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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Com Biden na presidência dos EUA, o que acontece com os ministros brasileiros do Meio Ambiente e Relações Exteriores?

 No que depender de Bolsonaro, eles ficam...


Se Biden vencer, ministros Salles e Araújo devem perder espaço

Com a vitória de Biden, governo Bolsonaro avalia tirar dos holofotes os ministros integrantes da ala ideológica. Seria a maneira de construir uma ponte com o democrata

Augusto Fernandes
Correio Braziliense, 05/11/2020 07:40

Com o cenário eleitoral dos Estados Unidos apontando para uma vitória de Joe Biden contra Donald Trump na corrida pela Casa Branca, o governo brasileiro avalia como deve se comportar com o país norte-americano no caso de o candidato do partido Democrata ser oficialmente declarado como o novo presidente dos EUA. Por um lado, o Planalto está mais do que ciente de que as cobranças de Biden contra a política ambiental brasileira continuarão fortes. Por outro, sabe que não poderá cortar laços com a maior potência mundial por uma eventual derrota de Trump. Ante essa situação, o presidente Jair Bolsonaro pode promover mudanças no Executivo, em nome do pragmatismo político, e abrir mão de ministros da “ala ideológica”.

Interlocutores do governo ouvidos pelo Correio dizem que os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, poderiam perder a chefia das pastas ou serem realocados para cargos de segundo escalão. Apoiadores declarados do presidente republicano, ambos auxiliares de Bolsonaro, acumulam fortes críticas dentro e fora do Brasil, seja pelo desmatamento recorde na Amazônia e no Pantanal, seja por uma política externa que levou o Brasil à condição, nas palavras de Araújo, a “pária internacional”.

Tirar Salles e Araújo dos holofotes seria importante para o Palácio do Planalto construir uma ponte com Biden, em especial no quesito meio ambiente. O democrata ameaçou “congregar o mundo” contra o Brasil para garantir que a Amazônia seja preservada. Desde o início do ano, o bioma foi atingido por 94.169 queimadas. Esse registro é 5% superior ao que foi contabilizado em 2019 inteiro, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 89.176 pontos de calor na Floresta Amazônica.

Assessores de Bolsonaro reconhecem que o país pode ficar mais isolado, caso não tente se adequar ao perfil de um presidente norte-americano que não mantenha um alinhamento ideológico com o mandatário brasileiro. Dessa forma, a estratégia é encontrar a melhor maneira de Bolsonaro sinalizar a Biden que estará disposto a iniciar um diálogo.

As mudanças, contudo, não devem ser imediatas. O Executivo ainda espera a confirmação do resultado oficial. Se as urnas apontarem vitória de Biden, Bolsonaro deve aguardar até o primeiro trimestre do ano que vem para confirmar uma reforma ministerial. Enquanto isso, ele segue torcendo por Trump.

Ontem, o presidente brasileiro comentou a apoiadores que eventual vitória de Biden pode abrir espaço para uma interferência do governo norte-americano na política do Brasil. “O candidato democrata, em duas oportunidades, falou sobre a Amazônia. É isso que vocês tão querendo para o Brasil? Aí sim uma interferência de fora pra dentro”, alertou o mandatário.

Mais uma vez, Bolsonaro comentou que espera a vitória de Trump. O presidente evitou falar em derrota do republicano e disse que vai aguardar pelas decisões da Suprema Corte norte-americana. “Parece que foi judicializado o negócio lá, né. Um estado ou outro. Esperar um pouquinho. A esperança é a última que morre”, lembrou o presidente.

Reacomodação
Segundo cientistas políticos, a eleição de Biden deve impactar o Executivo brasileiro, em especial porque o Itamaraty tem sido pautado por um completo alinhamento a Trump. Diante disso, será imprescindível que o governo mude a forma de fazer política com o restante do mundo. “Bolsonaro terá de se acomodar à nova realidade. Será muito diferente com Biden, pois ele perderá o acesso privilegiado à Casa Branca. Então, há uma força no gabinete e, até certo ponto, na própria vice-presidência, de que é necessário ter uma boa relação com os EUA. Portanto, é provável que ele faça um gesto de acomodação. A mudança mais lógica seria com Araújo e Salles, que são os ministros mais desprestigiados no exterior”, analisa Eduardo Viola, professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

O cientista político Enrico Monteiro, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, acrescenta que “a ideologia nos deixou isolados do mundo” e que Bolsonaro precisará mudar essa postura para não deixar o Brasil “completamente à margem do comércio internacional”. De acordo com ele, “isso seria péssimo para uma retomada econômica”. “Acho que a vitória do Biden vai trazer algumas reflexões: qual é o nosso posicionamento em relação a comércio internacional e qual é a nossa posição enquanto país com o maior potencial de economia verde do mundo e maior produtor do agronegócio mundial. Teremos a chance de fazer discussões que, até o presente momento, não ocorreram porque houve alinhamento automático com o Trump. Se Biden for confirmado, ele vai propor para os parceiros comerciais uma série de movimentos, sobretudo na área ambiental, aos quais o Brasil precisará se adequar.”

“Brasil não tem nada a esconder”
O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou, ontem, que as relações entre os Estados Unidos e o Brasil precisam continuar, independentemente do resultado das eleições. De acordo com o general, cada nação tem seus interesses e o diálogo é institucional. “Nosso relacionamento é de Estado. Independe do governo que está lá. É claro que o presidente Trump é mais próximo do presidente Jair Bolsonaro. Cada nação tem seus interesses”, disse Mourão, ao embarcar com uma comitiva de diplomatas para conhecer as ações de combate do governo federal ao desmatamento na Amazônia. Quanto à viagem, Mourão disse que “o Brasil não tem nada a esconder” e que o país reconhece suas dificuldades na área ambiental. (Renato Souza)

O que dizem os especialistas?
Voto e mobilização

“A polarização política tem o efeito de mobilização dos eleitores. Os democratas saíram de casa e os idosos votaram contra o Trump pelos correios, devido à gestão dele durante a pandemia. No entanto, por outro lado, o eleitor fiel a Trump, sentindo-se desamparado por outros governos, garantiu a ele vitórias importantes como na Flórida, onde o republicano teve um voto maciçamente masculino e branco. Embora a eleição norte-americana tenha impacto no Brasil, a vitória de Trump não acrescenta em algo prático, porque quem tem o maior impacto sobre o Brasil é o próprio Brasil. Temos que fazer o dever de casa, e o governo brasileiro deve realizar diálogos e levar adiante discussões importantes de melhorias deste governo”.
Creomar de Souza, fundador da Consultoria Política Dharma

É melhor não brigar
“Esta é uma eleição histórica porque ocorre no meio de uma pandemia, com um voto antecipado robusto e significativo, além de ter um dos maiores comparecimentos para votação do período recente, considerando que, nos EUA, a votação é facultativa. No Brasil, a eleição norte-americana exerce um poder simbólico de fortalecimento do posicionamento ideológico. Bolsonaro foi eleito na mesma onda conservadora de Trump, e uma eventual vitória do republicano terá um efeito revigorante neste movimento. Não acredito que a vitória de Biden trará muitas consequências. Os dois países são grandes parceiros econômicos, e o Brasil não vai brigar com a China e os Estados Unidos ao mesmo tempo. Na prática, não altera muito quem ganha ou perde”.
Lúcio Rennó, professor do Instituto de Ciência Política da UnB

Sequência de erros
“A postura de Trump com relação à pandemia, acrescida da retórica dele em relação à Europa e à Otan, além do desprezo dele em relação a alguns assuntos — como a ocasião em que ele se recusou a apertar a mão de Angela Merkel na Casa Branca —, foram fatores que o prejudicam agora. Além disso, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) é pró-Biden, ainda que ele não seja o candidato dos sonhos para esse grupo. E caso Biden seja o vencedor, tanto EUA quanto Brasil devem ter bom senso para que a soberania do Brasil seja respeitada; para que o governo brasileiro reconheça os equívocos na área ambiental e mude de atitude a respeito disso.”
João Carlos Souto, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário do DF (UDF)

O olhar do investidor
“Os Estados Unidos deram mostra de que o candidato favorito é Joe Biden. Apesar da política de Trump, favorável ao mercado interno americano, os investidores temem a guerra com a China e a beligerância com a Europa. No Brasil, isso acaba tendo um certo reflexo. Não podemos esquecer que o nosso maior parceiro comercial são os Estados Unidos — para efeito de importação e exportação, somados. A China é a maior compradora do Brasil. Qualquer movimento dos americanos afeta diretamente o Brasil. O mercado local olha esse termômetro. Mas, obviamente, existe um componente interno (no Brasil) que está afetando mais do que propriamente a eleição americana. Juntando esses dois fatores, temos altas elevadas nas Bolsas e uma volatilidade muito grande. E os espectadores, aqueles que estão com dinheiro, aguardam os passos corretos para fazer os seus investimentos.”
César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia e diretor da Corretora OpenInvest

Efeito covid
“Se não tivesse ocorrido a pandemia, Trump teria uma vantagem extremamente expressiva. Mas a forma como ela foi tratada pelo presidente Trump trouxe prejuízo, junto com o viés econômico, que era a grande locomotiva que poderia colocá-lo bem à frente de Joe Biden. Com uma vitória de Biden, pode ocorrer instabilidade entre EUA e Brasil em um primeiro momento. Mas ambas nações são grandes parceiras históricas, trata-se de uma parceria de Estado, não de governo. Do ponto de vista comercial, não haverá uma catástrofe.”
Rodrigo Badaró, conselheiro federal da OAB e especialista em política dos Estados Unidos

Futuro da política
“O número oito é muito importante na história mundial. Em 1918, após a Revolução Russa, o mundo tinha duas ideologias: de um lado o liberal; e de outro, o comunismo. Em 1938, o mundo teve três para escolher, com o nazismo também. A partir de 1988, o socialismo cai. É só estudar a China que dá para ver que aquelas teorias não se encaixam muito. Depois de 2008, nem o liberalismo explica mais nossa nação. Eu creio que, em 2004, houve duas mudanças significativas: a internet, que ficou mais visível a todos, e o smartphone. Nessa junção, mudamos o DNA da humanidade e, com isso, todas as questões que estamos falando talvez sejam velhas demais. Em outras palavras, quem Bolsonaro vai enfrentar em 2022, talvez a gente nem conheça ainda.”
Rafael Favetti, advogado e cientista político

https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2020/11/4886830-salles-e-araujo-na-mira.html?utm_source=push&&utm_medium=push


BOLSONARO DIZ QUE ERNESTO ARAÚJO TEM 'CHANCE ZERO' DE CAIR SOB BIDEN PRESIDENTE

Presidente garante permanência de ministro trumpista
Época, 05/11/2020 - 07:10 

Jair Bolsonaro tem dito a interlocutores que o trumpista Ernesto Araújo tem "chance zero" de ser demitido sob a presidência de Joe Biden.

Aliás, Bolsonaro tem mostrado resistência a mudar radicalmente e da noite para o dia seu discurso e atitude por conta de Biden.

Prefere moderar o tom aos poucos — e só se Trump perder a batalha judicial.

https://epoca.globo.com/guilherme-amado/bolsonaro-diz-que-ernesto-araujo-tem-chance-zero-de-cair-sob-biden-presidente-24729522

Constituição: reformar via emendas ou por nova Constituinte - Adilson Dallari

 Consultor Jurídico 

INTERESSE PÚBLICO

Por que convocar uma Constituinte e redigir uma nova Constituição Federal

Por 

O mundo político e jurídico brasileiro desabou quando, em exposição feita na Academia Brasileira de Direito Constitucional, em presença de ministros do STF e outros magistrados, o deputado federal Ricardo de Barros (PP-PR), propôs a realização de um plebiscito para decidir sobre a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, considerando que "temos um sistema ingovernável, estamos há seis anos com déficit fiscal primário, ou seja, arrecadamos menos do que gastamos, não temos capacidade mais de aumentar a carga tributária, porque o contribuinte não suporta mais do que 35% da carga tributária, e não demos conta de entregar todos os direitos que a Constituição decidiu em favor de nossos cidadãos". Segundo ele, a Carta é pródiga em direitos e avara em deveres, levando a uma excessiva judicialização.

Positivamente, não foi um gesto tresloucado e inoportuno, de um irresponsável. A manifestação foi feita em local apropriado, uma academia de Direito, perante juristas perfeitamente habilitados para apreciar devidamente a sugestão. O deputado não é um neófito, mas já está em sua sexta legislatura, depois de ter sido prefeito municipal de Maringá, tendo sido ministro da Saúde, no governo Michel Temer, e sendo atualmente líder do governo na Câmara dos Deputados. Nada justifica os destemperados protestos (até de gente respeitável) contra essa proposta, como se ela fosse um atentado contra a democracia e um verdadeiro crime de lesa pátria. 

Mais sereno, num cuidadoso texto, o respeitado constitucionalista, deputado constituinte e presidente da República Michel Temer se pergunta e responde: "Quando se justifica uma constituinte? Quando há uma ruptura no sistema jurídico constitucional". Para ele, se for necessária alguma alteração na Constituição, isso deve ser feito por emenda constitucional ("Nova Constituição?", Oesp, 1/11/2020, p. A2). Esse posicionamento seria aceitável se efetivamente vivêssemos tempos de normalidade, o que, deveras não ocorre. É tempo, isto sim, de uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto.

Ninguém nega os benefícios trazidos com a reconstitucionalização do Brasil, em 1988. Mas é incontestável que o texto produzido era o melhor que se poderia fazer nas circunstâncias daquele momento. Não por acaso, ele já sofreu mais de cem emendas ao longo dos seus 30 anos de vigência. Essa quantidade de emendas mostra duas coisas: a) o texto original era bastante imperfeito, ou inadequado para realidades emergentes; b) não é possível corrigir os desacertos ainda presentes, por meio de mais emendas constitucionais, dadas as dificuldades políticas para a aprovação de cada uma, no momento em que temos 30 partidos políticos em funcionamento.

Mas, antes de entrar em detalhes, seja permitido recordar que a Constituição em vigor não foi produzida por uma assembleia constituinte, conforme já tivemos oportunidade de salientar neste mesmo informativo ("Por uma Assembleia Nacional Constituinte independente e exclusiva", ConJur, Interesse Público, 27/4/2017), nestes termos: "Entretanto, verdade seja dita, ela não foi resultante de uma assembleia constituinte e teve origem espúria, num arranjo político então possível. Ela nasceu de simples emenda constitucional, proposta pelo presidente Sarney (EC 26/85), que conferiu poderes constituintes aos membros do Congresso Nacional, os quais, após a conclusão dos trabalhos, continuariam sendo deputados e senadores. Vale notar que o Congresso constituinte foi eleito com sua composição determinada pelo chamado Pacote de Abril (de 13/4/1977), do presidente Geisel, que fechou o Congresso e editou 14 emendas constitucionais, com o indiscutível propósito de falsear completamente a representatividade, de maneira a garantir a vitória do governo ditatorial nas eleições do ano seguinte. O resultado mais direto e imediato desse arranjo foi que os 'constituintes' legislaram para si mesmos. O capítulo da CF, que dispõe sobre o sistema político, eleitoral e partidário, foi originariamente feito para propiciar a reeleição dos parlamentares, o desnaturamento dos partidos políticos e a perenidade dos caciques regionais"

Essa é a realidade atualmente existente. Alguma melhoria foi possível com a edição da Emenda Constitucional nº 97/2017, que altera o artigo 17 da CF, mas é bastante sintomático o fato de que as alterações serão implantadas gradativamente, até o ano de 2030. Ou seja, a pior parte da CF em vigor foi objeto de uma única e parcimoniosa emenda constitucional, de escassa eficácia. Isso mostra duas coisas: 1) é simplesmente inviável alterar o tanto que precisa ser imediatamente alterado na CF, por meio de emendas constitucionais; 2) não faz sentido algum esperar que a crise que estamos vivendo se agrave, a ponto de causar uma ruptura no sistema constitucional, sendo muito mais racional que adotem medidas que possam evitar tal ruptura. 

O momento correto e oportuno para a edição de uma nova Constituição é matéria controvertida. Enquanto o professor e presidente Michel Temer sustenta que isso só teria cabimento no caso de uma ruptura constitucional, há quem pense exatamente o contrário. É bastante curioso, para dizer o mínimo, o posicionamento expressado pela Gazeta do Povo, do último dia 28/10 ("A nova Constituição desejada por Ricardo Barros"): "Portanto, não há nada de errado em desejar para o Brasil uma Constituição mais enxuta, menos engessada, que equilibre melhor as competências do Estado e da iniciativa privada, que dê ferramentas para um combate mais efetivo ao crime e à corrupção, que compreenda a necessidade do equilíbrio fiscal — este é um desejo legítimo e até meritório. Mas pelo menos algumas dessas mudanças podem ocorrer por emendas ao texto atual, e elas vêm sendo feitas, ainda que em ritmo mais lento que o necessário. Restam as limitações mais profundas, que realmente só poderiam ser sanadas com uma nova lei maior; mas isso exigiria um outro momento, de absoluta tranquilidade e serenidade, bastante diferente daquele que vivemos hoje, de turbulência e polarização". Nossa opinião, convém repetir, é no sentido de que o importante é evitar que o agravamento dos problemas atuais leve a uma ruptura constitucional.

