O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.

sábado, 28 de setembro de 2024

Qual o futuro da China? Ser um Hegemon universal? Provavelmente não! Paulo Roberto de Almeida

 Qual o futuro da China? Ser um Hegemon universal? Provavelmente não!

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota especulativa sobre a segunda grande economia do planeta.

A República Popular da China pretende se estabelecer como um novo Hegemon mundial, firmar-se na supremacia econômica do mundo para dominar tudo e a todos, no lugar do centenário imperialismo americano, que manda no mundo de forma arrogante desde as primeiras décadas do século XX?

Eu diria que não!

Seus atuais dirigentes, os autocráticos lideres do partido bolchevique que dominam desde 1949 o antigo Império do Meio, degradado em República falimentar da China (1911), os mandatários da República Popular da China, que se desencaminhou sob o maoismo demencial até 1976-79, e que retomou as tradições do antigo despotismo oriental sob Deng Xiaoping, pretendem apenas evitar que esse antigo império, de riquíssimas tradições históricas e culturais, seja novamente dominado por seus próprios “demônios interiores”, quais sejam, o caos e a anarquia que sobrevêm a momentos de ruptura no comando central do Estado, por motivos diversos.

Um grande Império como aquele precisa, imperativamente, prover ao bem-estar e à satisfação de seus milhões de súditos, sob o risco de desmoronar para uma nova dinastia de dirigentes, caso não consiga manter unida e satisfeita a nação.

Sim, a massa de chineses ainda é constituída de súditos, mas já a caminho de se tornarem cidadãos conscientes e orgulhosos de que estão construindo: o Estado mais avançado do mundo, economicamente, materialmente, tecnologicamente, culturalmente, evitando, nesse caminho, de serem dominados e humilhados pelos imperialismos ocidentais, como já o foram desde as guerras do ópio e até a Segunda Guerra Mundial.

Para enfrentar aqueles demônios da anarquia interior e as ameaças exteriores, os dirigentes chineses, os “comunistas” atuais, herdeiros intelectuais e burocráticos dos antigos mandarins educados do velho Império do Meio, precisam crescer imperativamente para corresponder às necessidades e aspirações de uma população hoje majoritariamente consciente do que já representou como continuidade histórica e cultural de uma antiga civilização que já foi, durante muitos séculos, a mais avançada do mundo.

Ela, essa população, e seus dirigentes centralizadores, o novo imperador e sua corte de burocratas obedientes, conseguirão realizar esses objetivos grandiosos?

Parcialmente sim, materialmente certamente; politicamente não tenho certeza, pois que tensões vão provavelmente se acumular, como resultado de perturbações inevitáveis que surgem em economias de mercado — e a China já é a maior do mundo, sem algumas de suas anomias inevitáveis— e de fricções sociais que devem inevitavelmente surgir em sistemas ultracentralizados, como é hoje a RPC do único partido leninista bem sucedido do mundo (o soviético, o padrão original, descarrilhou por ambições imperialistas que não fazem parte da história político-diplomática da China).

A China não precisa, e não consegue, ser um Hegemon universal para realizar seus objetivos grandiosos de voltar a ser o Estado mais avançado do mundo como já foi durante séculos e séculos.

Ela precisa apenas extrair renda do resto mundo, para manter sua população satisfeita, mas isso pode ser feito pacificamente, via comércio, investimentos, tecnologia, padrões industriais dominantes no setor produtivo, serviços eficientes e baratos, com base em comunicações sofisticadas.

Nesse processo, algumas tensões se acumulam com os velhos imperialismos ocidentais, que dominaram o mundo pelos últimos 500 anos. O que se deve esperar é que essas tensões não degringolem em fricções politicas e disputas econômicas insolúveis, como nos anos 1930. Mas aquela época foi dominada por dirigentes fascistas, militaristas e expansionistas, o que não parece ser o caso atualmente.

O único êmulo de Hitler no poder em nossos dias é um neoczarista à frente de uma nação simplesmente extratora de recursos naturais, sem condições politicas, sociais e econômicas de se contrapor aos pideres ocidentais ainda dominantes.

A aliança efêmera e oportunista feita pelo “capitalismo de características chinesas” com esse arremedo de imperialismo militarista de pés de barro objetiva realizar os ganhos econômicos do novo Império do Meio, e não se imagima que este pretenda se opor belicosamente aos hegemonistas ocidentais (inclusive porque não precisa).

