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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Internacionalização da Amazônia - Almir Pazzianotto Pinto

Internacionalização da Amazônia

Em matéria de preservação ambiental o Brasil não está em condições de ditar regras 

Almir Pazzianotto Pinto*
O Estado de S.Paulo, 27 de setembro de 2019

O interesse externo pela Amazônia ficou evidente no livro O Ano 2000 – Uma incursão no perturbador futuro próximo, realizada com científica frieza, de Herman Kahn e Anthony J. Wiener, editado no Brasil em 1968 pela Ed. Melhoramentos, com prefácio de Roberto Campos. No capítulo dedicado à exploração de energia nuclear, escrevem os autores: “Entre outras fontes de energia estão (como indica estudo ainda não publicado do Instituto Hudson) numerosas represas pequenas de rios sul-americanos. Assim, parece que o Rio Amazonas poderia ser represado com relativa facilidade. Isto não só criaria uma ilha ‘mediterrânea’, como também poderia produzir cerca de 75 milhões ou mais de quilowatts de capacidade, que poderia ser usada na produção de eletricidade a um custo de alguns milésimos de dólar por quilowatt-hora (ou cerca de um terço da capacidade total atual dos EUA, por uma fração do seu custo)” (fl. 111). O livro despertou imensa curiosidade e transformou os autores em celebridades, hoje esquecidas.
A primeira tentativa concreta de penetração estrangeira na região ocorreu na segunda metade do século 19, quando o governo americano soube de projeto desenvolvido pelo governo boliviano de construção de ferrovia destinada à exportação de borracha pelo Oceano Atlântico. A magistral biografia de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, escrita por Álvaro Lins, contém esta breve informação: “Foi curta e sem acontecimentos a estada de Rio Branco em Berlim. Na sua correspondência oficial com o Ministério do Exterior só aparece a sua intervenção oficial no caso do Acre, que resolveria pouco depois no Rio. O capitalismo internacional pretendia apoderar-se do Acre, por intermédio de um sindicato, como se fosse uma colônia africana. Capitais norte-americanos e ingleses estavam em ação em La Paz. Noticiara-se também que o chanceler alemão recebera um dos diretores do sindicato e lhe prometera auxílio ou apoio de banqueiros alemães. Em entrevista com o Barão de Richthofen, secretário de Estado, Rio Branco informa-o de que a fronteira entre o Brasil e a Bolívia não estava ainda demarcada e pede que o governo alemão não se intrometa em tão desagradável negócio” (Rio Branco, Companhia Editora Nacional, SP, 1965, pág. 248).
A incorporação do Acre pelo Tratado de Petrópolis, negociado por Rio Banco, custou-nos 2 milhões de libras esterlinas e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com extensão de 366 quilômetros. A obra, de interesse de ambos os países, foi concluída em agosto de 1912, sob a direção do empresário norte-americano Percival Faquhar. Nela morreram, oficialmente, 1.552 trabalhadores, vítimas de malária, tifo, acidentes de trabalho e ataques indígenas. Outras estimativas aludem a mais de 5 mil, ou um operário para cada dormente assentado.
Já no início da década 1920, Henry Ford cogitou de se tornar autossuficiente na produção de pneus para os automóveis produzidos em Detroit. Com esse objetivo adquiriu vasta área às margens do Rio Tapajós, onde construiu uma vila dotada das comodidades da época, montou fábrica de borracha, plantou 3 milhões de seringueiras e contratou 2.700 empregados. Com a invenção da borracha sintética, mais simples de produzir e mais barata, e o término da 1.ª Guerra Mundial, em 1918, houve redução da procura por borracha natural. A manutenção da Fordlândia tornou-se, então, antieconômica e acabou sendo abandonada em 1945 pelo filho e sucessor do fundador, Henry Ford II, que vendeu as terras e instalações ao governo brasileiro (Jari, Sérgio da Cruz Coutinho e Maria Joaquina Pires, Ed. Imago/Jari Celulose/Embrapa, RJ, 1997, pág. 19).
Na década de 1960 o negócio da celulose atraiu para a região do Rio Jari o americano Daniel Keith Ludwig, bilionário ligado ao setor de transportes marítimos. Em março de 1967 Ludwig concluiu as negociações para a fundação da empresa Jari Florestal e Agropecuária, integrante do grupo Jari Indústria e Comércio S/A, com o governo do presidente Castelo Branco. O projeto visava a produzir celulose, explorar jazida de caulim, cultivar milho, mandioca e arroz, criar gado bovino, na área de 1.632.121 hectares, sendo 1.174.391 hectares no município de Almeirim (PA) e 457.730 hectares no então Território Federal do Amapá, município de Mazagão.
O conjunto produtor de celulose e a usina geradora de energia foram fabricados no Japão e transportados por via marítima, em duas gigantescas balsas, até o Porto de Munguba, às margens do Rio Jari, região do Baixo Amazonas, num percurso de 28.706 km, percorrido em 87 dias. Com o projeto concretizado e a indústria em operações, Daniel Ludwig passou a ser hostilizado como ameaça à soberania nacional, interessado em implantar Estado independente no coração da Amazônia. Em 1981, com idade avançada, cansado e desiludido, o bilionário Daniel Ludwig entregou a monumental obra ao governo e se retirou para os Estados Unidos.
O Brasil ocupa lugar destacado nos índices mundiais de desmatamento. Países como a França, Finlândia, Bélgica e Holanda procuram conservar ou reflorestar. A negra nuvem de fuligem que cobriu São Paulo em agosto não foi provocada por alienígenas. São brasileiros os responsáveis pela devastação da Amazônia. Somos nós os poluidores de regatos, rios, mananciais, lagos, reservatórios e destruidores da flora e da fauna. Produzimos favelas, arruinamos o centro histórico de São Paulo, transformamos o antigo e belo Rio de Janeiro na cidade que hoje ela é.
Em matéria de preservação ambiental, o Brasil não está em condições de ditar regras. O melhor é admitir que somos omissos e indiferentes. Pela ação de vândalos e sob o olhar indolente de sucessivos governos, assistimos à destruição do meio ambiente, procurando os responsáveis no exterior. 

