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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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segunda-feira, 23 de setembro de 2024

ONU adota 'Pacto para o Futuro' com 56 medidas para enfrentar desafios da atualidade (Oposição da Rússia da Venezuela e Nicarágua)

ONU adota 'Pacto para o Futuro' com 56 medidas para enfrentar desafios da atualidade

Críticos alegam que, apesar de conter boas ideias, documento fica aquém das necessidades para mudanças reais.

Em um mundo ameaçado por "riscos catastróficos crescentes" como guerras, mudanças climáticas e pobreza, os líderes dos 193 países da ONU adotaram neste domingo um "Pacto para o Futuro" da Humanidade, apesar da oposição de alguns países como RússiaVenezuela Nicarágua. A iniciativa foi lançada na Cúpula para o Futuro, evento paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, que se desenrola na próxima semana em Nova York.

— Convoquei esta cúpula porque os desafios do século XXI devem ser resolvidos com soluções do século XXI — firmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, após a adoção deste texto com 56 medidas para enfrentar os "maiores desafios do nosso tempo". 

Estes desafios vão desde a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a arquitetura financeira global, a manutenção da paz e as mudanças climáticas, até questões mais inovadoras, como a Inteligência Artificial.

Guterres lançou a ideia da chamada Cúpula do Futuro em 2021, mas nos últimos dias não escondeu sua frustração diante das dificuldades de chegar a um consenso para um texto ambicioso, para o qual pediu aos Estados que mostrassem "visão", "coragem " e "ambição".

 

"Acreditamos que existe um caminho para um futuro melhor para toda a Humanidade, incluindo para aqueles que vivem na pobreza e na exclusão", diz o texto, ao qual se opuseram Rússia, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Bielorrússia. 

Apesar da oposição dos países liderados pela Rússia, o pacto e os seus anexos (Pacto Global Digital e Declaração para Gerações Futuras) foram adotados por consenso, mas não são vinculantes.

 

Esta nova "caixa de ferramentas" define novos compromissos, abre "novos caminhos para novas possibilidades e oportunidades”, lembrou Guterres, que prometeu trabalhar "para sua concretização até ao último dia" de seu mandato.

 

— Abrimos a porta, agora todos nós devemos passar por ela, pois não se trata apenas de nos entender, mas de agir. E hoje os desafio a agir — disse Guterres. 

Presente na cúpula, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, na manhã deste domingo, o maior engajamento dos líderes mundiais em termas da agenda global considerados críticos. Ao discursar na sessão de abertura da Cúpula do Futuro, Lula afirmou que "faltam ambição e ousadia" no cenário atual. 

— Vamos recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial — afirmou, reconhecendo que houve alguns avanços, como as negociações para um Pacto Digital. 

— Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia. 

Lula criticou a falta de dinheiro dos países desenvolvidos para mitigar os efeitos do aquecimento global. Disse que os recursos para financiar projetos ambientais são insuficientes e alertou que os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) podem se transformar em um grande fracasso coletivo.

 

As críticas também foram feitas por outros participantes e observadores. Embora existam algumas "boas ideias", "não é o tipo de documento revolucionário" para reformar o multilateralismo que Guterres gostaria, disse à AFP Richard Gowan, pesquisador do International Crisis Group, um dos mais importantes centros de estudos internacionais e avaliação de riscos. 

A opinião é compartilhada entre diplomatas dos Estados-Membros: "morno", "o menor denominador comum", "decepcionante" são os adjetivos mais frequentes. 

O combate ao aquecimento global foi um dos pontos mais sensíveis da negociação, em particular a "transição" das energias fósseis para as mais limpas. Os países em desenvolvimento exigem compromissos concretos relacionados às instituições financeiras internacionais, para facilitar o acesso preferencial ao financiamento de medidas para enfrentar as mudanças climáticas. 

 

Para a ONG Human Rights Watch, o projeto inclui alguns "compromissos importantes" nessa área, e também acolhe os elementos importantes sobre "direitos humanos". Mas "os líderes mundiais devem demonstrar que estão dispostos a agir para garantir o respeito pelos direitos humanos", insiste Louis Charbonneau, especialista da ONG na ONU. 

— Este é um sinal positivo para o caminho a seguir, mas o verdadeiro trabalho está na implementação, e os líderes políticos devem transformar esta promessa em ação — reagiu o diretor-executivo do Greenpeace Internacional, Mads Christensen.

 

— Este pacto deve realmente oferecer um futuro que as pessoas desejam: livre de combustíveis fósseis e um clima seguro.

 

 

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica (2009) - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto de 2009 que talvez ainda tenha alguma validade 15 anos depois de escrito:

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 maio 2009, 4 p. 
 
Meridiano 47, Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais (Brasília: IBRI; ISSN: 1518-1219; n. 113, Dezembro/2009, p. 3-5). 

