércio internacional". Segundo ele, e nisso era replicado pelo presidente, o Brasil não podia ficar "dependente" do comércio com os EUA, e tinham de diversificar suas parcerias externas, de preferência com os países em desenvolvimento, a tal de "diplomacia Sul-Sul" e também a "diplomacia da generosidade", como nossos irmãos menos desenvolvidos. Em relação a estes, o presidente recomendava que os importadores brasileiros comprassem mais deles, mesmo que seus produtos fossem mais caros e de menor qualidade. Desconheço se algum importador cometeu essa loucura.
O chanceler, numa surpreendente demonstração de lógica ex-post, disse que se o Brasil tivesse aceito a Alca o Brasil teria tido uma crise como a do México, quando os EUA ingressaram em sua crise financeira. Textualmente teria ocorrido o seguinte: em lugar de uma mini-recessão, teríamos tido uma mega-recessão, o que revela desconhecidos dotes de profeta do apocalipse, para um país, o Brasil, que jamais teria tido a dependência (80% do seu comércio exterior) que o México exibe em relação aos EUA. Ou seja, uma desonestidade intelectual ex-post.
Quanto ao SG-MRE, ainda mais apocalíptico, ele dizia que se o Brasil aceitasse a Alca nossa indústria seria destruída pela indústria americana, mais forte e mais competitiva que a nossa. Ele preferia ampliar os laços econômicos e comerciais com a China, um país não-hegemônico, não-imperialista, em desenvolvimento como o Brasil, e interessado, como o Brasil, em desmantelar a arrogância imperial e criar uma "ordem internacional mais democrática".
Pois é, deu no que deu: os empresários brasileiros reclamam hoje que os competidores chineses estão desmantelando a indústria nacional. Que coisa triste!
Em lugar de reclamar com a "presidenta", eles deviam reclamar com o ex-presidente, com o ex-chanceler, com o ex-SG-MRE. Foram eles que permitiram isso...
Bem, essas eram apenas reflexões ao léu.
Paulo Roberto de Almeida
Politica externa: imaginando um cenario alternativo
Pois é: resolvi tomar emprestado o slogan dos malucos antiglobalizadores para imaginar, apenas imaginar, como seriam as coisas se nós estivéssemos ainda no "ancien régime" lulista em matéria de diplomacia.
Como teria reagido o homem que chamou o carniceiro de Tripoli de "meu irmão, camarada", em face dos massacres perpetrados pelo "cachorro louco" (Reagan dixit) contra o seu próprio povo?
Provavelmente algo do gênero: "Calma lá pessoal: esses flamenguistas estão protestando violentamente contra um homem que só quer o bem do seu povo. Não se pode, a qualquer pretexto, sair por aí bloqueando ruas, queimando pneus, perturbando a paz de quem quer trabalhar, apenas porque não se concorda com a atual situação. O Kadafy é um homem bem intencionado..."
E provavelmente, eu digo provavelmente, o representante na ONU, em qualquer foro, seria instruído a não fazer nada, esperar para ver como as coisas evoluiriam. E ainda teríamos de aguentar aquelas notas insossas, que conclamariam as partes a não recorrer à violência, a dialogar pacificamente para resolver as diferenças...
Pois é, de vez em quando a gente pode imaginar que uma outra diplomacia é possível, uma muito pior.
É o que reconhece este editorial do Estadão. Um jornal que não mudou nada, absolutamente nada. Quem mudou foi a diplomacia...
Paulo Roberto de Almeida
Da água para o vinho
Editorial - O Estado de S.Paulo
24 de fevereiro de 2011
Os assessores da presidente Dilma Rousseff repetem a toda hora que a diferença entre ela e o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva é de estilo, não de substância. Pelo menos numa área crucial para um país como o Brasil - a política externa - o que se acaba de ver é outra coisa: uma mudança substancial, da água para o vinho. Inicialmente, os desconfiados podiam atribuir ao feminismo e à condição de ex-presa política da ainda presidente eleita a sua crítica aberta à recusa brasileira, no ocaso da era Lula, de condenar o Irã na ONU por graves violações de direitos humanos, notadamente no episódio da viúva Sakineh Ashtiani, condenada ao apedrejamento por suposto adultério e cumplicidade na morte do marido. A menos de um mês da posse, numa entrevista ao Washington Post, Dilma assegurou que a sua posição não iria mudar quando estivesse na cadeira presidencial. A promessa acaba de passar por seu primeiro teste.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a presidência da brasileira Maria Luiza Ribeiro Viotti, condenou anteontem por unanimidade o regime do coronel Muamar Kadafi pela selvagem repressão contra a população líbia, na tentativa de dar fim às manifestações pela sua derrubada do poder em que se instalou há 41 anos. O colegiado também exigiu uma solução negociada para a crise no país. O Brasil foi um dos patrocinadores do texto aprovado. Mais do que isso, sustentou a iniciativa da Grã-Bretanha, em nome da União Europeia, para que o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em reunião extraordinária afinal marcada para amanhã, em Genebra, abra uma investigação sobre as atrocidades perpetradas pela tirania líbia. Previsivelmente, trabalharam contra a proposta - e a mera convocação do Conselho - os países árabes (exceto a Jordânia), africanos, Cuba e Venezuela.
Para ficar na última exibição de opróbrio da diplomacia lulista, em novembro último, ao se abster de condenar o Irã, o Brasil se alinhou com esses mesmos regimes, além da própria Líbia. Com Kadafi, o brasileiro tinha cevado relações quase tão próximas quanto as que mantém com os irmãos Castro e o caudilho Hugo Chávez. Em dezembro de 2003, quando ainda não havia completado um ano no Planalto, Lula teve em Trípoli o primeiro de seus quatro encontros com o tirano homicida. Numa tenda estritamente vigiada por soldados armados com metralhadoras, Lula afirmou que jamais esqueceu "os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente". Não se tratava de negócios; era mesmo pessoal. Não admira que, de volta à Líbia, passados 6 anos e mais um encontro, daquela vez na Nigéria, Lula o saudasse como "amigo e irmão". Tampouco admira que, na boataria sobre a fuga de Kadafi, o Brasil tenha sido citado como um dos seus possíveis destinos, depois da Venezuela.
Pode-se apostar 1 milhão contra 1 tostão, portanto, que, se a tempestade de areia que varre o mundo árabe e engolfou a Líbia tivesse estalado quando Lula se tostava ao sol de sua popularidade e Dilma presidente ainda era uma miragem, o então chanceler Celso Amorim aceitaria de bom grado a instrução do chefe para minimizar a matança ordenada pelo "amigo e irmão". E o Brasil estaria na companhia de sempre ao lado dos opressores. Como a história não se escreve como Lula provavelmente teria apreciado, no seu lugar está uma defensora sem meios termos dos direitos humanos, e no lugar de Amorim está um chanceler, Antonio Patriota, que não poderia ter sido mais firme ao exprimir publicamente, mais de uma vez, o repúdio cabal do Planalto às atrocidades na Líbia.
Na terça-feira, enquanto a delegação do Brasil fazia a coisa certa na sede das Nações Unidas em Nova York, em Brasília, numa entrevista ao lado da colega francesa Michèle Alliot-Marie, o chefe da diplomacia brasileira usava as palavras certas - "inadmissível, inaceitável" - para qualificar a violência hidrofóbica de Kadafi contra manifestantes desarmados. O ensandecido Kadafi está submetendo o seu povo a sofrimentos sem paralelo nos 87 anos de vida independente da Líbia. Mas isso deu objetivamente à presidente Dilma a oportunidade de romper com uma política externa que só serviu para envergonhar o País na comunidade das nações democráticas.
Assaltando o seu bolso, caro leitor, de maneira esquizofrenica...
Eu disse que o Estado brasileiro, particularmente os governos que se sucedem, e se repetem, desde 1988, com ênfase agregada desde 2003, é esquizofrênico é porque ele é de fato esquizofrênico. Com crueldade redobrada a cada vez.