Ele pode realizar seus objetivos de modo inteiramente pacífico, pela primazia econômica. Ele não tem nenhum modelo político para exportar.

A democracia ocidental tem alguma coisa a ver com tudo isso? Sim: a ela cabe preservar suas tradições, sem tentar impô-las a quaisquer outros povos.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4744, 28 setembro 2024, 2 p.

 

 

Meditações de Marco Aurelio - Marco Rocha

 Do Threads marco.rocha_

🧵7 principais pontos-chave do livro "Meditações" de Marco Aurélio, uma das obras mais importantes do estoicismo. Estas lições sobre autodisciplina, controle emocional e filosofia prática são atemporais e ainda profundamente relevantes. Vamos começar!

🧵 1/8: O Poder do Controle sobre Si Mesmo

Marco Aurélio ensina que não podemos controlar os eventos externos, mas podemos controlar nossas respostas a eles. Essa é a base do estoicismo: focar no que está ao nosso alcance e aceitar o que está fora de nosso controle com serenidade.

"Você tem poder sobre sua mente – não sobre eventos externos. Perceba isso e você encontrará força."

🧵 2/8: A Transitoriedade da Vida

A reflexão constante sobre a impermanência da vida é um tema central em "Meditações". Marco Aurélio nos lembra que a vida é curta e que tudo, incluindo nós, é passageiro. Isso nos ajuda a dar valor ao presente e a aceitar a inevitabilidade da morte.

"O tempo é um rio em constante fluxo, e suas ações se tornam rapidamente parte do passado. Viva agora e aprecie cada momento."

🧵 3/8: A Importância da Virtude

Para Marco Aurélio, a virtude é o bem supremo. Viver de acordo com a razão, justiça, coragem e moderação é o objetivo mais nobre que podemos ter. As ações virtuosas, não as circunstâncias externas, são a verdadeira medida de uma vida boa.

"A perfeição moral consiste em viver cada dia como se fosse o último, sem frenesi, sem apatia e sem pretensões."

🧵 4/8: Resiliência Diante das Adversidades

Marco Aurélio exalta a resiliência, a habilidade de permanecer calmo e firme diante das dificuldades. Ele nos ensina que os obstáculos não são algo a ser evitado, mas algo a ser superado, pois moldam nosso caráter.

"O impedimento à ação avança a ação. O que está no caminho torna-se o caminho."

🧵 5/8: A Interconexão da Humanidade

O imperador estoico enfatiza a interdependência entre todos os seres humanos. Ele acredita que somos todos parte de um todo maior e devemos agir em benefício mútuo. A empatia e a colaboração são fundamentais para uma vida plena.

"O que não é bom para a colmeia também não é bom para a abelha."

🧵 6/8: A Natureza do Sofrimento

Para Marco Aurélio, o sofrimento vem de nossas percepções, não dos eventos em si. Ele ensina que nossa mente pode transformar a adversidade em uma oportunidade de crescimento. O sofrimento é uma escolha interna, não uma imposição externa.

"Se você está angustiado por algo externo, a dor não se deve à coisa em si, mas à sua estimativa dela; e isso você tem o poder de revogar a qualquer momento."

🧵 7/8: Aceitação do Destino (Amor Fati)

Marco Aurélio nos convida a praticar o amor fati, ou seja, o amor ao destino. Ele sugere que, ao invés de resistirmos ao que a vida nos apresenta, devemos aceitá-lo com gratidão, pois tudo faz parte de um plano maior, mesmo os desafios.

"Aceite de bom grado tudo o que vier até você, pois está alinhado ao seu destino, e nada é mais adequado às suas necessidades."

🧵 8/8: Conclusão – Viver de Forma Estoica

Em "Meditações", Marco Aurélio nos desafia a viver de forma mais consciente, serena e virtuosa. Sua sabedoria estoica nos oferece um caminho para a paz interior e a força moral, independentemente das circunstâncias externas. 💡

Qual desses pontos ressoou mais com você?


Principles for life from a lone samurai: Miyamoto Musashi (Roan Am Davis)

 From Threads: Roan Am Davis

roan_am_davis@

When you think of a lone samurai, you're thinking of Miyamoto Musashi:

• Raised under the bushido code of honour

• Fought and won 60 duels throughout his life

• Traveled Japan as a rōnin (a samurai without a lord)

In old age, he retreated in seclusion to a cave called Reigandō (“Spirit Rock Cave”).

