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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Entrevista de Rubens Ricupero sobre a implementação do Plano Real, 30 anos atrás - Luiz Guilherme Gerbelli (Estadão)

Entrevista de Rubens Ricupero, apresentada da melhor forma possível por Mauricio David.

Se o Brasil tivesse tido na sua vida política mais uns dez ou vinte homens públicos da qualidade do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a nossa história teria sido outra... Alguns poucos homens públicos extraordinários tivemos : a começar pelo próprio Ricupero, mas também o Fernando Henrique Cardoso, o Mário Covas, Tancredo Neves, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Oswaldo Aranha nos tempos do Getúlio, Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco e alguns poucos mais... Do lado de gente com o perfil mais liberal-conservador, não posso deixar de mencionar Carlos Lacerda (tão odiado pela esquerda brasileira, mas que político extraordinário !, estou acabando de reler a biografia dele escrita pelo historiador americano John W.F. Dulles, que magnífico livro ! que homem político !), e o Lott – o soldado de ferro !, a história do Brasil seria outra, se tivesse sido eleito Presidente em 1960. Posso esquecer o único “santo” brasileiro, de certa forma um homem da Igreja que a aproximou dos pobres ? (dom Hélder Câmara). Mas se a nossa história nos legou estes homens públicos, por que haveríamos de desesperançar de que o futuro não nos possa trazer mais gente com um perfil extraordinário como destes ?

Recomendo muitíssimo esta entrevista do embaixador Ricupero publicada pelo Estadão e reproduzida abaixo. Um dos homens de ouro da diplomacia brasileira, oblato da Ordem dos Beneditinos ! (como me confirmou faz poucos dias em um e-mail que me enviou)-, me lembra um daqueles políticos japoneses que preferem se suicidar em público por pequenos deslizes cometidos na vida pública. Se todos os políticos brasileiros tivessem o comportamento do Ricupero ( e de imitar os políticos japoneses...), o Brasil certamente correria o risco de ficar despovoado, mas o ar pelo menos seria mais respirável...

MD

Eis a entrevista que mencionei acima : 

Real 30 anos: ‘Caí porque disse muita bobagem’, diz Rubens Ricupero

Escolhido por Itamar Franco para substituir Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, Ricupero fez a transição da URV para o Plano Real; sua queda foi polêmica com o chamado escândalo da parabólica

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli

Por Luiz Guilherme Gerbelli

Entrevista com Rubens Ricupero  -  Ministro da Fazenda durante a implementação do Plano Real 

O Estado de S. Paulo, 27/06/2024

 

..”E ele me respondeu com uma frase dessas que têm de ser interpretadas. Me disse: “Nós examinamos todas as opções. E o senhor é a única alternativa”. Não quer dizer muita coisa, mas eu deduzi que ele não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais.”

 

...” um desses gurus, o Nizan Guanaes, que eu nem conheço pessoalmente, falou com os meus colegas e disse: “O real precisa ter uma cara. Vocês pegam esse velhinho - eu tinha 57 anos, hoje, tenho 87 -, enquadram na televisão - e ele explica.”

 

... “O Palácio é muito traiçoeiro”...

...” escapar da chamada armadilha dos países de renda média. O Brasil está preso nessa armadilha. Só sai se crescer 30 anos numa velocidade de cruzeiro, mas não vai crescer se voltar a política Dilma Rousseff. Ele vai crescer com responsabilidade e é, claro, que também com consciência social e atento aos que precisam mais. 

Ao lado de Itamar FrancoRubens Ricupero tem uma das imagens mais emblemáticas do Plano Real. Em 1º de julho de 1994, o então presidente e ministro da Fazenda, respectivamente, esticaram as novas notas para os fotógrafos. Era o início da circulação da nova moeda.

Ricupero assumiu o comando do Ministério da Fazenda com a saída de Fernando Henrique Cardoso, que deixou o cargo para participar da eleição presidencial de 1994. Coube a Ricupero, então, comandar a transição da URV (Unidade Real de Valor) para o real. 

“Eu deduzi que ele (Itamar) não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais”, afirma.

A passagem de Ricupero pelo Ministério da Fazenda foi curta. E sua saída polêmica. Em setembro, caiu por causa de um áudio vazado numa entrevista para a TV Globo - no que ficou conhecido como “escândalo da parabólica”.

“Eu disse assim: ‘Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura. O que é ruim a gente esconde.’ Eu disse isso, mas ninguém se deu conta que eu estava fazendo o contrário. Eu estava escondendo o que era bom para mim”, diz.

Ao olhar para trás, quase 30 anos depois da sua queda, Ricupero diz que seu deslize foi “imperdoável” e que disse muita bobagem. “Eu estava apenas dando mostra de uma vaidade pueril de criança. Mas eu saí. Pedi desculpas em público e assumi plenamente a responsabilidade.”

A seguir Ricupero relembra a sua passagem pelo Ministério da Fazenda:

Como foi o convite para o sr. ser ministro?

Quando estava se aproximando a eleição, o Fernando Henrique tinha de tomar uma decisão, de sair do governo seis meses antes. Ele se decidiu no fim de março de 1994. Aí o Itamar me chamou e me convidou. No início, eu disse a ele: “Por que o senhor não convida o Edmar Bacha, o Pedro Malan, que são membros da equipe? Eu mal sei o que é essa URV (Unidade Real de Valor). A única coisa que eu sei é o que saiu nos jornais. Eu não tenho muito conhecimento disso.”

E qual foi a resposta do Itamar quando o sr. sugeriu esses nomes?

E ele me respondeu com uma frase dessas que têm de ser interpretadas. Me disse: “Nós examinamos todas as opções. E o senhor é a única alternativa”. Não quer dizer muita coisa, mas eu deduzi que ele não queria um economista da equipe nem alguém ligado ao Fernando Henrique. Ele queria alguém que devesse o cargo a ele. Talvez, com a ideia de que poderia influir mais. Não sei. Não me deu as razões. Eu perguntei a ele o que queria que eu fizesse. Ele disse que queria que aplicasse o plano com a equipe que esta aí. Essa frase foi muito valiosa para mim.

Por quê?

Várias vezes, durante o tempo em que eu fui ministro, ele queria interferir. E ele nunca aceitava conversar com a equipe. Só conversava comigo. Ele era um homem de índole generosa. Ele queria aumentar o salário mínimo. Havia campanha dos militares, dos funcionários civis (por aumento de salários). Ele queria atender a todos esses pedidos. Eu dizia a ele: “Olha, presidente, eu compreendo. Eu sei que o senhor tem razão. Essas pessoas também precisam de aumento, mas nesse momento não dá, porque o Orçamento já está no limite extremo. O senhor se lembra daquilo que me falou?”. Ele disse: “Não. O que eu lhe disse?”. “O senhor me disse que queria que eu aplicasse o plano com a equipe que está aí. Se eu fizer o que o senhor está me mandando agora, eu não vou ter nem plano nem equipe, porque o plano acaba e a equipe vai embora. Eles não vão aceitar uma interferência política”. Aí ele desistia.

Ele fazia muita pressão?