Todos os políticos e governantes falam que é preciso reduzir a carga tributária -- ops, perdão, todos não, Lula e o atual, ainda, presidente do Ipea, acham que ela é baixa e pode ser ainda aumentada, para supostos fins sociais -- e dizem que se empenham nisso e, no entanto, aumentam o grau de extorsão tributária a cada vez.
O governo atual ousou até dizer que pretende aumentar a competitividade das empresas brasileiras. Muito bem.
E a primeira coisa que ele faz é anunciar novos impostos ou aumento dos atuais, E ainda falam sorrateiramente na volta da CPMF. Contenho os palavrões...
Mas o caso abaixo é ainda mais esquizofrênico. Essa taxa adicional sobre a conta de luz foi criada EM 1973, para compensar os coitadinhos do Norte que não tem barragens ou usinas de qualquer tipo. Deveria ser temporária, até resolverem o problema, ou seja, construirem usinas, ou estenderem cabos e linhas de transmissão.
Pois bem, quarenta anos depois, nós ainda pagamos a dita taxa adicional, e parece que vamos pagar durante mais quarente anos, ou mais...
Não é esquizofrênico, caro leitor.
Agora você sabe porque você trabalha cinco meses para o governo. Por coisas como essa. E ainda querem recriar a CPMF...
Acho que deveriam impalar os políticos que começarem a defender a ideia...
Paulo Roberto de Almeida
Nova regra eleva contas de luz em R$ 1 bilhão
Renato Andrade
O Estado de S. Paulo, 22 de fevereiro de 2011
Aneel aprova por unanimidade mudança no cálculo da Conta de Consumo de Combustíveis, que banca a geração de energia para a Região Norte
BRASÍLIA - A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou nesta terça as novas regras para a cobrança de um encargo que pode encarecer as contas de luz este ano em pelo menos R$ 1 bilhão. Por unanimidade, os diretores aprovaram a nova fórmula de cálculo da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), uma espécie de tributo criado em 1973 que banca a geração de energia na Região Norte, que não é interligada ao sistema elétrico nacional.
Pelas novas regras, as distribuidoras dos chamados sistemas isolados poderão ser ressarcidas não apenas dos gastos com a compra de combustíveis - usados para gerar eletricidade -, mas também de despesas como investimentos e impostos.
O dinheiro depositado na CCC é usado para bancar as usinas termoelétricas que geram eletricidade para os moradores do Norte do País. Como a geração a partir da queima de combustíveis - como óleo - é mais cara, o governo precisa subsidiar as contas de luz da região. O subsídio é bancado, na prática, por todos os outros consumidores de energia no Brasil.
Para Lúcio Reis, diretor-executivo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), a mudança no cálculo da CCC é mais um entrave para que o consumidor consiga pagar uma tarifa de energia mais barata. "Os encargos, como a CCC, são fatores que dificultam a modicidade tarifária", diz Reis.
Apesar de a regulamentação ter sido aprovada ontem, os consumidores já gastaram mais em 2010 para subsidiar as termoelétricas. Como a nova fórmula de cálculo foi incluída em uma medida provisória, transformada em lei no final de 2009, a Aneel optou em fazer um ajuste provisório no valor alocado para a CCC já em 2010, com base em projeções sobre quanto aumentaria a despesa.
Valor total. De acordo com técnicos da Aneel, a CCC consumiu cerca de R$ 3 bilhões em 2009, valor elevado para cerca de R$ 4 bilhões em 2010. A estimativa inicial da agência é que a despesa deste ano chegue a R$ 5 bilhões.
O valor exato só deve ser conhecido em abril, quando todas as distribuidoras da Região Norte já terão implantado seus sistemas de apuração dos custos. Especialistas do setor estimam uma despesa de R$ 5,5 bilhões.
Além de ampliar a lista de despesas que poderão ser ressarcidas, a medida aprovada ontem garante que o reembolso valerá durante todo o prazo de vigência dos contratos de compra de energia. Na prática, significa que, mesmo que a Região Norte seja interligada ao sistema nacional, os consumidores terão de bancar os custos de manutenção das termolétricas até o fim dos contratos.
A CCC é um dos 14 encargos setoriais que pesam sobre a conta de luz e sua extinção estava prevista para 2022.
Maquiavel sem orelhas: nao, nao se trata de um novo Van Gogh...
Meu livro mais recente publicado foi O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), editado pelo Senado Federal, com uma bela capa feita pelo meu filho Pedro Paulo, arquiteto e desenhista, aliás artista.
Acontece apenas que esta edição deixou de fora o texto que eu havia sugerido como "orelhas".
Como acho que ele pode resumir o espírito do livro, permito-me reproduzir aqui aquilo que ficou de fora dessa edição até simpática...
Acho que Maquiavel teria muita coisa a dizer sobre a política no Brasil atual, no bom e no mau sentido, ou seja: tanto as virtudes de alguns (poucos) políticos, que se esforçam por defender, desta vez contra Maquiavel, os cidadãos contra o despotismo do Estado, quanto a fortuna de alguns (muitos) pilantras que praticam tudo aquilo de perversidades que Maquiavel recomendava ao candidato a príncipe para conquistar e se manter no poder.
Assim vai o mundo. Em todo caso, assim vai o Brasil. E até daria um bom debate: Maquiavel e a política contemporânea no Brasil.
Vou pensar nisso como possível lançamento desse livro (sumário aqui).
Paulo Roberto de Almeida
(Sugestão de orelhas para o livro O Moderno Príncipe)
O que nos separa de Maquiavel?
Paulo Roberto de Almeida
Se, por alguma fortuna histórica, Maquiavel retornasse, hoje, ao nosso convívio, com as suas virtudes de pensador prático, quase meio milênio depois de redigida sua obra mais famosa, como reescreveria ele o seu manual “hiper-realista” de governança política? Seriam os Estados modernos muito diversos dos principados do final da Idade Média?
Este "Maquiavel revisitado", voltado para a política contemporânea, dialoga com o genial pensador florentino, segue seus passos naquelas “recomendações” que continuam aparentemente válidas para a política atual, mas não hesita em oferecer novas respostas para velhos problemas de administração dos homens. Aqui, como em outros aspectos, a constância dos “príncipes” nos desacertos é notável. Ela não parece ter evoluido muito, desde então.
De fato, Maquiavel permanece surpreendentemente atual – com o que concordariam os filósofos e cientistas políticos da atualidade –, mesmo (talvez sobretudo) nos traços malévolos exibidos pelos condottieri contemporâneos e pelos cappi dei uomine. Ainda que envenenamentos encomendados e assassinatos por adagas, tão comuns no Renascimento italiano, não estejam mais na moda – pelo menos fora do âmbito dos serviços secretos –, e que eles tenham sido substituídos por outros métodos para se desembaraçar de concorrentes e de adversários políticos, as técnicas para se apossar do poder e para mantê-lo exibem uma notável continuidade com aquelas descritas pelo experiente diplomata da repubblica fiorentina do Quatrocento.
O que pode estar ultrapassado, no seu “manual” de 1513, é meramente acessório, pois a essência da arte de comandar os homens revela-se plenamente adequada aos dias que correm, confirmando assim as finas virtudes de psicólogo político – avant la lettre – do perspicaz pensador do Cinquecento.
Este Moderno Príncipe representa, antes de tudo, uma singela homenagem ao diplomata italiano que “inventou” a ciência política, ainda que ele o tenha feito nas difíceis circunstâncias do ostracismo, na sua condição de funcionário de Estado “cassado” pelos novos donos do poder em Florença. Obra de um momento político – talvez não muito diverso daqueles tempos vividos pelo segretario de cancelleria –, este novo Príncipe, que se pretende tão universal em seu escopo e motivações quanto seu modelo de cinco séculos atrás, oferece novos argumentos em torno dos velhos problemas da administração estatal. A bem refletir sobre a política contemporânea, pouco nos separa de Maquiavel, se não é algum desenvolvimento institucional e uma maior rapidez nas comunicações. Quanto aos homens, tanto os condottieri quanto o popolo, eles não parecem ter mudado muito...