Problemas a serem resolvidos não faltam, a começar pela total e completa renovação da disciplina dos sistemas político, partidário e eleitoral, onde abundam absurdos, abusos, desperdícios, que viciam completamente a representação popular, atingindo os limites do ridículo. A independência e harmonia entre os poderes não mais existem, dadas as invasões, as omissões, os excessos e os abusos havidos tranquilamente como inevitáveis e irremediáveis. A promiscuidade brasiliense é pública e notória, e o compadrio é havido como virtude. A administração pública é superdimensionada, esclerosada e dominada por uma casta superprivilegiada. O sistema tributário se caracteriza pela formidável complexidade, geradora de conflitos e de insegurança jurídica. Não é preciso dizer muito sobre a corrupção, a impunidade, o foro privilegiado, os infinitos recursos que sobrecarregam todas as quatro instâncias ordinárias que, na verdade, temos. O padrão moral é lastimável em todas as estruturas públicas, merecendo ser destacado como amostra o vergonhoso comportamento do STF, que mudou seu entendimento quanto à presunção de inocência, para beneficiar uma determinada pessoa.

O STF merece um especial destaque. É realmente uma instância ordinária, como se observa no dia a dia. Qualquer partido político que tenha sofrido alguma derrota no Congresso recorre diretamente ao STF. No momento atual, entre outras, fervilham as disputas sobre identidade de gênero e sobre a vacina contra a Covid-19. O STF já decidiu até resultado de jogo de futebol: em 2017 ficou decidido que o Sport Club do Recife foi o campeão brasileiro de 1987. Os problemas do STF já foram por nós abordados neste informativo em vários artigos ("O necessário controle do Poder Judiciário", 17/10/19, "Supremo não é sinônimo de absoluto", 7/5/20, "Todos são iguais perante a lei, exceto os 11 brasileiros do STF", 11/06/20). No momento cabe apenas lembrar que, em pronunciamentos feitos à imprensa, a ministra Carmen Lúcia se pronunciou contra uma nova Constituição mas, ao mesmo tempo, reclamou da sobrecarga do STF. Seja permitido um exemplo de algo a ser mudado: está em discussão no STF a ADIN nº 6.524-DF, versando sobre a questão da proibição de reeleição dos presidentes das mesas da Câmara e do Senado, estabelecida no §4º, do artigo 57 da CF. Argumentam os interessados em sua reeleição que a matéria é regimental, ou seja, interna corporis de cada uma das casas. Invocam em seu favor decisão do então ministro do STF Carlos Velloso, no sentido de que a vedação de reeleição não é um princípio, mas uma simples norma. Porém o ministro salientou que: "A norma do §4º, do artigo 57, da CF, é uma norma constitucional. É dizer, a norma regimental foi constitucionalizada". Esse é apenas um exemplo de assunto que poderia ser objeto de lei, regulamento ou regimento, mas acaba sendo de competência do STF por figurar na Constituição. Há muito que "enxugar" no texto constitucional vigente.

Em resumo é quase unânime o entendimento de que muita coisa precisa ser mudada no texto da CF, para o aprimoramento da ordem jurídica vigente. A discordância está em como fazer isso. Nosso entendimento é no sentido da inviabilidade da correção por meio de uma infinidade de emendas constitucionais, sendo necessária e viável a convocação de uma verdadeira Assembleia Nacional Constituinte. Já salientamos, em diversos escritos, que o povo brasileiro não abdicou de sua soberania em 1988, ao contrário, a preservou, por meio dos instrumentos de exercício da democracia direta, como é o caso do plebiscito e do referendo. Ao povo, titular de todo poder, cabe decidir sobre o assunto. Por plebiscito poderia decidir sobre a convocação de uma verdadeira Assembleia Nacional Constituinte, independente e exclusiva, eleita pelo voto popular, independentemente de filiação partidária, para dispor apenas e tão somente da temas substancialmente constitucionais. O texto assim produzido poderia ser submetido a um referendo, possibilitando a instauração de uma nova ordem constitucional verdadeiramente democrática.


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