Meu mais recente trabalho publicado:
“Transformações da ordem econômica mundial, do final do século
19 à Segunda Guerra Mundial – Entrevista com Paulo Roberto de Almeida”,
blog da
RBPI-IBRI, 30/09/2015
Relação de Originais n. 2846. Relação de Publicados n. 1195.
Depois eu coloco o artigo em si.
E ainda tem uma entrevista em inglês, que também deve estar sendo publicada...
Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto de Almeida is a career
diplomat at the Brazilian Foreign Service (since 1977) and a University
professor at the Master and Doctoral programs in Law of the University
Center of Brasilia (Uniceub), since 2004. He holds a degree in Social
Sciences from the University of Brussels, Belgium (1975), a Master in
Economic Planning from the Developing Countries College of the
University of Antwerp (1976), and a Ph.D. in Social Sciences also from
the University of Brussels (1984). He was visiting professor at the
Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine of the Paris University
(Sorbonne), in 2012, and gives regularly talks about Brazil, its economy
and its diplomacy in many foreign universities. Currently he serves
Itamaraty (Brazilian Foreign Ministry) at the General Consulate of
Brazil in Hartford, CT, USA.
Prior to his current position, was
Minister-Counselor at the Brazilian Embassy in Washington (1999-2003).
Back to Brasilia, he worked for the Strategic Affairs Unit of the
Brazilian Presidency (2003-2007). In 2010 served as Deputy Commissioner
at the Brazilian Pavilion at the Universal Exhibition of Shanghai.
Before that, Paulo Roberto de Almeida worked as Economic Counselor at
the Brazilian Embassy in Paris (where he dealt with OCED matters and
Club de Paris financial negotiations), between 1993 and 1995, as a
Deputy Representative at the Brazilian Delegation to the Latin American
Integration Association, in Montevideo (from 1990 to 1992, when he was
present at the creation of the Mercosur), and also as Secretary in
charge of economic and technology issues at the Brazilian Delegation in
Geneva, dealing with Gatt (Uruguay Round negotiations), Unctad and with
intellectual property matters at Wipo (from 1987 to 1990).
Among his recent publications are:
Books:
- 2014: Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais;
- 2013: Integração Regional: uma introdução;
- 2012: Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização;
- 2010: Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização;
- 2010: O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado;
- 2006: O estudo das relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia;
- 2005; 2001: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império;
- 2002: Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas.
Chapters in Books:
- 2014: “The Politics of Economic Regime Change in Brazilian History”, in: Ted Goertzel and Paulo Roberto de Almeida (eds.), The Drama of Brazilian Politics: From Dom João to Marina Silva (Kindle Book; ISBN: 978-1-4951-2981-0).
- 2013: “Renato Mendonça: um pioneiro da história diplomática do Brasil”, In: Renato Mendonça: História da Política Exterior do Brasil (1500-1825): Do período colonial ao reconhecimento do Império (Brasília: Funag, ISBN 978-85-7631-468-4; p. 11-44).
- 2013: “L’historiographie économique
brésilienne, de la fin du XIXème siècle au début du XXIème: une synthèse
bibliographique”, In: Marie-Jo Ferreira; Simele Rodrigues; Denis
Rolland (orgs.): Le Brésil, territoire d’histoire. Historiographie du Brésil contemporain (Paris: L’Harmattan, 306 p.; ISBN: 978-2-336-30512-7; p. 93-105; format digital: EAN Ebook format: 978-2-336-33277-2).
- 2013: “Oswaldo Aranha: na continuidade
do estadismo de Rio Branco” (com João Hermes Pereira de Araújo), in:
José Vicente Pimentel (org.), Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Brasília: FUNAG, 3 vols.; ISBN 978-85-7631-462-2; vol. 3, p. 667-711).
- 2013: “Pensamento diplomático
brasileiro: introdução metodológica às ideias e ações de alguns dos seus
representantes”, in: José Vicente Pimentel (org.), Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Brasília: FUNAG, 3 vols.; ISBN 978-85-7631-462-2; vol. 1, p. 15-38).
- 2013: “Brazil-USA relations during the
Fernando Henrique Cardoso governments”, In: Munhoz, Sidnei J.; Silva,
Francisco Carlos Teixeira da (eds). Brazil-United States Relations: XX and XXI centuries. Maringá: Eduem, ISBN: 978-85-7628-532-8; chapt. 7, p. 217-246).
- 2012: “Brasil”. In: Malamud, Carlos (coord.). Ruptura y Reconciliación: España y el reconocimiento de las independencias latinoamericanas (Madrid:
Ed. Taurus y Fundación Mapfre, 402 p.; Serie Recorridos n. 1; América
Latina en la Historia Contemporánea; ISBN: 978-84-9844-392-9; p.
199-212)
- 2011: “Attraction and Repulsion: Brazil and the American world”, in: Clark, Sean and Sabrina Hoque (eds.). Debating a Post-American World: What Lies Ahead? (London: Routledge; ISBN-13: 978-0415690553, p. 135-141).