Here he wrote the Dokkōdō (“The Way of Walking Alone”). A scroll of 21 principles for the pursuit of life mastery.

Here's the life philosophy of one of the greatest warriors in history...

Principle 1: Accept everything just the way it is

• Reality is reality

• No matter how much we want it to be different, it isn't

• The only way you can change reality is by accepting it completely.

Then work from there.

Principle 2: Do not seek pleasure for its own sake

• The path of mastery is down the opposite road of pleasure

• We should align our lives with achieving great feats and discipline

• If we experience pleasure along the way, that's fine, but don't make it the aim.

Principle 3: Do not, under any circumstances, depend on a partial feeling

• Life requires you to make serious decisions 

• The implication of them can ripple throughout your life, and others

• When faced with a choice, get clear on it, do not go off emotions or feelings.

Principle 4: Think lightly of yourself and deeply of the world

• Taking yourself too seriously hardens the Ego

• Everything becomes life or death, and you get in your own way

• The world is beautiful place for of depth – put your energy into appreciating it.

Principle 5: Be detached from desire your whole life long

• Desire pulls us towards pleasure seeking

• Pleasure seeking leads us towards greed, lust, and laziness

• The road to mastery is guided by discipline and a sense of purpose

Follow mastery.

Principle 6: Do not regret what you have done

• Regret serves no purpose

• If you've learned the lesson, punishing yourself is worthless

• Do not let the pass taint the present, or it will continue to corrupt the future.

Principle 7: Never be jealous

• Jealousy is stupid

• You don't know what that person has gone through, or will go through

• You can't take aspects of someone's life in isolation and feel sorry for yourself

You're on a different road.

Principle 8: Never let yourself be saddened by a separation

• Friends come and go

• People live and die

• That's life

Just be thankful for the opportunity to meet the incredible people you have.

Principle 9: Resentment and complaint are appropriate neither for oneself nor others

• Life is hard

• Challenges present themselves, and must be overcome

• Complaining about how things are, or carrying resentment for how things have gone, is useless

They only serve to poison the mind, and hinder your progress.

Principle 10: Do not let yourself be guided by the feeling lust or love

• Both are fleeting

• You lust for someone one day, the next you don't

• You love someone for a few years, the next you don't

Be guided by the greater.

Principle 11: In all things, have no preference

• Wine connoisseurs strike us as cringy for reason

• To obsess over nuances of something unimportant is silly

• Save your time for the subtleties of whatever skill or philosophy you are learning.

Principle 12: Be indifferent to where you live

• You can live in luxury or poverty

• The only thing that matters is whether you are following your true path or not

• You can live with material wealth, and truly have nothing, or you can live with nothing, and have everything.

Principle 13: Do not pursue the taste of good food

• The body is made of the biomass you consume

• If you eat poor quality food, you're body will be made of poor quality material

• Concentrate more on nutritional value than taste, your body will thank you for it.

Principle 14: Do not hold onto possession you no longer need

• Have you ever seen a hoarder's house?

• Why do people cling to objects with no tangible purpose?

• Because we become attached, and lack the willpower to free ourselves of it

Live like a minimalist, clear your home, clear your mind.

Principle 15: Do not act following customary beliefs

• There's a conventional and societally accepted way of doing anything

• You shouldn't go against this for the sake of going against it

• But you should always be thinking for yourself.

Most people don’t.

From Roam Davis.











sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática, Aula Inaugural 2021, Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021.

      Residente que fui nos Estados Unidos, por duas vezes, ademais de diversas outras viagens de trabalho, acadêmicas ou de simples lazer naquele país continente, que atravessei duas vezes costa a costa, do Atlântico ao Pacífico, e várias outras vezes no sentido Norte-Sul ou em diagonal, percorrendo a quase totalidade dos seus estados federados – faltou o Dakota do Norte, no território continental, o Alaska e o Havaí, no Pacífico, e o estado associado de Porto Rico, para completar toda a nação – posso dizer que conheço razoavelmente aquela grande nação.

 (...)