Numa apresentação feita na quarta conferência de instituições para o estudo científico das relações internacionais, realizada em Copenhagen, em junho de 1931, o já renomado historiador britânico Arnold Toynbee relacionava o que lhe pareciam ser sucessos e fracassos da diplomacia multilateral e das relações mantidas no plano internacional pelas grandes potências, desde que a paz tinha sido restabelecida, doze anos antes, na sequência da mais devastadora das guerras que a humanidade tinha conhecido até então. Entre os primeiros ele relacionava a própria criação da Liga das Nações, o tratado de Paris de renúncia da guerra como instrumento de política nacional (também conhecido como pacto Briand-Kellog), a Corte Internacional de Justiça e a Conferência Mundial do Desarmamento, que deveria começar o seu trabalho alguns meses mais à frente. 
Dentre os fracassos, ele relacionava: a recusa do Senado americano de ratificar o ato de criação da Liga, a rejeição desta última pelo governo soviético, as dificuldades para a plena incorporação da Alemanha ao cenário estratégico do pósguerra e o duplo insucesso do Protocolo de Genebra para a solução pacífica das controvérsias internacionais e da conferência tripartite (EUA-Reino Unido-Japão) para a redução dos armamentos navais (Arnold J. Toynbee, “World Sovereignty and World Culture: the trend of international affairs since the War”, Pacif Affairs, vol. IV, n. 9, setembro 1931, p. 753-778).  
Toynbee registrava os grandes progressos feitos no plano econômico, mas lamentava os atrasos no âmbito da política, cuja característica mais importante era para ele o ‘estado de anarquia’, não muito diferente da situação em que se encontrava o Ocidente, no final da Idade Média. Um julgamento contemporâneo talvez não chegasse a conclusões muito distintas das de Toynbee, quase oitenta anos depois daquele seu diagnóstico otimista quanto à globalização – que ele chamava de “unificação econômica do mundo” – e das perspectivas relativamente pessimistas que ele denotava no plano da política internacional. Pode-se, em todo caso, retomar sua metodologia para analisar os sucessos e os fracassos da diplomacia brasileira nos planos regional, hemisférico e multilateral, com base numa visão de longo prazo.  Quais seriam, numa visão sintética, os grandes sucessos e os possíveis fracassos da diplomacia brasileira ao longo de seus quase dois séculos de existência continuada? Pode-se dizer, inclusive, que ela tem início, no plano exclusivamente locacional, em 1808, posto que seus primeiros passos serão dados no bojo da secular diplomacia lusitana, que então passa a formular sua agenda e a defender os interesses da Coroa portuguesa a partir do território brasileiro. A primeira diplomacia brasileira herda várias boas qualidades da diplomacia portuguesa, a começar pela memória de seus excelentes arquivos, a habilidade em defender os interesses nacionais num quadro internacional dominado por grandes potências e o cuidado em selecionar as melhores capacidades para a representar no exterior. Justamente, no momento da consolidação da independência, pode-se dizer que a diplomacia brasileira alcança seus primeiros sucessos ao obter o reconhecimento de várias nações importantes à época, a começar pelos Estados Unidos, ainda que parte do resultado tenha sido devido a compromissos e assunção de obrigações (pagamento a D. João VI, incorporação do empréstimo português feito pela Grã-Bretanha e a herança dos tratados desiguais concluídos entre esta e Portugal, que amarraram o Brasil até 1844, pelo menos). Mais para o final do século 19 e o início do seguinte, o Barão do Rio Branco concluiria o trabalho de consolidação do território brasileiro, iniciado ainda na era colonial, com a participação de brilhantes diplomatas brasileiros como Alexandre de Gusmão, ao negociar diretamente ou ao conduzir a defesa dos interesses nacionais em processos de arbitragem, os limites fronteiriços ainda pendentes com os vizinhos imediatos. Precavido, ele chegou inclusive a traçar os princípios pelos quais se estabeleceriam as fronteiras com o Equador, se este país não tivesse tido suas pretensões amazônicas diminuídas pela Colômbia e pelo Peru.  Ainda no século 19, um dos nossos maiores contenciosos diplomáticos foi a questão do tráfico escravo, a partir das pressões inglesas para o seu término e a recusa obstinada dos escravistas brasileiros em atender essas demandas (já garantidas num acordo bilateral de Portugal com a Grã-Bretanha, no quadro do Congresso de Viena, e novamente aceitas pelo Brasil no momento da independência, prometido o seu final para 1831, ‘para inglês ver’). José Bonifácio tinha sido derrotado em suas propostas constituintes (1823) para substituir o tráfico pela imigração de agricultores europeus, num prelúdio para a abolição da escravidão; mas desde o início dos anos 1840 a diplomacia brasileira teve de enfrentar, sem sucesso, a arrogância inglesa, que desrespeitava nossa soberania sobre o mar territorial e impunha humilhações ao Brasil que os ingleses não tinham coragem de repetir nas relações com os Estados Unidos. Pode-se registrar que nossa imagem de ‘país escravocrata’, constatada in loco por Darwin, alimenta desde um século e meio os boletins da mais antiga ONG do mundo, a Anti-Slavery Society, com quem interagiu Joaquim Nabuco, outro derrotado na mesma questão, posto que pretendia não a simples abolição, mas também a reforma agrária e a educação dos negros libertos. Nossa diplomacia conheceu momentos não exatamente gloriosos, ao ter de defender, durante anos a fio, o tráfico e a escravidão nos foros internacionais.  As relações regionais passaram por momentos difíceis, desde o início do século 19 e no decorrer de todo o século 20: pode-se dizer que nossa diplomacia foi bem sucedida ao evitar o isolamento de uma monarquia de estilo e raízes europeias num continente republicano e quase todo hispânico. Mas em algumas ocasiões – lutas contra os caudilhos Rosas, da Argentina, e Solano Lopez, do Paraguai – a diplomacia bastante competente do Império precisou recorrer à força militar para apoiar as teses brasileiras sobre o equilíbrio de poderes nos dois lados do Prata. Na Amazônia, a situação era inversa, posto que o rio corria dentro do território nacional. Ainda assim, foi possível desarmar pretensões estrangeiras quanto à internacionalização de sua navegabilidade, tese que a diplomacia defendia no Prata. De modo geral, a diplomacia foi bem sucedida no relacionamento com os vizinhos e no trato bilateral com o gigante hemisférico. Mas o desejo sempre implícito de uma ‘relação especial’ com o império do Norte, com vistas a reproduzir no continente meridional a sua preeminência setentrional – aliás, em todo o Caribe e até o Panamá – nunca foi aceita em tese e sequer implementada na prática. Essa sensação de copo meio cheio ou meio vazio continua a prevalecer em relação aos projetos de integração regional: as concepções mais flexíveis da diplomacia brasileira enfrentam resistências de alguns vizinhos – que temem o poderio da indústria brasileira – ou então são confrontadas a propostas utópicas de outros líderes, de cunho essencialmente político, cujo único resultado é a substituição do pragmatismo comercialista do Brasil por modelos irrealizáveis no plano da prática. No eixo vertical, a relutância em aceitar um acordo de comércio de âmbito hemisférico, supostamente porque as empresas do império seriam mais competitivas, ou porque este não retrocede substancialmente em seu protecionismo e subvencionismo agrícolas, termina por impor um fracasso diplomático, seja porque os demais vizinhos aceitam acordos de livre comércio com o mesmo império, seja porque a manutenção do status quo nem contribui para ganhos de competitividade das empresas brasileiras, nem salvaguarda os interesses destas últimas nos mercados dos vizinhos sul-americanos.  Por fim, o velho sonho das elites brasileiras – especialmente diplomáticas e militares – de ver o Brasil aceder ao ‘círculo íntimo’ do poder mundial, seja pela incorporação negociada ao clube dos ‘mais iguais’, seja pela detenção do poder nuclear, nunca pode ser concretizada, por razões basicamente internas, não por deficiências de ordem propriamente diplomática. A postura do Brasil sempre foi cooperativa, seja ao honrar seus compromissos financeiros internacionais, seja ao favorecer soluções negociadas para os conflitos entre Estados. Mas esse reconhecimento nunca bastou para converter o Brasil num sócio confiável aos olhos das grandes potências da Liga das Nações e, atualmente, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou seja, não basta a promoção do multilateralismo, o respeito ao direito internacional, o pacifismo inerente à nossa diplomacia para elevar o status do Brasil no plano mundial, e isso não tem a ver apenas com nossa postura ambígua no que concerne o protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear: o que as grandes potências realmente exibem, afinal de contas, é a disposição de coadjuvar sua ação diplomática com a capacidade efetiva de projetar poder real. Para isso são requeridos outros atributos, mas sua aquisição não se dá exclusivamente pela via diplomática.

  Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e autor do livro O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (Brasília: LGE, 2006). Brasília, 17 maio 2009, 4 p.  Digressões históricas sobre conquistas e frustrações da diplomacia brasileira ao longo de dois séculos. Relação de Publicados n. 944.

domingo, 22 de setembro de 2024

Amorim faz o que pode para atalhar o Itamaraty - Luiz Carlos Azedo (CB)

 Análise: 

Amorim faz o que pode para atalhar o Itamaraty

"Existe uma larga distância entre as relações internacionais do PT e os interesses nacionais. A política externa brasileira não está desligada da política interna", observa o jornalista

Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense, 22/09/2024

 

Segundo o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, o governo Lula não terá como reconhecer a vitória de Maduro sem as atas, mas não deve cortar relações com Venezuela - (crédito: Roque de Sá/Agência Senado)

ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República e principal articulador do governo brasileiro junto ao regime autoritário da Venezuela, em entrevista ao Valor Econômico declarou que o Brasil não pretende romper laços com o governo de Nicolás Maduro, apesar dos impasses no processo eleitoral do país vizinho.

"O Brasil não vai romper relações com a Venezuela. Relações são com o Estado", disse. Na mesma entrevista, reconheceu o fracasso dos esforços diplomáticos do Itamaraty para que o ditador venezuelano aceitasse a vitória da oposição e disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vai à posse de Maduro.

Como se sabe, as eleições venezuelanas foram fraudadas, as atas das mesas eleitorais exigidas pela oposição e os governos do Brasil, da Colômbia e do México nunca apareceram, a oposição foi a continua sendo duramente reprimida e o candidato oposicionista, Edmundo Gonzáles, foi obrigado a assinar uma declaração aceitando o resultado proclamado pela Justiça eleitoral para poder deixar o país e se asilar na Espanha.

A entrevista de Amorim não tem sabor de derrota, mas de vitória. Ao contrário do Itamaraty, o ex-chanceler sempre apostou numa acomodação com a Venezuela e o reconhecimento do governo de Maduro, por motivos que não têm uma explicação plausível, pelas consequências negativas para a imagem do governo numa questão-chave: a centralidade da democracia na sua política.

A atuação de Amorim como mediador e a nota divulgada pela cúpula do PT logo após a eleição, na qual o partido reconheceu a vitória de Maduro, agora parecem jogo combinado. Deixaram Lula numa saia justa. O ex-chanceler ocupa um cargo na Presidência que já foi exercido com mais discrição por Marco Aurélio Garcia, o grande artífice das relações internacionais de Lula com os partidos de esquerda da América Latina e a social-democracia europeia.

Amorim atalha sistematicamente o "low profile" ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, nas questões mais sensíveis para o Itamaraty, como a crise na Venezuela, a guerra em Gaza, as relações com a Rússia e as imposições chinesas na ampliação dos BRICS. O problema é que isso cria cada vez mais constrangimentos para Lula no mundo Ocidental e mais dificuldades diplomáticas para o Brasil, como na questão na nova lei sobre desmatamento na União Europeia e, também, no seu acordo com Mercosul.