Articles:
- 2014: “Brazilian Economic Historiography: an essay on bibliographical synthesis”, História e Economia: Revista Interdisciplinar (vol. 12, n. 1, p, 149-165; ISSN: 1808-5318).
- 2014 : « Géoéconomie du Brésil : un géant empêtré? », Géoéconomie (n. 68, Février ; ISSN : 1284-9340 ; p. 102-115).
- 2013 : “Sovereignty and Regional Integration in Latin America: a political conundrum?”, Contexto Internacional (vol. 35, n. 2, ISSN: 0102-8529; p. 471-495).
- 2013: “Brazilian trade policy in historical perspective: constant features, erratic behavior”, Brazilian Journal of International Law (vol. 10, n. 1, ISSN: 2237-1036 (on-line), p. 11-26; doi:10.5102/rdi.v10i1.2393).
- 2013: “A política externa das relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?”, Revista Espaço da Sophia (vol. 6, n. 47; ISSN: 1981-318X; p. 163-188).
Site: www.pralmeida.org ; Blog : http://diplomatizzando.blogspot.com/
Por Daniel Costa Gomes
Entre o final do século XIX e a metade do
século XX, a economia mundial foi estruturalmente modificada. O modelo
capitalista consolidou-se e, posteriormente, evoluiu, ganhando feições
modernas e fundando a sociedade de consumo de massa. As inovações
tecnológicas, que chegavam a literalmente assustar, e as inovações
organizacionais resultaram em um aumento inédito (e inimaginável) da
produtividade. O padrão ouro, pilar da estabilidade da ordem econômica
mundial do século XIX, foi definitivamente abandonado, o que produziu
grande volatilidade e insegurança. Em 1944, no entanto, surgiu o sistema
Bretton Woods, em reação àquela instabilidade estrutural. Assim, foram
estabelecidas instituições que, até hoje, ajudam a moldar a ordem
financeiro-comercial: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e
o Acordo Geral de Tarifa e Comércio (GATT, na sigla em inglês). Por
fim, nesse período, os Estado Unidos se consolidaram como a maior
economia do planeta, rompendo com séculos de predomínio europeu.
Paradoxalmente, no entanto, muitas características da ordem econômica
mundial não se alteraram.
Essas e outras mudanças e contradições são analisadas no artigo Transformações da ordem econômica mundial, do final do século 19 à Segunda Guerra Mundial,
publicado na mais recente edição da Revista Brasileira de Relações
Internacionais. O diplomata Paulo Roberto de Almeira, autor do artigo,
concedeu entrevista a Daniel Costa Gomes, membro da equipe editorial da
RBPI e mesurando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília –
UnB.
1) Como apontado no
artigo, o liberalismo clássico não existe mais desde a década de 1930. O
Estado ganhou papel mais ativo na sociedade, e as relações sociais
passaram a ser amplamente regulamentadas. Apesar disso, movimentos
políticos, como os libertários nos Estados Unidos, defendem a volta
daquele modelo. O que você acha disso?
Paulo Roberto de Almeida: Sendo
breve, eu diria que não existe a menor chance disso acontecer, ou seja,
um volta ao “modelo” liberal, que não era modelo, e que de fato não
existia. Mas cabe elaborar um pouco mais a esse respeito, recolocando
esse suposto “modelo” em seu contexto histórico. Existem aqui duas
questões de natureza diferente: o mundo real e o mundo das ideias. O
primeiro tem a ver com processos e eventos concretos, fatos objetivos,
ocorrendo no mundo das relações sociais efetivamente existentes: a
produção, a comercialização, fluxos e estoques de poupança, de
investimentos, moedas, etc. O segundo se refere a um conjunto de
concepções sobre esse mundo, que podem ser aplicadas ex-ante “por
engenheiros sociais”, ou seja, para planejar e mudar a forma como as
comunidades humanas gostariam ou poderiam organizar aquelas relações, ou
implementadas a posteriori, ou seja, o que e como fazer em face de
eventos ou fatos objetivos que fogem ao processo normal de
desenvolvimento das mesmas relações, e que exigem respostas da
comunidade, tomadas com base em certas ideias, pequenas, modestas, ou
grandiosas, verdadeiramente transformadoras. Quanto mais pretensiosas
essas ideias, maiores os desastres que podem esperar seus propositores e
suas vítimas.
O capitalismo, tal como conhecido
historicamente, pertence, obviamente, bem mais ao mundo real do que ao
mundo das ideias, mesmo quando ideólogos e filósofos sociais buscaram
teorizar ou explicar o “sistema”, desde o Iluminismo até a atualidade. O
fato é que nenhum cérebro genial “planejou” o capitalismo: ele foi
sendo implantado aos poucos, como resultados de processos “naturais” de
desenvolvimento econômico e social, sem qualquer central coordenadora de
suas “boas” ou “más” variantes. Diferente é o status do socialismo e
das concepções coletivistas e de dirigismo econômico, aplicadas tanto
nos casos dos fascismos europeus do entre-guerras – como o fascismo
mussoliniano ou o nazismo hitlerista – quanto na experiência mais
longeva do socialismo de tipo soviético. O dirigismo também existiu na
forma mais amena do planejamento indicativo de diversos países europeus
na segunda metade do século 20. Aqui estamos falando de ideias que
tentaram guiar o mundo real, sempre com falhas e limitações intrínsecas,
ou mesmo produzindo alguns desastres incomensuráveis.