Pois, num dos boletins eletrônicos que recebo regularmente, este, da New Yorker, a irreverente revista mensal de uma das melhores cidades do mundo, trazia a seguinte manchete provocadora: “Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?”, (16/08/2021; link para a minha postagem no blog Diplomatizzando: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/does-great-retreat-from-afghanistan.html), por Robin Wright, uma das melhores colunistas da revista desde 1988. Repito, em português: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”, interrogação, pois o colunista tem dúvidas sobre se isso representa uma fatalidade ou um processo reversível. Vamos, pois, examinar os dados da questão, e depois tentar ver como se situa o Brasil e a nossa política externa em face dessas questões. Finalmente, tratarei muito brevemente sobre os impactos disso tudo sobre a minha profissão e sobre a de muitos dos que me leem ou assistem minha exposição.

(...)

Ler a íntegra desta aula inagural neste link.

 

 


Lula é desafiado por novos líderes de esquerda - Lydia Medeiros (Congresso em Foco)

Lula é desafiado por novos líderes de esquerda

Congresso em Foco, 26.09.2024 12:54

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/lula-e-desafiado-por-novos-lideres-de-esquerda/

O presidente Lula vem sendo desafiado por uma nova geração de líderes regionais. Visões de mundo estão em choque, sobretudo no campo da esquerda. Num evento paralelo à cúpula da ONU, em Nova York, organizado pelo Brasil, o presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmou que a esquerda fracassa ao usar medidas diferentes para criticar governos do mesmo campo. “Já conversamos muito com o presidente Lula sobre isso, como a ‘venezuelização’ da nossa política interna causou prejuízo muito grande para as esquerdas”, disse o chileno no encontro, que contou com outros líderes, como Emmanuel Macron (França), Pedro Sánchez (Espanha), Justin Trudeau (Canadá) e Xanana Gusmão (Timor Leste).

Não é a primeira divergência pública entre Lula e Boric sobre a posição brasileira de leniência em relação ao regime venezuelano e as violações a direitos humanos. Em maio do ano passado, quando Lula recebeu Nicolás Maduro como chefe de Estado no Planalto, o chileno confrontou declarações dele sobre a democracia venezuelana. Também tiveram opiniões distintas sobre a autodeclarada vitória de Maduro nas eleições presidenciais, condenada por Boric desde o primeiro momento, enquanto Lula anda dizia confiar na lisura do pleito. Na terça-feira, Lula não citou a Venezuela em seu discurso, ao abrir a Assembleia Geral da ONU.

Lula e Boric também tiveram posições distintas em relação à guerra na Ucrânia. No ano passado, o chileno classificou de “triste” o texto final da Cúpula da Celac-UE (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos com a União Europeia), por se restringir a uma única menção ao conflito, afirmando ter “preocupação profunda” com seus efeitos. Lula reagiu afirmando que Boric era jovem, não tinha experiência nesse tipo de reunião e, por isso, era mais “ansioso”.

Pesquisa realizada pelo Pew Research Center com 5.180 pessoas, entrevistadas entre janeiro e abril, mostra arranhões na imagem de Lula na América Latina. E os chilenos são os que menos confiam em Lula para “fazer a coisa certa” em relação aos assuntos mundiais: 62%. São seguidos pelos mexicanos (60%), peruanos (55%) e colombianos (53%). Na Argentina houve divisão — 49% não confiam; 40% confiam). Na média, a entrevista mostra que a influência global do Brasil continua a mesma — 49%. Entre os americanos, 64% pensam assim. No México, 57%, e na Colômbia, 50%. Já no Chile o índice cai para 33%.

 Boric não é candidato a líder da esquerda latinoamericana. As divergências expostas por ele, porém, evidenciam o desgaste de princípios que vêm norteando a política externa brasileira, especialmente antiamericanos, sob inspiração do embaixador Celso Amorim. O comportamento do governo brasileiro na crise da eleição venezuelana é o melhor retrato dessa corrosão.

 

Democracia aqui, e também acolá: um chamado à coerência da Política Externa Brasileira - Conselho Acadêmico do Livres (Estadão)

 Democracia aqui, e também acolá: um chamado à coerência da Política Externa Brasileira


 André Portela, Elena Landau, Fernando Schuler, Leandro Piquet, Paulo Roberto de Almeida, Natalie Unterstell e Sandra Rios 


O Estado de S. Paulo, 27/09/2024

 

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o judiciário e as forças armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Este cenário geral já estava claro quando o presidente Lula recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de Maria Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a lei da ficha limpa que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. OEA, Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a postura não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil - nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava em prejuízos mais imediatos.