Paulo Roberto de Almeida é cientista social e diplomata, com obras publicadas sobre temas de história diplomática, de relações internacionais e de política externa do Brasil.
Bibliocidio burocratico: Vigilancia Sanitaria faz holocausto de livros...
E digo genocídio burocrático pois se assemelha muito ao espírito nazista que fez com que vários cidadãos comuns, perfeitos burocratas, se aliassem objetivamente e participassem ativamente do genocídio humano perpetrado contra judeus e outros indesejáveis no quadro daquele vasto empreendimento criminoso que passou à História sob o nome de Holocausto.
Hannah Arendt, escrevendo sobre o julgamento do nazista de Auschwitz Eichmann, falou sobre a "banalidade do mal", ou seja, crimes cometidos banalmente, sem qualquer ânimo prévio de causar mal, apenas cumprindo ordens, neste caso uma determinação da Vigilância Sanitária que impede as pessoas de curar, ao lado das aflições mais corpóreas, angústias da alma, ou simplesmente impede que as pessoas tenham seus momentos de felicidade, tomando livros como empréstimo gratuito numa farmácia.
Leiam parte da matéria, eu volto em seguida, furibundo...
Paulo Roberto de Almeida
Sem livros na prateleira
Leilane Menezes
Correio Braziliense, 24/02/2011
Era pouco antes do meio-dia, na terça-feira da semana passada, quando uma fiscal da Vigilância Sanitária do Distrito Federal entrou em uma das farmácias da 302 Sul. Entre duas prateleiras de remédios, ela avistou quatro estantes cheias de livros. Depois de investigar o motivo de os exemplares estarem ali, a mulher descobriu que se tratava de uma biblioteca comunitária.
A fiscal então preencheu uma notificação, destinada ao dono da drogaria, estabelecendo o prazo de cinco dias para a retirada dos livros daquele ambiente. Explicou que a presença de publicações vai contra a lei federal que regulamenta a atividade das drogarias. E não abriu possibilidade de negociação (veja Nota da Vigilância Sanitária).
(...)
A farmácia da 302 Sul, portanto, continua com sua destinação original, a de oferecer produtos que ajudem na cura de diferentes tipos de enfermidades. Palavras e pensamentos impressos -- que muitas vezes podem trazer conforto espiritual -- não estão mais disponíveis ali.
(...)
Nota da Vigilância Sanitária
"Realmente, a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve no local, solicitando a retirada dos livros. Isso ocorreu pelo fato de o funcionamento de uma exposição de livros dentro de uma farmácia ser proibido por lei. De acordo com a norma RDC 44/2009 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Lei Federal n. 5991, de 1973, drogarias só podem expor e comercializar remédios. Qualquer outra mercadoria vai contra a lei e deve ser retirada."
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Comento (PRA):
Desculpem, mas vou escrever em caixa alta tamanha a minha indignação.
A LEI NÃO DEVE FALAR EM LIVROS, ELA APENAS PROÍBE QUE FARMÁCIAS COMERCIALIZEM QUALQUER OUTRO PRODUTO. A LEI E A ANVISA SÃO FASCISTAS, ELAS INTERFEREM NA NOSSA VIDA, PROIBINDO QUALQUER COISA QUE, MESMO NÃO PREVISTO NA LEI, O FISCAL BUROCRATA, OUTRO FASCISTA, ENTENDA QUE SEJA CONTRÁRIO AO NOSSO BEM ESTAR. A LEI PRETENDE NOS DEFENDER DE NÓS MESMOS.
Trata-se, obviamente, de um bibliocídio, dos mais nefastos. A Nota da Anvisa prova o caráter fascista dessa burocracia estúpida que pretende nos proteger contra nós mesmos. Ou seja, não podemos ter acesso a livros numa farmácia. E reparem que a nota sequer menciona "perigos" potenciais que poderiam representar livros usados (ácaros, traças, etc) para os remédios (aliás hermeticamente fechados). Não. Se trata de uma regulamentação fascista que impede que uma farmácia tenha qualquer outra coisa que não remédios. Uma norma burocrática perfeitamente imbecil e restritiva da liberdade dos cidadãos.
Paulo Roberto de Almeida
Florestan Fernandes: a organicidade do mestre
Ora, reconheço nele uma grande figura, um grande sociólogo, um professor dedicado, uma pessoa de elevada ética e comprometimento real com a coisa pública, valorizando enormemente a integridade e a honestidade intelectual -- e que nunca concordaria, por exemplo, com as baboseiras ensinadas pelo MST numa escola que leva o seu nome --, mas que jamais concordaria, por exemplo, com o panegírico pouco crítico, e que se submeteria de bom grado ao exame honesto de suas propostas e argumentos. Ou seja, ele nunca estaria acima das críticas, e não creio que todos os seus argumentos devam ser aceitos de forma beata.
Foi o que tentei fazer num colóquio dedicado a ele na UNESP de Marília, nos anos 1980. Para quê? Fui vaiado por professores e alunos ao final de minha exposição, como se eu devesse estar ali apenas para fazer elogios incontidos ao mestre.
Meu texto foi este aqui:
O PARADIGMA PERDIDO: A Revolução Burguesa de Florestan Fernandes
In: Maria Angela d'INCAO (org.),
O Saber Militante: Ensaios sobre Florestan Fernandes
(São Paulo-Rio de Janeiro, UNESP-Paz e Terra, 1987), p. 209-229
(vou disponibilizar esse texto dentro em breve)
Algum tempo depois me pediram um artigo sobre ele, e este está disponível online.
Eu o transcrevo parcialmente aqui, remetendo ao link para sua leitura integral.
Florestan Fernandes e a idéia de revolução burguesa no pensamento marxista brasileiro
Paulo Roberto de Almeida
Revista Espaço Acadêmico (n. 52, setembro de 2005).
1. Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil
A idéia de revolução burguesa é consubstancial ao próprio desenvolvimento do marxismo no Brasil, conhecendo seus momentos de ascensão teórica ou de declínio prático, de projeção exclusiva no establishment intelectual ou de concorrência com outros modelos analíticos típicos da academia, pari-passu aos progressos teóricos ou percalços práticos da ideologia marxista no País. Essa noção perpassa grande parte da produção intelectual situada no campo teórico do marxismo, alcançando seu ponto máximo, enquanto “tipo-ideal” da conceitualização marxista sobre o desenvolvimento capitalista brasileiro, na obra do sociólogo Florestan Fernandes. O sociólogo paulista foi um dos mais brilhantes representantes do marxismo acadêmico no Brasil, elevando a interpretação marxista da história brasileira a um plano certamente elevado de conceitualização, sobretudo com o clássico A Revolução Burguesa no Brasil.
Depois do grande triunfo da “concepção marxista da História” na academia brasileira, entre os anos 50 e 80 — movimento coincidente com as vitórias materiais, militares e ideológicas do “socialismo realmente existente” —, o abandono teórico da idéia de revolução burguesa parece ter sido acelerado pela derrocada econômica e política dos países que, entre os anos extremos de 1917-1945 e 1989-1991, encarnaram a suposta materialização prática das idéias marxistas, países estes que curiosamente iniciam, ou retomam, em princípios dos anos 90, suas próprias “revoluções burguesas” práticas. [1] Mas, antes mesmo do “final da História” e da erosão prática do socialismo real, [2] a concepção da revolução burguesa como noção explicativa do desenvolvimento capitalista no Brasil vinha sendo substituída por novos modelos teóricos, alguns baseados na idéia gramsciana de “revolução passiva”, outros na abordagem “bismarckiana” da revolution von Oben e da modernização conservadora, outros ainda, de forma mais incisiva e original, pela afirmação de uma vertente reacionária e mesmo autocrática da revolução burguesa no Brasil, típica do capitalismo dependente da periferia latino-americana. Esta última concepção, de evidente paternidade “florestânica”, representa, na verdade, uma inversão do modelo original marxista e uma espécie de inovação conceitual sobre as concepções tradicionais a respeito da revolução social no Brasil, mas ela representa, de fato, o final da parábola da idéia de revolução burguesa no Brasil.