Muito. As pessoas queriam, por exemplo, o aumento da Polícia Federal. O ministro da Justiça ia falar com ele. Aumento dos militares. Os ministros militares falavam com ele. Eu tinha de fazer o papel do mal, de dizer que não pode, porque não tem dinheiro. Nós tínhamos de ter uma situação do Orçamento que fosse no mínimo mais ou menos equilibrada. O Fundo Monetário (Internacional) foi contra o Plano Real, porque eles queriam que nós fizéssemos um superávit de 2% do PIB. O governo americano pensava a mesma coisa, mas nós não tínhamos condições políticas. Agora, se começássemos a ceder, aí não teríamos condição nenhuma, inclusive, porque os economistas da equipe não aceitariam. Desde o primeiro momento, eu vi que a única chance de o real dar certo, era eu resistir às pressões. Agora, com isso, eu me desgastei muito. Ele (Itamar) reunia, às vezes, cinco, seis ministros contra mim. Todos os ministros militares, ministros da Casa Civil. Então, eu tinha de ficar horas e horas argumentando. Nem posso dizer o que foi a tensão.

E qual foi a sensação do sr. de entrar na equipe com o plano em andamento?

Ingenuamente, eu achei que o plano era como uma planta de uma casa. Tudo já desenhado, com datas. Não era nada disso. Havia algumas ideias gerais, mas muita coisa estava sendo feita. A URV tinha acabado de ser lançada. Num dia, à noite, eu reuni a equipe na minha casa e eu perguntei a eles quando iria ser o Dia D, o dia do lançamento da moeda física. A URV era uma moeda contábil. Não existia no bolso das pessoas. E eles disseram que não tinham pensado nisso. Eu vi que alguns queriam esperar mais de um ano, porque eles queriam que as pessoas se acostumassem com a URV. Eu disse que, se é para esperar um ano, quem vai lançar essa moeda é o Lula. O Lula estava com 40% (das intenções de voto) nas pesquisas, o Fernando Henrique não chegava nem a 16%. O Lula já tinha declarado várias vezes que era contra o real. Então, se ele fosse eleito, acabaria esse plano. Nós teríamos de lançar a moeda, não tem como adiar. E eu perguntei quanto tempo eles precisariam, o mínimo dos mínimos. Eles disseram três meses.

Quando foi isso?

Final de março e começo de abril. Eu fui falar com Itamar. Ele bateu o martelo. Nós marcamos 1º, 2 e 3 de julho (datas de feriado bancário). E aí preparou-se o real. Mas aí eu constatei outra coisa. Pedi a dois colegas que trabalhavam comigo, o Marcos Galvão, agora, embaixador em Pequim, e Gelson Fonseca, um diplomata já aposentado, que fossem ao Rio, a São Paulo, e a Belo Horizonte e conversassem com donos de empresas de opinião pública, os marqueteiros políticos. Pedi que perguntassem qual era a imagem do real, e eles voltaram e me disseram: “Todo mundo tem uma boa impressão. Dessa vez, parece um plano sério. Agora, ninguém sabe o que é essa coisa misteriosa, a URV. Ninguém entende se ela vai ficar, se vai coexistir com a moeda, se, em algum momento, desaparece e entra a moeda, como vai ser a conversão da URV para nova moeda, qual vai ser a taxa, quanto tempo”. Não era propaganda, mas alguém tinha de dizer isso para a população. Inclusive, um desses gurus, o Nizan Guanaes, que eu nem conheço pessoalmente, falou com os meus colegas e disse: “O real precisa ter uma cara. Vocês pegam esse velhinho - eu tinha 57 anos, hoje, tenho 87 -, enquadram na televisão - e ele explica.”

E qual foi a reação do sr.?

Eu disse que achava uma boa ideia, mas que iria falar com o Itamar. Fui falar com o Itamar. Ele achou a ideia muito boa, mas ele disse que “o senhor é que vai ter de ser a cara do real”. Ele tinha razão, porque, se o real tivesse fracassado, a culpa era minha. E aí mudava o ministro da Fazenda. Agora, se fracassasse com a cara dele, era mais complicado.

E como foi lidar com a equipe já montada?

Nunca tive problema. Eu conhecia quase todos da equipe. Um ou outro que eu não conhecia. Eu tinha dado uma declaração, porque falava-se muito do reajuste dos funcionários civis da União. Sou funcionário público aposentado. Naquela época, era funcionário da ativa. Eu disse uma coisa qualquer que dava a entender que eu era favorável a um aumento. A equipe ficou muito aborrecida, porque eles se sentiam um pouco desamparados. Me fizeram sentir isso. Eu pedi desculpas. E, a partir de então, eu nunca mais tive nenhum deslize com eles, porque percebi que o sucesso do real dependia da equipe. Fiquei unha e carne com a equipe. E eles foram muito leais a mim.

O que pensou em 1º de julho, data do lançamento da moeda?

Eu acordei de madrugada. Quis ser um dos primeiros a chegar ao Palácio. Eu fui falar com o chefe da Casa Militar. Eu disse a ele: “General, eu vou pedir ao senhor um favor. Na hora que o senhor descer para esperar, o presidente - ele entrava pela garagem -, eu quero ir com o senhor. Eu quero preveni-lo, porque tem gente que vai ficar na sala de espera para encher a cabeça dele de coisas para mudar. Ainda dá tempo de fazer uma nova edição do Diário”. Eu tinha essa experiência. O Palácio é muito traiçoeiro. Eu fui e fiquei lá. Quando ele (Itamar) veio, eu o chamei para um lado e disse: “O senhor vai encontrar na sua sala fulano, sicrano e beltrano. Eles vão lhe dizer tal coisa. Tudo isso é falso. O senhor, por favor, não aceite, porque nada disso vai contribuir. Ao contrário, vai atrapalhar muita coisa”. Quando ele subiu, já estava vacinado. O pessoal foi lá e não adiantou nada. Então, eu estava aliviado. Eu fui com ele para a agência da Caixa Econômica, do Palácio do Planalto, onde trocamos as primeiras moedas. Tem as fotografias da época.

A saída do sr. do ministério foi bastante traumática. Poderia relembrar?

Eu acabei caindo por culpa minha naquele episódio da parabólica. Me subiu à cabeça. Naquele dia, eu estava preocupado, porque a moeda tinha entrado em vigor há dois meses, e a inflação tinha caído, mas não tanto como se esperava. A inflação tinha sido o dobro do que a equipe tinha estimado. Naquele dia fatídico, 1º de setembro de 1994, resolvi fazer uma grande ofensiva para convencer a opinião pública que aquele problema da inflação, no início, era uma ilusão. Era um problema de metodologia. Todos os índices de medição da inflação no Brasil faziam a coleta de preços do dia 15 ao dia 15. Como a moeda foi lançada no dia 1º (de julho), todos os índices já vinham com 15 dias do passado. E aquilo se perpetuava. Não era um momento real, tanto assim que nós ficamos alarmados, porque houve um número tão grande de compras de eletrodomésticos. Começou a faltar produto. Eu queria convencer as pessoas que aquilo ia cair. E aí é que eu me perdi.

Por quê?

Eu fiquei achando que aquilo dependia de mim. Me envaideci muito. Fui a Pernambuco, e as pessoas vinham me beijar a mão. Eu fiquei assustado. Nesse dia (1º de setembro), eu acordei de madrugada. Dei 24 entrevistas para rádio, rádio sertaneja, televisão, revistas, correspondentes estrangeiros. Fiquei o dia inteiro dando entrevista. Não fiz outra coisa. Nem almocei nem jantei. No fim do dia, estava exausto. Era uma sexta-feira, um dia de fim de seca, um calor daqueles terríveis em Brasília. Eu estava no meu gabinete com a luz apagada. Tinha só uma luzinha vermelha na câmera. Eu não sabia que estava captando. Era uma entrevista para aquele programa, para o último jornal da Globo, aquele do final do dia. E estava esperando, e estava conversando. Não estava dando entrevista. Durante 19 minutos, eu só disse asneiras, bobagens de todo tipo, de que eu era o tal. Mas tudo isso era bobagem. Não era nada de grave. Era vaidade boba.

Mas uma hora eu cometi um deslize que foi imperdoável. O repórter me perguntou: “O senhor não acha que essa moeda já fracassou como as outras?. A taxa de inflação saiu um pouco mais alta”. Eu disse: “Olha, eu tenho certeza que não, porque os preços que já foram coletados nos 15 dias e os indicativos que vem agora mostram que a inflação está caindo de uma maneira drástica. Alguns economistas até acham que é capaz de dar alguma coisa perto do zero. Só que eu não posso dizer isso”. Eu tinha uma combinação com a equipe, de que só (falar) quando eu tiver todos os dados do mês fechados. Se a gente começa a dar os dados da semana, depois tem de ser dados diários. Eu disse assim: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura. O que é ruim a gente esconde”. Eu disse isso, mas ninguém se deu conta que eu estava fazendo o contrário. Eu estava escondendo o que era bom para mim, porque ele disse vamos dar isso, porque vai ser um furo da reportagem’. Eu disse eu não tenho escrúpulo, mas tem o problema da equipe. Eu tenho de conversar com eles. Vou falar com eles, depois eu te digo.

E o que sr. pensa hoje em dia sobre o episódio?

Eu não tenho explicação. Hoje em dia, quando eu vejo aquilo, eu não me reconheço. Eu nunca fui assim. Ainda bem que eu também não disse palavrão nenhum, porque eu nunca digo palavrão. Mas eu disse muita bobagem. Muita bobagem. E acho que as pessoas ficaram chocadas quando viram. Eu fui para casa e aí veio me ver o meu colega, que era o meu braço direito, o Sergio Amaral. Ele faleceu há pouco tempo. E ele me contou o que tinha acontecido. Eu me senti péssimo

E como foi com o Itamar?

No dia seguinte, eu telefonei ao Itamar. Ele não sabia de nada. Eu contei a ele. No início, ele achou que não era tão importante, de que não era tão grave. Eu disse que estava colocando o cargo nas mãos dele e que não podia ficar mais, porque eu perdi a credibilidade, apesar de que eu não estava confessando nenhum crime. Não estava mentindo. Eu estava apenas dando mostra de uma vaidade pueril de criança. Mas eu saí. Pedi desculpas em público e assumi plenamente a responsabilidade. Nunca em minha vida tentei passar a culpa. Deveria haver mais gente no Brasil capaz de assumir a responsabilidade, pedir desculpas e assumir as consequências dos erros.

Sai da vida pública. Depois, eu refiz a minha vida, porque eu fui para a Unctad, mas eu fui eleito pela assembleia da ONU. Não fui nomeado pelo governo brasileiro. Fiquei lá 10 anos na ONU. Eu era subsecretário da ONU e secretário-geral da Unctad. Só voltei ao Brasil em 2005. Nunca mais quis ter nada a ver com a vida pública.

E qual é o balanço do Plano Real que o sr. faz?

Se nós não estamos no ponto em que está a Argentina é por causa do Plano Real. Eu fui um dos muitos que contribuíram. É uma luta que não termina nunca, porque a gente vê, por exemplo, esse governo, às vezes, tem aquela tentação (de gastar). Na época da Dilma, a inflação chegou de novo a quase 12%. A gente tem de segurar isso com todo o esforço. Eu aplaudo o ministro da Fazenda (Fernando Haddad), que é um homem corajoso. Está fazendo um belo trabalho. Está sendo solapado pelo próprio partido. Por que nós somos diferentes da Argentina? Porque nós temos moeda. Eles ainda têm de fazer todo esse esforço. Segundo, nós não temos estrangulamento externo. Temos reservas e um número grande do saldo comercial. Eu acho que nós temos uma base para seguir em frente. Nós não chegamos lá. Eu acho que ficou faltando a segunda metade, que é a parte fiscal.

Por que a parte fiscal é tão difícil de ser resolvida?

Nós não conseguimos incutir nas pessoas a responsabilidade fiscal. A gente vê nos políticos a tendência de aprovar medidas desastrosas. Essa do quinquênio é inacreditável. É o pessoal que mais ganha no Brasil e ainda quer ter um quinquênio. É quase de desesperar, de chorar. Num país com tanta pobreza, tanta dificuldade, as pessoas querem se locupletar com salários ultrajantes. Nós ainda não aprendemos o mínimo da responsabilidade fiscal.

O Brasil precisaria de um novo Plano Real para as contas públicas?

Nesse caso, eu não sei se seria um plano Real. Eu acho que se o Brasil não aprender isso, se o Legislativo e o Judiciário, junto com o Executivo, não tiverem a noção de que você não pode indefinidamente aumentar a dívida pública, nós nunca vamos sair desse voo de galinha que nós estamos. O primeiro desafio é o desafio orçamentário, da responsabilidade fiscal. O segundo desafio é escapar da chamada armadilha dos países de renda média. O Brasil está preso nessa armadilha. Só sai se crescer 30 anos numa velocidade de cruzeiro, mas não vai crescer se voltar a política Dilma Rousseff. Ele vai crescer com responsabilidade e é, claro, que também com consciência social e atento aos que precisam mais.

 


"Latin America and the Cold War" - Call for papers (Agenda Política)

CFP: Approaching Deadline - "Latin America and the Cold War"

Call for Papers
Date: 

Recent studies on Latin America’s Cold War have significantly advanced our understanding of the region and its historical, political, economic, and social dynamics during the Cold War period. These studies, based on new sources from public and private archives in Latin America, the United States, the Soviet Union, and other countries as well as international organizations, have challenged simplistic narratives of the Cold War as a binary conflict between the United States and the Soviet Union. They have also highlighted the agency of Latin American governments and local actors by revisiting familiar Cold War events and shedding light on new themes such as the role of culture, ideology, gender, and race.

We invite scholars and experts to contribute to our special issue about Latin America’s Cold War. We are particularly interested in original articles drawing on research from Latin American and former Third World countries’ archives, on subjects such as (but not limited to):

  • The role of Latin American governments and local actors in the global Cold War
  • Popular interpretations and adaptations of Cold War ideologies
  • Relations with Non-Aligned and Third World movements / countries
  • Gender and sexuality in the making of domestic and foreign policies
  • Race and Ethnicity
  • Moderate and reformist political forces during the Cold War
  • The role of experts and technicians 
  • Impact of modernization and development ideologies
  • Coordinated efforts to reform inter-American relations
  • Economic history of Latin America during the Cold War
  • Cultural and artistic expressions reflecting and influencing Cold War tensions

 

Deadline for submissions: August 20, 2024

Submission Information

Submissions will be double-blind peer-reviewed and selected articles will be published in a special issue of the journal Agenda Política by December 2024. Please submit your article to the Submission Portal.

Articles should be between 6,000 and 9,000 words in length. All submissions must be in English, Spanish or Portuguese. Please include an abstract (no more than 1000 characters with spaces) and a list of up to five keywords. Additional information can be found here.

Agenda Política (ISSN 2318-8499) is a journal edited by the researchers of the Graduate Programme in Political Science at the Federal University of São Carlos, Brazil. It publishes original articles in Political Science, International Relations, and related fields. All submissions undergo editorial and double-blind reviews based on relevance, clarity, and theoretical-methodological consistency. Agenda Política is an open access journal and does not charge any fees for submitting, processing and publishing articles.

Contact Information

Guest Editors
     Renato Ferreira Ribeiro (University of São Paulo, Brazil)
     Alessandra Beber Castilho (Federal University of Goiás, Brazil)
     Natali Cinelli Moreira (University of São Paulo, Brazil / King’s College London, United Kingdom)

If you have any questions or need assistance with the submission process, please feel free to contact us at rf.ribeiro@usp.br.
 

Persio Arida: entrevista excepcional; comentada pelo Maurício David ficou ainda melhor: na ordem inversa

Comentário inicial do Mauricio David: 

 My God ! O Pérsio com 70 anos ! (porque me admiro, se eu próprio já estou com 77, à dois meses e meio de completar 78...). Conheci o Pérsio a começos da década dos 80, quando ambos estávamos trabalhando na PUC/RJ ( o Pérsio no Departamento de Economia, eu em uma instituição nova e pioneira que havíamos criado um grupo de ex-exilados, o IRI-Instituto de Relações Intenacionais). No IRI tudo era precário nesta época e tínhamos pouquíssimos – ou quase nada- recursos, então o Bacha e o Malan articularam para que eu desse aulas no Departamento de Economia para fechar o final do mês... Nesta época eu estava com uns 34/35 anos, o Pérsio devia ter uns 28... Cara de garoto, casado com uma gringa (Suzy, se mal me recordo...) que trouxe dos Estados Unidos. Eu tinha uma amiga/colega/aluna, Wanda, que se tornou muito amiga do Pérsio, estavam sempre de papo na hora do lanche e do cafezinho (me dava até ciúmes...). Ela tinha adoração pelo Pérsio. Descobriu nele qualidades que eu ainda não antevia... Neste período, o Pérsio “estourou” no mundo acadêmico com o famoso paper “Larida”, escrito com outro “garotão”, o André Lara Resende. O paper Larida foi a base do futuro Plano Real, creiam... Éramos todos gênios, e não sabíamos... Anos depois, muitos anos depois, li um depoimento escrito pelo Pérsio sobre a sua prisão em São Paulo, êle estudante ainda, quando militava no grupo armado da VPR-Vanguarda Popular Revolucionária. Muito interessante o depoimento do Pérsio sobre a sua prisão, me emocionei muito quando o li quando o Pérsio o publicou. Depois o Pérsio se reciclou, seguiu para uma interessante intersecção entre o mundo acadêmico e o financeiro, virou banqueiro, fundou um banco (BTG, depois outro BTG Pactual), tornou-se um economista super-respeitado. Trajetória excepcional, assim como a do André Lara Resende, do Gustavo Franco, do Malan e do Bacha. Não me canso de repetir, éramos felizes e não sabíamos...

Esta entrevista do Pérsio sobre os 30 anos do Real é muito interessante, merece ser lida com atenção. É uma das melhores coisas que li sobre este período em que eu mesmo estava fora do país pela segunda vez, fazendo meu doutorado em Paris. Em Paris convivi por um tempo com uma pessoa com que fiz grande amizade, a Loris – irmã de uma amiga minha, cunhada de um grande amigo-irmão – que era muito amiga do Pérsio (haviam convivido juntos no movimento estudantil e na VPR). Ela adorava o Pérsio. Aprendi na vida que quando as pessoas são adoradas, por algo de bom será. Lamentavelmente, a Loris morreu muito precocemente, algum anjo celestial (se eles existirem...) deve ter se apaixonado por ela e a levou para o espaço celestial. Nem sei se o Pérsio chegou a saber disto, mas se não, que saiba que a Loris simplesmente lhe queria muito, muitíssimo...

MD

P.S.: O Castro (Antonio Barros) gostava também muito do Pérsio, creio que fizeram amizade em uma estadia de ambos nos Estados Unidos...Certa vez, creio que lá pelos anos 80 ou 81, o Castro reuniu um grupo d economistas para conversas com o Pérsio sobre a “Teoria das Expectativas Racionais”, que estava “bombando” nos Departamentos de Economia das universidades americanas. O Pérsio estava chegando dos Estados Unidos e estava com uma visão muito derrotista sobre a massacre avassaladora das Expectativas Racionais nos departamentos de economia das grandes universidades americanas. Super-inteligente e articulada a palestra do Pérsio sobre o que estava acontecendo nos centros hegemônicos do pensamento econômico americano. Sem nenhuma pretensão extraordinária da minha parte, confesso que a exposição do Pérsio não me convenceu, creio que a sua visão de mundo se restringia ao mundo americano, quase que exclusivamente. Não sei quem estava certo, se o Pérsio em sua análise derrotista, ou se eu, na minha visão mais esperançosa e otimista. Do lado prático das coisas, a história deu razão ao Pérsio... Mas, como dizia o meu amigo e mestre Darcy Ribeiro, eu não estaria feliz se estivesse do lado dos vencedores...

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“Precisa mesmo de uma reforma administrativa estrutural, mas sei que o tema é tabu. A melhora da máquina pública é um processo que leva uma década ou duas, mas vai na direção de ter um Estado eficiente. O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso.”

“O Brasil tem tudo para liderar o processo de transição energética no mundo, mas precisa de um plano, uma visão. Tem o Europa 2030, que é um plano. Os Estados Unidos optaram por subsídios maciços à inovação. Você pode questionar qual dos dois é melhor, mas claramente eles têm planos. O Brasil não tem. É inacreditável.”

(da entrevista do Pérsio na FSP de hoje, 26 de junho, sobre os 30 anos do Real)

Governos do PT interromperam modernização prevista pelo Plano Real, diz Persio Arida 

Apesar da frustração com medidas econômicas, ele afirma que preservar a democracia é fundamental e não se arrepende do voto anti-Bolsonaro 

Alexa Salomão

Oxford

Apesar de ter sido concebido para combater a hiperinflação, o Plano Real tinha uma visão mais ambiciosa, a de tonar o Brasil um país moderno e eficiente, afirma o economista Persio Arida, um dos formuladores do programa de estabilização que completa 30 anos. Mas essa proposta, avalia ele, foi interrompida nas gestões do PT.

"O Real, diferentemente de muitos planos de estabilização, tinha uma visão de futuro compartilhada por todos nós. Eu diria que as bases de um Brasil mais moderno foram todas consolidadas naquele momento", afirma.

"Houve uma série de frustrações do ponto de vista do que seria ideal, um retrocesso e uma interrupção de vários aspectos desse projeto modernizante de país nos mandatos do governo Lula."

Na avaliação de Arida, agora é preciso um esforço para recuperar parte daquela agenda e promover uma revisão do sistema de gastos e a melhoria da máquina pública.

"O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso", diz o economista à Folha.

Olhando agora, 30 anos depois, por que o Plano Real deu certo depois de tantos planos frustrados?

O Plano Real teve uma arquitetura de transição da alta para baixa inflação que foi original, não só para a história brasileira como internacionalmente. Foi "made in Brasil" mesmo.

Mas, tão importante quanto o desenho, faz diferença quem implementa, e nisso houve uma característica única. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, era, de um lado, intelectual e, do outro, articulador político, algo raro. Normalmente, um ministro da Fazenda é intelectual ou político.

Como intelectual, foi capaz de entender o programa e reunir uma equipe em que confiava, e escolheu a equipe da PUC do Rio —o que foi um ato de ousadia política. Ele trouxe os liberais para implementar o plano. Dada a sua trajetória como exilado, por exemplo, muitos podiam imaginar que levaria economistas mais à esquerda.

Esse grupo também foi um aspecto singular. Normalmente, equipes de governo são pessoas de várias extrações, que não se conhecem bem e precisam desenvolver o conhecimento de como trabalhar em conjunto já no governo. O grupo do Real era formado por pessoas que já trabalhavam em conjunto na universidade, muito coeso e com laços de confiança. Não tinha jogo político ou um querendo derrubar o outro, essas coisas da vida pública e da vida privada também, diga-se de passagem.

Por outro lado, como ministro da Fazenda, Fernando Henrique operou politicamente. Fez uma aliança do PSDB com o PFL, que era, muito mal comparando, uma espécie de centrão da época, e foi fortemente criticado pelos puristas do PSDB. Mas ele falou: "Precisa ter maioria para aprovar o plano, e maioria se faz com aliança". Aliás, ele manteve essa aliança durante os seus dois mandatos.

Teve outra característica única. Ele foi eleito por causa do Plano Real, e não teria sido sem ele, então deu continuidade e consolidou o plano. Ele sabia que a sua popularidade e sua possibilidade de reeleição dependiam intrinsecamente do sucesso do programa. Ou seja, o presidente da República estava comprometido, algo que não houve em outros momentos da história brasileira.

Fernando Henrique se empenhou num processo que ele mesmo descreve em seu livro a Arte da Política como pedagogia democrática: explicar o plano. Todos nós fizemos isso, mas ele, claro, mais do que todos. Enfim, houve um conjunto muito particular de circunstâncias.

Agora, tão desafiador quanto lançar o plano foi sustentar a moeda depois. Planos de estabilização são frequentemente bem-sucedidos no começo. O desafio é manter a estabilidade de preço ao longo do tempo.

O sr. pode enumerar desafios?

Foram muitos. Primeiro, teve o risco de uma enorme crise bancária. Os bancos eram sócios da inflação. Sem ela, o ganho de float desapareceu. Houve, na prática, um processo gradual de purgação do sistema. Mais de 100 instituições, públicas e privadas, foram liquidadas ou forçadas a serem vendidas para terceiros.

Outro desafio foi o câmbio. Depois de muito debate, o câmbio ficou praticamente fixo. Quando o Brasil não teve mais reservas, veio a flutuação cambial. Há países em que, quando você faz a flutuação cambial, a inflação sai do controle. Superamos esse desafio.

Destaco também o desafio foi organizar o Estado e fazer uma sociedade brasileira mais eficiente.. Eu diria que as bases de um Brasil mais moderno foram todas consolidadas naquele momento.

Vieram as privatizações, a quebra dos monopólios estatais e de telecomunicações, o FGC, fundo para garantir empréstimos, as mudanças no Conselho Monetário Nacional e nas relações entre Tesouro e Banco Central. Foram criados o mercado de títulos de longo prazo, que existe até hoje, a Lei de Responsabilidade Fiscal para enquadrar os estados, as agências reguladoras, o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. A lista é enorme.

Passados 30 anos, o Brasil é o que vocês projetaram?

Muita coisa mudou para melhor. Alguns aspectos, porém, são muito frustrantes. A abertura, para forçar os mercados à disciplina da competição internacional, era um elemento chave do nosso projeto. Não aconteceu até hoje.

Outro exemplo. Foi feita uma desvinculação orçamentária com Fundo Social de Emergência, que era parte de uma desvinculação geral —desvinculando reajuste de Previdência de salário mínimo, desvinculando despesas de receita etc. Obviamente, estamos com essa discussão agora, 30 anos depois. Reajustes reais de salário mínimo quebraram a Previdência, porque há indexação. Não deveríamos ter indexado saúde e educação à arrecadaçãoHouve uma série de frustrações do ponto de vista do que seria o ideal, um retrocesso e uma interrupção de vários aspectos desse projeto modernizante de país nos mandatos do governo Lula.

Quais ajustes são inevitáveis daqui para frente?

Fizemos duas rodadas de aumento de gastos. Uma com a PEC do Kamikaze, do Bolsonaro [que turbinou benefícios sociais a três meses das eleições de 2022], e outra com a PEC da Transição, no mesmo ano, mas articulada pelo governo eleito do presidente Lula, que já tinha sido eleito. A junção das duas criou um aumento de gastos públicos que é impossível resolver via taxação. A sociedade se recusa a pagar o montante que é necessário.

É preciso algum esforço para fazer uma revisão do sistema de gastos. O mundo inteiro faz. Qualquer programa periodicamente tem avaliações —e avaliações independentes— que podem recomendar a continuidade, mudanças ou a interrupção dos programas. Não pode é criar um programa e expandi-lo inercialmente, perpetuando.

Você tem que fazer gestão por metas, ter objetivos claros, pré anunciados, para que a sociedade cobre se o funcionamento da máquina pública está ou não adequado aos seus anseios. Precisa elevar a digitalização. Hoje, você avalia até compra de comida pelo iFood, mas não tem avaliação para serviço público —e uma inovação no serviço público tem impacto extraordinário. Olha o Poupatempo, para dar um exemplo pequeno aqui de São Paulo.

Precisa mesmo de uma reforma administrativa estrutural, mas sei que o tema é tabu. A melhora da máquina pública é um processo que leva uma década ou duas, mas vai na direção de ter um Estado eficiente. O debate não é se o Estado deve ser grande ou pequeno. O Estado tem que ser necessário e eficiente. Não temos isso.

Pelo que o sr. está descrevendo, o arcabouço fiscal atual, sustentado em aumento de receita, não vai ficar de pé. Correto?

Se você olhar de frente, da forma como está posto, o problema é insolúvel. Não há como arrecadar da sociedade o necessário para gerar um superávit fiscal que estabilize a dívida pública. O que tem que fazer? Revisão de gastos e melhora da máquina pública

O sr. estava no que podemos chamar de frente ampla de economistas que apoiou a eleição do atual governo, e havia uma expectativa de que poderiam contribuir na gestão, o que não aconteceu. Qual a sua avaliação sobre a condução da economia? 

Olha, não me interessa comentar sobre política. Não é a minha praia. Mas a eleição entre Bolsonaro e Lula, a meu ver, era, antes de mais nada, uma escolha entre alguém que claramente ameaçava o fundamento democrático do país e outro que não. Voto no Lula, para mim, sempre foi um voto pela democracia, um voto anti-Bolsonaro.

E vou te dizer: não tenho arrependimento. Para mim, ajustes na economia podem acontecer mais cedo ou mais tarde, mas, se você perder a democracia, tem um problema muito mais grave. Claro, esperava mais do ponto de vista econômico.

Coisas boas aconteceram. A reforma tributária foi encaminhada. Apesar de todas as excepcionalidades, exceções e lobbies, a meu ver, foi um passo muito importante. Manter indexações, porém, foi claramente um erro. Com a indexação do salário mínimo à Previdência, muitos dos ganhos com a reforma já se perderam. Vamos ter que fazer uma outra reforma da Previdência por falta de coragem política para simplesmente dizer: "Olha, ganho real, ganho de produtividade, é para quem trabalha, não para quem não trabalha". Me preocupa também a falta de uma agenda climática.

Como assim?

O Brasil tem tudo para liderar o processo de transição energética no mundo, mas precisa de um plano, uma visão. Tem o Europa 2030, que é um plano. Os Estados Unidos optaram por subsídios maciços à inovação. Você pode questionar qual dos dois é melhor, mas claramente eles têm planos. O Brasil não tem. É inacreditável.

Acabamos de ter um desastre monumental no Rio Grande do Sul, e a mudança climática é uma ameaça enorme para um setor dinâmico da economia brasileira, a agricultura. Se o regime de chuvas mudar, ele será afetado. Então, o que eu estou chamando a atenção aqui é que precisamos de um bom plano de transição climática para enfrentar os desafios. Confesso que nisso o governo tem me dado uma grande frustração.

RAIO-X - PERSIO ARIDA, 70

Nascido em São Paulo, tem graduação em Economia pela USP (Universidade de São Paulo) e doutorado na área pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi professor da PUC-RJ e da USP, atuando como pesquisador no Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), no Centro Brasileiro de Estudos da Universidade de Oxford (Reino Unido) e no Instituto Smithsonian, em Washington (EUA). É um dos pais do Plano Real. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do Banco Central. Na iniciativa privada, foi um dos fundadores do Banco BTG, atual BTG Pactual, do qual deixou de ter participação em 2017. Em 2018, foi coordenador do programa de governo do então candidato a presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin.


Progredi na arrumação da Biblioteca : 1/6 dos meus livros; agora só faltam 5/6 - Paulo Roberto de Almeida

Passei o dia tentando arrumar a minha caótica biblioteca (uma delas; a segunda não sei quando conseguirei enfrentar). Tenho duas, uma que me sobrou da última estada no exterior, e mais alguns livros de estudo eternamente carregados, e outra, que permaneceu intocada numa pequena kit-biblioteca completamente abarrotada em todos os centímetros quadrados, e está assim nos últimos dez anos. De vez eu quando eu apareço para carregar mais alguns para o meu apartamento, mas raramente consigo encontrar.

A segunda, atual, de trabalho, já não dava mais para trabalhar, pois tem livros para todo canto. De vez em quando arrasto alguns para a grande mesa da sala de jantar da sala, com o laptop, para trabalhar em algum ensaio mais exigente, mas nem sempre consigo achar os livros que eu sei que tenho, mas que permanecem perdidos em algum canto perdido do labirinto de estantes (sim, são quatro mais duas estantes móveis na frente, e do outro lado mais quatro grandes estantes com livros se espalhando pelo chão). Por isso sou obrigado a buscar os livros que me faltam, mas que se esconderam, nas duas ou três bibliotecas que frequento, ou até chego a comprar mais um exemplar (hoje, começando a arrumação, finalmente, encontrei três exemplares do mesmo livro, sobre o Hipólito, e mais três ou quatro títulos com dois exemplares cada).

Não preciso descrever a lindeza que foi colocar livros abaixo (tirei uma foto no meio da tarde, acima, mas depois fico bem pior) para começar a arrumar, segundo um ordenamento pré-estabelecido, que não sei se vai se manter, mas que segue estes conceitos que coloquei em etiquetas  impressas coladas nas estantes: 

Ordenamento provisório: 

1. História Global, história mundial, histórias regionais ou nacionais

2. História Política e Social da América Latina, do Brasil, História regional

3. História Econômica Geral, Comércio Internacional, Investimentos 

4. História econômica da América Latina, do Brasil, Geografia do Brasil

5. Economia Geral, Finanças, Pensamento Econômico, 

6. Política Mundial, Relações Internacionais, Política Externa do Brasil

7. Ciências Sociais, em geral, Sociologia Política, Sociologia brasileira

8. Política na América Latina, no Brasil, Partidos Políticos

9. Direito em Geral, Direito Internacional, Constituições, do Brasil

10. Biografias, Grandes Economistas, Arte, Ciências em Geral

11. História das Ideias, Filosofia, Línguas, Viagens, Turismo

12. Literatura, Geral, Brasileira, Miscelânea.

13. Livros de Paulo Roberto de Almeida

14. Livros editados por Paulo Roberto de Almeida

15. Capítulos de Paulo Roberto de Almeida em livros coletivos

16. Teses, dissertações, obras acadêmicas diversas

17. Revistas, periódicos, edições especiais de publicações diversas

18. Categorias e temas não cobertos nos itens precedentes

 

    Passei horas e horas fazendo apenas as seis ou sete primeiras categorias, mas também colocando em ordem os meus livros, os próprios, os editados, as colaborações em livros coletivos,e alguma miscelânea.

Aqui as fotos das duas primeiras seções livros próprios, editados e colaborações.







Mas do outro lado também consegui colocar ordem nas estantes dos livros que usarei mais intensamente.

Como aqui figuram.




Mas, deve ter ainda, espalhados pelo chão e nas estantes ainda não arrumadas perto de 5/6 dos livros, ou cerca de mil volumes, talvez. Isso não é nada, perto dos 4, 5 ou  6 mil (nunca cheguei a contar) que estão em certa de doze ou treze estantes bibliotecas na kit-biblioteca que mantenho em outro lugar, obras interessantíssimas, regurgitando de saber (e bastante empoeirados).

Tarefa semelhante à limpeza das estrebarias de Augias por Hércules, se alguém sabe o que é isso e o que significa como trabalho.

Vamos lá, um dia terminarei de arruma, só para doar tudo depois...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27 de junho de 2024.


quarta-feira, 26 de junho de 2024

Björn Höcke: O homem que prepara o terreno para uma Alemanha extremista - Erika Solomon (The New York Times, Estadão)

Quem disse que os alemães tinham se curado do nazismo? Se eles pareciam vacinados desde os anos 1960 até os 80, a unificação alemã, e os problemas que ela trouxe, levaram os alemães da antiga DDR, a República Democrática Alemã, onde eles eram oficialmente antinaziptas e antifascistas, a se voltarem para os seus antigos ídolos da época totalitária (cabe registrar que eles já viviam numa ditadura, teoricamente socialista e antifascista, mas não há nada mais parecido com um fascista do que um comunista da linha soviética). Pois é, eles votaram maciçamente pela extrema-direita, nas últimas eleições e prometem reincidir com mais força nas próximas, dando maioria aos fascistas, sim, aos fascistas-nazistas.

Acho que os alemães estão novamente divididos, entre democratas e autoritários, e cabe também registrar que o AfD é diretamente financiado por Putin, como o são outros partidos de direita da Europa.

Os companheiros, Lula em especial, têm certeza de que querem continuar apoiando Putin, só porque ele é teoricamente antiamericano? O seu antiamericanismo supera o seu antifascismo de extrema-direita? 

Se isso se registrar de fato, vou denunciar Lula e o PT como amigos e apoiadores da extrema-direita internacional. Prometido.

Paulo Roberto de Almeida


Estadão Internacional

O homem que prepara o terreno para uma Alemanha extremista

Björn Höcke tem feito mais que levar a extrema direita para o mainstream; ele está fazendo o mainstream pender para a extrema direita

Por Erika Solomon (The New York Times)

24/06/2024 | 22h00, Atualização: 25/06/2024 | 10h10

Em cima de um pequeno palco de um bar numa cidade de arquitetura enxaimel do leste alemão, o ideólogo de direita Björn Höcke contava para um grupo de seguidores, no ano passado, uma história sobre seu iminente julgamento. Ele tinha sido indiciado por dizer, “Tudo pela Alemanha” em um comício político — infringindo leis alemãs que proíbem a propagação de slogans nazistas.


Apesar da iminência daquele julgamento, ele olhou para os fãs e lhes abriu um sorriso maroto. “Tudo pela?”, perguntou ele.

“ALEMANHA!”, gritaram todos.

Depois de uma década colocando em teste os limites do discurso político na Alemanha, Höcke, um dos líderes do partido Alternativa para a Alemanha, ou AfD, não precisa mais passar dos limites sozinho. A multidão faz isso por ele.

Aquele momento amalgama o motivo pelo qual, segundo seus críticos, Höcke, além de representar um desafio para a ordem política, ameaça também a própria democracia alemã.

Por anos, Höcke tratou de desgastar proibições que a Alemanha impôs sobre si mesma para evitar ser tomada por extremistas novamente. A posição alemã a respeito da liberdade de expressão é mais dura que a de muitas democracias ocidentais, consequência das amargas lições dos anos 30, quando os nazistas se valeram de eleições democráticas para capturar os mecanismos do poder.

“Tudo pela Alemanha” era o slogan gravado nos punhais dos soldados nazistas. Ao ressuscitar frases como essa, afirmam os oponentes de Höcke, ele buscou tornar as ideias fascistas mais aceitáveis numa sociedade em que essas expressões não são apenas tabu, são ilegais.

Em maio, juízes consideraram Höcke culpado de usar um slogan nazista intencionalmente e lhe aplicaram uma multa equivalente a US$ 13 mil. Nesta segunda-feira, em razão desse discurso no bar, Höcke foi julgado pela mesma corte por usar o mesmo slogan — novamente.

Este é apenas um dos muitos processos na Justiça que Höcke enfrenta atualmente — e nenhum parece ter diminuído a ascensão de Höcke ou de seu partido. Nas eleições deste mês para o Parlamento Europeu, o AfD ficou em segundo lugar na Alemanha, superando os partidos que governam o país.

Não muito tempo atrás, Höcke se posicionava no extremo de um partido extremista. Ao longo do tempo, ele trouxe o partido cada vez mais para o seu lado, tornando-o ainda mais extremista — e, argumentam especialistas, influenciando todo o ambiente político de direita na Alemanha nesse processo.

Para os seus oponentes, Höcke personifica um esforço odioso da extrema direita de desestigmatizar o passado nazista da Alemanha.

Para seus apoiadores, Höcke é um defensor da liberdade linguística, um combatente que tenta reaver palavras difamadas injustamente e, de maneira mais ampla, preservar sua concepção de uma cultura alemã étnica.

No último dia de seu julgamento, em maio, Höcke, de 52 anos e cabelos grisalhos, vestiu um terno escuro para apresentar-se diante dos promotores de Justiça numa sala de tribunal lotada — e, apaixonadamente, declarou-se inocente.

Apesar de ser ex-professor de história, Höcke insistiu que não sabia que estava usando um slogan nazista. As palavras vieram à sua cabeça espontaneamente, afirmou o réu, ignorando o fato de que, desde que foi acusado, ele persuadiu em duas ocasiões multidões a pronunciarem a frase nazista em seu lugar.

“Nós queremos banir a língua alemã porque os nazistas falavam alemão?”, perguntou ele aos juízes. “Até onde isso deve chegar?”

Os julgamentos de Höcke, que recusou um pedido de entrevista para a elaboração desta reportagem, são parte de uma nova guerra de narrativas sobre a história recente da Alemanha e a respeito de quem pode exatamente se dizer alemão em um país cada vez mais diverso e ansioso em razão de novos desafios econômicos e estratégicos.

Se o objetivo seu é plantar as sementes de um etnonacionalismo, com seus ecos do fascismo, Höcke pode estar fazendo ganhos sutis.

Antes do julgamento, muitos alemães nunca tinham ouvido o slogan nazista “Tudo pela Alemanha”. Agora a frase tem sido repetida e debatida rotineiramente em programas de TV e reportagens em todo o país.

Jogando com a perseguição

A história desempenhou um papel determinante na vida de Höcke.

Höcke nasceu numa família conservadora de prussianos orientais, entre milhões de alemães que viviam na Europa Oriental e fugiram dos avanços do Exército Vermelho no fim da 2.ª Guerra e buscaram refúgio no que veio a se tornar a Alemanha Ocidental.

Essa história de deslocamento e perda na Alemanha foi, na visão de Höcke, ofuscada pelo acerto de contas nacional com os crimes de guerra dos nazista e o Holocausto.

Höcke tem se valido de uma amargura persistente entre os alemães — particularmente na região que pertenceu no passado à comunista Alemanha Oriental — que se sentem ludibriados pela história e consideram que lhes foi negado o direito ao orgulho nacional e à expressão.

Ele acusa os vitoriosos Aliados da 2.ª Guerra de furtar dos alemães suas raízes. “Deixou de haver vítimas alemãs”, afirmou ele num discurso, em 2017. “Havia apenas alemães perpetradores.”

Höcke se mudou para o Estado da Turíngia, no leste da Alemanha, em 2013. Por lá, ajudou a estabelecer um comitê do AfD. Desde então, ascendeu à proeminência em meio a uma série de controvérsias sobre terminologias.

Espelho em Berlim, em protesto contra a direita, mostra frase de Hocke: "O problema é que Hitler é retratado como mal absoluto." 

Espelho em Berlim, em protesto contra a direita, mostra frase de Hocke: "O problema é que Hitler é retratado como mal absoluto."  Foto: REUTERS/Christian Mang

Höcke qualificava as autoridades da ex-chanceler Angela Merkel como uma “Tat-Elite”, mesmo termo com que os oficiais da SS descreviam a si mesmos. Ele questionou repetidamente a razão da palavra “Lebensraum”, que define “espaço vital” e era empregada pelos nazistas no sentido de expansão territorial no Leste Europeu, ainda ser evitada pelos alemães. E chamou o memorial do Holocausto em Berlim de “monumento infame”.

As invocações às ideias da era nazista são tão numerosas que um tribunal decidiu que não é difamação críticos de Höcke descrevê-lo como fascista, mas um “julgamento de valor com base em fatos”.

Por anos, até seu próprio partido buscou escanteá-lo. Agora, seus aliados detêm dois terços das posições de liderança dentro da legenda.

A ascensão dos apoiadores de Höcke, afirmam analistas políticos, reflete a evolução do AfD, de um pequeno partido conservador cético em relação à União Europeia para uma legenda muito mais radical.

Seus líderes passaram a promover o argumento de que o estatuto alemão de nação tem base em linhagens sanguíneas e que somente duras políticas de deportação podem evitar que a Alemanha e outras sociedades ocidentais sejam sobrepujadas por imigrantes.

Hoje, o AfD considera a si mesmo antiglobalista. O partido desconfia das elites urbanas e do que percebe como esforços excessivos do governo nos combates à pandemia de covid e à mudança climática. Muitos de seus líderes propagam teorias conspiratórias que questionam a legitimidade do governo alemão no pós-2.ª Guerra.

A popularidade do AfD, afirmam especialistas, afetou discursos políticos em toda a Alemanha. No ano passado, políticos de todo espectro no mainstream adotaram a hostilidade à imigração promovida pelo AfD e até mesmo em relação a políticas ambientais.

Os líderes do AfD afirmam que os críticos entenderam errado.

“Não houve nenhuma reorientação para a direita”, afirmou o porta-voz do AfD na Turíngia, Torben Braga, que trabalhou para Höcke por anos e mantém uma foto do político sobre sua mesa no escritório. “Ocorreu que certas convicções — demandas políticas que sempre estiveram presentes na sociedade — encontraram uma voz depois de ser suprimidas por décadas.”

Os seguidores do AfD percebem os processos judiciais contra Höcke como uma caça às bruxas para impedir seu despertar.

Essa ideia de perseguição impregna a retórica de Höcke. Em um comício, no mês passado, ele comparou a si mesmo com Sócrates, Jesus Cristo e Julian Assange — colegas dissidentes “espancados pela clava da justiça”.

Coincidentemente ou não, a história também exerce um papel enorme sobre o Estado que Höcke representa.

Cem anos atrás, a Turíngia foi o primeiro lugar onde políticos de extrema direita alcançaram a maioria no Parlamento Estadual. Posteriormente, tornou-se o primeiro Estado em que os nazistas conquistaram o poder.

Em setembro, a previsão é que o AfD obtenha a maioria dos votos na eleição estadual da Turíngia.

“Um ano atrás, eu teria dito que seria impossível Höcke virar primeiro-ministro da Turíngia”, afirmou o historiador Jens-Christian Wagner, que trabalha no memorial do campo de concentração de Buchenwald, na Turíngia.

“Agora eu digo que é improvável”, afirmou ele. “Mas ‘improvável’ significa que é possível.”

Um alter ego?

Em 2012, o sociólogo alemão Andreas Kemper começou a estudar a ascensão da retórica anti-imigração na política alemã — o que despertou seu interesse no AfD e nos discursos do então relativamente desconhecido Björn Höcke.

Höcke usava o termo “economia orgânica de mercado”, que parecia ecoar a expressão “ordem orgânica”, usada pelos nazistas em sua reorganização da economia, em 1934.

Kemper afirmou que, buscando online por outros indivíduos que usavam a mesma terminologia que Höcke, obteve “apenas um resultado exato”: Landolf Ladig, o pseudônimo de um colaborador de uma revista neonazista.

Em um artigo, Ladig descreveu os nazistas como o “primeiro movimento antiglobalista” da história, que “teria se deparado com imitadores em todas as partes” caso tivesse sido bem-sucedido. Alguns, afirmou o autor, sustentam até hoje essas ideias: “As brasas ainda não se apagaram por aqui”.

Kemper encontrou outras similaridades entre as palavras dos homens. A mais estranha foi Ladig citando um livro mencionado por Höcke em um discurso — ambos cometeram exatamente o mesmo erro nas citações.

Kemper eventualmente publicou uma análise com uma acusação chocante: Landolf Ladig, afirmou ele, era na verdade Björn Höcke. “Havia coincidências demais.”

Em 2015, a liderança do AfD pediu que Höcke esclarecesse a controvérsia assinando uma declaração juramentada afirmando que nunca escreveu nem colaborou em artigos sob o pseudônimo de Landolf Ladig.

Höcke se recusou. “Não porque tenho algo a esconder”, disse ele a meios de imprensa alemães na época, mas porque se tratava de “uma tentativa de me difamar”. Ele insistiu que nunca escreveu sob nenhum pseudônimo.

O serviço doméstico de inteligência da Alemanha citou em 2021 o trabalho de Kemper quando classificou o ramo turíngio do AfD como uma organização extremista de direita.

Desde então, vários outros comitês do AfD, assim como a juventude do partido, foram classificados como extremistas. Os líderes do AfD contestam essas classificações, mas afirmam que elas não prejudicaram sua crescente popularidade. Braga, o porta-voz do partido na Turíngia, afirmou que elas podem até estar os ajudando.

“Minha resposta a essa asserção constantemente repetida seria: continuem escrevendo-a”, afirmou ele.

Antes de seu julgamento, Höcke participou de um debate televisionado, no qual insistiu que é difamado intencionalmente. Ele insistiu que deplora o nazismo. E, além disso, argumentou Höcke, muitos antes dele usaram equivocadamente a frase “Tudo pela Alemanha” — até mesmo anúncios da Deutsche Telekom.

Essa alegação chamou a atenção da empresa de telecomunicações — que negou a afirmação de Höcke e solicitou uma ordem de cessar e desistir contra ele.

A Deutsche Telekom compeliu Wagner, o historiador de Buchenwald, a voltar a pesquisar uma coleção de livros em seu escritório publicados pela editora de direita do escritor Götz Kubitschek, que é considerado o padrinho intelectual de Höcke e do AfD.

Um dos ensaios de Kubitschek, intitulado Autotrivialização, define uma estratégia para atrair apoiadores.

O primeiro passo é fazer “cabeças de ponte” verbais, usando palavras controvertidas. O segundo é “entrelaçar-se com o inimigo” — sublinhando exemplos de figuras do mainstream que usam essas mesmas palavras — para semear dúvidas sobre quão radical uma ideia é realmente.

O terceiro passo é “fazer-se inofensivo”, insistindo que essas regras estão dentro das normas do mainstream.

O ensaio termina com um alerta: o objetivo é parecer inofensivo — não se tornar.

Com tantos esforços fracassando em se contrapor ao AfD, Wagner considera os processos judiciais contra Höcke ainda mais importantes.

“Se os políticos não conseguirem definir o limite”, afirmou ele, “o Judiciário, pelo menos, definirá”.

Se houver um limite, contudo, Höcke o testará mesmo assim. No início de maio, ele pronunciou outro discurso na cidade de Hamm, no oeste da Alemanha, anteriormente às eleições europeias. Ele disse à multidão que os tempos estão mudando em sua pátria, acrescentando que “Os sinais apontam para uma tempestade”. Uma frase familiar para quem conhece a história alemã, usada por um jornal nazista em 1933, um dia antes de Hitler assumir o poder.

TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO


A antidiplomacia de Trump deixaria o mundo mais instável - Stephen Collinson and Shelby Rose (CNN Meanwhile inAmerica)