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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Lei da Liberdade Econômica - resumo do escritório Veirano Advogados


O Escritório Veirano Advogados preparou um resumo explicativo da Lei da Liberdade Econômica, transcrito abaixo e neste link:

LIBERDADE ECONÔMICA
APENAS UMA DECLARAÇÃO DE (BOAS) INTENÇÕES – OU MUITO MAIS DO QUE ISTO?

Em 20 de setembro de 2019, entrou em vigor a Lei no 13.874 (“Lei no 13.874”), proveniente da Medida Provisória no 881, publicada em 30 de abril de 2019 (“MP da Liberdade Econômica” ou “Medida Provisória”), com o objetivo declarado de promover uma “mudança cultural nas relações entre o Poder Público e os agentes privados”.
A MP da Liberdade Econômica foi editada visando estabelecer a intervenção excepcional nas relações privadas, proporcionar uma desburocratização e simplificação para os pequenos e médios empreendedores e consolidar em lei a jurisprudência já firmada no Superior Tribunal de Justiça (por exemplo, com relação ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica).
A Lei no 13.874 pode trazer efeitos positivos duradouros na maneira como os negócios serão conduzidos no Brasil. Obviamente, a mudança cultural necessária para torná-la efetiva somente ocorrerá se os princípios e disposições nela contidos forem adotados (e genuinamente apoiados) pelos servidores públicos em todos os níveis do governo, incluindo os juízes brasileiros, responsáveis por aplicar esses princípios em casos concretos.
Para que se possa compreender, sob uma perspectiva geral, as principais mudanças introduzidas pela Lei no 13.874 ao ordenamento jurídico, preparamos um breve guia para tratar dos denominados direitos de liberdade econômica, bem como das principais alterações que poderão afetar as relações privadas.

1. PRINCÍPIOS NORTEADORES
O Brasil ocupa o 110o lugar (em 190) no ranking do Doing Business World Bank e é colocado de maneira impressionante em alguns sub rankings relacionados às interações com o Estado: iniciar um negócio (140o lugar em 190), licenças de construção (175o em 190) e pagamento de impostos (184o de 190). Além disso, o Brasil é um dos países mais litigiosos do mundo- nossos tribunais receberam cerca de 28 milhões de novos casos em 2018, ou quase 11.800 casos por cada 100.000 habitantes. Leis como a proveniente da referida Medida Provisória visam levar esses números a um nível mais racional.
A Lei no 13.874 foi elaborada com base nos seguintes princípios norteadores: (i) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; (ii) a boa-fé do particular perante o poder público; (iii) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e (iv) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Alguns desses princípios não são novidade - a Constituição Federal já prevê, por exemplo, a livre iniciativa, o livre exercício da atividade econômica e a intervenção mínima e excepcional do Estado na exploração direta da atividade econômica, mas, na prática, sempre se observou uma grande carga burocrática e dificuldade para que os agentes privados iniciassem e desenvolvessem suas atividades.
Alguns exemplos da presença dos princípios norteadores descritos acima no conteúdo da Lei no 13.874 encontram-se:
2.
(i)
(ii)
em seu artigo 3o, inciso I, o qual prevê que as atividades econômicas de baixo risco poderão ser desenvolvidas sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da respectiva atividade. A classificação de atividades de baixo risco, por sua vez, dependerá de ato do Poder Executivo federal, o qual deverá ser observado na ausência de legislação estatual, distrital ou municipal específica e, quando não houver o referido ato do Poder Executivo federal, deverá ser aplicada a resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM; e
em seu artigo 3o, incisos IX e X, os quais preveem, respectivamente, que o particular (a) deverá ser cientificado expressa e imediatamente pela autoridade competente sobre o prazo máximo estipulado para análise de seu pedido, de modo que, após transcorrido o prazo fixado, o silêncio da referida autoridade importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei e (b) poderá arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para comprovação de qualquer ato de direito público.

AUTONOMIA DA VONTADE E INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS
2.1. Interpretação do negócio jurídico
A Lei no 13.874 introduziu ao artigo 113 do Código Civil, que trata da interpretação dos negócios jurídicos conforme a boa- fé e os usos do lugar de sua celebração, a indicação de que os negócios jurídicos deverão ser interpretados no sentido que (i) for confirmado pelo comportamento das partes posteriormente à celebração do negócio; (ii) corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo do negócio; (iii) corresponder à boa-fé; (iv) for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (v) corresponder à qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, conforme as demais disposições do negócio e a racionalidade econômica das partes.
Além disso, foi inserido o §2o ao artigo 113 do Código Civil para prever que as partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei, o que significa que as partes terão liberdade não apenas para estipular regras interpretativas adicionais, mas também para alterar ou mesmo excluir a aplicação das novas regras interpretativas estabelecidas pela Lei no 13.874.