Existe uma larga distância entre as relações internacionais do PT e os interesses nacionais, além do fato de que a política externa brasileira não está desligada da política interna. Nesse aspecto, as entrevistas de Amorim e as declarações improvisadas de Lula, em certos momentos, deixam o governo numa situação difícil perante a opinião pública brasileira. É nessas horas que a experiência e a habilidade da nossa diplomacia deveriam ter mais protagonismo.

Ditadura

Amorim não classifica a situação venezuelana como uma ditadura, embora o rei esteja nu. "Eu prefiro não fazer adjetivos", disse na entrevista, a propósito de Maduro. É improvável que Amorim não soubesse das gestões do ex-presidente do governo da Espanha José Luiz Zapatero (PSOE) com Maduro para que Gonzáles pudesse sair da embaixada espanhola em Caracas.

O preço para o candidato de oposição foi assinar a desmoralizante declaração na qual reconoció y acató — pero no compartió — la decisión del Tribunal Supremo que convalidaba la victoria electoral de Nicolás Maduro el 28 de julio e negou ter sido coaccionado ni por el gobierno de España ni por el embajador español en Venezuela.

Ao justificar sua decisão, em entrevista à agência Reuters, Gonzáles disse que optou pela liberdade, em vez da clandestinidade, como fez a líder oposicionista María Corina Machado, que permanece na Venezuela e apoiou a decisão de Gonzales: "A sua vida estava em perigo e as crescentes ameaças, intimações, mandados de prisão e mesmo as tentativas de chantagem e coação a que foi sujeito demonstram que o regime não tem escrúpulos nem limites na sua obsessão em silenciá-lo e tentar subjugá-lo", declarou a oposicionista no X.

Na sua justificativa, Gonzáles disse que "teria que estar em liberdade para poder fazer o que está fazendo, transmitindo ao mundo o que está se passando na Venezuela e fazendo contatos com dirigentes mundiais".

Voltando à entrevista ao Valor, Amorim atropela o Itamaraty em todos os temas sensíveis, como as queimadas na Amazônia, a guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio. Ao destacar a importância da multipolaridade nas relações internacionais, enfatizou a parceria estratégica com a China, que está transformando o BRICS num grande bloco econômico do Sul Astral em disputa com o Ocidente. O Brasil negligencia as relações com os Estados Unidos, quando se analisa a reestruturação e a regionalização das cadeias de valor do comercio mundial. As prioridades são outras.

Na quarta-feira passada, Lula conversou por telefone com o presidente russo, Vladimir Putin. Na pauta, a guerra na Ucrânia e a cúpula do BRICS, que acontecerá na Rússia em outubro.


Brasil, a Greta Garbo dos trópicos? A terrível marcha lenta do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 A terrível marcha lenta do Brasil 

Paulo Roberto Almeida

“EUA e Argentina articulam reunião sobre Venezuela na ONU; Brasil não deve ir.” (FSP, 21/09/2024)

A diplomacia lulopetista faz do Brasil uma prima dona ridícula, ou o complexo de Greta Garbo, como dizia Araújo Castro: “Let me be alone”. Quero ficar sozinha!

Ao não querer seguir as democracias, a diplomacia lulopetista está empurrando o Brasil para o lado das autocracias.

Lula escolheu o seu campo. Estranho que a maioria do Parlamento manda no dinheiro público (em causa própria), mas não exibe o mínimo interesse pela postura externa do país. Com isso, condena o Brasil a ficar eternamente atrasado.

Greta Garbo dos trópicos?

O futuro incerto da democracia americana em face da evolução racial do país- Steven Levitsky (FSP) ; Nota preliminar, PRA

Uma observação preliminar, PRA

Um importantíssimo arrigo de um dos autores deComo as Democracias Morrem” sobre a extrema dificuldade em democratizar a democracia nos EUA, deformada eleitoralmente pela minoria republicana que se radicalizou em face da perda de sua importância política num pais agora poderosamente influenciado por imigrantes não dotados, ainda, de influência cultural decisiva.

Eu não concordaria em chamar a sociedade americana de “multirracial” como faz Levitsky; os EUA são uma sociedade MULTINACIONAL, isto é, com variados e crescentes aportes estrangeiros, mas rles ainda não são uma sociedade MULTRRACIAL (o que é, exclusivamente, o caso do Brasil), pois sua maioria branca não se dispõe ainda a se misturar com  negos, latinos e asiáticos (indianos e levantinos), por enquanto. O “racismo estrutural” dos brancos impede uma evolução politica que INDEPENDE da vontade racional de legisladores, eventualmente motivados em corrigir os mecanismos criados pelos Founding Fathers para evitar a tirania das maiorias. O obstáculo é psicológico e motivacional, assim como cultural: os brancos do interior NÃO QUEREM se misturar com negros, latinos e asiáticos. O impasse vai continuar até que os “estranfeiros” se misturem entre si e adquiram poder político suficiente para mudar as instituições e o modo de votação.

Paulo Roberto de Almeida  (22/09/2024)


Sem reforma, minoria branca e cristã governará os EUA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2024/09/sem-reformas-minoria-branca-e-crista-governara-os-eua.shtml

Steven Levitsky

Professor de ciência política da Universidade Harvard. Autor, entre outros livros, de "Como as Democracias Morrem" e "Como Salvar a Democracia", escritos com Daniel Ziblatt

A transição dos Estados Unidos em direção a uma democracia multirracial, marcada pela universalização de direitos individuais básicos, está ameaçada pela radicalização do Partido Republicano, que abandonou o compromisso com as regras do jogo. Autor sustenta que o ressentimento de eleitores brancos conservadores, que veem a perda do seu status dominante como risco existencial, e instituições contramajoritárias enviesadas a estados menos populosos e com poder excessivo explicam por que a democracia do país chegou ao ponto de ruptura.

A democracia dos Estados Unidos enfrenta hoje uma ameaça ainda maior que quando escrevemos "Como as Democracias Morrem", há seis anos. Em 2020, Donald Trump se tornou o primeiro presidente da história dos EUA a tentar roubar uma eleição e impedir a transferência pacífica de poder. Porém, ao contrário do que aconteceu no Brasil, as instituições americanas não conseguiram responsabilizar Trump. Por isso, ele está concorrendo à Presidência mais uma vez e tem boas chances de vencer.

Trump tem sido transparente sobre o que tentará fazer se voltar ao poder. Ele nos diz que usará o Departamento de Justiça para investigar e processar seus rivais, perseguirá a imprensa independente, usará o Exército para reprimir protestos e ordenará a deportação de 15 a 20 milhões de pessoas.

Nosso novo livro tenta entender por que a democracia americana chegou ao ponto de ruptura. Argumentamos que os EUA estão passando por uma transição inédita —uma transição para uma democracia verdadeiramente multirracial na qual uma maioria branca cristã, anteriormente dominante, está perdendo seu status dominante. Isso desencadeou uma reação autoritária entre uma minoria de americanos.

Isso, no entanto, não é tudo: a Constituição exacerbou o problema ao dar poder a essa minoria autoritária. Vejamos cada um desses problemas.

A democracia americana está em crise porque um dos seus dois principais partidos não está mais comprometido com as regras do jogo democrático. Os partidos que estão comprometidos com a democracia devem fazer três coisas. Em primeiro lugar, devem aceitar os resultados das eleições, ganhando ou perdendo. Em segundo lugar, devem rejeitar inequivocamente o uso da violência. Em terceiro lugar, devem romper com os extremistas antidemocráticos. O Partido Republicano violou todos esses três princípios desde 2020.

Donald Trump foi o primeiro presidente da história dos EUA a tentar anular uma eleição, e a maior parte do Partido Republicano o apoiou.

Os políticos republicanos também começaram a flertar com a violência. Trump e seus aliados abraçaram a insurreição de 6 de janeiro como heróis. Em 2022, o jornal The New York Times encontrou mais de cem anúncios republicanos em que os candidatos ostentavam ou disparavam armas. Não me lembro de nenhum outro grande partido em qualquer democracia estabelecida em que os candidatos abraçam a violência tão abertamente.