(...)
Notas: [1] Procedi a uma tentativa de análise “marxista”, da derrocada dos regimes de tipo soviético “Retorno ao Futuro, Parte III: Agonia e Queda do Socialismo Real”, Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: vol. 35, janeiro-junho 1992, nºs 137-138, p. 51-71). Uma análise “liberal” sobre as razões do sucesso e ulterior erosão da idéia comunista no século XX pode ser encontrada em François Furet, Le Passé d’une Illusion: essai sur l’idée communiste au XXe siècle (Paris: Robert Laffont /Calmann-Lévy, 1995), analisada por mim em “A Parábola do Comunismo no Século XX”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: vol. 38, n° 1, janeiro-junho 1995, p. 125-145).
[2] A referência inevitável aqui é ao artigo original de Francis Fukuyama, “The End of History?”, The National Interest (n° 16, 1989, p. 3-18)
(...)
2. Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia
Florestan Fernandes é, sem dúvida alguma, o representante principal do que se poderia chamar, a falta de melhor designação, de “teoria social brasileira” e sua obra mais importante — A Revolução Burguesa no Brasil — constitui o esforço mais acabado empreendido na academia brasileira para elaborar uma teoria regional do desenvolvimento capitalista na periferia da “economia-mundo” capitalista.
Egresso de uma das primeiras turmas de Ciências Sociais da USP, onde recebeu aulas de mestres franceses — dos quais tornou-se assistente —, Florestan realizou pesquisas sobre o folclore em São Paulo e terminou, em 1947, seu mestrado pela Escola de Sociologia e Política, com uma tese sobre a organização social dos tupinambá. Sua tese de doutoramento, já pela USP em princípios dos anos 50, representou uma continuidade desse trabalho, tendo examinado a função social da guerra entre os tupinambá. Sua aproximação ao marxismo, ainda durante os anos de estudos universitários, bem como às correntes de pensamento socialista se deu basicamente em função de sua própria condição social de “oprimido”, tendo sido aperfeiçoada em leituras, em traduções de Marx — Contribuição à Crítica da Economia Política , por exemplo — e em contatos freqüentes com grupos de socialistas e trotskistas dos meios jornalísticos e intelectuais.
Mas, nessa primeira fase de sua vida acadêmica, em que atuou como professor assistente de Fernando Azevedo e depois de Roger Bastide, e como responsável pela cadeira de Sociologia-I na USP, Florestan seguiu o ecletismo típico de seus mestres franceses: uma pitada de cada teórico acadêmico — com destaque para Durkheim, Weber e Marx — e um diálogo constante com os grandes mestres contemporâneos: Mannheim, Freyer, Sombart, Tönnies, Linton e vários outros expoentes das escolas européias e norte-americanas. Uma pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo formou a base de seus grandes trabalhos sobre o problema da integração do negro na sociedade de classes. Desde cedo, contudo, ele também é levado a pensar os problemas do subdesenvolvimento e da dependência, que era por ele chamado de heteronomia, conceito derivado de Marx e Weber. Estava tendo início ali um pensamento original dentro do que se poderia chamar de Sociologia Brasileira ou, de forma mais ampla, de Sociologia Latino-Americana, bastante conectada às contribuições econômicas “periféricas” e “desenvolvimentistas” de Raúl Prebisch e Aníbal Pinto — da chamada escola cepalina — e aos aportes propriamente sociológicos de José Medina Echavarria e de Rodolfo Stavenhagen.
A análise interpretativa dos problemas raciais e das relações de classe no Brasil conduz Florestan ao estudo da formação econômica e social e às especificidades da “transformação burguesa” no País, base ulterior de seu grande trabalho sobre a “revolução burguesa” no Brasil. Com efeito, detentor isolado do copyright do conceito de revolução burguesa na produção sociológica brasileira, o grande intérprete da mudança social em nosso País não encontrou, até agora, muitos seguidores nesse campo minado da reflexão histórico-social. O único discípulo a adotar o conceito e a problemática da revolução burguesa na análise do desenvolvimento histórico brasileiro, Octavio Ianni, vincula, na verdade, essa noção ao estudo das formas assumidas pelo Estado, mas no trabalho de Ianni o conceito designa, na verdade, o seu contrário, isto é, a “contra-revolução burguesa”, o que é, pelo menos, um contra-senso heurístico.
O opus magnum de Florestan, A Revolução Burguesa no Brasil (1975), integra, mediante instrumentos conceituais recolhidos nas melhores fontes da sociologia — sobretudo em Marx, em Durkheim e em Weber —, o essencial da produção historiográfica, sociológica e política relativa aos diferentes aspectos do processo de modernização econômica e social do Brasil. Trata-se, nada mais nada menos, do que interpretar todo o processo histórico de (trans)formação da sociedade brasileira, buscando em nosso passado dependente, escravocrata e periférico — ou seja de capitalismo incompleto e tardio e subordinado ao imperialismo e de insuficiente “mutação burguesa” das estruturas de dominação política — as razões e as raízes das deformações do período contemporâneo, marcadas pela ditadura militar — uma “autocracia burguesa” no entendimento de Florestan — e por um desenvolvimento econômico desigual, retardatário e caudatário dos principais centros da economia mundial.
Florestan Fernandes pretendia, com seu monumental “ensaio de interpretação sociológica”, resumir as principais linhas da evolução do capitalismo e da sociedade de classes no Brasil. Mas, ao colocar no centro de sua interpretação o conceito específico de “revolução burguesa”, a summa sociológica de Florestan não deixa de apresentar algumas especificidades em relação a uma pretendida “filiação” marxista, tanto de forma como de substância. Algumas características propriamente “heterodoxas” dessa grande obra são de natureza estilística: uma redação que se estendeu durante cerca de uma década (1966-1974) justifica provavelmente insuficiências como a ausência de unidade global e de uniformidade no texto, o caráter descosido ou fragmentado de alguns capítulos e mesmo mudanças propriamente conceituais no desenvolvimento do discurso, como a substituição da abordagem classicamente weberiana e durkheiminiana da primeira parte pelo enfoque mais claramente “leninista” dos capítulos finais. A adesão de Florestan ao que ele mesmo chama de “sociologia engajada e radical” faz com que sua análise da “revolução burguesa” no Brasil acuse, em diversas passagens, o dilema entre a objetividade científica e a opção política.
(...)
Qualquer que seja o destino futuro do marxismo acadêmico no Brasil, sua trajetória faz parte da própria história intelectual no País, tendo ela sido profundamente marcada pelas contribuições que ofereceram, em seus respectivos campos de atuação, pensadores como Caio Prado, Werneck Sodré e Florestan Fernandes. Eles foram paradigmáticos de uma certa época e plenamente representativos de um determinado debate de idéias, assim como foram, para suas respectivas gerações, “lideranças carismáticas” na descoberta de “campos virgens” de exploração teórica, na condução de pesquisas empíricas, na orientação de leituras, na identificação de caminhos explicativos, na organização científica dos conceitos e outros instrumentos analíticos, na apresentação de “contribuições relevantes”, assim como na própria mobilização política para o “bom combate”. A eles muito deve o vigor da teoria social brasileira nos últimos sessenta anos e sobre sua obra deve repousar, em parte, o esforço de reconstrução de uma teoria histórico-social adaptada ao estágio atual de transformação da sociedade nacional.