O liberalismo clássico, que na verdade
nunca existiu, de fato, correspondeu, no campo do mundo real, ao chamado
período do capitalismo laissez-faire, a Belle Époque, grosso modo do
último terço do século 19 até a Primeira Guerra, e no campo das ideias,
ao pensamento liberal de corte essencialmente britânico (escocês ou
inglês), com umas poucas derivações continentais (Benjamin Constant ou
Alexis de Tocqueville, na França, por exemplo, ou Wilhelm von Humboldt,
na Prússia). Se ele de fato existiu, no terreno do mundo real e no das
ideias, ele veio a termo bem antes de 1930, e pode ter sido “enterrado”,
pelo menos temporariamente, pelos eventos momentosos da Grande Guerra
e, depois, pelas crises do entre-guerras, sobretudo pela Grande
Depressão. Termina aí um suposto liberalismo, muito pouco liberal, e
muito menos clássico; foram apenas experimentos locais de liberalização
política e de relativa liberdade econômica que correspondem ao triunfo
temporário das concepções burguesas do mundo.
O neoliberalismo, que se ensaiou no
terreno das ideias a partir das primeiras reuniões da Sociedade do Mont
Pelérin (com Friedrich Hayek), no final dos anos 1940, só conseguiu ter
um tênue ressurgimento muitos anos depois, quando da ascensão de líderes
políticos conservadores, como Margaret Thatcher, no Reino Unido, em
1979, e Ronald Reagan, nos EUA, em 1980. Na periferia do sistema, nunca
chegou a existir qualquer neoliberalismo consistente, embora tenham
ocorrido, no México, no Chile, e alguns outros (poucos) países, tímidos
processos de reformas econômicas tendentes a limitar os excessos do
nacionalismo doentio e do estatismo esquizofrênico em uso e abuso nos
anos da grande euforia keynesiana, do final dos anos 1940 ao final dos
70.
Mais recentemente, tomaram pequeno
impulso grupos liberais ou libertários, e alguns “anarco-capitalistas”,
que representam uma tentativa de “revival” de antigas ideias liberais,
ou libertárias, mas que provavelmente não vão prevalecer, no momento
presente, ou, provavelmente, em qualquer tempo do futuro previsível. Os
fenômenos são quase inteiramente políticos, ou seja, de círculos
intelectuais, e dispõem de pouco apoio dos verdadeiros capitalistas,
estes sempre ocupados em obter algum tipo de entendimento com as
burocracias governamentais, com a máquina estatal. Ou seja, os ideais
liberais, ou libertários, se desenvolvem um pouco à margem dos processos
reais de organização econômica e social.
Depois desta contextualização histórica
sobre o itinerário das ideias e processos econômicos no último século,
cabe responder à pergunta especificamente formulada sobre as chances que
teria, historicamente ou praticamente, uma volta a um modelo liberal de
capitalismo que teria existindo mais de um século atrás. Meu argumento,
como já referido, é que esse liberalismo, na verdade, nunca existiu, de
fato, ou seja, como expressão de tendências “naturais” do sistema
capitalista nessa etapa de seu desenvolvimento histórico. Respondendo
rapidamente à primeira pergunta, portanto, pode-se confirmar que o
liberalismo “clássico”, se já não existia antes, não tem a mais mínima
chance de retornar agora, e não tem qualquer perspectiva futura em
termos de governança econômica ou de organização do Estado. Ele
permanece uma ideia.
Não é que ele não tenha nenhuma chance
teórica de voltar a conquistar corações e mentes de acadêmicos, ou mesmo
de algumas (pequenas) frações da opinião pública, pois sempre existirão
ideólogos liberais que conseguirão fazer passar a sua mensagem de
liberdades econômicas a espectros mais amplos de algumas sociedades. É
que a complexidade do mundo moderno, o agigantamento da burocracia, a
dimensão já alcançada por um sem número de programas estatais, ou
públicos, nos mais variados setores da vida social (e individual) tornam
irrisórias essas chances de revival liberal no futuro previsível. Será
muito difícil, senão impossível fazer o Estado recuar para as dimensões e
a importância econômica que ele tinha um século atrás. Seria como se
tivéssemos de colocar o gênio para dentro da garrafa outra vez, ou, como
já afirmou uma mente privilegiada, de “enfiar a pasta para dentro do
dentifrício novamente”.
O fato de que grupos liberais,
libertários, façam campanha ou agitem bandeiras proclamando a
necessidade de se reduzir o papel e o peso do Estado na vida não só
econômica, mas simplesmente cotidiana, não significa que essa reversão
seja factível ou sequer imaginável. Já nem se está falando dos
anarco-capitalistas, dos libertários, que desejam uma ausência completa
do Estado, pois eles são como os anarquistas do século 19: um punhado de
sonhadores, um número muito reduzido de militantes utópicos. Os
liberais verdadeiros, aqueles que desejam apenas medidas racionais para
uma maior amplitude das liberdades econômicas na organização social
contemporânea, não devem esperar qualquer avanço notável em favor ou no
sentido de sua pregação bastante sensata e altamente razoável. O
liberalismo não desapareceu, e não desaparecerá, mas suas chances de se
tornar hegemônico – o que ele nunca foi – continuam e continuarão
bastante reduzidas.
As razões podem ser resumidas assim: as
sociedades contemporâneas dispondo de economias avançadas, com um grau
razoável de prosperidade e de bem-estar para a maioria da população,
ainda não enfrentaram crises fiscais verdadeiras para reverter a
natureza ainda essencialmente keynesiana de suas políticas econômicas;
tampouco elas conheceram rupturas severas de seus modelos
previdenciários e assistencialistas, que as obrigassem a desenhar e
implementar sistemas alternativos de seguridade social, que represente
uma diminuição do tamanho e do custo do Estado benefactor. Os países e
economias socialistas desapareceram praticamente por completo – e o que
restou são apenas aberrações aguardando os taxidermistas – mas eles
nunca foram modelo de nada, a não ser para mentes alucinadas das
academias. Quanto aos países emergentes e nações em desenvolvimento,
eles ainda estão construindo seus sistemas de assistência social e de
seguridade inclusiva para desistir no meio do caminho. Nos dois casos,
países desenvolvidos e em desenvolvimento, políticos demagogos,
mandarins privilegiados, burocracias poderosas, excessivamente
poderosas, impediriam qualquer reversão no processo de construção de um
Estado babá, que aliás está em expansão contínua.
Voltando a ser breve, eu apenas apelo ao
realismo ou ao bom senso: não se pode esperar a volta do liberalismo,
nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar. Não há nenhum risco dessa
coisa acontecer novamente, inclusive porque já não acontecia antes. O
Estado sempre foi poderoso, desde os tempos do absolutismo; ele só tinha
um papel econômico relativamente reduzido por razões próprias ao
processo de construção das modernas sociedades urbanas e à organização
do modo de produção capitalista. O gênio já tinha saído da garrafa,
talvez antes mesmo da Primeira Guerra Mundial; depois, então, ele nunca
mais deixou de se espalhar por cada poro da sociedade. Esse é o mundo
real, mas também está nos corações e mentes, ou seja, o culto desmedido
do Estado. Se olharmos o povo brasileiro, por exemplo, existe uma
evidente comprovação dessa tese: por mais que ele sofra nas mãos do
Estado – de um Estado semifascista como o que aqui existe – o povo
brasileiro ama o Estado, quer mais Estado, suplica por políticas
estatais, tanto quanto os capitalistas estão sempre pedindo “políticas
setoriais” aos ministros e burocratas de Brasília. Portanto, não esperem
nenhum recuo por enquanto.
2) Você menciona, no
artigo, que o pós-Primeira Guerra foi caracterizado pelo forte
intervencionismo estatal na economia. Após a Segunda Guerra Mundial, no
entanto, o resultado foi completamente diverso, com a adoção do
multilateralismo econômico. Como explicar resultados tão distintos, em
tão curto espaço de tempo, em face de praticamente os mesmos países?
Paulo Roberto de Almeida: O
forte intervencionismo estatal na economia começou no próprio bojo e em
razão da Primeira Guerra, e não apenas na organização da produção
industrial voltada para a guerra, mas também em função de todos os
mecanismos financeiros e monetários que conduziram à uma quase completa
subordinação da economia às razões da política até então conhecida na
história da humanidade, processos que foram exacerbados nos casos dos
fascismos europeus, e levados a um delírio extremo no caso do
bolchevismo. Vozes liberais como as de Ludwig von Mises ou de Friedrich
Hayek caíram num vazio “ensurdecedor”, ao mesmo tempo em que ascendiam
as doutrinas econômicas de corte intervencionista, mesmo na versão mais
moderada do keynesianismo aplicado.
O fato de que no segundo pós-guerra se
tenha caminhado, no plano das relações econômicas internacionais, para a
ordem multilateral simbolizada pelas instituições de Bretton Woods e
pelo Gatt não quer dizer que se tenha abandonado o intervencionismo
estatal na economia, que aliás não se opõe ao primeiro fenômeno, e que
pode até ter sido o contrário do pretendido. Quase todos os países
avançados aderiram, por certo, ao multilateralismo econômico e
continuaram, ou aprofundaram, formas diversas de intervencionismo
estatal, seja na forma mais light do contratualismo de inspiração
rooseveltiana, seja na versão bem mais dirigista do socialismo europeu
(com diversos países conduzindo processos extensivos de nacionalizações e
de estatização, com experimentos de planejamento indicativo que
traduziam a mesma intenção).
Os resultados, portanto, não são
distintos, e não são contraditórios, pois o fato de se trabalhar num
ambiente internacional mais aberto aos intercâmbios os mais diversos –
comércio, investimentos, abertura econômica, de modo geral – não impediu
governos de estenderem a regulação estatal a setores cada vez mais
“privados” da vida social, em saúde, educação, planejamento familiar,
sempre num sentido “redistributivo” – ou seja, para corrigir
“desigualdades sociais” – e geralmente intrusivo na vida pessoal. Mesmo
nos países que souberam proteger as liberdades individuais – afastando o
temor do Big Brother orwelliano, que no entanto existia plenamente na
União Soviética e na China comunista, por exemplo –, a atuação do Estado
se fez mais visível e praticamente avassaladora, ainda que estando
presente de uma forma não opressiva, como ocorria nos casos “clássicos”
de ditaduras comunistas. Mas até mesmo esses regimes opressivos
terminaram por aderir ao multilateralismo, embora nunca extirpassem os
aspectos mais intrusivos do controle estatal sobre seus cidadãos. No
caso ainda mais exemplar dos países em desenvolvimento, em princípio
capitalistas e aderentes formais à ordem econômica de Bretton Woods, o
papel do Estado foi igualmente determinante, quando não dominante, em
quase todas as áreas relevantes de organização econômica. Continua a
ser, de certo modo, inclusive porque vários deles, depois de breves e/ou
tempestuosos ensaios com experimentos “neoliberais”, voltaram, pela via
eleitoral, ao populismo estatizante e demagógico dos velhos tempos de
keynesianismo improvisado.
A pequena reversão do estatismo
exacerbado registrado nesses países no período recente e até os
processos mais consistentes de desestatização e de maior abertura
econômica – como aliás ocorre atualmente na China – não foram capazes de
diminuir o peso do Estado na vida econômica, como aliás evidenciado nas
estatísticas fiscais de todos os países no último meio século: basta
observar a carga fiscal nos países da OCDE, para constatar o progresso
constante do ogro estatal em praticamente todos os países,
independentemente dos progressos do multilateralismo e da globalização
desde os anos 1990. Em síntese, não cabe equacionar o multilateralismo
da ordem de Bretton Woods com o fim do intervencionismo econômico –
embora ele tenha eliminado os aspectos mais discriminatórios dos regimes
comerciais precedentes, assim como dos sistemas de pagamentos – pois
este continuou sob novas roupagens e em novas formas. O dirigismo
rústico dos sistemas coletivistas do entre-guerras cedeu lugar ao Estado
de bem-estar social, que logo estabeleceu outros requerimentos em
termos de “extração fiscal” e de “redistribuição” pelo alto, não pela
via dos mercados.
3) Antes da Grande
Recessão, de 2008, muitos analistas apontavam que o fim da Guerra Fria
levou à emergência de uma nova era liberal. Nesse sentido, a virada
entre os séculos XX/XXI era comparada à virada entre os séculos XIX/XX.
Você acredita que o paralelo é válido?
Paulo Roberto de Almeida: Analistas
superficiais – como jornalistas econômicos, historiadores apressados e
sociólogos mal preparados – adoram ver paralelos históricos ou analogias
formais entre processos separados por décadas, ou por séculos inteiros.
Daí imagens frequentemente invocadas de um “novo equilíbrio de poderes”
– ao final da Guerra Fria, como se estivéssemos na belle Époque – ou as
demandas por um “novo Bretton Woods”, em face da enorme desordem
financeira trazida pelas crises da economia internacional, nos anos 1990
e a partir de 2008. A ideia de que houve uma “nova era liberal” no
final da Guerra Fria não corresponde absolutamente aos processos
históricos efetivamente havidos. A Guerra Fria não tem tanto a ver com a
terceira onda de globalização – iniciada, por sinal, antes de seu
término “oficial”, ainda nos anos 1980, quando a China se abre aos
capitalistas estrangeiros – quanto a abertura econômica ocorrida no
último quinto do século 20 tem a ver, fundamentalmente, com o
esgotamento e a subsequente implosão prática do modo socialista de
produção enquanto alternativa credível ao modo capitalista de
organização econômica e social.
Esse “modo capitalista” – que certamente
não é uno, unificado ou uniforme, e que sequer é capitalista em toda a
sua extensão, sendo mais exatamente um sistema de mercado baseado em
certas regras comuns – não é necessariamente liberal (como prova o caso
da China), ou tampouco menos intervencionista do que os modelos
keynesianos exacerbados em vigora na maior parte da Europa continental,
na América Latina e em vários outros cantos do planeta. O capitalismo é
um processo “irracional”, incontrolado e incontrolável, assumindo formas
diversas ao longo dos séculos, e que não depende da democracia liberal
para frutificar e se consolidar; ele pode ocorrer sob os regimes
políticos os mais diversos, inclusive ditaduras abertas. É certo, porém,
como dizia Milton Friedman em Capitalism and Freedom (1962), que a
liberdade de mercados é uma condição necessária – embora não suficiente –
das democracias. O capitalismo facilita a vida das democracias, e
certamente a aproxima do polo liberal de organização social e política,
mas ele não pode, por suas próprias forças moldar todo um sistema, o que
ultrapassa em muito a sua “missão histórica”: ele veio ao mundo para
produzir mercadorias, não para distribuir bondades políticas, e menos
ainda para corresponder a construções teóricas generosas e libertárias
como podem ser os regimes liberais.
Não acredito em paralelos históricos ou
em analogias superficiais, ainda que alguns processos possam ter
similaridades formais, uma vez que os atores fundamentais – que são os
Estados nacionais, que estão conosco há quatro séculos, e que prometem
perdurar por vários séculos mais – permanecem os mesmos, e os mecanismos
de ação – dissuasão, cooperação, intimidação, persuasão, dominação –
também permanecem substancialmente os mesmos desde Westfália. O fato de
existir essa grande coisa que se chama ONU – que De Gaulle chamava de
“grand machin” – não muda muito nas equações de base do sistema
internacional, que continua a ser interestatal e soberanista.
O que poderia haver de paralelo entre o
final do século 19 e o início do 21? Pouca coisa, se alguma. Os Estados,
num e noutro caso, continuam a ser decisivos na vida política e
econômica do mundo, agora ainda mais do que antes, inclusive porque eles
ganharam um poder absoluto de emissão irresponsável de moeda,
provocando os mesmos males que já tinham provocado na Primeira Guerra
Mundial e mais além, ou agravando outros: inflação, déficits
orçamentários, desequilíbrios fiscais, regulação intrusiva,
endividamento excessivo, movimentos cambiais erráticos e outros males
que ainda estão por vir. Seria ilusão, contudo, acreditar que vamos
retornar a um padrão ouro, a uma intervenção mínima dos Estados na vida
econômica, ou às liberdades econômicas – livre fluxo de capitais e de
pessoas, comércio relativamente desimpedido ou protecionismo moderado –
que existiam antes da Primeira Guerra.
Sequer no plano político o cenário pode
ser colocado em paralelo: a despeito de continuarem a existir, grosso
modo, as mesmas grandes potências, a globalização atual se vê
fragmentada em quase duas centenas de soberanias distintas e
independentes. As guerras deixaram de ser globais, por certo, mas a
mortandade continua numa escala ainda respeitável, ainda que espalhada
por centenas de conflitos civis, étnicos, religiosos e no aumento da
criminalidade transnacional e do terrorismo fundamentalista. O mundo é
provavelmente melhor, no cômputo global, do que um século atrás –
longevidade, níveis de bem estar, acesso a bens e serviços culturais,
epidemias de fome que podem não ser tão mortíferas quanto no passado,
etc. – mas ele continua tão excitante, ou tão perigoso, quanto antes…
4) Entre o final do
século XIX e meados do século XX, houve um intenso processo de tentativa
e erro. Nesses processos, várias alternativas políticas e econômicas
foram testadas. Para você, quais são as principais lições desse período
de grandes ensaios?
Paulo Roberto de Almeida: Excelente
pergunta, mas que não pode ser respondida de modo simplista, ou de
forma ideológica. Aqui também é preciso estabelecer as distinções
necessárias entre, de um lado, processos reais no bojo de um itinerário
“natural” da história econômica do sistema capitalista, e, de outro, as
ideias e as concepções que justamente estiveram por trás dos grandes
experimentos de “engenharia social”, que foram todos de natureza
política. Por exemplo, a noção de uma sucessão de “grandes ensaios”, de
processos de “tentativa e erro”, não pertence ao reino das
possibilidades históricas previsíveis, pois ela pressupõe a conformação
de uma formação social submetida à ação voluntária de atores sociais
determinados a implementar esses experimentos, o que geralmente não é o
caso, pelo menos não no ambiente natural das democracias de mercado, que
são as experiências mais permanentes na história humana dos últimos
cinco séculos. É certo que grandes revoluções sociais – a francesa do
século 18, a bolchevique e a maoísta do século 20, não esquecendo as
convulsões sociais que levaram aos fascismos do entre-guerras – não
foram planejadas, mas as mudanças impostas à economia e à vida social e
econômica na sequência de cada uma delas foram planejadas e
implementadas sem que os “erros” fossem esperados: estes resultaram da
“lei” das consequências involuntárias.
Regimes absolutistas, ditaduras abertas,
tiranias comunistas e fascistas surgiram e desapareceram enquanto
experimentos de “ensaio e erro”, uma vez que violavam certas “leis
econômicas” da organização social, ou contrariavam a aspiração natural
dos seres humanos a maior autonomia, à liberdade individual, à
iniciativa privada e à defesa da propriedade. O fato de a democracia
inglesa ter se mostrado durável desde 1688, ou de a grande nação
americana ter preservado até a atualidade os traços fundamentais
estabelecidos um século depois pelos “pais fundadores” deve-se
provavelmente ao fato de não terem essas duas formações políticas
embarcado em processos tentativos de “ensaio e erro”, e sim respeitado
algumas regras simples do jogo democrático e da ordem econômica.
Todas as “grandes” experiências
contemporâneas nessa vertente – os fascismos europeus do entre-guerras e
suas derivações periféricas, a escravidão bolchevique e o monstruoso
delírio maoísta, com seus milhões de mortos – foram todas legítimos
empreendimentos de “engenharia social”, o que não ocorreu com as
democracias de mercado, independentemente de suas crises econômicas e de
seus problemas sociais. No pós-guerra, as inflações latino-americanas,
as sucessivas trocas de moedas, no bojo de catastróficos programas de
“engenharia econômica” tentativamente de estabilização, as crises
intermitentes derrubando presidentes e trocando ditadores também
pertencem ao mesmo universo dos ensaios de “tentativas e erros”,
sobretudo no campo econômico.
O itinerário da União Soviética é
exemplar nesse sentido: socialismo de guerra e seu cortejo de fome e
miséria; Nova Política Econômica, e sua pequena janela de liberdade para
pequenos mercados capitalistas; estatização extensiva e lançamento dos
planos quinquenais; coletivização da agricultura, seguido de nova onda
de fome e de uma enorme mortandade provocada; socialismo num só país e
industrialização à base de trabalho “escravo”; estatização completa da
economia e consolidação de uma divisão entre a produção civil e a
militar; esgotamento do planejamento centralizado e ensaios parciais de
mecanismos de mercado; esgotamento completo do “modo socialista de
produção” e implosão final do sistema. O itinerário maoísta é ainda mais
pavoroso, com milhões de mortos sacrificados nos diversos experimentos
de engenharia social no espaço de uma única geração: repressão contra
capitalistas e grandes agricultores, seguida de uma coletivização
antinatural para os padrões sociais chineses; grande salto para a
frente, com fome e canibalismo e milhões de mortos; revolução cultural,
com outros milhares de mortos e a destruição completa do sistema
educacional; no total, dezenas de milhões de sacrificados aos grandes
ensaios maoístas, com o rebaixamento completo da economia chinesa ao
longo desse processo.
Especificamente no período limitado à
primeira metade do século 20, é verdade que ocorreram outros tantos
“ensaios”, ou “alternativas de políticas econômicas”, mas as que
corresponderam mais exatamente a “tentativas e erros” foram quase todas,
se não todas elas, experimentos de engenharia social conduzidas por
regimes autoritários. As democracias de mercado que atravessaram
diferentes políticas econômicas ao longo do período, geralmente não o
fizeram como tentativa e erro, a não ser involuntariamente. O que elas
fizeram, na maior parte dos casos, foi tentar adaptar-se às novas
circunstâncias criadas pelos processos econômicos, pelas dinâmicas dos
ciclos de negócios, quando não pelos cataclismos políticos representados
pelos enfrentamentos com as potências militarizadas e agressivas.
A maior parte dos mecanismos de
intervenção estatal na vida econômica foi introduzida quando da Grande
Guerra, e apenas parcialmente revertida na sequência, o que certamente
criou uma primeira “cultura intervencionista” que ressurgiria em outras
circunstâncias. As medidas econômicas, corretas ou equivocadas, adotadas
por sua vez no entre-guerras, em especial no seguimento da crise de
1929 e da Grande Depressão iniciada em 1931 – protecionismo,
manipulações cambiais, desvalorizações maciças, controles de capitais,
bilateralismo comercial, intercâmbios recíprocos de compensação –,
também corresponderam mais a respostas (ainda que improvisadas) do que a
supostos “grandes ensaios” de economia política alternativa. Estes
ficaram inteiramente no terreno das ideias, geralmente com consequências
catastróficas.
O grande experimento “capitalista” que
entra na categoria da história das ideias foi certamente o conjunto de
prescrições de políticas econômica mais tarde enfeixadas sob o rótulo de
keynesianismo, mas muitas dessas medidas estavam sendo seguidas ou
implementadas de modo instintivo, antes mesmo que elas se convertessem
numa espécie de corpo teórico de “receitas” de política econômica a
partir da publicação da Teoria Geral (1936). Não é seguro que o mundo
capitalista tenha sido “salvo” pelo keynesianismo aplicado, assim como
não é seguro que ele tenha construído as bases das três décadas de
prosperidade e de grande crescimento econômico do segundo pós-guerra,
embora certa historiografia econômica aprecie preservar esse mito.
É certo, no entanto, que as faculdades de
economia aderiram rapidamente às novas tábuas da lei, e passaram a
cultivar o receituário keynesiano (inclusive de forma passavelmente
acrítica), mas isso se deu, provavelmente, mais por preguiça conceitual
do que por suas supostas virtudes no terreno da prática econômica
efetiva. Governos, como se sabe, costumam se guiar mais pela fria
realidade das contas nacionais e dos orçamentos, do emprego e das
reservas monetárias, do que por doutrinas econômicas produzidas nos
gabinetes universitários. Eles também são geralmente infensos (ainda
bem) aos ideólogos da academia, mesmo se os líderes políticos sempre
tenham presente, em suas mentes e na formulação dos discursos, as ideias
de algum economista morto, como dizia o próprio Keynes.
Em todo caso, o keynesianismo foi
acumulando o seu pequeno (ou grande) lote de contradições teóricas e de
impasses práticos, até literalmente implodir na famosa estagflação dos
anos 1970, quando suas bases foram sendo minadas tanto pelos fracassos
registrados quanto pelos avanços teóricos e práticos do neoliberalismo
de corte austríaco. Este, no entanto, nunca foi dominante, ou
ideologicamente hegemônico, pois, a despeito de ter conquistado alguns
(poucos) corações e mentes no cenário político e em algumas (poucas)
academias, ele jamais conseguiu estabelecer sólidas bases no campo
teórico ou conquistar grandes espaços para si nas políticas públicas,
permanecendo sempre marginal e relativamente incompleto na panóplia de
políticas públicas efetivamente aplicadas (que sempre estiveram
inevitavelmente congeladas no universo teórico e prático do
keynesianismo).
Quais as lições, finalmente, que podem
ser extraídas das grandes turbulências econômicas da primeira metade do
século 20, com seu cortejo de desastres políticos e militares, seu
desfilar de milhões de mortos e suas enormes transformações nas
políticas econômicas de quase todos os países? Elas são muitas, mas foi
preciso aguardar a “saída da servidão”, que foi a implosão final da
grande alternativa ao capitalismo, representada pelos experimentos
coletivistas, para realmente confirmar o maior ensinamento prático que
se pode extrair do espetáculo de “aprendizes de feiticeiro” que
constituíram esses experimentos no espaço de três gerações. Esse
ensinamento diz que mercados, em geral, costumam ser mais “inteligentes”
do que burocratas governamentais para criar renda e riquezas sociais,
sendo também mais efetivos na distribuição racional dessas mesmas
riquezas do que governos bem intencionados. O grande erro do socialismo,
como já ensinava Mises desde 1919, não foi, finalmente, ter construído
um regime de opressão, de escravidão econômica, de fraudes políticas e
de degenerescência moral; foi o fato de ter ignorado os mecanismos de
mercado, e a sinalização da raridade relativa pela ação livre dos
preços, como requerimentos básicos de um sistema sustentável, e
racional, de produção e de distribuição de bens e serviços.
Esta é, sem dúvida, a maior lição do
período, que aliás tinha sido consolidada no magnum opus de Friedrich
Hayek, O Caminho da Servidão (1944). O ensinamento, contudo, não parece
ter sido absorvido pelas duas gerações seguintes, sequer pela atual,
pois a maior parte dos líderes políticos e dos responsáveis econômicos
continua a seguir a trilha do dirigismo econômico, do intervencionismo
estatal na vida econômica, da manipulação de moedas e orçamentos,
provocando o espocar constante e regular de desequilíbrios fiscais e de
crises financeiras. Aqui não estamos mais no itinerário “natural” do
capitalismo, mas no desenvolvimento pouco natural das doutrinas
políticas e das concepções econômicas, com certa atração distributivista
dos políticos e a adesão inconsciente das massas às aparentes
facilidades do Estado-babá.
De modo geral, todas as experiências
coletivistas – fascistas ou socialistas – foram um fracasso completo,
algumas com um custo humano inacreditável, ademais do custo mais
permanente que se manifestou de modo indireto nas orientações dirigistas
das políticas econômicas, estas parcialmente compatíveis com a
dominação ideológica keynesianismo aplicado. O socialismo pode ter sido
derrotado, mais na prática do que na teoria – que continuou seu pequeno
caminho de irracionalidades nas academias, indiferentes ao mundo real –
mas o capitalismo de Estado segue seu itinerário de realizações – na
China, por exemplo – e de contradições – na maior parte da periferia
capitalista, dentro da qual os países da América Latina. Ele não parece
perto de ser aposentado, ou de ser compulsoriamente enviado ao museu dos
dinossauros econômicos, e pode ainda dispor de um belo futuro pela
frente.
Volto, portanto, ao meu argumento
inicial: a despeito de terem sido superados os experimentos mais
nefastos de dirigismo econômico e de “engenharia social”, em vigor na
primeira metade do século 20, não parece haver nenhum risco de volta
triunfal do liberalismo, ou sequer de um retorno parcial de suas
prescrições de maior liberdade econômica e de completa liberdade
individual. Por outro lado, e como constatação final, uma outra grande
lição não parece ter sido aprendida ou absorvida de modo completo: a de
que qualquer medida de distribuição social dos benefícios do crescimento
econômico necessita começar pelo reforço dos processos de produção e de
inovação tecnológica, sem os quais o distributivismo passa a incidir
bem mais sobre os estoques de riqueza já criada ou acumulada do que
sobre os novos fluxos de criação de renda e riqueza por meio do estímulo
à atividade produtiva. Em conclusão, o liberalismo ainda tem uma longa
batalha a travar contra o socialismo, mesmo nas formas amenas deste
último. Como diriam alguns, a luta continua…