Por fim, os republicanos se recusam a romper com as forças antidemocráticas. Líderes não conseguem matar uma democracia sozinhos —eles precisam de cúmplices entre os políticos mainstream. Esses são o que o cientista político Juan Linz chamou de democratas semileais. Eles se parecem com os políticos comuns, mas diferem na forma como respondem às ameaças autoritárias em seu próprio campo político.

Quando extremistas antidemocráticos surgem em seu próprio campo, os democratas leais fazem três coisas: primeiro, condenam publicamente o comportamento antidemocrático; segundo, expulsam os extremistas antidemocráticos de suas fileiras, se recusando a indicá-los ou a apoiar suas candidaturas; terceiro, unem forças com rivais pró-democracia de todo o espectro político para isolar e derrotar os extremistas antidemocráticos.

Os democratas semileais não fazem nada disso. Em vez de repudiar publicamente o comportamento antidemocrático em seu próprio campo, eles minimizam ou justificam esse comportamento —ou simplesmente permanecem em silêncio. Em vez de expulsar os extremistas antidemocráticos, os toleram ou os acomodam. O que é crucial, os semileais se recusam a trabalhar com rivais ideológicos para derrotar os extremistas antidemocráticos, mesmo quando a democracia está em jogo.

Uma lição evidente dos colapsos democráticos na Europa nos anos 1930 e na América do Sul nas décadas de 1960 e 1970 é que, quando os principais políticos de centro-esquerda ou centro-direita flertam ou cooperam com extremistas antidemocráticos, as democracias têm problemas.

A semilealdade está agora disseminada no Partido Republicano.

Os líderes republicanos sabiam que Trump havia perdido a eleição de 2020 e muitos deles estavam preocupados com seu comportamento antidemocrático às vésperas do 6 de Janeiro, mas eles viabilizaram a invasão do Capitólio mesmo assim. Eles o protegeram ao recusar o impeachment e a condenação de Trump, bloquearam a criação de uma comissão independente para investigar a insurreição de 6 de janeiro e são quase unânimes em apoiar sua candidatura presidencial neste ano.

Por que isso está acontecendo? Por que um partido dominante como o Republicano poderia se afastar da democracia? Argumentamos que se trata de uma reação à democracia multirracial.

Para a democracia funcionar, os partidos políticos precisam ser capazes de tolerar a derrota. Isso geralmente acontece quando acreditam que têm chance de ganhar no futuro e que a derrota não trará consequências desastrosas. Contudo, quando os partidos ou seus apoiadores percebem que a derrota representa uma ameaça existencial, eles se radicalizam e, muitas vezes, se voltam contra a democracia.

No capítulo 3 do nosso livro, mostramos como isso aconteceu com a virada autoritária dos democratas sulistas durante a reconstrução pós-Guerra Civil, o primeiro experimento dos EUA com a democracia multirracial que trouxe uma ampla emancipação dos negros.

Os afro-americanos eram maioria ou quase maioria na maior parte dos estados do Sul. A emancipação deles, portanto, aterrorizou os democratas e seus apoiadores. O sufrágio dos negros não só ameaçava o domínio eleitoral dos democratas do Sul como também ameaçava toda a ordem racial.

Para muitos sulistas brancos, isso parecia uma ameaça existencial: eles se lançaram à violência e ao autoritarismo. Como declarou um democrata da Carolina do Norte: "Não podemos superar os negros numericamente. Então, temos que superá-los trapaceando, somando mais votos ou atirando neles". Foi isso o que fizeram.

Os democratas usaram o terror da violência e a fraude eleitoral para tomar o poder em todo o Sul. Em seguida, se entrincheiraram no poder por meio do registro de eleitores condicionado ao pagamento de impostos, de testes de alfabetização e de outras medidas para acabar com o direito de voto dos afro-americanos. Sem aceitar a derrota, os democratas eliminaram o direito ao voto de quase metade da população, dando início a quase um século de governo autoritário no Sul.

Tememos que algo semelhante esteja acontecendo com o Partido Republicano hoje.

As raízes desse fenômeno estão nas reformas por direitos civis da década de 1960, a segunda experiência dos EUA com a democracia multirracial. A revolução dos direitos civis gerou uma boa dose de ressentimento entre os eleitores brancos, principalmente no Sul, onde eram majoritariamente democratas. O Partido Republicano era minoritário na década de 1960, mas o ressentimento branco a respeito dos direitos civis criou uma oportunidade de expansão da sua base.

Os políticos republicanos calcularam que, se conseguissem conquistar os eleitores brancos revoltados, poderiam se tornar o partido majoritário e, durante uma geração, apelaram para o ressentimento branco.

Começando com Goldwater na década de 1960 e continuando com Nixon e Reagan, os republicanos miraram em eleitores brancos cristãos conservadores. Funcionou. Os sulistas brancos deixaram de ser majoritariamente democratas e passaram a ser majoritariamente republicanos.

O Partido Republicano virou o partido dos cristãos brancos. Como o país ainda era predominantemente branco e cristão nas décadas de 1970 e 1980, se tornar o partido dos eleitores brancos e cristãos ajudou a fazer do Partido Republicano majoritário. Os republicanos venceram todas as eleições presidenciais entre 1968 e 1988, com exceção da eleição do Watergate, em 1976.

A estratégia, no entanto, acabou enfrentando problemas, porque, enquanto os republicanos se tornavam o partido dos cristãos brancos, o país se tornava menos branco e menos cristão. A porcentagem de americanos que se identificavam como brancos e cristãos caiu de 80% em 1976 para 43% em 2016.

Isso representou uma grave ameaça eleitoral para os republicanos. Ficou cada vez mais difícil para um partido esmagadoramente branco e cristão conquistar maiorias nacionais no século 21. Os republicanos não vencem no voto popular para presidente desde 2004. Em 1980, Ronald Reagan recebeu 55% dos votos dos brancos e transformou isso em uma vitória avassaladora. Em 2012, Mitt Romney obteve 59% dos votos dos brancos, mas mesmo assim perdeu a eleição. Quando os republicanos perceberam que estavam vencendo entre os brancos mas perdendo no voto popular, começaram a entrar em pânico.

O problema, porém, ia além de perder eleições. Para grande parte da base republicana, a transição dos EUA para a democracia multirracial parecia uma ameaça existencial. Os cristãos brancos não eram um grupo qualquer. Durante dois séculos, eles ocuparam o primeiro escalão das hierarquias sociais, econômicas, políticas e culturais: eram os políticos, os juízes, os CEOs, os reitores das universidades, os editores de jornais e as celebridades da TV.

Até meados da década de 1980, todos os presidentes e vice-presidentes, todos os presidentes da Câmara, líderes da maioria no Senado, presidentes da Suprema Corte, governadores, CEOs da Fortune 500 e todas as Miss América eram brancos.

Tudo isso está acabando rapidamente agora, bem diante de nossos olhos. O número de políticos negros e latinos do Congresso mais que quadruplicou: de 28 em 1980 para 114 hoje. Pela primeira vez na história, a porcentagem de afro-americanos no Congresso agora é igual à porcentagem de afro-americanos na população em geral. Em 1965, todos os nove ministros da Suprema Corte eram homens brancos. Hoje, apenas quatro dos nove são homens brancos, e só seis dos nove são brancos.

A mudança vai além da política. Vemos isso na presença cada vez maior de famílias não brancas e multirraciais em anúncios, na televisão e nos filmes. Vemos isso na crescente rejeição social a atos racistas (pense nos protestos do Black Lives Matter) e nas contestações cada vez maiores (em Redações e salas de aula) a narrativas históricas que minimizam ou ignoram o passado racista dos EUA.

Esses passos em direção à democracia multirracial são essencialmente liberais: eles universalizam os direitos individuais básicos. A ideia de que indivíduos de todas as raças devem ter acesso igual ao Estado, ser igualmente protegidos pelo Estado e não ser desproporcionalmente perseguidos, encarcerados ou mortos pelo Estado não poderia ser mais liberal. Desprezar as demandas por direitos iguais como "identitarismo" é, além de enganoso, vergonhoso.