2.2. Os limites da função social do contrato
O Código Civil, até a entrada em vigor da MP da Liberdade Econômica, previa em seu artigo 421 que a “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. A Lei no 13.874 inseriu o parágrafo único ao referido artigo com a seguinte redação: “nas relações contratuais privadas, prevalecerão os princípios da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
A redação original do artigo 421 do Código Civil possuía natureza bastante genérica, conferindo grande margem à discricionariedade do Poder Judiciário em cada caso concreto (ao analisar se o negócio jurídico estabelecido contratualmente pelas partes no exercício da autonomia da vontade haveria violado uma função social). Frequentemente, esse exercício acarretava uma reinterpretação judicial dos direitos e das obrigações contratuais, causando insegurança e imprevisibilidade aos contratantes.
Referida inserção pela Lei no 13.874 visa evitar a intervenção e o ativismo judicial excessivos nas relações contratuais privadas. Caberá observar como esta inovação será aplicada pelo Poder Judiciário.
2.3. Parâmetros de revisão ou resolução de pacto contratual e alocação dos riscos definidos
A Lei no 13.874 introduziu, ainda, o artigo 421-A ao Código Civil, para dispor que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento desta presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais e garantindo também que (i) as partes negociantes possam estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (ii) a alocação de riscos definida pelas partes seja respeitada e observada; e (iii) a revisão contratual somente ocorra de maneira excepcional e limitada.
No ponto, a Lei no 13.874 reforçou o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) que, como dito acima, é frequentemente mitigado por reinterpretações judiciais.

3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1. Alterações no Código Civil
Embora, em regra, os sócios não sejam pessoalmente responsáveis por dívidas das sociedades em que possuam participação, na prática, comumente os juízes estendem a responsabilidade patrimonial da sociedade aos sócios diretos e indiretos de empresas brasileiras (e até afiliadas e administradores) por - entre outros - passivos trabalhistas e de natureza consumerista. Houve casos em que os juízes perseguiram a controladora final e (em casos trabalhistas) outras empresas membros do mesmo grupo econômico. As relações de trabalho e de consumo tendem a ter uma abordagem social ou distributiva (funcionários e consumidores são considerados o “elo mais fraco da cadeia”) e os juízes geralmente relativizam o conceito da autonomia patrimonial das sociedades ou o rejeitam por completo.
Infelizmente, a Lei no 13.874 adotou uma abordagem um tanto tímida, alterando apenas o Código Civil, para tornar expresso certos precedentes já estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (e não a legislação específica que trata das matérias trabalhista, consumerista, ambiental e de corrupção, por exemplo).
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica de forma a atingir os bens particulares dos sócios e/ou dos administradores que praticarem abuso da personalidade de sociedade empresária já era previsto expressamente no Código Civil, em seu artigo 50.
O referido artigo, em sua redação original, previa que o abuso da personalidade jurídica estaria caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (conceitos até então não definidos no referido diploma legal).
Com a nova redação incluída pela Lei no 13.874, (i) ficou expresso no caput do artigo 50 que apenas os administradores ou sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso poderão ter seus bens particulares atingidos em decorrência da desconsideração e (ii) definiu-se os conceitos de desvio de finalidade e de confusão patrimonial.
Quanto à definição de desvio de finalidade, a novidade é o pressuposto expresso do propósito (dos sócios ou administradores beneficiados) em lesar credores ou praticar atos ilícitos; quanto à definição de confusão patrimonial, as novidades são dois exemplos concretos de atos que a caracterizam: o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador (ou vice-versa) e a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e um terceiro exemplo genérico referente à prática de outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Foi introduzida, ainda, previsão no sentido de que a mera existência de grupo econômico sem a presença de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica (nos termos do §4o do artigo 50) e que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica (nos termos do §o5 do artigo 50).
Esse dispositivo não representa propriamente uma alteração ao ordenamento jurídico, apenas servindo ao propósito de reforçar a autonomia privada, consignando expressamente que as partes terão liberdade em estipular os termos e condições dos contratos que celebrarem e que, com relação às matérias definidas, a revisão contratual pelo Poder Judiciário deverá ser medida excepcional.

Embora já reconhecida pela Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a desconsideração inversa da personalidade jurídica (ou seja, a possibilidade de extensão das obrigações de sócios e/ou de administradores à pessoa jurídica em caso de desvio de finalidade e confusão patrimonial) foi inserida no artigo 50 do Código Civil.
Além disso, também foi inserida previsão expressa no Código Civil, mediante a inclusão do artigo 49-A, no sentido de que a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores e que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Importa notar que as novas regras sobre desconsideração da personalidade jurídica se restringem à matéria cível e não se aplicam à discussão da responsabilidade de natureza trabalhista, tributária, ambiental, consumerista e concorrencial e outras que são reguladas por leis específicas.

4. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
4.1. Sociedade Limitada Unipessoal
Uma importante inovação trazida pela Lei no 13.874 consiste na possibilidade de a sociedade empresária limitada ser constituída por um único sócio, nos termos do §1o introduzido ao artigo 1.052 do Código Civil. Trata-se do reconhecimento da unipessoalidade de fato de sociedades limitadas com sócios formais, permitindo a alteração de contratos sociais em que a pluralidade de sócios é composta por sócios apenas de direito.
Introduziu-se também o §2o ao artigo 1.052 do Código Civil, no sentido de que, se a sociedade for unipessoal, aplicar-se- ao ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.
A sociedade empresária limitada unipessoal provavelmente tornará pouco usual a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) prevista no artigo 980-A do Código Civil, diante da exigência constante no referido artigo de que o capital social da EIRELI, devidamente integralizado, não seja inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País à época da constituição da EIRELI.
Vale ressaltar que o Código Civil veda, ainda, que uma mesma pessoa física seja titular de mais de uma EIRELI (nos termos do §2o do artigo 980-A). O objetivo desta vedação era justamente coibir abusos da personalidade jurídica e fraudes a credores.
Uma vez que a Lei no 13.874 não introduziu a mesma vedação para as sociedades empresárias limitadas unipessoais e tampouco exigiu a integralização de capital social mínimo para sua constituição, caberá verificar como esta nova estrutura será de fato utilizada e se serão adotados mecanismos de proteção aos credores.
Além disso, embora inserida a possibilidade de constituição de sociedade limitada por 1 (um) único sócio, não foi feita nenhuma exceção no artigo 1.033, inciso IV, do Código Civil, o qual prevê que, quando a pluralidade de sócios não for reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, dissolver-se-á a sociedade.
O dispositivo da Lei no 13.874 (artigo 19, IV) que revogava o inciso IV do art. 1.033 do Código Civil foi vetado, sob o argumento (correto) de que este tinha aplicação não apenas à sociedade limitada, mas também aos outros tipos societários previstos no Código Civil. Mesmo faltando uma ressalva expressa — similar à prevista no artigo 1.033, parágrafo único, do Código Civil (que prevê a possibilidade de conversão da sociedade unipessoal em EIRELI ou em empresa individual) — parece-nos que, com o veto, a regra de dissolução pela não recomposição da pluralidade somente será aplicável se, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o sócio remanescente não deliberar por manter a sociedade com apenas 1 (um) sócio, reformando o contrato social para essa finalidade. Sobre esse ponto, convém ver como as Juntas Comerciais reagirão em tais casos.
4.2. Limitação à responsabilidade do titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI
Foi, ainda, introduzida previsão expressa no Código Civil no sentido de que, ressalvados os casos de fraude, o patrimônio do titular de EIRELI não se confundirá com o patrimônio da empresa, conforme §7o do artigo 980-A do Código Civil, incluído pela Lei no 13.874, proveniente da MP da Liberdade Econômica.

5. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS COTISTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS E PRESTADORES DE SERVIÇOS FIDUCIÁRIOS

5.1. Natureza jurídica e disciplina dos fundos de investimento
A Lei no 13.874 também introduziu um capítulo específico no Código Civil para tratar sobre fundos de investimento (conforme artigos 1.368-C a 1.368-F). No artigo 1.368-C, prevê-se que os fundos de investimento possuem natureza jurídica de condomínio de natureza especial e são destinados à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. É válido ressaltar que a referida definição está alinhada com o que já era estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
Tendo em vista que foi adicionada referência específica aos fundos de investimento destinados à aplicação de recursos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza, entende-se que as disposições do Código Civil introduzidas pela Lei no 13.874 são aplicáveis tanto aos fundos de investimento em participações, regulados pela Instrução da CVM no 578, de 30 de agosto de 2016, conforme alterada (“Instrução CVM 578”) e a todas as demais classes de fundos de investimento atualmente existentes, nos termos da Instrução da CVM no 555, de 17 de dezembro de 2014, conforme alterada (“Instrução CVM 555”).
Conforme prevê o §2o do artigo 1.368-C, competirá à CVM disciplinar os fundos de investimentos.
Outra alteração importante foi introduzida no §3o do artigo 1.368-C no sentido de que o registro do regulamento dos fundos de investimento na CVM é condição suficiente para garantir a sua publicidade e a oponibilidade de efeitos em relação a terceiros. Com isso, estaria dispensada a necessidade de registro do documento em cartório de títulos e documentos.
Resta verificar, no entanto, como será a aplicação desta dispensa na prática, tendo em vista que a Instrução CVM 578 prevê expressamente que o funcionamento do fundo de investimento será automaticamente concedida pela CVM mediante o protocolo na autarquia de certidão que comprove que o ato de constituição e o regulamento do fundo foram devidamente registrados em cartório de títulos e documentos, nos termos do artigo 2o, inciso I, da Instrução CVM 578.
Conforme dispõe o artigo 1.368-F do Código Civil, introduzido pela Lei no 13.874, os fundos de investimento regulamentados pela CVM deverão, no que couber, seguir as disposições dos 1.368-C a 1.368-F do Código Civil.
5.2. Regras aplicáveis aos cotistas de fundos de investimento e aos prestadores de serviços fiduciários
Outra importante inovação no tocante aos fundos de investimento introduzida pela Lei no 13.874 consiste na possibilidade de o regulamento do fundo estabelecer (i) limitações à responsabilidade de cada cotista ao valor de suas cotas; (ii) limitações à responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários ao cumprimento dos deveres particulares de cada um (ou seja, sem solidariedade), perante os cotistas e entre si; e (iii) classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de constituição de patrimônio segregado para cada classe (o qual somente responderá por obrigações vinculadas à classe respectiva), nos termos do 1.368-D do Código Civil.
Antes das alterações introduzidas pela Lei no 13.874, a responsabilidade limitada apenas era prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro para os fundos de investimentos imobiliários (e era aplicável apenas aos cotistas destes fundos, não aos seus prestadores de serviços fiduciários), nos termos da Lei no 8.668, de 25 de junho de 1993.
Conforme dispõe o artigo 15 da Instrução CVM 555, os cotistas de fundos de investimento estão sujeitos à responsabilização pelo patrimônio líquido negativo do fundo, sem prejuízo da possibilidade de o administrador e o gestor serem responsabilizados, caso a política de investimento ou os limites de concentração previstos nos respectivos regulamentos dos fundos e na Instrução CVM 555 não forem observados. 
Ainda nos termos da Instrução CVM 555, o contrato de prestação de serviços dos fundos de investimento regulados pela referida instrução deverá prever a responsabilidade solidária entre o administrador do fundo e o prestador de serviços por eventuais prejuízos incorridos pelos cotistas que derem causa em virtude de condutas contrárias à lei, às normas da CVM e ao regulamento dos fundos. A Instrução CVM 578 traz previsão no mesmo sentido, com exceção às contratações de serviços relacionados especificamente à gestão de carteira.
Ainda, nos termos do novo artigo 1.368-D, §1o, do Código Civil, a adoção da responsabilidade limitada, caso assim passar a ser estabelecido pelo respectivo regulamento, por fundo inicialmente constituído sem esta limitação, somente abrangerá fatos ocorridos após a mudança no regulamento.
Tendo em vista a ausência de regulamentação específica da CVM para tratar das inovações trazidas ao Código Civil pela Lei no 13.874, será necessário aguardar esta regulamentação para que os regulamentos dos fundos possam ser alterados de modo a prever limitações à responsabilidade do cotista e dos prestadores de serviços fiduciários.
A possibilidade de se estabelecer as limitações acima descritas poderá proporcionar maior previsibilidade e segurança jurídica aos investimentos realizados por meio de fundos, além de representarem um incentivo para que os prestadores de serviços fiduciários atuem de forma cada vez mais ativa e inovadora neste mercado.
Por fim, foi introduzida a aplicabilidade das regras de insolvência civil previstas nos artigos 955 a 965 do Código Civil, caso o fundo de investimento com limitação de responsabilidade não possua patrimônio suficiente para responder por suas dívidas. Com essa regra exclui-se a possibilidade de falência ou de recuperação judicial do fundo de investimento.
A insolvência civil poderá ser requerida judicialmente por credores, por deliberação própria dos cotistas do fundo de investimento, nos termos dos respectivos regulamentos, ou pela CVM, conforme previsto nos parágrafos 1o e 2o do artigo 1.368-E do Código Civil.