A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no BRICS, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de ‘decência religiosa’ dos Aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma postura injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

 

André Portela, Elena Landau, Fernando Schuler, Leandro Piquet, Paulo Roberto de Almeida, Natalie Unterstell e Sandra Rios são conselheiros do Livres.


https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/democracia-aqui-e-tambem-acola/


Editorial do Estadão desmonta a lamentável politica externa de Lula

 O UMBIGO DE LULA 

O Estado de S.Paulo - Editorial - 27.09.2024

Quando olha para seu umbigo, o presidente Lula da Silva imagina ver o mundo. A passagem do demiurgo pela Assembleia Geral da ONU foi um retrato penoso de sua decadência e da desmoralização para a qual ela está arrastando a política externa brasileira. No plano ideológico, tudo é reduzido a uma grande conspiração dos “ricos” contra os “pobres”. No plano pragmático, tudo se passa como se os conflitos globais pudessem ser solucionados em conversas de botequim.

É preciso dizer que, naquilo que tem de genuíno, o sonho de Lula, ainda que limitado por seu enquadramento progressista, seria pertinente e até, em certa medida, factível. Basicamente, é a ideia do Brasil protagonizando alguma liderança numa coalizão do chamado “Sul Global” para obter concessões dos países desenvolvidos.

Do ponto de vista estrutural, o Brasil é uma potência pacífica na região latino-americana, um grande exportador de alimentos, guardião de minerais e biomas críticos, e ainda conta com um quadro diplomático competente. Do ponto de vista conjuntural, Lula tem (ou ao menos teve) carisma, e sua vitória sobre Jair Bolsonaro foi vista com bons olhos pelas lideranças democráticas, a começar pelo americano Joe Biden. A conjunção do G-20, em 2024, e da COP-30, em 2025, ofereceria condições para o Brasil se projetar, erguer pontes e promover negociações.

Mas para que isso funcionasse o presidente precisaria combinar de maneira crível credenciais democráticas, capacidade de articulação e humildade. Movida, porém, pela megalomania de Lula, inspirada pela ideologia perniciosa de Celso Amorim, a diplomacia presidencial se choca com a realidade da maneira mais grotesca, e dos destroços de um sonho resta apenas uma massa incôngrua de delírios.

Em questões em que o Brasil tem escassa capacidade de influência, como a governança global ou a geopolítica na Europa ou no Oriente Médio, Lula foi grandiloquente, mas oscilou entre quimeras irrealistas e o mais bruto cinismo. Onde o Brasil poderia dar exemplos de responsabilidade e liderança, como no meio ambiente ou na geopolítica latino-americana, foi omisso – e também cínico.

Que espetáculo deprimente foi ver jovens lideranças como os presidentes da Ucrânia ou do Chile passando descomposturas em Lula. Ao sugerir que, se Volodmir Zelenski fosse “esperto”, aceitaria a proposta de paz de Brasil e China, Lula se prestou a garoto de recados de um “chefe mafioso” (como disse na ONU o chanceler britânico, David Lammy, sobre Vladimir Putin). Zelenski eviscerou o plano sino-brasileiro como aquilo que é – uma proposta de capitulação da Ucrânia –, questionou o “verdadeiro interesse” do Brasil e insinuou que o de Lula é uma ambição narcisista de ser premiado com um Nobel da Paz. Bingo.

Em uma cúpula “pela democracia” e “contra o extremismo” promovida pelo Brasil, esvaziada e só com lideranças de esquerda, o chileno Gabriel Boric desmoralizou sem meias palavras a pusilanimidade de Lula em relação à Venezuela e outras ditaduras.

As lideranças democráticas talvez até tenham visto com condescendência as platitudes de Lula sobre a “reforma da ONU” e suas promessas de liderá-la, mas se frustraram com sua evasão sobre a questão mais premente na América Latina, o recrudescimento da ditadura de Maduro, e com o vácuo de ofertas do Brasil em relação ao meio ambiente que não literalmente “apagar incêndios”. E certamente estão desconfiadas de seu alinhamento com China e Rússia.