Estamos testemunhando um golpe sem precedentes nas hierarquias raciais dos EUA, mas, quando seu grupo está no topo de uma hierarquia social há 250 anos, contestações a essa hierarquia podem parecer uma ameaça. Perder o status social dominante é um acontecimento importante e pode gerar uma sensação de risco existencial. Muitos eleitores de Trump sentem que estão perdendo seu país: eles sentem que o país em que cresceram está sendo tomado deles.

Essa sensação de perda tem impulsionado muitos republicanos comuns em direção ao extremismo. Em uma pesquisa realizada em 2021, 56% dos republicanos concordaram com a afirmação de que "o modo de vida tradicional americano está desaparecendo tão rapidamente que talvez seja preciso usar a força para salvá-lo".

O SEGUNDO OBSTÁCULO: INSTITUIÇÕES CONTRAMAJORITÁRIAS

A radicalização dos republicanos representaria uma ameaça menor se os EUA fossem como outras democracias, em que as maiorias eleitorais governam. O trumpismo nunca representou a maioria dos americanos.

De fato, pela primeira vez na história, a maioria dos americanos abraça os princípios básicos da democracia multirracial no século 21. A maioria apoiou os protestos do Black Lives Matter em 2020. Mais de 60% dos americanos concordam com a afirmação de que a crescente diversidade social torna os EUA um lugar melhor para se viver. Uma pesquisa recente revelou que mais de 60% acha que escolas devem ensinar às crianças a história do racismo nos EUA, mesmo que isso as deixe desconfortáveis.

Isso é muito importante: pela primeira vez, no século 21, os EUA têm uma maioria democrática multirracial. Essa maioria democrática multirracial, contudo, se lançou contra algumas das instituições contramajoritárias mais poderosas do mundo.

É importante dizer que algumas instituições contramajoritárias são essenciais para a democracia. A democracia moderna exige a proteção dos direitos das minorias. Como disse o ex-ministro da Suprema Corte Robert Jackson, alguns domínios devem estar "fora do alcance das maiorias".

Dois domínios em particular devem permanecer fora do alcance das maiorias. O primeiro são os direitos civis: o direito ao voto, a liberdade de expressão e a liberdade de associação devem ser protegidos dos impulsos da maioria.

Um segundo domínio que deve estar fora do alcance das maiorias é o próprio processo democrático. Os governos eleitos não podem usar as maiorias populares ou parlamentares para se entrincheirar no poder, aprovando leis que enfraqueçam os oponentes ou prejudiquem a competição justa, por exemplo.

Esse é o tipo de tirania da maioria que vimos na Venezuela e na Hungria. Precisamos de mecanismos para proteger o sistema democrático de maiorias que o subverteriam.

Os direitos civis e o direito à competição justa são direitos essenciais das minorias. É por isso que precisamos da Declaração de Direitos dos EUA, do Judiciário independente e de barreiras relativamente altas para reformas constitucionais.

Muitas instituições contramajoritárias, porém, não são essenciais para a democracia. Lembre-se: as democracias devem dar poder às maiorias. Portanto, assim como alguns domínios devem ser colocados fora do alcance das maiorias, outros devem permanecer ao seu alcance.

As eleições são um deles. Aqueles com mais votos devem prevalecer sobre aqueles com menos votos no processo que determina os ocupantes de cargos políticos —nenhuma teoria de democracia liberal justifica qualquer outro resultado.

Outro domínio que deve permanecer ao alcance das maiorias é a legislação: as maiorias eleitorais devem ser capazes de governar. Uma minoria legislativa não deve poder vetar leis apoiadas pela maioria. As instituições que impedem que as maiorias eleitorais ganhem ou governem não são essenciais. Na verdade, são antitéticas à democracia.

Acontece que os EUA têm um número incomum de instituições contramajoritárias antidemocráticas: o Colégio Eleitoral, um Senado com representação extremamente desproporcional, a obstrução ("filibuster") no Senado e uma Suprema Corte com grandes poderes e composta de ministros com mandato vitalício.

Essas instituições começaram a subverter a democracia dos EUA. As concessões outorgadas a estados escravocratas e pequenos na Convenção Constitucional de 1787 criaram um viés no nosso sistema político —territórios poucos populosos têm representação excessiva. O Colégio Eleitoral os favorece, o Senado os favorece fortemente e, como o Senado aprova os indicados para a Suprema Corte, a Suprema Corte também é enviesada na direção dos estados pouco populosos.

Esse viés rural sempre existiu, mas nunca favoreceu seriamente um partido porque, durante a maior parte da nossa história, os dois principais partidos tinham ramificações urbanas e rurais. Hoje, porém, os partidos estão divididos entre áreas urbanas e rurais, com os democratas estabelecidos em centros metropolitanos e os republicanos em cidades pequenas e na zona rural. Isso dá aos republicanos uma vantagem no Colégio Eleitoral, no Senado e na Suprema Corte.

Os republicanos ganharam no voto popular para presidente apenas uma vez desde 1988 e, no entanto, ocuparam a Presidência durante a maior parte do século 21. A maioria popular não foi suficiente para Joe Biden vencer em 2020. O presidente teve de ganhar no voto popular por pelo menos quatro pontos percentuais —se tivesse ganhado por dois pontos, como Lula, Trump teria sido reeleito (Kamala Harris enfrenta o mesmo problema neste ano).

O Senado tem uma distorção semelhante. Mesmo que os democratas alcancem 51% ou 52% do voto popular, os republicanos controlarão o Senado. Os democratas venceram a votação popular em todos os ciclos de seis anos desde 2000, mas os republicanos controlaram o Senado por quase metade desse período.

Em 2016, os democratas ganharam no voto popular para a Presidência e o Senado e, mesmo assim, os republicanos ocuparam a Presidência e controlaram o Senado.

O governo da minoria é um problema exclusivamente americano. Em nenhuma outra democracia estabelecida as minorias partidárias podem impedir as maiorias eleitorais tão consistentemente quanto nos EUA. Por que isso acontece?

O excesso de contramajoritarismo era muito comum. A Europa tinha muitas instituições antidemocráticas no século 19 —monarquias, eleições indiretas e órgãos legislativos não eleitos ou com representação desproporcional. Com o passar do tempo, no entanto, outras democracias se desfizeram gradualmente de suas instituições pré-democráticas.

A Grã-Bretanha enfraqueceu a Câmara dos Lordes, retirando-lhe o poder de veto. Dinamarca, Suécia, Nova Zelândia e Portugal eliminaram suas câmaras altas não democráticas. Alemanha, Áustria e Bélgica democratizaram seus Senados, os tornando mais proporcionais à população. A Grã-Bretanha, o Canadá, a Austrália, a França e outras democracias estabeleceram regras que permitem que maiorias simples encerrem o debate parlamentar (portanto, não há obstrução por parte da minoria). Todas as democracias europeias e latino-americanas estabeleceram limites de mandato ou idade de aposentadoria para ministros das Cortes Supremas.

Todas as demais democracias presidencialistas do mundo se livraram de seus colégios eleitorais. A Argentina foi a última, em 1994.

Portanto, outras democracias se tornaram mais democráticas nos últimos cem anos, eliminando instituições dos séculos 18 e 19 que permitiam que as minorias impedissem sistematicamente a ação das maiorias. Somente os EUA mantiveram a maioria de suas instituições pré-democráticas.

DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA DOS EUA

Os EUA são a única democracia presidencial do mundo com um colégio eleitoral. Temos o Senado com representação mais desproporcional do mundo, com exceção da Argentina e do Brasil.

Nenhuma outra democracia permite que uma minoria do Congresso vete rotineiramente uma legislação regular apoiada pela maioria, e os EUA são a única democracia estabelecida em que ministros da Suprema Corte têm mandatos realmente vitalícios —todas as demais têm limites de mandato ou idade de aposentadoria obrigatória.

Precisamos democratizar a democracia americana.

No livro, propomos 15 reformas que dariam poder às maiorias e contribuiriam para deter o governo das minorias, incluindo o registro automático de eleitores, a abolição do Colégio Eleitoral, o fim do "filibuster", um Senado mais proporcional e limites de mandato para os ministros da Suprema Corte.

Essas não são reformas radicais —simplesmente colocariam os EUA em linha com outras democracias—, mas são importantes porque, se não tomarmos medidas para fortalecer a maioria democrática multirracial do país, seremos governados por uma minoria autoritária.

Os EUA estão em uma encruzilhada. Ou seremos uma democracia multirracial no século 21 ou não seremos uma democracia. Ambos os caminhos estão diante de nós e não há como voltar atrás.


Splendore e Viltà di Erik Larson è l’avvertimento di Churchill all’occidente di oggi - Diego Ghidotti

 Splendore e Viltà di Erik Larson è l’avvertimento di Churchill all’occidente di oggi

Diego GhidottiSettembre 20, 2024

Splendore e Viltà di Erik Larson (l’autore de “Il Giardino delle Bestie” tanto per intenderci), libro scritto nel 2020 e pubblicato da Neri Pozza, è la ricostruzione dello snodo cruciale della seconda guerra mondiale, i mesi a cavallo tra il 1940 ed il 1941, quelli in cui Winston Churchill provava ad imitare Zelensky e Roosvelt ha tentato di comportarsi come Joe Biden. A parte gli scherzi, l’autore seguendo esclusivamente fonti certificate e diari personali dei protagonisti ha dipinto con dovizia di particolari l’anno dei bombardamenti nazisti su Londra e la reazione del primo ministro inglese Churchill. Vi assicuro che dopo quasi 85 anni, nulla è cambiato.

Un confronto tra ieri e oggi davvero inquietante

Le similitudini tra gli albori del conflitto mondiale del secolo scorso e questi duri (per gli ucraini, non certo per noi) anni di guerra in Ucraina sono inquietanti. Nulla che non sapessimo già, ma fa certo riflettere.
Prima scherzavo sullo scambio di ruoli tra Zelensky e Churchill, tra Biden e Roosvelt, ma neanche poi così troppo. Churchill sapeva che mentre le sue città venivano bombardate l’unica speranza per la Gran Bretagna era riposta nell’aiuto economico e militare del presidente americano Roosvelt, casualmente in quello stesso anno (1940) legato mani e piedi dalla campagna elettorale per la sua rielezione. Vi ricorda qualcosa? I tentennamenti di Roosvelt, a volte anche la sua indolenza e i ritardi del congresso di Washington all’approvazione degli aiuti militari all’Inghilterra assediata dal cielo dai bombardieri nazisti suonano come la musica che gli ucraini stanno ascoltando da ormai quasi mille giorni. Era il 1940, oggi siamo nel 2024: 84 anni di un disco rotto che ripete sempre le stesse note. Allora morirono decine di migliaia di inglesi per l’indecisione americana, ora questa tragedia sta toccando agli ucraini.

In Splendore e Viltà le suppliche di Churchill a Roosvelt, orgogliose quanto necessarie, si accoppiano perfettamente con quelle che Zelensky è costretto a recitare al presidente USA dal 2022. Il primo ministro inglese doveva dimostrare di avere bisogno degli aiuti americani per scongiurare un’invasione nazista, ma senza sembrare disperato, nonostante lo fosse, per evitare che le armi richieste sembrassero poi inutili, ma avvertendo al contempo Roosvelt che se cadeva l’Inghilterra, poi sarebbe toccato agli americani combattere. La stessa recita ora tocca a Zelensky: dimostrare preventivamente di poter sconfiggere la russia con questa o quella fornitura di armi, che l’abolizione del divieto di utilizzarle in territorio russo servirà a fermare i terroristi di mosca, facendo una giravolta ed una capriola a mani legate recitando l’alfabeto al contrario. Dimostrare insomma l’indimostrabile. La collaborazione tra partner internazionali in una guerra non dovrebbe essere ridotta a questo teatrino, ma dovrebbe invece basarsi su solide fondamenta di stima e fiducia reciproca. Qualità che a quanto pare non c’erano nel 1940 tra USA e Gran Bretagna e non ci sono oggi tra USA e Ucraina.
Churchill, detto questo, non si è mai scoraggiato, ha insistito e resistito. Zelensky sta facendo lo stesso. Non c’è nessuna differenza.

La propaganda nazista e la propaganda russa

Nell’opera di Erik Larson emerge anche un tema che a noi, purtroppo, sta molto a cuore. Quello della propaganda nazista (oggi russa). Dai documenti ufficiali e dai diari dell’epoca, tra cui quello preziosissimo del ministro della propaganda nazista Goebbels, si evince che anche in questo campo nulla è cambiato.
I tentativi dei nazisti di screditare l’indesiderato Churchill sono gli stessi approntati oggi dai nazisti russi per far decadere l’altro leader indesiderato, Zelensky. Nel 1940 non c’era il web (e per fortuna direi), c’erano le trasmissioni radio. E funzionavano, tanto che Goebbels stesso aveva una sua rete di annunciatori in lingua inglese per seminare il panico nelle città d’oltremanica. Propaganda geolocalizzata prima di META. Le finte trasmissioni radiofoniche che promuovevano inviti all’opinione pubblica per schierarsi a favore un accordo di pace sono oggi i canali YouTube e gli account X che con una mano chiedono la pace e con l’altra la resa incondizionata dell’Ucraina. Non è davvero cambiato nulla e a quanto pare sembra che noi non siamo poi così tanto più avanti rispetto ad una civiltà che ancora non postava foto di tramonti al mare per fare invidia ai propri amici. Anzi una civiltà che proprio al mare non ci andava.

 Allerta spoiler: se ancora non sapete come è finita la seconda guerra mondiale, ma avete in previsione di guardare prossimamente qualche film sull’argomento, non leggete le prossime righe. Per tutti gli altri via libera.

Alla fine di tutta questa bella storia, di tutte queste terrificanti similitudini con l’oggi in Ucraina, le suppliche di Churchill-Zelensky a Roosvelt-Biden si risolsero con qualche aiuto militare ed economico per tamponare un po’ la situazione, ma nulla di decisivo. La vera svolta si ebbe solo con l’ingresso ufficiale in guerra degli USA a seguito di Pearl Arbour, a cui comunque seguirono altri quattro anni di guerra totale.
Io mi auguro che qualcuno, al di là dell’oceano, abbia letto Splendore e Viltà di Erik Larson e lo abbia consigliato come lettura prima di andare a nanna a Joe e Kamala. La russia poteva essere fermata dieci anni fa. La russia poteva essere fermata prima del 24 Febbraio 2022. La russia poteva essere fermata quasi 1000 giorni fa. La russia può ancora essere fermata prima che ci trascini tutti in una devastante guerra. Non aspettiamo una nuova Pearl Arbour. Facciamo in modo che questo articolo invecchi male, malissimo e che quando qualcuno lo leggerà tra qualche anno penserà che di similitudini tra il presente ed il 1940-41 in fondo poi non ce n’erano poi così tante.


sábado, 21 de setembro de 2024

O papel dos Estados Unidos no mundo é difícil - e acabou de ficar muito mais complicado - Tom Friedman (NYT)

O papel dos Estados Unidos no mundo é difícil - e acabou de ficar muito mais complicado

Administrar a política externa americana é tentar dialogar com Estados falidos, Estados-zumbi e homens enfurecidos."

(Grato a Carmen Lícia Palazzo pela transcrição. PRA)

Por Thomas Friedman (The New York Times)

Estadão, 19/09/2024 | 22h00

Ultimamente tenho me surpreendido comigo mesmo iniciando falas a respeito dos desafios de política externa diante do próximo presidente da seguinte maneira: “Quero dialogar hoje com todos os pais e mães neste recinto: Mãe, pai, se seu filho ou filha chegar da faculdade e lhes disser, ‘Quero ser secretário de Estado americano algum dia’, lhe respondam: ‘Amor, você pode ser o que quiser, tudo bem, mas por favor não vire secretário de Estado. É o pior trabalho do mundo. Secretário de Educação, Agricultura, Comércio — sem problema. Mas prometa para a gente que você nunca se tornará secretário de Estado’”.

A razão: a incumbência de administrar a política externa dos Estados Unidos é muito, muito mais difícil do que a maioria dos americanos jamais imaginaria. É quase uma impossibilidade numa era que você tem de lidar com superpotências, supercorporações, indivíduos e redes superempoderados, supertempestades, Estados superfalidos e superinteligências — tudo junto e misturado, criando um arranjo incrivelmente complexo de problemas a serem solucionados para conseguir fazer qualquer coisa.