6. ALTERAÇÕES NA LEI DAS S.A.

Com relação à Lei das S.A., foi inserida a possibilidade de dispensa de assinatura de lista ou de boletim de subscrição no ato da subscrição de ações a serem realizadas em dinheiro, caso a liquidação da oferta pública em questão ocorra por meio de sistema administrado por entidade administradora de mercados organizados de valores mobiliários, nos termos do §2o do artigo 85 da Lei das S.A., introduzido pela Lei no 13.874.
Trata-se de medida de desburocratização para companhias abertas, estimulando o acesso ao mercado de capitais.

7. ALTERAÇÕES NA LEI DE REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS

A Lei no 13.874 introduziu, ainda, diversas alterações na Lei no 8.934, de 18 de novembro de 1994 (“Lei de Registro Público de Empresas Mercantis”). Dentre elas, destaca-se a obrigatoriedade de o registro dos atos constitutivos e de suas alterações e extinções ocorrer independentemente de autorização governamental prévia, devendo os órgãos públicos ser informados pela Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) apenas a respeito dos registros sobre os quais manifestarem interesse.
Além disso, nos termos do novo parágrafo único do artigo 41 da Lei de Registro Público de Empresas Mercantis, os pedidos de arquivamento (i) dos atos de constituição de sociedades anônimas; (ii) dos atos referentes à transformação, incorporação, fusão e cisão de empresas mercantis; e (iii) dos atos de constituição e alterações de consórcio e de grupo de sociedades, conforme previsto na Lei das S.A. deverão ser decididos no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da data de seu recebimento pela Junta Comercial competente, sob pena de os atos serem considerados arquivados, mediante provocação dos interessados, sem prejuízo do exame das formalidades legais pelas procuradoria.
Para outros pedidos de arquivamento não citados acima (como alterações ao contrato social de sociedades empresárias limitadas), o prazo para decisão sobre o respectivo deferimento pela Junta Comercial competente será de 2 (dois) dias úteis, sob pena de os atos serem igualmente considerados arquivados, mediante provocação dos interessados.
Outra importante alteração é o deferimento de registro automático para o arquivamento de atos constitutivos e alterações de sociedades limitadas caso estejam presentes os requisitos de (i) aprovação da consulta prévia da viabilidade do nome empresarial e de localização e (ii) utilização de instrumento padrão estabelecido pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei). Essa medida certamente desburocratizará o registro, permitindo às partes que adequem o contrato social às especificidades da sociedade em um segundo momento.
Ainda, nos termos do §3o introduzido ao artigo 63 da Lei de Registro Público de Empresas Mercantis, fica dispensada a autenticação dos atos levados a arquivamento nas Juntas Comerciais nos casos em que o advogado ou o contador da parte interessada declarar, sob sua responsabilidade pessoal, a autenticidade da cópia do respectivo documento.
A Lei de Registro Público de Empresas Mercantis passou a prever, ainda, que os atos de constituição, alteração, transformação, incorporação, fusão, cisão, dissolução e extinção de registro de empresários e de pessoas jurídicas poderão ser realizados também por meio de sistema eletrônico criado e mantido pela administração pública federal. A ameaça de concorrência potencial de um registro federal pode servir de estímulo para que as Juntas Comerciais de cada Estado sejam mais eficientes.