Orientações de leitura sobre Florestan Fernandes:
Almeida, Paulo Roberto de. Classes Sociales et Pouvoir Politique au Brésil: une étude sur les fondements méthodologiques et empiriques de la Révolution Bourgeoise (Bruxelas: Université Libre de Bruxelles, 1984, 2 vols.; Thèse présentée en vue de l’obtention du grade de Docteur en Sciences Sociales)
———. “O Paradigma Perdido: a Revolução Burguesa de Florestan Fernandes”, in Maria Angela d’Incao (org.), O Saber Militante: Ensaios sobre Florestan Fernandes (São Paulo-Rio de Janeiro: UNESP - Paz e Terra, 1987, pp. 209-229)
Fernandes, Florestan. A Etnologia e a Sociologia no Brasil (São Paulo: Anhambi, 1958)
———. Mudanças Sociais no Brasil (São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960)
———. Folclore e Mudança Social na Cidade de São Paulo (São Paulo: Anhambi, 1961)
———. A Sociologia numa Era de Revolução Social (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963
———. A Integração do Negro na Sociedade de Classes (São Paulo: Dominus-USP, 1965);
———. Educação e Sociedade no Brasil (São Paulo: Dominus-USP, 1966)
———. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento (Rio de Janeiro: Zahar, 1968)
———. The Latin American in Residence Lectures (Toronto: University of Toronto, 1969-70)
———. O Negro no Mundo dos Brancos (São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972)
———. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina (Rio de Janeiro: Zahar, 1973)
———. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (Rio de Janeiro: Zahar, 1974)
———. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional” (São Paulo: Hucitec, 1975)
———. “A Revolução Burguesa no Brasil em Questão”, Contexto (São Paulo: ano I, n° 4, 1977, pp. 141-8)
———. A Sociologia no Brasil (Petrópolis: Vozes, 1977)
———. A Condição do Sociólogo (São Paulo: Hucitec, 1978)
———. Da Guerrilha ao Socialismo: a Revolução Cubana (São Paulo: T.A. Queiroz, 1979)
———. Apontamentos sobre a “Teoria do Autoritarismo” (São Paulo: Hucitec, 1979)
———. A Natureza Sociológica da Sociologia (São Paulo: Ática, 1980)
———. Poder e Contrapoder na América Latina (Rio de Janeiro: Zahar, 1981)
———. Reflections on the Brazilian Counter-Revolution: essays (New York: M. E. Sharpe, 1981)
———. “Esboço de uma trajetória”, depoimento concedido a equipe coordenada pela Prof. Mariza Correa, em 29 de março de 1984, Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais (Rio de Janeiro: ANPOCS, n° 40, 2° semestre 1995, pp. 3-25)
(...)
Ler a íntegra deste artigo neste link.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Politica industrial: more of the same? - ABDI
Se for isso, podem ter certeza, vão culpar o câmbio e a concorrência desleal dos chineses e continuar fazendo o que sempre fizeram no último meio século (ou mais).
Quando é que esse pessoal vai reconhecer que todos os problemas que atuam contra nossa competitividade são puramente "made in Brazil", são provocados pelas mesmas políticas de Estado pela qual eles tanto lutam?
Paulo Roberto de Almeida
Pensamento do dia: (Jornal da Ciência, SBPC, 23/02/2011)
"A indústria brasileira enfrenta ameaças à sua competitividade em um momento em que o Brasil retoma taxas de crescimento significativas. O desafio está em superarmos esses gargalos e, por isso, uma política industrial de Estado é de fundamental importância."
Autor: Mauro Borges Lemos, novo presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em manifestação reproduzida pela Assessoria de Comunicação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) quando de sua posse no cargo nesta terça-feira (22).
"É preciso leiturizar"!!! - Seria verdade??? -- destruindo a educacao no Brasil
Acho que a educação brasileira está nesse estado lastimável em que ela se encontra -- e tenham certeza de que a qualidade do ensino, no Brasil, é muito, mas muuuuito pior do que vocês possam sequer imaginar -- em grande medida devido a essas pedagogas de araque, que vivem teorizando sobre o nada, em lugar de se concentrar naquilo que é realmente essencial: ensinar Português básico, matemáticas elementares e ciências nos seus aspectos essenciais, apenas isso.
As pedagogas freireanas que "leiturizam" muito estão destruindo a educação brasileira.
Graças a elas, o ensino é essa porcaria que é.
Chego a ter dó de nossas crianças.
Cada vez que encontro um artigo desses que vai, lamentavelmente, transcrito abaixo, tenho absoluta certeza de que vamos passar por todas as (piores) fases da Lei de Murphy: o que já é ruim continuará piorando, da pior forma possível, pelo tempo mais longo imaginável.
Aguardem: teremos pela frente mais 20 anos de decadência educacional, pelo menos, com gente como essa nossa "leiturizadora".
Lamentem, chorem, resignem-se...
Paulo Roberto de Almeida
É preciso leiturizar
Araci Asinelli-Luz *
Gazeta do Povo (PR), 21/02/2011
É preciso buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito.
O termo leiturização foi apresentado por Jean Foucambert, do Instituto de Pesquisas Pedagógicas da França, em entrevista à Revista Nova Escola (1993). Suas preocupações estavam centradas em como se dá o processo de alfabetização que, frequentemente, coloca a criança diante da transcrição oral da escrita e, quase nunca, ante o funcionamento real da escrita, reduzindo em muito as possibilidades de se formarem leitores, ou seja, pessoas capazes de aprender que a linguagem escrita não é a representação da realidade e sim um ponto de vista sobre essa realidade.
Seus escritos permitem identificar três comportamentos diante do texto ou realidade a ser lida: o ledor/a ledora, aquele e aquela que decifra linearmente os códigos e signos apresentados da linguagem escrita, sem qualquer sinal de proatividade e interação com a mensagem ali expressa. Um bom exemplo de ledor é o sujeito que faz a "leitura" da água em minha casa. Observa o relógio da água, digita alguma coisa em uma maquininha que traz consigo e em seguida me entrega um protocolo onde está impresso o quanto foi consumido de água no período e o quanto devo pagar na data que ali se encontra. Sua função não lhe permite ler, além disso. É incapaz de perceber que na casa de uma professora não pode ter um consumo de água nesse valor, alguma coisa deve estar errada. É também o personagem da televisão, o Zeca Diabo, que sabia ler de "carreirinha".
Há também o leitor/a leitora, a maioria das pessoas que teve acesso a um bom processo de alfabetização e letramento e, na escola formal, teve oportunidade de ler textos diferenciados e literatura interessante. A leitora e o leitor entendem perfeitamente a mensagem expressa no texto e são capazes de interpretar e resumir o que o autor quis expressar. Quando muito hábeis vão um pouco além e costumam posicionar-se sobre o texto, expressando sua crítica. Um bom exemplo são os universitários, os pós-graduandos e suas produções acadêmicas a partir das "revisões de literatura".
Foucambert, no entanto, propõe que sejamos leiturizadores. A leiturização exige uma leitura crítica de intenções, dos entremeios, das entrelinhas, sob suspeição. "Olhar um texto é forçosamente se perguntar o que pretende a pessoa que o escreveu". Exige mais do que interpretar, exige se perguntar o porquê daquela palavra, daquela forma de expressar a mensagem, o que pode advir dos significados ali expressos. "Não significa que todos os textos tenham más intenções", mas é preciso ir além da linearidade do que está dito ou escrito.
Paulo Freire falava em "leitura de mundo", para exercer a cidadania plena e postulava a educação como ato político. Em se tratando de política, com a interdependência entre os políticos que temos, o que dizem e fazem, as políticas públicas e a rede de múltiplos fatores que aí se encontram, é necessário leiturizar. Um bom exemplo é buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito. Assim, compartilho um exercício para aprendizagem: o que pretende um político vaidoso autodenominar-se benemérito ao tentar transformar um fato imoral em ato formal de caridade? Que intenções estão por trás da anunciada "moralização da Assembleia" se quem a escreve até pouco tempo era contrário a ela?
Como gerar motivação para o trabalho nomeando líderes com histórias em que falta a ética no trabalho? Como acreditar em valorização da educação se a acolhida dos estudantes no seu primeiro dia de escola é cheia de vazios? Como entender a não criação da Defensoria Pública no Estado, em nome da contenção de gastos, e aprovar aumentos questionáveis em causa própria? Como interpretar a gratificação aos policiais que protegem deputados em detrimento aqueles que protegem toda uma população?
Se "ler o mundo", com seus desastres bioecológicos, seus sistemas de governo, suas alianças políticas e de poder, a generosidade dos povos frente às catástrofes, a beleza da natureza como dádiva de Seu Criador, a inteligência humana na ciência, nas tecnologias e nas inovações, ainda é muito complexo para grande parte da população, leiturizar o mundo vai exigir muito esforço, reflexões e intencionalidade. O resultado? Quem sabe um Brasil mais ético, mais criterioso e menos desigual.
*Araci Asinelli-Luz, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é doutora em Educação.
Os amigos se vao... e nao deixam saudades, por supuesto...
O decadente tirano da Líbia
Larbi Sadiki
Conectando Leitores, 23/02/2011
A Líbia não vai se livrar da infecção dos ventos revolucionários democráticos soprando por todo o Oriente Médio e Norte da África. Se o duradouro líder Muamar Kadafi cair, será uma doce vitória para os herdeiros de Omar AL-Mkhtar, o lendário herói anti-fascista e anti-colonial. Mas muito sangue ainda irá jorrar antes que o coronel Líbio abandone o barco.
Depois de Saddam Hussein no Iraque e Ben Ali na Tunísia, Kadafi é o pior sobrevivente entre os governantes ilegítimos árabes. Ele agora está colhendo o que semeou: terror, nepotismo, política tribal e abuso de poder.
Na Líbia de Kadafi, o chamado Congresso do Povo, universidades e outras organizações afiliadas ao regime tiveram que seguir a linha oficial: culto ao “irmão líder”, leitura do seu Livro Verde, e o rótulo de Pan-Africanismo que nenhum líbio, exceto Kadafi e seus comparsas, acredita.
Ao visitar o país com um grupo de estudantes da Exeter University, os slogans vazios da “Grande Revolução” de Kadafi cobriam todos os espaços públicos. “Parceiros não remunerados”, disse alguém. Outro afirmou “Governo do povo” (sultat AL-shab’ab). Nada poderia estar mais longe da verdade.
Kadafi tem governado o país com a grandeza delirante de um homem que subiu ao poder em um golpe em 1969 com ideais políticos cativantes que se foram abandonando e corrompendo. O socialismo fanfarrão de Kadafi transformou-se em distribuição de favores entre o clã do coronel.
Círculo Íntimo
Um círculo íntimo de confidentes e parentes próximos de Kadafi decidiu e executou os enforcamentos de 1970, com ajuda dos temidos homicidas “comitês revolucionários”.
Nenhuma consulta foi feita ao povo sobre as decisões tomadas e executadas nas guerras, como as que ocorreram no Chade e em outros locais da África. O povo nunca pode reclamar abertamente sobre o dinheiro prodigamente pago na conquista das aventuras estrangeiras de Kadafi, incluindo financiamentos a organizações terroristas.
O regime de Kadafi esteve ligado aos assassinatos do Setembro Negro de 1972 de atletas israelenses na Alemanha, ao desaparecimento do Imã Xiita Musa Al-Sadr em 1978 na Líbia, ao assassinato da policial britânica Yvonne Fletcher em 1984, ao bombardeio da Discoteca La Belle em Berlin em 1986, aos barcos carregados de armas destinados ao Exército Republicano Irlandês em 1987, ao sequestro do voo 73 da Pan Am em 1986, e da explosão do voo 103 da Pan Am em 1988. Isso tudo não esgota a lista.
O bombardeio de Trípoli e Benghazi em 1986 pelos Estados Unidos, ou a grande soma de dinheiro pago por Kadafi para compensar todos os tipos de reclamações contra a Líbia foram alguns dos preços pagos pelos líbios pelos erros de cálculo de seu líder.
As sanções e o status de pária só foram atenuados nos últimos 10 anos. Carregar um passaporte verde líbio fez dos cidadãos líbios ‘persona non grata’ em muitas partes do mundo.
O narcisismo de Kadafi é tal que apenas uns poucos de seus camaradas de armas da tropa dos Oficiais Livres que deram o golpe de 1969 contra o Rei Idris sobreviveram a sua brutalidade.
Alguns morreram em circunstâncias misteriosas (Omar Limheshi; Imhammad al-Muqrif). Outros se retiraram da vida pública voluntariamente (Abd al-Salam Jelloud).
Ato de repúdio público
Como o Egito, o levante na Líbia se caracteriza como um ato de repúdio a um regime existente. Estes são países que passaram por revoluções militares e hoje estão enfrentando revoluções civis.
Tal como na Tunísia, mas de forma muito pior, a Líbia investiu muito pouco em capital social ou em capacitação cívica. Todas as organizações estão comprometidas ou afiliadas à Grande Revolução de Kadafi. Literalmente, estas são células para espionar o povo ou milícias subornadas para defender o regime. Quando os manifestantes abanam bandeiras, ou entoam slogans pró-Kadafi ou anti-Ocidentais, eles o fazem sob ordens do regime.
Apesar disso, os líbios não têm sido passivos. Por exemplo, a Liga Líbia dos Direitos Humanos, a Conferência Nacional da Oposição Líbia (NCLO em inglês), e os Islamitas banidos, todos usaram a internet para expressar sua raiva. Em alguns casos, os dissidentes líbios usaram a Internet como uma ferramenta política, muito antes dos ativistas, em outras partes do Oriente Médio. A NCLO se reuniu em Londres em 2006 e planeja exercer um papel fundamental nas reformas da Líbia pós-Kadafi.
As tentativas de remover Kadafi iniciaram em meados dos anos 80. A mais famosa ocorreu em maio de 1984, no golpe da Guarnição de Abal Al Aziziya quando a Frente Nacional para a Salvação da Líbia, composta de militares e civis dissidentes, teve um papel fundamental.
O confronto mais sério contra a autoridade de Kadafi veio da mais populosa e poderosa tribo líbia, a Warfallah, em outubro de 1993. A rebelião acabou nos julgamentos fraudados de 1995. Diversos homens das tribos foram executados em 1997.
A região oriental, Benghazi, sempre foi uma fonte de dissidência contra o regime. Dezenas morreram nos protestos de 2006. O mapa atual do motim é tanto tribal como regional. Duas tribos ajustaram contas antigas com o regime de Kadafi, retirando seu apoio. Kadafi está agora pagando o preço por ter humilhado a tribo Wirfallah, que ele excluiu de seus favores em meados dos anos 90. Similarmente, a tribo Tabu no sudeste do país tem sofrido estarrecedora discriminação.
Os cinturões de miséria da Líbia estão agora liderando a rebelião. Cidades como Al-Baida, Derna, Ijdadia, todas marginalizadas, não têm dívida de gratidão para com Kadafi, pois nada ganharam do seu governo. Os subúrbios mais pobres de Trípoli, Zintan e Awiya, que têm estado sob fogo intenso, estão liderando a rebelião na capital.
Por que a revolução que depôs Ben Ali na Tunísia demonstra ser infecciosa? As razões podem ser resumidas pelos seguintes fatores: a presença de um tipo de hegemonia à Ben Ali; podridão dinástica e nepotista; republicanismo monárquico; corrupção desenfreada; marginalização dos jovens; violações dos direitos humanos; controle da informação e estado policial.
Todas estas condições se aplicam à Líbia. A única coisa boa na Líbia de Kadafi é a ausência de eleições, que poupou os comitês revolucionários de Kadafi a má conduta complementar de fraudá-las.
Além desses fatores, a região leste, ou seja, Benghazi, tem sido privada dos dividendos do petróleo. Em um país com uma das maiores faixas costeiras de alta produção de petróleo, receitas e oportunidades devem estar disponíveis aos cidadãos. Mas este não tem sido o caso. Agora, Kadafi está colhendo o que semeou.
Dr Larbi Sadiki é professor titular de Política do Oriente Médio na Universidade de Exeter, e autor de Arab Democratisation: Elections without Democracy (Oxford University Press, 2009) e The Search for Arab Democracy: Discourses and Counter-Discourses (Columbia University Press, 2004).
Razões para ser otimista - livro de Matt Ridley
Um livro interessante, ideias inteligentes (ou seja, como "fitted to this blog").
Paulo Roberto de Almeida
RESENHA
Razões para ser otimista
Por Renato Lima
Opinião e Notícia, 22/02/201
Originalmente publicado em Ordem Livre, 21/02/2011
Convido o leitor a apreciar a narrativa feita por Matt Ridley no livro 'The rational optimistic'.
Aquecimento global, miséria nos países em desenvolvimento, terrorismo, fim do petróleo... É quase certo que o jornal de hoje tenha falado de algum assunto como esses, sempre com teor catastrófico e previsões negativas. São tantas notícias ruins que é fácil achar que a humanidade está entrando numa rota de colapso e que as coisas vão piorar. Não faltam livros nem artigos que preveem o fim do mundo ou de boa parte dele. Mas será que essa é a narrativa que faz mais sentido? Não teríamos razão para sermos otimistas, de forma crítica e racional, mas ainda assim otimistas?
Convido o leitor a deixar o lado hiena Hardy de lado (aquela que dizia “Oh vida, oh céus, eu sei que não vai dar certo”) e apreciar a narrativa feita por Matt Ridley no livro “The rational optimistic” (2010), que será lançado no Brasil pela Editora Record no segundo semestre deste ano. O leitor pode já ter lido outros livros de Ridley, como o “O que nos faz humanos: genes, natureza e experiência” (2004). Ele é um escritor de ciência, que em sua mais recente obra aplica conceitos econômicos para explicar o desenvolvimento humano (desde os nossos ancestrais evolutivos) até os dias de hoje. Uma obra ambiciosa no escopo e instigante na análise.
Talvez porque notícia que vende é notícia ruim, o lado positivo da experiência humana é menos falado. Quando se adiciona a experiência humana pós-revolução industrial, menos ainda (ah que saudade dos tempos da caverna, parecem suspirar alguns!). Mas, como observado por Adam Smith, a divisão do trabalho permitiu ganhos de produtividade. Cooperamos com milhares de pessoas que não nos conhecem, mas que mesmo assim se beneficiam (um milionésimo que seja) do nosso trabalho, e o mesmo acontece conosco, que recebemos uma minúscula fração do trabalho alheio, na forma de todos os produtos que consumimos diariamente. E fazemos isso às vezes mesmo sem pagar, como é o caso dos softwares livres ou da Wikipedia.
Essas trocas de conhecimento na economia podem ser comparadas com o sexo para a biologia. Como diz Ridley, ideias fazem sexo, se reproduzem e geram empreendimentos novos. Dessa forma o conhecimento de cada indivíduo pode encontrar outro pedaço de conhecimento de outro indivíduo e gerar coisas impensadas. Junte a ideia do meio de transporte por charrete, coloque um motor e temos os primeiros carros. A ideia de troca de informações pela internet e sua rede de amigos e temos o Facebook. E esse sexo de ideias não enfrenta as limitações físicas ou biológicas do praticado pelos animais. Não existe perigo de super população de ideias, ou exaustão de criatividade. Nem toda nova ideia é boa – a junção de terroristas e aviões, por exemplo, era melhor ter sido evitada – mas por qual razão devemos achar que as ideias ruins vão prevalecer sobre as boas, sempre e em todo lugar?
A autossuficiência, seja uma família rural que produz tudo o que consome ou um país fechado com um mínimo de trocas com o exterior, como a Coreia do Norte, é ruim. Não apenas dificulta a troca de produtos com o exterior, mas impede a participação nesse empreendimento coletivo de troca de ideias, o que permite a inovação. O Brasil, quando teve a sua reserva de mercado para informática e leis de similares nacionais, é outro exemplo do atraso provocado pelas políticas autárquicas. Problema não totalmente sanado, veja a dificuldade que foi levar o iPad para o País.
A narrativa de Ridley pode também ser lida pela inspiração de Alexis de Tocqueville (lá vou eu propor um sexo das ideias desses dois autores). Tocqueville escreveu um belo livro a partir de observações de viagem aos Estados Unidos (“Democracia na América”) e a obra vale por um tratado da vida em sociedade democrática. Via o francês na terra americana uma sociedade que brotava de baixo para cima, sem o peso da aristocracia europeia e outras tradições que poderiam retardar as mudanças que aconteciam nos Estados Unidos do século XIX. Tocqueville analisava a experiência americana dentro de uma narrativa da conquista da igualdade de condições entre os povos. A origem do indivíduo e a profissão dos seus pais foram perdendo a importância ao longo dos anos. A cooperação voluntária, que ele via como traço da sociedade democrática americana, é hoje global na internet. Qualquer software de código aberto se beneficia de sugestões e correções feitas por usuários, a Wikipedia é feita por usuários, o Facebook deve tudo a sua enorme rede de usuários.
Não chegamos até aqui de forma consensual, claro. Muitos – principalmente intelectuais – não gostam desse tipo de sociedade. Sociedade de consumo, do espetáculo, da falsa consciência... são vários os nomes para dizer que tudo está ruim e vai piorar, que a classe média é alienada e os ricos não se preocupam com a alta cultura. Essa nostalgia de supostos tempos de ouro é também respondida por Tocqueville. Lembrava ele de que na sociedade democrática e de cooperação voluntária é possível não ter o esplendor da aristocracia, mas existiria menos miséria. A nação como um todo pode ser menos brilhante, menos gloriosa, mas a maioria dos seus cidadãos vai poder gozar de maior prosperidade.
E essa prosperidade pode ter efeitos inicialmente imprevistos, como o fim de catástrofes anunciadas. Desde o reverendo Malthus que a “bomba populacional” é pregada como um problema global. Várias gerações defenderam limites à procriação ou esterilização forçada – que em alguns casos foram adotados por governos tão diferentes como Índia, China, Suécia ou Dinamarca, seja por medo de aumento da população seja por crenças eugênicas. Mas o que se observa atualmente? Que quanto mais próspero um país fica, menor é a taxa de crescimento populacional. Em quase todos os continentes e culturas as pessoas estão vivendo mais e tendo menos filhos. E uma coisa está associada à outra. Com uma menor mortalidade infantil, as famílias podem planejar terem menos filhos. Criar filhos, mesmo para populações pobres, deixa de ser uma loteria em que não se sabe quantos vão sobreviver para uma escolha pensada de de ter menos filhos e investir mais em educação e saúde para cada um. Como lembra Ridley citando Ron Bailey, a liberdade econômica cria uma mão invisível de controle populacional. “Quanto mais prósperas e livres as pessoas se tornam, mais a taxa de natalidade se estabiliza em duas crianças por mulher sem nenhuma necessidade de coerção. Agora, isso é ou não é uma boa notícia?”, pergunta-se Ridley.
A solução pela via da liberdade não é só eficaz como igualitária. E se aplica para vários outros problemas. Afinal, de ideias diferentes surgem novas soluções.
Renato Lima é jornalista e apresentador do “Café Colombo – o seu programa de livros e idéias”, da Universitária FM, Recife (www.cafecolombo.com.br).
Direitos Humanos: varios pesos e muitas medidas (as vezes, nenhuma...)
O Brasil poderia dizer que os EUA não olham o seu próprio rabo, mas sempre se pode dizer, também, que fazemos ou deixamos de fazer coisas, no plano das relações internacionais, não para contentar ou desagradar alguém, ou outro país, mas em função de nossos próprios valores e princípios.
Parece que os valores e princípios, até pouco tempo atrás, eram, infelizmente, os de ser amigo e até aliado desses ditadorezinhos de opereta, apenas porque eles são -- alguns já eram -- supostamente não-hegemônicos e anti-imperialistas. Não há maneira mais cínica de fazer política externa...
Paulo Roberto de Almeida
WikiLeaks: EUA criticam hipocrisia do Brasil sobre direitos humanos
Yahoo notícias, 23/02/2011
BRASÍLIA - As relações comerciais e a perspectiva de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas levam o Brasil a adotar uma postura ambígua, que chega a ser hipócrita, nas discussões multilaterais sobre a promoção dos direitos humanos. Essa avaliação pontua os relatos a Washington da diplomacia americana em Brasília, segundo telegramas divulgados pelo site WikiLeaks. Para os EUA, o Brasil tem um retrospecto de violações, especialmente no que diz respeito ao trabalho escravo e às condições precárias dos presídios.