Na Guerra Fria, uma diplomacia heroica sempre figurou no tabuleiro. Pensem em Henry Kissinger. Ele precisou de apenas três fichas de telefone, um avião e alguns meses para montar o vaivém diplomático que ergueu o histórico acordo que pôs fim às hostilidades da Guerra Árabe-Israelense de 1973 entre Israel, Egito e Síria. Com a primeira ficha ele ligou para o então presidente egípcio, Anwar Sadat; com a segunda, para a ex-primeira-ministra israelense Golda Meir; com a terceira ele ligou para o ex-presidente sírio Hafez Assad. E abracadabra: Egito, Síria e Israel firmaram seus primeiros acordos de paz desde os pactos do armistício de 1949.

Kissinger lidava com países. Antony Blinken não teve tanta sorte ao se tornar o 71.º secretário de Estado americano, em 2021. Blinken — juntamente com o conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, e o diretor da CIA, Bill Burns — tem jogado bem um jogo difícil, mas compare o Oriente Médio com que eles têm de lidar ao de Kissinger. A região foi transformada — de uma região formada por sólidos Estados-nação para um lugar composto cada vez mais por Estados falidos, Estados-zumbi e homens enfurecidos, superempoderados e armados com foguetes de precisão.

Estou falando do Hamas em Gaza, do Hezbollah no Líbano e na Síria, dos houthis no Iêmen e das milícias xiitas no Iraque. Virtualmente para qualquer lado que Blinken, Sullivan e Burns olharam quando montaram sua diplomacia de vaivém após 7 de outubro de 2023, sua visão era dupla: o governo oficial do Líbano e a rede do Hezbollah; o governo oficial do Iêmen e a rede houthi; e o governo oficial do Iraque e as redes de milicianos xiitas controladas pelo Irã.

Na Síria, há um governo central na função em Damasco e o restante do país é uma colcha de retalhos com zonas controladas pela Rússia, pelo Irã, pela Turquia, pelo Hezbollah e por forças americanas e curdas. O único contato possível com a rede do Hamas em Gaza é através de mediadores catarianos e egípcios. E até o Hamas se divide em um braço militar dentro de Gaza e um braço político no exterior.

Enquanto isso, o Hezbollah é a primeira entidade não estatal na história moderna a estabelecer uma relação de destruição mútua assegurada com um Estado-nação. Hoje o Hezbollah é crivelmente capaz de destruir o Aeroporto de Tel-Aviv com seus foguetes de precisão tanto quanto Israel tem capacidade de ameaçar destruir o Aeroporto de Beirute — o que não ocorria quando os israelenses e a milícia travaram a guerra de 2006.

O que também não existia naquela época era a capacidade tecnológica de Israel de matar ou ferir centenas de membros do Hezbollah numa única tacada, como fez na terça-feira usando ferramentas cibernéticas à la “Matrix” para detonar pagers de seus integrantes de uma só vez — ao mesmo tempo que diplomatas americanos trabalhavam febrilmente num cessar-fogo entre as partes. Então, exatamente no momento que os diplomatas americanos tentavam arrefecer o campo de batalha no espaço físico, a guerra irrompeu no ciberespaço.

Adeus abracadabra. Hoje, alinhar os interesses de todas essas entidades simultaneamente para assegurar um cessar-fogo em Gaza é tão fácil quanto agrupar cada cor de um cubo mágico em cada face do brinquedo.

Portanto, só uma coisa é clara para mim a respeito desta nova geopolítica que o nosso próximo presidente terá de encarar: nós precisamos de muitos aliados. Não é um trabalho para “os EUA a sós”. É um trabalho para “os EUA e seus amigos”.

Por isso que minha escolha nesta eleição é também tão clara. Você prefere Donald Trump — cujas duas principais mensagens nos adesivos de carros para os nossos aliados são, basicamente, “Saia da minha propriedade” e “Paguem ou lhes entregarei para Putin” — como presidente ou Kamala Harris, que vem do governo Biden, cuja expressão mais marcante em política externa tem sido sua capacidade de construir alianças? Eis o maior legado de Joe Biden, um legado substancial.

Na região Ásia-Pacífico, o time de Biden usou alianças para contrabalançar a China militarmente e tecnologicamente. Na Europa, usaram-nas para se contrapor à invasão russa à Ucrânia. No Oriente Médio, em 13 de abril, para derrubar virtualmente todos os cerca de 300 drones e mísseis que o Irã disparou contra Israel. E na diplomacia de bastidores os enviados americanos reuniram nossos aliados para a complexa troca de prisioneiros multinacional que libertou, entre outros, o repórter Evan Gershkovich, do Wall Street Journal, que tinha sido encarcerado desonestamente por Vladimir Putin.

Será esta a razão número 1 para Rússia, Irã e China quererem ver Trump eleito? Porque eles sabem que Trump é tão transacional quando lida com a Otan e outros aliados dos EUA que nunca seria capaz de reunir alianças sustentáveis contra eles.

Não tenha dúvida: o mundo no qual nossos próximos presidente e secretário de Estado terão de liderar é mais desafiador do que qualquer período anterior à 2.ª Guerra Mundial. É por isso que tenho achado tão útil estar lendo neste momento o livro que Michael Mandelbaum, acaba de publicar, intitulado “The Titans of the Twentieth Century: How They Made History and the History They Made” (Os titãs do século 20: Como eles fizeram história e a história que eles fizeram), um estudo sobre o impacto das trajetórias de Woodrow Wilson, Lênin, Adolf Hitler, Winston Churchill, Franklin Roosevelt, Mohandas Gandhi, David Ben-Gurion e Mao Tsé-tung.

Os capítulos sobre Churchill e Roosevelt são particularmente relevantes para o presente. Esses dois grandes líderes democráticos do século 20 reconheceram o que as ditaduras na Alemanha e no Japão eram realmente — e sabiam que elas representavam uma ameaça para o Reino Unido e os EUA. Mas Churchill e Roosevelt também entenderam que seus países não poderiam ter vencido a 2.ª Guerra Mundial sozinhos (nem sem a União Soviética). As alianças foram cruciais.

“Manter alianças nunca é fácil”, disse-me Mandelbaum. “Churchill e FDR não eram tão próximos pessoalmente como com frequência demonstravam ser e tinham importantes discórdias políticas. Ambos entendiam, contudo, que precisavam um do outro — e faziam sua parceria funcionar. Manter e fortalecer as parcerias globais dos EUA diante de um mundo perigoso será um grande risco para o comandante em chefe”.

O que é especialmente verdadeiro num momento que não estamos tão preparados para o mundo em que entramos como precisaríamos estar. Rússia, Irã e China têm incrementado significativamente suas Forças Armadas há anos. Nós, em contraste, ficamos literalmente sem os armamentos necessários para lutar nesses três fronts simultaneamente. A única maneira de enfrentar esse problema em potencial não é abandonar uma ou mais dessas regiões, mas adicionar outras forças às nossas por meio de alianças — que foram, conforme sucedeu, cruciais para o nosso sucesso nas duas Guerras Mundiais e na Guerra Fria.

E também, acrescentou Mandelbaum, “um líder às vezes tem de pedir sacrifícios”. “Esse pedido só pode ser eficaz se o líder tiver reputação de credibilidade. E credibilidade, por sua vez, requer sinceridade”. Tanto Roosevelt quanto Churchill “comunicavam as escolhas diante de seus países claramente, honestamente e eloquentemente”.

Neste quesito, sou obrigado a admitir, Trump ainda pode ter certa vantagem. Ele é honesto a respeito de suas visões repulsivas. Sinalizou que para ele não é importante a Ucrânia vencer a guerra ou ser derrotada pela Rússia. E, desafortunadamente, quando perguntaram a Kamala no debate, “A senhora acredita ter alguma responsabilidade sobre a maneira que os EUA saíram do Afeganistão?”, que ocasionou as mortes de 13 militares americanos, ela desviou totalmente da questão. Um grande erro. Tenho certeza que eleitores indecisos notaram — não para o benefício de Kamala.