8. ALTERAÇÕES NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

As alterações introduzidas pela Lei no 13.874 na Consolidação das Leis do Trabalho, no intuito de desburocratizar o empreendedorismo brasileiro, dizem respeito (i) às anotações do contrato de trabalho e da carteira de trabalho; (ii) à anotação da jornada de trabalho; e (iii) ao Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (E-Social).
8.1. Anotações do Contrato de Trabalho e da Carteira de Trabalho
Alterações e revogações dos textos contidos nos artigos no 13, 14, 15, 16, 29, 40 e 135 da CLT, com a implementação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (“CTPS”) eletrônica, sendo a física apenas emitida em caráter excepcional, competindo ao Ministério da Economia essa atribuição, são algumas das alterações introduzidas pela Lei no 13.874 na CLT.
Com a entrada em vigor da Lei no 13.874, a CTPS estará vinculada apenas ao CPF do trabalhador. O empregador terá 5 (cinco) dias úteis para proceder à anotação da contratação mediante um novo cadastro eletrônico de empregador. Em 48 (quarenta e oito) horas após a anotação da CTPS, o trabalhador deverá ter acesso às informações.
Por fim, está revogado o inciso II do artigo 40 da CLT, retirando a necessidade de prova das anotações da CPTS para fins de comprovação de dependentes perante a Previdência Social.
Para os empresários, a alteração simplifica a burocracia de contratar e segue a tendência digital. Indiretamente, mitiga registros precários e imprecisos. Logo, é positiva.
8.2. Anotação da Jornada de Trabalho
Foram implementadas, ainda, alterações e revogações no texto do artigo 74 da CLT, de modo a aumentar de 10 (dez) para 20 (vinte) o número de empregados do estabelecimento para que o empregador tenha a obrigação do controle e registro de ponto.
Serão anotadas as jornadas de trabalho por meio manual, mecânico ou eletrônico, conforme regulamentação administrativa do Ministério da Economia, sendo possível a pré anotação do período de repouso. Também há novas regras para a anotação da jornada de trabalho daqueles que laboram fora do estabelecimento do empregador.
Por fim, por acordo individual escrito, por Acordo Coletivo ou por Convenção Coletiva de Trabalho, será autorizada a anotação da jornada pelo regime de “exceção” (anotação apenas da jornada extraordinária).
As alterações parecem positivas para os empresários, especialmente a que diz respeito ao número mínimo de empregados para registro de horário obrigatório. O texto original é muito antigo e a atividade econômica muito mais modesta. Assim, a alteração parece ser mais fiel ao espírito da norma do que a sua literalidade atual.
A anotação do horário do empregado externo deve ser entendida em harmonia com a regra do artigo 62 da CLT, portanto, sendo aplicável apenas aos casos em que seja possível o controle dessa jornada.
A anotação pelo regime de exceção é mais prática com vantagens para o empregador pela simplificação, sem prejuízo para o empregado. O argumento por vezes apresentado de que ele inibiria o registro de horas extras, na verdade, serviria a qualquer forma de anotação ou não haveria tanto contencioso por horas extras.

8.3. E-SOCIAL
Por fim, o Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (E-Social), que unifica o envio de dados de trabalhadores e de empregadores, será substituído, em nível federal, por um sistema mais simples, de informações digitais de obrigações previdenciárias e trabalhistas.
As dificuldades operacionais do sistema são notórias, bastando ver os sucessivos adiamentos. Não se trata de eliminar registros, mas de procurar um sistema digital mais eficiente.
A proposta original de permissão geral para o trabalho aos domingos caiu, assim como a regulamentação da alteração do dia de descanso e do adicional.