Em mensagem confidencial, enviada em 11 de julho de 2008, a conselheira Lisa Kubiske resume a visão americana sobre os votos do Brasil nos fóruns internacionais de direitos humanos:
”Moralidade é uma faca de dois gumes para a política brasileira em razão da clara hipocrisia quando esta firmemente rejeita a condenação de estados que violam os direitos humanos, se estes países podem prover um apoio tangível aos interesses do Brasil”.
Os americanos destacam que o Brasil não encontrou problemas em condenar violações no Turcomenistão, mas é reticente a condenar no Irã ou na China, parceiros durante o governo Lula.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Existem deputados marcianos (ao que parece...)
Parece que nem tudo está perdido.
Cá entre nós: esse deputado corre o risco de ser assassinado por um colega despeitado...
Paulo Roberto de Almeida
Reguffe estreia com exemplo de austeridade
Redação Jornal da Comunidade, 22/02/2011
O deputado federal José Antonio Reguffe (PDT-DF), que foi proporcionalmente o mais bem votado do país com 266.465 votos, com 18,95% dos votos válidos do DF, estreou na Câmara dos Deputados fazendo barulho. De uma tacada só, protocolou vários ofícios na Diretoria-Geral da Casa.
Abriu mão dos salários extras que os parlamentares recebem (14° e 15° salários), reduziu sua verba de gabinete e o número de assessores a que teria direito, de 25 para apenas 9. E tudo em caráter irrevogável, nem se ele quiser poderá voltar atrás. Além disso, reduziu em mais de 80% a cota interna do gabinete, o chamado “cotão”. Dos R$ 23.030 a que teria direito por mês, reduziu para apenas R$ 4.600.
Segundo os ofícios, abriu mão também de toda verba indenizatória, de toda cota de passagens aéreas e do auxílio-moradia, tudo também em caráter irrevogável. Sozinho, vai economizar aos cofres públicos mais de R$ 2,3 milhões nos quatro anos de mandato. Se os outros 512 deputados seguissem o seu exemplo, a economia aos cofres públicos seria superior a R$ 1,2 bilhão.
“A tese que defendo e que pratico é a de que um mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos para o contribuinte do que custa hoje. Esses gastos excessivos são um desrespeito ao contribuinte. Estou fazendo a minha parte e honrando o compromisso que assumi com meus eleitores”, afirmou Reguffe em discurso no plenário.
Várias fontes:
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/104706_UM+HOMEM+FICHA+LIMPA
http://comunidade.maiscomunidade.com/conteudo/2011-02-05/politica/1848/ESTREIA-COM-EXEMPLO-DE-AUSTERIDADE.pnhtml
Não se improvisam diplomatas, nem se improvisa a diplomacia...
Se trata da França, país de velha diplomacia...
Point de vue
"On ne s’improvise pas diplomate"
Le Monde, 23.02.2011
Un groupe de diplomates français de générations différentes, certains actifs, d'autres à la retraite, et d'obédiences politiques variées, a décidé de livrer son analyse critique de la politique extérieure de la France sous Nicolas Sarkozy. En choisissant l'anonymat, ils ont imité le groupe Surcouf émanant des milieux militaires, dénonçant lui aussi certains choix du chef de l'Etat. Le pseudonyme collectif qu'ils ont choisi est "Marly" – du nom du café où ils se sont réunis la première fois. Ceci est leur premier texte public.
La manœuvre ne trompe plus personne : quand les événements sont contrariants pour les mises en scène présidentielles, les corps d'Etat sont alors désignés comme responsables.
Or, en matière diplomatique, que de contrariétés pour les autorités politiques ! A l'encontre des annonces claironnées depuis trois ans, l'Europe est impuissante, l'Afrique nous échappe, la Méditerranée nous boude, la Chine nous a domptés et Washington nous ignore ! Dans le même temps, nos avions Rafale et notre industrie nucléaire, loin des triomphes annoncés, restent sur l'étagère. Plus grave, la voix de la France a disparu dans le monde. Notre suivisme à l'égard des Etats-Unis déroute beaucoup de nos partenaires.
Pendant la guerre froide, nous étions dans le camp occidental, mais nous pesions sur la position des deux camps par une attitude originale. Aujourd'hui, ralliés aux Etats-Unis comme l'a manifesté notre retour dans l'OTAN, nous n'intéressons plus grand monde car nous avons perdu notre visibilité et notre capacité de manœuvre diplomatique. Cette perte d'influence n'est pas imputable aux diplomates mais aux options choisies par les politiques.
Il est clair que le président n'apprécie guère les administrations de l'Etat qu'il accable d'un mépris ostensible et qu'il cherche à rendre responsables des déboires de sa politique. C'est ainsi que les diplomates sont désignés comme responsables des déconvenues de notre politique extérieure. Ils récusent le procès qui leur est fait. La politique suivie à l'égard de la Tunisie ou de l'Egypte a été définie à la présidence de la République sans tenir compte des analyses de nos ambassades. C'est elle qui a choisi MM. Ben Ali et Moubarak comme "piliers sud" de la Méditerranée.
Un WikiLeaks à la française permettrait de vérifier que les diplomates français ont rédigé, comme leurs collègues américains, des textes aussi critiques que sans concessions. Or, à l'écoute des diplomates, bien des erreurs auraient pu être évitées, imputables à l'amateurisme, à l'impulsivité et aux préoccupations médiatiques à court terme.
Impulsivité ? L'Union pour la Méditerranée, lancée sans préparation malgré les mises en garde du Quai d'Orsay qui souhaitait modifier l'objectif et la méthode, est sinistrée.
Amateurisme ? En confiant au ministère de l'écologie la préparation de la conférence de Copenhague sur le changement climatique, nous avons abouti à l'impuissance de la France et de l'Europe et à un échec cuisant.
Préoccupations médiatiques ? La tension actuelle avec le Mexique résulte de l'exposition publique d'un dossier qui, par sa nature, devait être traité dans la discrétion.
Manque de cohérence ? Notre politique au Moyen-Orient est devenue illisible, s'enferre dans des impasses et renforce les cartes de la Syrie. Dans le même temps, nos priorités évidentes sont délaissées. Il en est ainsi de l'Afrique francophone, négligée politiquement et désormais sevrée de toute aide bilatérale.
Notre politique étrangère est placée sous le signe de l'improvisation et d'impulsions successives, qui s'expliquent souvent par des considérations de politique intérieure. Qu'on ne s'étonne pas de nos échecs. Nous sommes à l'heure où des préfets se piquent de diplomatie, où les "plumes" conçoivent de grands desseins, où les réseaux représentant des intérêts privés et les visiteurs du soir sont omniprésents et écoutés.
Il n'est que temps de réagir. Nous devons retrouver une politique étrangère fondée sur la cohérence, l'efficacité et la discrétion.
Les diplomates français n'ont qu'un souhait : être au service d'une politique réfléchie et stable. Au-delà des grandes enceintes du G8 et du G20 où se brouillent les messages, il y a lieu de préciser nos objectifs sur des questions essentielles telles que le contenu et les frontières de l'Europe de demain, la politique à l'égard d'un monde arabe en révolte, nos objectifs en Afghanistan, notre politique africaine, notre type de partenariat avec la Russie.
Les diplomates appellent de leurs vœux une telle réflexion de fond à laquelle ils sauront apporter en toute loyauté leur expertise. Ils souhaitent aussi que notre diplomatie puisse à nouveau s'appuyer sur certaines valeurs (solidarité, démocratie, respect des cultures) bien souvent délaissées au profit d'un coup par coup sans vision.
Enfin, pour reprendre l'avertissement d'Alain Juppé et d'Hubert Védrine publié le 7 juillet 2010 dans Le Monde "l'instrument [diplomatique] est sur le point d'être cassé". Il est clair que sa sauvegarde est essentielle à l'efficacité de notre politique étrangère.
Le groupe "Marly", un collectif qui réunit des diplomates français critiques
Article paru dans l'édition du 23.02.11