A resposta dela deveria ter sido: “Fiquei devastada por causa dessas mortes. Nunca me esquecerei do momento que ouvi a notícia na Sala de Situação, porque tudo tem um limite. Mas, acima de tudo, nunca me esquecerei do que aprendi dessa experiência. Isso não se repetirá no meu governo”. Harris teria ganhado votos com uma resposta assim — de eleitores que se preocupam com a possibilidade de ela ser mais muito “de esquerda” do que deixa transparecer.

Infelizmente, há outra razão para a China preferir Trump. Não só ele detesta imigração ilegal; como presidente ele reprimiu a imigração ilegal para satisfazer nativistas de direita. Isso é música para os ouvidos de Pequim, pois enfraquece a principal vantagem dos EUA sobre a China: nossa capacidade de atrair talentos de todo o planeta.

Por exemplo, quantos americanos sabem que a revolução da inteligência artificial liderada pelos EUA deu um gigantesco passo adiante em 2017, quando o Google lançou um dos algoritmos de tecnologia mais importantes já escritos? O Google criou o modelo de aprendizado profundo — o “transformador” — para processamento de linguagem que “deu início a uma era inteiramente nova de inteligência artificial: a ascensão das IAs generativas”, como Bard e ChatGPT, conforme noticiou o Financial Times.

Segundo o FT, esse algoritmo foi escrito por uma equipe de oito pesquisadores da Google AI, em Mountain View, Califórnia: Ashish Vaswani, Noam Shazeer, Jakob Uszkoreit, Illia Polosukhin e Llion Jones, “assim como Aidan Gomez, um estagiário que estudava na Universidade de Toronto, e Niki Parmar, de Pune, no oeste da Índia, que era recém-formada em mestrado e compunha a equipe de Uszkoreit. O oitavo autor foi Lukasz Kaiser, que também atuava como acadêmico do Centro Nacional para Pesquisa Científica, na França”.

Sua “diversidade educacional, profissional e geográfica — de origens variadas, como Ucrânia, Índia, Alemanha, Polônia, Reino Unido, Canadá e EUA — tornou-os singulares”, escreveu o FT. E também foi “‘absolutamente essencial para esse trabalho acontecer’, afirma Uszkoreit, que cresceu entre EUA e Alemanha”.

Tenho certeza que Harris é apta para a função de comandante em chefe. Mais franqueza de sua parte, porém, para mostrar que tem o que é necessário para enfrentar os desafios mais impossíveis de política externa e contrariar sua base progressista se preciso, convenceria mais eleitores indecisos de que ela tem o que é necessário para enfrentar Putin.

Quanto a Trump, ele é forte e equivocado em relação aos dois maiores problemas de política externa: alianças e migrações. Sua opção-padrão — EUA a sós — é uma prescrição para EUA fracos, isolados, vulneráveis e em declínio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: postura de embaixadores brasileiros ao ínício da invasão (março de 2022)

 Agora que o Brasil se dispõe a apresentar, com a China, um "plano de paz" sobre a guerra de agressão da Rússua contra a Ucrânia, totalmente enviesado em favor do agressor, reproduzo abaixo postagem refletindo comentários de embaixadores brasileiros no início da insana guerra: 

segunda-feira, 14 de março de 2022

Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty


BUENOS AIRES 

Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão, também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.

Na semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando Mundial (Bird).

A outra guerra:

O objetivo dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições. O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão foram congeladas.

Limitações:

A ofensiva anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.

Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty, minando o funcionamento de organismos essenciais na governança econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente para Putin, mas para muitos outros países.

Por enquanto, o Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também, ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas, também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.

Ciberguerra:

Ouvidos pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.

Na visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável, além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações, como fizeram os demais países do Brics, incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.

Já Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.

Conheça as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e Azambuja

 Celso Amorim: Invasão é condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação

"É uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas. Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.

Como deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção de Bolsonaro ficaria sob suspeita."

Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista

"A Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da comunidade internacional à agressão da Rússia.

Brasil votou a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do país. O Brasil é um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista parte integrante do capital diplomático do Brasil. Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas internacionais, como as da Carta da ONU, pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da República."

Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia

"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU. A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro. A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação, atuando contra os princípios da Carta da ONU, ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios para se defender.

Por isso, eu chamaria a posição brasileira de ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia. Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas. É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a História estamos lavando as mãos."


Entrevista: 

Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses

"O Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics, China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de soluções.

Brasil deve manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics, mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar. Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."


https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976

Guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: A iniciativa de aceitar a imposição da Rússia teria que partir da Ucrânia - Demetrio Magnoli (FSP)

 A iniciativa de aceitar a imposição da Rússia teria que partir da Ucrânia

Em nome do "anti-imperialismo", o governo Lula escolhe o papel de amigo menor da China, oferecendo suas credenciais democráticas para conferir legitimidade à iniciativa diplomática de Xi Jinping

Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo, 21/09/2024

"O Brasil quer estar com a China, com a Índia, com os EUA, com a Venezuela, com a Argentina... Com todo mundo, de forma soberana, respeitável. Porque nós não aceitamos ser menores do que ninguém'.

Parte do desejo de Lula, expresso na formatura dos diplomatas, será realizado na cúpula dos Brics, em outubro. Xi Jinping e Putin articulam uma nova expansão do bloco, com o ingresso da Venezuela - e, de quebra, da Nicarágua. Os Brics tornam-se caixa de ressonância da China, enquanto o Brasil conforma-se com uma posição "menor" no seu interior.

"Nós queremos paz, não queremos guerra", proclamou Lula diante da mesma plateia, referindo-se à guerra na Ucrânia. Foi a senha para anunciar uma reunião patrocinada por Brasil e China, às margens da Assembleia-Geral da ONU, com o fim de divulgar um plano de paz sino-brasileiro às nações convidadas, do chamado Sul Global. Na forma delineada pela proposta, a paz interessa à Rússia, não à Ucrânia, e premia a guerra de agressão.

O plano não menciona, nem mesmo retoricamente, o conceito de soberania territorial ou as fronteiras ucranianas de 1991 reconhecidas pela Rússia no tratado de 1994. Como registrou Zelenski, seus pressupostos autorizariam a anexação dos territórios ucranianos ocupados pelas forças russas no momento de um cessar-fogo. Não foi por outro motivo que o Brasil, assim como a China, boicotou a conferência de paz realizada em junho, na Suíça, que operou com base nas normas do direito internacional.

Algum dia, a guerra terminará. Talvez, por falta de alternativa realista, a Ucrânia venha a ser obrigada a ceder territórios. Mas a iniciativa de aceitar a imposição imperial teria que partir do governo ucraniano, nunca de terceiros países. O plano sino-brasileiro representa, de fato, uma operação diplomática destina- da a reforçar a posição russa.

Os objetivos de Putin não se limitam à anexação do Donbass e do Sul ucranianos. A invasão foi deflagrada para, além disso, converter o país vizinho em Estado vassalo, nos moldes da Belarus. O Kremlin pretende inserir a Ucrânia na jaula do "mundo russo" (Russkiy Mir).

O plano sino-brasileiro contempla tal ambição, por meio de uma senha discursiva facilmente decifrável, que rejeita a "divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados". A paz que pregam China e Brasil proíbe a Ucrânia de, como qualquer Estado soberano, ingressar numa união político-econômica (União Europeia) e numa aliança militar (OTAN). Obviamente não haveria objeção a um futuro ingresso forçado na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a aliança militar comandada por Moscou.

O Brasil tem motivos geopolíticos e econômicos para praticar uma neutralidade ativa, evitando alinhamento a um dos polos da rivalidade global EUA-China. Contudo, em nome do "anti-imperialismo", o governo Lula escolhe o papel de amigo menor da China, oferecendo suas credenciais democráticas para conferir legitimidade à iniciativa diplomática de Xi Jinping.

A alegação "anti-imperialista" tem pernas curtas. Trump esclareceu que, de volta à Casa Branca, em purraria a Ucrânia a uma "paz chinesa" recebeu em troca um cumprimento de Putin. Nessa hipótese o Brasil estaria "com todo mundo" como deseja Lula, mas de modo pouco "respeitável".