9. DIREITO DO CONSUMIDOR

A Lei no 13.874 não altera expressamente qualquer artigo da Lei no 8.078, de 11 de novembro de 1990 (“Código de Defesa do Consumidor” ou “CDC”)1. Assim, genericamente falando, a opção da Lei no 13.874 parece ter sido a de não restringir direitos dos consumidores, ao menos não aqueles previstos expressamente no CDC. Ao garantir ‘a livre definição, em mercados não regulados, do preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda’ (art. 3o, III), a Lei no 13.874 foi ainda mais específica e excluiu expressamente desse âmbito a legislação de defesa aos direitos do consumidor, assim como a de defesa da concorrência e às demais disposições protegidas por lei federal (art. 3o, § 3o, II, da Lei no 13.874). Mas essa foi a única exclusão relacionada a direito do consumidor, ou seja, tão somente no que se refere à definição de preços de produtos.
Ocorre que o sistema de proteção e defesa do consumidor no Brasil não se resume ao que está disposto no CDC, mas é composto por uma série de normas infralegais e regras que compõem um vasto sistema regulatório que transcendem ao Código de Defesa do Consumidor, de modo que as alterações trazidas pela Lei no 13.874 deverão impactar em alguma medida também as relações de consumo, inclusive podendo flexibilizar algumas perspectivas protetivas, desde que não afrontem diretamente disposições do CDC.
Publicidade e propaganda. Um claro exemplo de impacto da Lei no 13.874 nas relações de consumo refere-se à maior flexibilização dos critérios a serem observados para publicidade e propaganda de serviços e produtos.
O art. 4o da Lei no 13.874 define ser “dever da Administração Pública [...] evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente [...] restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal” (inciso VIII). Nesse contexto, não sendo expressamente vedado pelo CDC, não restam dúvidas que a Lei no 13.874 conferiu às empresas fornecedoras maior liberdade na veiculação da publicidade sobre produtos, justamente com o objetivo de evitar restrições indevidas no que tange a tal direito de expressão, comunicação e/ou interação dirigida ao público visando à promoção, divulgação ou venda de um produto ou serviço.
Estamos à sua disposição caso tenha dúvidas ou precise de informações adicionais.

Lior Pinsky
Maria Letícia Góes
Os autores gostariam de agradecer os inputs valiosos de Jose Wahle (Direito Trabalhista), Paula Surerus (Direito Societário), Cassio Cavalli (Insolvência e Reestruturação), Priscila Sansone (Direito do Consumidor e Product Liability), e Pedro Boueri (Direito Civil).

Everything we thought we knew about poverty [is] wrong - Martin Burt (World Economic Forum)

What if nearly everything we thought we knew about poverty was wrong?

A dog watches people work in the Andralanitra garbage dump in Antananarivo, Madagascar, August 27, 2019. Picture taken August 27, 2019. REUTERS/Baz Ratner - RC1257788200
Image: REUTERS/Baz Ratner - RC1257788200
World Economic Forum, September 27, 2019

Below is an extract from Martin Burt’s Who Owns Poverty?, a memoir about his work to eradicate multidimensional poverty through his Poverty Stoplight initiative. The book will be published by Red Press on September 3 2019.

What if nearly everything we thought we knew about poverty was wrong? What if the legions of policymakers, social scientists, economists, aid workers, charities and NGOs marching across the globe have been using the wrong strategy, and the wrong tactics, to wage the wrong war against poverty?
With the very best of intentions, we’ve been trying to help poor people ascend the ladder out of poverty in the name of social and economic justice. But what if we have been, as it were, leaning the wrong ladder on the wrong wall? And what if being wrong about the problem of poverty was the only thing standing in the way of finding the solution?
Of course, this would not be the first time that society laboured under assumptions later proved to be misguided. Recall a time when educators believed that corporal punishment would ‘cure’ left-handed students, long before we understood that handedness is determined in utero. Doctors in ages past believed tuberculosis to be transmitted by vampires (and that dry air in caves, deserts or mountains was a potent cure) before scientists determined it is caused by bacteria and therefore best treated with antibiotics. Before Copernicus and Galileo, scientists believed the sun revolved around the earth.

“Surely if we’re going to get serious about the business of reducing global poverty, then we’ve got to start by agreeing what we mean by the term, right?”

Nor have our views on poverty itself been immune to similar debate and revision. Seeking to justify the persistent gap between rich countries and poor countries, theorists over the ages have proffered explanations ranging from the cultural to the geographical — and most everything in between.
Marxists view poverty as the inevitable result of the uneven distribution of the means of producing wealth in a society. Capitalism was created to organize production in the belief that enlightened self-interest and the logic of the market create wealth for all; it depended on a certain measure of wealth inequality to promote the entrepreneurial spirit and risk-taking behavior needed to create more jobs and more wealth (and on the view that government programs to reduce inequality only got in the way). Indeed, it’s only in recent years that we’ve started to challenge the orthodoxy of inequality as a necessary precondition for growth.
Elsewhere, the Bible assures us that the poor will always be with us, and the Protestant work ethic reminds us the poor only have themselves to blame — as wealth (the outward sign of God’s blessing) is achieved by overcoming personal, moral, intellectual or spiritual deficits. And if our hard work means we deserve our wealth, the converse must also be true: we deserve our poverty when it happens.
While these world views proffer competing narratives on why there is poverty, they are strangely silent on the question of what poverty actually is — as if, perhaps, we are meant to infer the definition from context. But surely if we’re going to get serious about the business of reducing global poverty, then we’ve got to start by agreeing what we mean by the term, right? Here, too, we witness the evolution of human understanding over time.
“In short: the way we define poverty makes it too complex to solve.”
In our earliest attempts to define poverty, we alighted on the most straightforward of answers. Poverty must be a lack of money: a lack of money coming in (income) and a lack of money going out (consumption). Poverty is the opposite of profit, wealth and accumulation—all of the things society values as inherently good. Armed with this understanding, our solution was to throw money at the problem—in the form of alms, conditional cash transfers and (more circuitously) trickle-down economics.
When our progress in global poverty reduction hit a plateau, we went back to first principles. Some converted poverty from a problem into an opportunity; witness poor Bangladeshi and Mexican women rebranded as ‘microentrepreneurs’ and offered microloans to grow their cottage industries and thereby increase their income. For those tinkering with the engine of economic growth, this was a thrilling retrofit designed to harness the potential energy of poor individuals, to unleash the power of small business and to empower women as economic agents—by giving them the skills, incentives and motivation they lacked to make enough money to live well.
Still others looked beyond the question of cash to reimagine poverty as a many-faced beast. We started talking about ‘multidimensional poverty’, which encompassed a lack of voice, access, equality, security, health, sanitation, education, infrastructure, political representation and so much more. Yet while this new multidimensional framework accounted for a broad range of societal, structural and political factors that created and maintained poverty, income was still at the top of the list. Income was, quite simply, seen as a key that automatically unlocked well-being improvements across the board.
Our current definition of multidimensional poverty, however, comes preloaded with two unsettling consequences. These consequences shape our understanding of what causes poverty and, as a result, what we can do about it.
To understand the first of these, let’s consider the Sustainable Development Goals (SDGs), elaborated by the United Nations (UN). The primary goal is ‘No Poverty’ (largely defined in terms of income and access to resources), and a further 16 goals consider hunger; health; education; gender inequality; water and sanitation; clean and affordable energy; work and economic growth; industry, innovation and infrastructure; sustainable cities; responsible consumption and production; climate change and environmental degradation; and peace and justice.