Eis a dura verdade: para China, Rússia, Irã e outras autocracias, Lula não passa de um “idiota útil”; para o Ocidente, ele é, na melhor das hipóteses, um fanfarrão inútil, e, na pior, um ressentido cínico. Não há pontes firmes a construir nem negociações sérias a encampar com tão leviana e irrelevante figura. Talvez a mais eloquente imagem do tour de Lula por Nova York tenha sido o momento em que a organização de uma cúpula ironicamente chamada “do Futuro” se viu obrigada a cortar o seu microfone por estouro de tempo, e o envelhecido líder progressista foi deixado gesticulando aos quatro ventos, falando sozinho, aos ouvidos de ninguém.

The war is going badly. Ukraine and its allies must change course - The Economist leader

 Zelensky in Washington

The war is going badly. Ukraine and its allies must change course

Time for credible war aims—and NATO membership

The Economist, September 26, 2024

IF UKRAINE AND its Western backers are to win, they must first have the courage to admit that they are losing. In the past two years Russia and Ukraine have fought a costly war of attrition. That is unsustainable. When Volodymyr Zelensky travelled to America to see President Joe Biden this week, he brought a “plan for victory”, expected to contain a fresh call for arms and money. In fact, Ukraine needs something far more ambitious: an urgent change of course.

A measure of Ukraine’s declining fortunes is Russia’s advance in the east, particularly around the city of Pokrovsk. So far, it is slow and costly. Recent estimates of Russian losses run at about 1,200 killed and wounded a day, on top of the total of 500,000. But Ukraine, with a fifth as many people as Russia, is hurting too. Its lines could crumble before Russia’s war effort is exhausted.

Ukraine is also struggling off the battlefield. Russia has destroyed so much of the power grid that Ukrainians will face the freezing winter with daily blackouts of up to 16 hours. People are tired of war. The army is struggling to mobilise and train enough troops to hold the line, let alone retake territory. There is a growing gap between the total victory many Ukrainians say they want, and their willingness or ability to fight for it.

Abroad, fatigue is setting in. The hard right in Germany and France argue that supporting Ukraine is a waste of money. Donald Trump could well become president of the United States. He is capable of anything, but his words suggest that he wants to sell out Ukraine to Russia’s president, Vladimir Putin.

If Mr Zelensky continues to defy reality by insisting that Ukraine’s army can take back all the land Russia has stolen since 2014, he will drive away Ukraine’s backers and further divide Ukrainian society. Whether or not Mr Trump wins in November, the only hope of keeping American and European support and uniting Ukrainians is for a new approach that starts with leaders stating honestly what victory means.

As The Economist has long argued, Mr Putin attacked Ukraine not for its territory, but to stop it becoming a prosperous, Western- leaning democracy. Ukraine’s partners need to get Mr Zelensky to persuade his people that this remains the most important prize in this war. However much Mr Zelensky wants to drive Russia from all Ukraine, including Crimea, he does not have the men or arms to do it. Neither he nor the West should recognise Russia’s bogus claim to the occupied territories; rather, they should retain reunification as an aspiration.


In return for Mr Zelensky embracing this grim truth, Western leaders need to make his overriding war aim credible by ensuring that Ukraine has the military capacity and security guarantees it needs. If Ukraine can convincingly deny Russia any prospect of advancing further on the battlefield, it will be able to demonstrate the futility of further big offensives. Whether or not a formal peace deal is signed, that is the only way to wind down the fighting and ensure the security on which Ukraine’s prosperity and democracy will ultimately rest.

This will require greater supplies of the weaponry Mr Zelensky is asking for. Ukraine needs long-range missiles that can hit military targets deep in Russia and air defences to protect its infrastructure. Crucially, it also needs to make its own weapons. Today, the country’s arms industry has orders worth $7bn, only about a third of its potential capacity. Weapons firms from America and some European countries have been stepping in; others should, too. The supply of home-made weapons is more dependable and cheaper than Western-made ones. It can also be more innovative. Ukraine has around 250 drone companies, some of them world leaders— including makers of the long-range machines that may have been behind a recent hit on a huge arms dump in Russia’s Tver province.

The second way to make Ukraine’s defence credible is for Mr Biden to say Ukraine must be invited to join NATO now, even if it is divided and, possibly, without a formal armistice. Mr Biden is known to be cautious about this. Such a declaration from him, endorsed by leaders in Britain, France and Germany, would go far beyond today’s open-ended words about an “irrevocable path” to membership.

This would be controversial, because NATO’s members are expected to support each other if one of them is attacked. In opening a debate about this Article 5 guarantee, Mr Biden could make clear that it would not cover Ukrainian territory Russia occupies today, as with East Germany when West Germany joined NATO in 1955; and that Ukraine would not necessarily garrison foreign NATO troops in peacetime, as with Norway in 1949.