*ADVOGADO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E EX-PRESIDENTE DO TRI–BUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, É AUTOR DE ‘A FALSA REPÚBLICA’

A Palavra do Brasil nas Nações Unidas, 1946-2019: meu desafio ao embaixador Seixas Corrêa - Paulo Roberto de Almeida

Meu desafio ao embaixador Seixas Corrêa, que foi SG por duas vezes no Itamaraty de outros tempos, e que editou pelo menos duas edições da obra “A Palavra do Brasil nas Nações Unidas”, coletando, desde 1946, todos os pronunciamentos de diplomatas brasileiros, geralmente chanceleres, mas também presidentes (praticamente todos desde Figueiredo), a cada abertura da Assembleia Geral.
O desafio é este: prepare uma nova edição (que o atual Itamaraty publicará imediatamente) contendo o discurso do presidente Bolsonaro, com sua tradicional nota introdutória, explicando e resumindo o teor essencial da mensagem transmitida. 
Se desejar, pode usar como pré-resumo o artigo de Marco Antonio Villa, na revista IstoÉ desta semana, cuja chamada transcrevo aqui:

“Bolsonaro dá as costas para o mundo.
Com um discurso demagógico marcado por ataques a inimigos imaginários, o presidente protagoniza um vexame mundial na ONU e coloca em risco o comércio , o agronegócio brasileiro e o diálogo multilateral.”
#MarcoAntonioVilla #ONU #agronegocio #BolsonaroNaONU #Istoe

O desafio está feito, mas agrego aqui meu julgamento preliminar sobre essa nova edição: sinceramente, qualquer ser vivente e pensante, deste nosso planetinha redondo, ao percorrer a nova obra sugerida, constatará, imediatamente, que o discurso de 2019, não tem absolutamente NADA A VER, com todas as demais peças de 1946 a 2018, transcritas nas edições anteriores (creio que a última edição chegava até a Dona Dilma) ou disponíveis nos canais apropriados.
Convido o embaixador Seixas Corrêa a aceitar o desafio e todos os demais leitores a percorrerem aleatoriamente os discursos anteriores do Brasil nas aberturas anuais da AGNU, se quiserem apenas os dos presidentes.
Alerto preventivamente para o desvio padrão.
Não, não culpo o presidente pela peça bizarra produzida em 2019, por já ter por diversas vezes escrito o que penso sobre ele: um despreparado e um inepto para o cargo de presidente.
A culpa incumbe aos aspones ainda mais ineptos, o bando de aloprados que cerca o presidente e que são manifestamente ineptos para a tarefa de preparar um discurso presidencial ou de induzir o presidente a conter os seus instintos mais primitivos.
Como sempre assino embaixo do que escrevo.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 27 de setembro de 2019

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Política Externa Brasileira e Soberania Nacional - Paulo Roberto de Almeida


Política Externa Brasileira e Soberania Nacional

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: palestra no Centro Cultural de Brasília; finalidade: notas reflexivas]


São dois conceitos envolvidos neste seminário. O primeiro é objetivo e evidente: a política externa brasileira, algo que deveria existir e se refletir na sua diplomacia. O segundo é mais difuso, ou vago, pois existem várias concepções sobre o que seja a soberania nacional, e de que forma se pode defende-la.
O presidente acaba de fazer um discurso na abertura dos trabalhos da Assembleia da ONU, na terça-feira 24 de setembro de 2019, na qual afirmou enfaticamente que a Amazônia é brasileira e que ela pertence à nossa soberania. No mesmo dia, o principal editorial do jornal O Estado de S. Paulo, refletindo os trabalhos da Cúpula do Clima, no dia anterior, diz o seguinte:
É perfeitamente possível negociar acordos para a adoção de medidas contra as mudanças climáticas sem colocar em risco a soberania nacional. O que não é mais possível é negar-se a enfrentar a realidade, refugiando-se em um discurso que, a título de defender a pátria, menospreza a ciência e as evidências. (Editorial “O clima como questão política”, OESP, 24/09/2019, A-3)

Em outros termos, existem maneiras e maneiras de defender a soberania. Um deles é enrolar-se na bandeira, recolher-se na sua jurisdição, e proclamar a autonomia completa da nação. A rigor, a soberania completa só pode ser obtida quando um país, um Estado, uma nação for completamente autônoma, independente, autossuficiente, o que implica, por definição, uma autarquia absoluta, um pouco como pretendia o programa do “socialismo num só país” de Stalin, ou a substituição de importações estrangeiras por equivalentes nacionais, como também pretendia Hitler na Alemanha nazista. Mesmo nesses casos, sabemos que seria impossível assegurar completa suficiência nacional em energia, alimentação, insumos para a indústria, ou serviços em geral. A busca de autonomia completa redunda, na verdade, na fragilização do país, uma vez que os sucedâneos nacionais a insumos e produtos serão assegurados a um custo muito mais alto do que a importação desses mesmos bens de países que possuam, justamente, especialização produtiva e, portanto, oferta muito competitiva.
Se partirmos da ideia de que a segurança de um país se consegue com o máximo de interface externa possível, resulta que a soberania fica melhor assegurada com a busca de interdependência econômica no plano global, inclusive no terreno da segurança nacional. Uma visão puramente patriótica da soberania se apoia num nacionalismo muitas vezes introvertido e propenso a rejeitar acordos externos e investimentos estrangeiros, num descolamento negativo vis-à-vis da economia mundial. As relações internacionais no mundo moderno são inerentemente multilaterais, em vista de problemas comuns ao conjunto da comunidade internacional, daí que a rejeição do chamado globalismo é um contrassenso.
Política externa é um posicionamento de um país em face de seu contexto regional, sua vizinhança, e também em relação ao mundo, tanto Estados quanto organismos internacionais, que na sua grande maioria são interestatais e não globalistas, nesse sentido paranoico que temos registrado nos últimos tempos. A diplomacia é um mero instrumento da política externa e costuma ter mais continuidade do que políticas domésticas, que podem oscilar em função das preferências pessoais, ou partidárias, dos dirigentes. Todos os países estão conectados entre si por uma rede de compromissos, acordos de cooperação, normas emanadas de conferências diplomáticas que são, em princípio, acatadas soberanamente por cada Estado que decide participar desses arranjos, supostamente com base num cálculo de custo-oportunidade sobre os benefícios e constrangimentos de tais acordos.
Acordos de integração econômica, por exemplo, são inerentemente redutores da soberania de cada um dos membros, em favor de uma abordagem comum de diferentes vertentes da cooperação: economias de escala na produção industrial, livre comércio nos fluxos de bens e serviços, movimentos facilitados de capitais e até de trabalhadores, e até uma possível moeda comum ou única. Tudo isso retira soberania dos países membros, que aceitam limitações à sua capacidade de regular diferentes setores não só da vida econômica, mas também nos campos da regulação social e do ambiente cultural, na perspectiva de que os benefícios auferidos com a livre circulação de fatores redundará em maior riqueza e bem-estar social. Todas essas reduções de soberania são aceitos soberanamente pelos países.
Acordos internacionais definem muito bem a soberania nacional dos Estados membros, mas ela encontra limites na evolução do direito internacional humanitário, por exemplo, com a crescente afirmação do princípio da “responsabilidade de proteger”, ou seja, proteger vidas humanas contra a irresponsabilidade ou inoperância dos seus respectivos governos. O governo brasileiro, confrontado ao problema de uma possível aplicação intrusiva ou enviesada desse princípio, chegou a defender certa limitação, expressa na fórmula de “responsabilidade AO proteger”. Trata-se de um debate ainda em curso, dados os componentes sensíveis implícitos nesses princípios. Existem muitas questões em aberto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26/09/2019

Um "imenso Portugal"? A hipótese de um império luso-brasileiro no contexto internacional do início do século XIX - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho continuou sendo acessado neste último mês:


Um "imenso Portugal"? A hipótese de um império luso-brasileiro no contexto internacional do inicio do século XIX


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Brasil: o momento destruidor - Oliver Stuenkel, Paulo Roberto de Almeida

Parece que voltamos no tempo: em lugar de embarcar numa viagem em direção do futuro, como queria H. G. Wells em Time Machine, recuamos em direção ao passado, com o pior engenheiro que poderiamos ter: um fabricante de mitos, um disseminador de paranoias regressistas. Oliver Stuenkel faz uma análise basicamente correta do que significa esse impulso de irracionalidade que representa Bolsonaro, mas evita as palavras mais contundentes que eu não hesito em utilizar: estamos em face de uma possível catástrofe de governança, que se traduz, em primeiro lugar, por uma grave crise de governança (como já ocorreu em alguns momentos do lulopetismo), mas desta vez a dose de loucura, a carga de irracionalismo, o grau de paranoia pode ser maior, uma vez que os aloprados dizem não ser ideologia o que de fato é a ideologia que professam, sem qualquer conteúdo  doutrinal, puro vazio mental feito de invectivas, slogans, instintos primitivos e agressivos.
Se eu fosse religioso, eu diria “Deus tenha piedade do Brasil”. Como não sou, só posso dizer: preparem-se para o pior!
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 26 de setembro de 2019



ANÁLISE
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China, uma insuspeita beneficiada do discurso radical de Bolsonaro

Com discurso agressivo, presidente brasileiro reproduz retórica de quando era deputado e aponta para guinada arriscada na política externa brasileira

Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.
Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.DREW ANGERER (AFP)

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Em sua estreia na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro seguiu a orientação dos seus assessores da ala ideológica e partiu para o ataque contra o socialismo, ambientalistas, cientistas, indígenas, o PT, o 'globalismo', a mídia internacional, a França, Venezuela e Cuba, entre tantos outros. Dessa maneira, Bolsonaro reproduziu o papel de radical e 'politicamente incorreto' que desempenhou, por décadas, como deputado no Congresso Nacional e se consagrou como vilão global dos movimentos ambientalistas, que ganham força política ao redor do mundo.
Sobretudo na Europa, onde diplomatas e políticos estão divididos sobre como reagir ao mandatário brasileiro, o discurso fortalecerá aqueles que defendem uma postura mais dura contra o Brasil, incluindo punições econômicas. O discurso, recebido com uma mistura de perplexidade e fascínio por observadores internacionais por seu teor conspiratório, é uma ótima notícia para o presidente francês, que decidiu aproveitar dos incêndios na Amazônia para se projetar como líder ambientalista e para inviabilizar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, postura que agrada aos agricultores franceses. Como Bolsonaro é visto de maneira negativa por significativa parte da sociedade europeia, Macron só tem a ganhar ao se posicionar contra o presidente brasileiro.
O grande perdedor é a Alemanha, que seria o maior beneficiado do acordo comercial. Ao longo das últimas semanas, o governo alemão buscou oferecer uma alternativa à estratégia da França, e reiterou sua disposição em manter o diálogo com o Governo brasileiro sobre temas ambientais. O discurso de Bolsonaro fortalece a tese daqueles na Alemanha, liderados pelo Partido Verde, de que será impossível moderar a postura brasileira sem ameaças concretas. A primeira vítima da situação provavelmente será o pleito brasileiro de se tornar país membro da OCDE, o qual será empurrado pela barriga por países europeus. Afinal, permitir o ingresso do país nas atuais condições poderia ser visto como uma aprovação indireta de suas políticas internas.
Outro país que ganhará com o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no Ocidente, o Governo de Pequim deixou claro que em hipótese alguma permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral. Apesar da retórica anti-China utilizada durante a campanha, a relação bilateral com o gigante asiático inevitavelmente alcançará um novo patamar sob Bolsonaro.
Na política interna, o discurso representa uma vitória acachapante da ala ideológica, liderada por Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, sobre o grupo neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A escolha de Bolsonaro atinge em cheio o projeto de Guedes de projetar a narrativa de um governo tecnocrata, comprometido em tornar o país um destino mais atraente para investidores internacionais. Os observadores internacionais devem estar se perguntando agora por quanto tempo o ministro da Economia aceitará fazer parte de um governo cujo presidente parece se importar pouco com o projeto liberalizante. Afinal, é impossível não perceber que Bolsonaro parece ter um gosto pessoal pelo confronto permanente, algo que fortalece sua narrativa de que a comunidade internacional busca enfraquecer o Brasil. Desse ponto de vista, mesmo a não-ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e os possíveis boicotes que virão contra os produtos brasileiros dificilmente terão efeito moderador sobre o presidente brasileiro. Pelo contrário, a ameaça do isolamento diplomático e o risco de consequências negativas na área comercial parecem fortalecer a convicção do presidente de dobrar a aposta e garantir a radicalização de sua base de apoio. O discurso representa, assim, a maior guinada na política externa brasileira em décadas.