“There’s little room within the current paradigm for a poor person to have any agency over most of the factors that create their poverty.”

There’s nothing inherently wrong with getting everyone in the development sector working from the same definition and toward the same goals. It’s the manner in which the SDGs are formulated that creates the problem. That’s because when one person’s poverty is partly, or even wholly, subject to forces beyond their control, we negate the efficacy of any individual effort in overcoming that poverty. I might, if I were living in poverty, be able to increase my income, but I have zero influence over structural factors that mitigate my ability to improve my life and livelihood, such as trade distortions in global agricultural markets, my country’s resilience to climatic events and respect for the rule of law, or whether the Ministry of Health provides adequate funding for my local hospital.
In short: the way we define poverty makes it too complex to solve. While we’ve long since abandoned the idea that a person’s poverty is their fault (because they are too uneducated, lazy or apathetic to provide for themselves), there’s little room within the current paradigm for a poor person to have any agency over most of the factors that create their poverty. It’s too big. Too difficult to influence. Out of their hands. Reliance on external solution-providers is baked in, by design.
The second unsettling consequence of the current definition of multidimensional poverty is that it renders development organizations’ current, unidimensional solutions obsolete. Development organizations, by nature, typically focus on one or two issues; despite recognizing that there are many interlocking pieces to the puzzle, we only work on one of them, leaving the rest to someone else. We dig wells and build bridges. We hand out shoes. We train journalists. We administer vaccines. We help farmers grow bigger harvests without worrying about whether they can get their crops to market. We empower the women without bringing the men along for the journey toward a more gender-equal society. We work on decreasing child mortality but leave building schools to someone else. We might win the battle, but we’ll never win the war.

“ Poverty isn’t just a problem ‘over there’ anymore — wealth gaps are on the rise in the united States of America, Canada, France, Sweden and Germany (among others), and we’ve been forced to coin new terms such as ‘working poor’.”

A campsite at a homeless tent city in Sacramento California March 15, 2009. Sacramento's tent city has seen an increase in population as unemployment numbers grow in the US. REUTERS/ Max Whittaker  (UNITED STATES SOCIETY BUSINESS) - GF2E53H1GHI01
Image: REUTERS/ Max Whittaker
At the same time, no one can doubt that poverty — however we define, measure and tackle it — is a growing threat to existing institutions and the cause of much unnecessary suffering in the world. Poverty, abject and otherwise, also manifests as increasing levels of broad-scale voter discontent and civil unrest when the state can’t be relied upon to provide basic services and/or deliver broad economic growth. And poverty isn’t just a problem ‘over there’ anymore — wealth gaps are on the rise in the united States of America, Canada, France, Sweden and Germany (among others), and we’ve been forced to coin new terms (such as ‘working poor’) to cope with the stark reality that, for ever-growing numbers of people, having a job isn’t always enough to put food on the table. Likewise, people from poorer countries are increasingly packing up the few belongings they have and ‘voting with their feet’, journeying to richer countries to seek a better life (whether by choice or necessity).
Cheap internet access makes it easier than ever for poor migrants to peer into the lives of those more fortunate than they are and to glimpse the promise of a higher standard of living. What’s more, cheap global travel means that they don’t need to spend their whole lives on the outside, looking in. The end of the rainbow, with its promised pot of gold, has never been more within reach. Increasingly, too, poor migrants are tech-savvy travelers, armed with potent tools such as smartphones and Facebook. In fact, many organizations aiding refugees often report that the first question that migrants ask when crossing a border is: “What is the Wi-Fi password?”
Against this backdrop, I offer a deceptively simple question: who owns poverty? It’s certainly not an idea we’ve ever articulated before — although, if you re-examine development thinking and practice through the lens of this startling question, you might conclude we had quite strong feelings on the subject all along.
Global poverty discourse has, to date, concerned itself with the question: what is poverty? This seems reasonable, given that good poverty solutions depend on good poverty definitions. Yet there’s also something subtler at work here, when you consider that owning a thing starts with naming it.
Adam named the beasts in the field and the fowl in the air. Conquistadors (re)named the lands they ‘discovered’ on behalf of their sovereigns. We name stars, diseases and social trends in order to bring them into our sphere of influence. We name, we claim.
When it comes to who has naming power over global poverty, it is almost too obvious (to the point of embarrassment) to point out that poor people have traditionally been relegated to a non-speaking part in someone else’s narrative about their lives. They are passive recipients of someone else’s poverty definition, someone else’s poverty measurement. As a consequence of this, poor people are also locked out of the room where decisions get made about what our poverty solutions look like, unable to articulate their perspectives and priorities.

“Rarely, if ever, do poverty experts consider poor people as equally important decision-makers, despite the fact that every day they solve problems related to their family’s well-being.”

The question ‘who owns poverty?’ isn’t one I pulled out of thin air. There was no ‘eureka moment’. Rather, it emerged slowly, over the course of years, as a reaction to a number of things about the global poverty agenda that I found very puzzling indeed.
The initial seed of doubt was sewn with the realization that the definition of ‘poor person’ used by poverty experts rarely seemed to line up with what we were seeing in our work as a Foundation supporting microentrepreneurs in Paraguay (Fundación Paraguaya). Or rather, it didn’t describe everything about them. The joy, generosity, creativity, problem-solving and entrepreneurial spirit we saw led us to conclude that the people we worked with were so much more than simply a binary classification of poor versus non-poor. Their lives were bigger than whether they lived on $1 per day or $2 per day. Those labels seemed all the more inapt and reductionist when applied to two people whose individual experiences of poverty differed completely from each other.
The next seed was one of discontent with the absurdity of there being so much poverty data in the world — but none that served the needs of poor people themselves. We take it for granted that the government departments and development organizations working to reduce poverty need poverty data to make good strategic and operational decisions. But rarely, if ever, do poverty experts consider poor people as equally important decision-makers, despite the fact that every day they solve problems related to their family’s well-being.

“What would happen if we gave poverty back to poor people?”

As a result (in addition to having no input on what’s being measured, how and when) poor people have no access to information collected about their lives and no control over what gets done with it, or by whom.
There are exceptions; I can point to a few promising initiatives that are ‘listening to the voices of the poor’ through participatory data collection and qualitative research. I wonder, however, whether we’re only listening to what we want to hear (feedback on our own indicators, using our own process). I also wonder what happens to the insights generated through this listening. Are they used as a foundation to co-create and co-implement community-led development projects? Or are they simply used to tweak around the edges of our own standardized package of programs and services?
More typically, however, the anti-poverty program-design cycle starts with poverty experts descending on a village with clipboards, extracting pre-defined data points about the lives and livelihoods of poor people and returning to head office to aggregate the data into a spreadsheet. In the worst cases, it starts with consulting governments and civil servants rather than communities — as absurd a scenario as a doctor who takes the temperature of a hospital administrator, instead of the patient, before prescribing the medicine (in the words of my colleague, Andy Carrizosa).
The questions that the Foundation began asking were: What would happen if we gave poverty back to poor people? What would happen if we could find a way for poor people to ask their own questions and create their own poverty indicators? What if we could collect poverty information in a way that put relevant data into the hands of families, so they could be the ones planning and implementing their own family poverty-elimination program? And what if we allowed poor people to define what success looks like?
Over the past decade, the Foundation has been on a journey to do just that. While this journey is still underway, it is already signposted with a number of interesting landmarks and discoveries.

“When people have the power to name their own poverty, to call out their problems for themselves, they also have the power to do something about those problems.”

The first of these is that the richness of poverty can be found in its nuance. Thanks to the work of social scientists and economists in the Global North, we have a huge range of poverty indicators at our disposal. However, we have found that no single constellation of deprivations can be used to describe everyone’s poverty. No single index can adequately capture the diverse ways in which a single family experiences poverty and non-poverty. If you believed Tolstoy when he said happy families are all alike, believe me when I say poor families are all poor in their own ways.
The second discovery relates to efficacy. When people have the power to name their own poverty, to call out their problems for themselves, they also have the power to do something about those problems. To define the solution; to own the solution. Time and again, we have seen poor families devising solutions to problems we previously considered intractable. And I’m not talking about solutions to reduce their poverty, or to alleviate its effects so as to make it a little more bearable, but solutions to eliminate their poverty once and for all.
What’s more, we have seen poor families connecting to each other to share poverty solutions and ideas, rather than sourcing them from external aid workers. After all, not every individual in a community suffers from malnutrition. Not every individual in a community suffers from domestic violence. Where a poor person can identify someone else beating the odds in one particular aspect of poverty, they can create horizontal learning networks that tap into locally held knowledge and solutions. The poor can help not only themselves but also each other to overcome their deprivations.
We might have started with a small question, but what we’ve ended up with is nothing short of a revolution. My book Who Owns Poverty? is a first attempt to tell the story of that revolution.

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