NATO membership entails risks. If Russia struck Ukraine again, America could face a terrible dilemma: to back Ukraine and risk war with a nuclear foe; or refuse and weaken its alliances around the world. However, abandoning Ukraine would also weaken all of America’s alliances—one reason China, Iran and North Korea are backing Russia. Mr Putin is clear that he sees the real enemy as the West. It is deluded to think that leaving Ukraine to be defeated will bring peace.

Indeed, a dysfunctional Ukraine could itself become a dangerous neighbour. Already, corruption and nationalism are on the rise. If Ukrainians feel betrayed, Mr Putin may radicalise battle-hardened militias against the West and NATO. He managed something similar in Donbas where, after 2014, he turned some Russian-speaking Ukrainians into partisans ready to go to war against their compatriots.

For too long, the West has hidden behind the pretence that if Ukraine set the goals, it would decide what arms to supply. Yet Mr Zelensky cannot define victory without knowing the level of Western support. By contrast, the plan outlined above is self- reinforcing. A firmer promise of NATO membership would help Mr Zelensky redefine victory; a credible war aim would deter Russia; NATO would benefit from Ukraine’s revamped arms industry. Forging a new victory plan asks a lot of Mr Zelensky and Western leaders. But if they demur, they will usher in Ukraine’s defeat. And that would be much worse. 


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

LULA O IRRELEVANTE - William Waack (O Estado de S. Paulo)

LULA O IRRELEVANTE 

William Waack

O Estado de S. Paulo, 26.09.2024

Lula oscila entre acreditar que a ordem mundial possa funcionar por respeito a princípios mutuamente acordados entre os países ou que é apenas o terreno do uso da força bruta. Como não possui nenhum dos dois, sua opção preferencial em política externa tem sido a da irrelevância.

Na guerra da Ucrânia, o princípio fundamental violado é o da integridade territorial. No caso da Venezuela, foram brutalmente pisados os princípios básicos de direitos humanos e liberdades individuais. Lula não reconhece essas violações em nenhum dos casos e acabou ficando com pouca autoridade moral para condenar o que acontece em Gaza ou no Líbano.

É isso que torna inócuos seus apelos por “justiça” ou por “inclusão” dos países pobres em instâncias que deveriam ser de “governança global”, ou quando denuncia condutas hipócritas de países ricos. São apelos morais feitos por quem abandonou a moralidade.

Para ser levado a sério, especialmente quando sugere uma reforma de todas as instituições internacionais, o presidente brasileiro poderia ter feito uso de uma longa tradição brasileira de formulação de política externa — e que até certo ponto soube fazer uso do destino que a geografia nos impôs (a de estar longe de grandes conflitos e ter um claro entorno de influência).

Na visão tosca que o conduz pelas relações internacionais — a de que se trata de uma “luta de classes” entre o Norte rico e o Sul pobre — Lula move-se para o que supõe ser seu lugar “natural”. É acompanhar a China e a Rússia na contestação da hegemonia americana.

O primeiro resultado prático dessa postura é diminuir, e não aumentar, as opções para uma potência média regional com escassa capacidade de projetar poder, como é a situação do Brasil. Ainda por cima dependente de mercados na Ásia e de insumos de todo tipo oriundos de países da ainda existente aliança ocidental capitaneada pelos Estados Unidos.

O segundo é condenar à irrelevância também o papel de “liderança global” que Lula pretendeu assumir desde o início de seu atual mandato. Por escolher um lado, jogou fora qualquer credencial de “mediador” em conflitos como o da Ucrânia — mas se acha “esperto” encostando-se no grupo de países que enxerga como “vencedores” (Rússia e China).

Por não aderir a princípios, esvaziou a pretensão de ser ouvido como uma “voz” com autoridade para exigir respeito a eles. A voz dos fracos, como ele gosta de ser visto, vitimizada pela brutalidade dos fortes. O Brasil nunca dispôs de grandes poderes de coerção. Perdeu também o de persuasão.

Lula: um líder sem condições morais - Augusto de Franco





The Committee for the Free World and the Defense of Democracy - article review - Raymond Aron and others

 

Greetings Paulo Roberto Almeida,

New items have been posted matching your subscriptions.

Table of Contents

Message from a proud sponsor of H-Net: