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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 25 de março de 2012

Entrevista da presidente Dilma à revista Veja: comentários PRA


Uma entrevista da presidente Dilma à revista Veja: alguns comentários

Paulo Roberto de Almeida
Comentários seletivos a entrevista publicada na
Revista Veja, edição de 28/03/2012;

Nota liminar: Primeiro uma observação curiosa: li a entrevista da presidente à revista Veja em 25 de março de 2012, em Londres, onde vim para dar uma palestra no programa de estudos pós-graduados sobre o Brasil do King’s College, da Universidade de Londres, programa dirigido pelo brasilianista americano Anthony Pereira. Não sei bem porque, ou como, o Blogspost, tal como acessado aqui, converte sua terminação habitual (.com/) em co.uk, da mesma forma como meus acessos na França acabam sem a designação comercial, simplesmente por fr. Espero que isto não afete a estabilidade futura do link que estou fornecendo aqui, e isto exclusivamente para prover aos leitores deste meu comentário, necessariamente sintético, a íntegra da entrevista da presidente.
Agora uma pequena introdução metodológica: farei comentários única e exclusivamente sobre os pontos selecionados por mim, que cobrem, essencialmente, questões de política econômica e de relações internacionais, deixando de lado outras questões, como política doméstica, por exemplo, que atraem menos minha atenção. Como sempre, procederei de maneira muito simples: transcreverei as frases ou parágrafos que mereceram minha atenção (DR:), e acrescentarei imediatamente meus comentários pessoais (PRA:), ou seja, pontos de vista, argumentos e opiniões que podem representar alguma dose de subjetividade, ou impressionismo, sem necessariamente sobrecarregar o texto com dados, números e estatísticas que poderiam dar a minhas afirmações alguma fundamentação empírica. Mas este é o preço de comentários on spot, ou seja, imediatos.

O Brasil aos olhos de Dilma
Entrevista em Brasília, aos jornalistas Eurípedes Alcântara, diretor de redação, e Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama, os redatores-chefes da revista VEJA.

DR: (...) É uma simplificação grosseira supor que o governo brasileiro considere as pressões externas a única causa de nossos problemas. Segundo, ignorar que existem fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de arriscar a prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não podem ser subestimados.

PRA: Por diversas vezes, tanto a presidente, quanto seus ministros da área econômica – Fazenda e Indústria e Comércio Exterior – referiram-se à “concorrência predatória” vinda do exterior, ou seja, o fato de que os países desenvolvidos, por causa ou para escapar da crise, estariam “despejando” seus produtos no Brasil, de maneira desleal. Isso simplesmente não é verdade: nenhum país desenvolvido, ou seja, os europeus ou os EUA, estão despejando produtos baratos no Brasil. Pode ser que a China o esteja fazendo, mas isso não se ouviu, em nenhum momento, vindo da presidente ou de seus ministros, talvez porque, por razões políticas, eles estejam poupando a China, que tampouco foi acusada de “guerra cambial”, outra acusação infundada, seja dirigida a europeus e americanos, ou aos próprios chineses. É verdade que estes últimos manipulam sua taxa de câmbio – algo nunca dito pelos mesmos responsáveis brasileiros – mas apenas porque eles resolveram ancorar sua moeda ao dólar, algo perfeitamente legítimo, que o Brasil já fez no passado, e que ainda assim não obsta a que a moeda chinesa, o yuan, esteja sendo progressivamente valorizado em relação ao dólar e outras moedas.
Em segundo lugar, as “fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira” atuaram basicamente em favor de seu crescimento, desde 2003 a 2008, quando a economia cresceu puxada pela demanda externa. Mas também é o caso, atualmente, mesmo se de maneira menos forte, dado o menor crescimento das economias avançadas. A demanda de emergentes dinâmicos da Ásia continua sustentada, e é ela que vem contribuindo para o pouco, modesto, medíocre crescimento brasileiro, que tem na demanda externa – junto com o aumento do crédito no mercado interno – uma de suas únicas fontes de crescimento.
Fatores exógenos existem, são reais, mas até o momento eles agiram no sentido de beneficiar a economia brasileira. Quanto às ameaças percebidas ou reais, ou seja, a concorrência asiática, elas existiriam de qualquer maneira, com crise ou sem ela, já que decorre de fatores vinculados à produtividade e à competitividade que independem da situação nos países desenvolvidos e possuem sua própria dinâmica. Sem compreender essas sutilezas, qualquer pronunciamento sobre “pressões externas”, “externalidades” ou “fatores exógenos” corre o risco de obscurecer a natureza real dos problemas do Brasil.

DR: Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão proposital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise.

PRA: A expressão “tsunami de liquidez” – que a presidente parece preferir à anterior designação, totalmente equivocada, de “guerra cambial” – não traduz exatamente a realidade das políticas conduzidas nos países europeus e nos EUA, e mesmo que a expressão traduzisse algum movimento desse tipo ela contraditaria totalmente as “lições” que ela mesma ofereceu gratuitamente aos europeus numa viagem anterior (a Bruxelas, e ao G20 financeiro, de Cannes, no ano passado); naquela ocasião, ela alertou os europeus para não “combater a crise por medidas recessivas”, e sim implementar medidas fiscais de sustentação da demanda agregada, em moldes classicamente keynesianos. Os que europeus e americanos, antes deles, fizeram, na verdade, foi injetar liquidez no sistema, em momentos de stress financeiro e ameaça de novas quebras bancárias, medidas que até monetaristas conservadores como Milton Friedman preconizariam, independentemente de saber de onde os bancos centrais tirariam o dinheiro.
Que a presidente não reconheça que essa injeção de liquidez – que está muito longe de ser um tsunami, pois o dinheiro serviu apenas para recapitalizar os bancos, não para distribuir dinheiro à farta para “especuladores” – foi feita como agressão proposital a outros países já é um grande progresso. Mas sua segunda frase, acima, não faz nenhum sentido, nem econômico, nem simplesmente lógico: em nenhum momento, os “países ricos” estão “exportando a crise”, longe disso; estão apenas fazendo aquilo que ela mesma recomendou, e que parece ter esquecido: não combater a crise por novas medidas recessivas, mas pela sustentação do crédito. Ela disse expressamente isto, antes...

DR: Quando o companheiro Mario Draghi (economista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a maquininha que faz dinheiro para rodar”, ele está inundando os mercados com dinheiro.

PRA: Em nenhum momento o “companheiro” Draghi disse algo do gênero; ele inclusive lembrou o impedimento de – e opôs-se terminantemente a – repasse de dinheiro do BCE aos governos; ele apenas trabalhou na sustentação do sistema financeiro, o que é, sim, uma obrigação de todos os bancos centrais sérios e funcionais; eles não devem sustentar governos em seus déficits, ou criar dinheiro para governos, apenas cumprir seu mandato de manter o sistema financeiro – ou seja, os créditos bancários – líquido, como “emprestador de última instância”. Descurar essas realidades representa obscurecer a realidade e distorcer todo o debate econômico levado de forma muito responsável na Europa e no congresso americano; no Brasil é que se misturam funções de autoridades monetárias, do Tesouro – que andou financiando companhias – e dos bancos públicos.

DR: (...) E o que fazem os investidores? Ora, eles tomam empréstimos a juros baixíssimos, em alguns casos até negativos, nos países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa.

PRA: Os investidores tomam empréstimos a juros baixíssimos na Europa, nos EUA e no Japão porque os mercados de créditos estão funcionando com esses juros artificialmente baixos, certamente impulsionados pelas taxas irrealistas dos bancos centrais. Mas seria um erro acreditar que o governo está alimentando especuladores privados; isso é simplesmente um erro grosseiro. Os especuladores correm para o Brasil, como poderiam correr para qualquer outro país, desde que esse outro país tivesse juros tão atraentes quanto os do Brasil. Seria por ingenuidade, ou por ignorância, que essa acusação de “ganância” contra os investidores, ou especuladores internacionais, é feita pela presidente? Dizer que “Eles ganham à nossa custa” é uma afirmação propriamente inacreditável: para desmantelá-la bastaria perguntar: se os juros brasileiros estivessem alinhados com a média dos mercados internacionais eles continuariam ganhando à nossa custa? A presidente já se perguntou por que o Brasil oferece juros tão apetitosos?

DR: Então, o Brasil não pode ficar paralisado diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo – o que é algo bastante diferente de protecionismo.

PRA: Aqui parece haver uma confusão mental, um erro monumental, pois a frase vem na imediata sequência da anterior. O que especulação com juros generosos do Brasil tem a ver com protecionismo comercial? Isso eu não consigo perceber e desafio que se encontre uma relação entre essas duas coisas diferentes. Seria muito simples ao Brasil se “defender” de especulação com juros: bastaria oferecer taxas de juros normais... Quanto ao “protecionismo”, deve ser uma espécie de lapso conceitual inconsciente.

DR: (...) O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com consequências desastrosas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, arrasou a modernização do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais.

PRA: Curioso que a presidente diga isso, pois tanto seu partido de origem, o PDT, quanto o seu atual, o PT, foram ardorosos defensores da política de reserva de mercado para informática, lamentando estridentemente que o presidente Collor tivesse terminado com essa lei que, segundo ela, agora, “nos privou de tecnologias essenciais”. Aparentemente, tanto o PDT, quanto o PT, e a própria presidente apoiam leis de reserva de mercado para bens e serviços nacionais, tanto que o fazem para investimentos em setores ditos estratégicos, na área do petróleo, por exemplo, em detrimento de preço e qualidade. Não apenas o fazem, como reforçam diferentes medidas de favorecimento de compras nacionais, como obrigar o exército, por exemplo, ou mesmo várias outras agências nacionais, a comprar no Brasil mesmo com um sobrepreço de 25% (o que é enorme, reconheçamos, em termos de orçamento de compras de qualquer entidade). Isso não é protecionismo? Isso não nos priva de tecnologias essenciais, que vêm embutidas em produtos importados?

DR: (...) O que estamos fazendo, e vamos continuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades excessivas de capital especulativo.

PRA: Aqui também a confusão é enorme, com uma mistura de diversos elementos, que pertencem a mundos diferentes, e um equívoco monumental quanto à origem do suposto “capital especulativo” estrangeiro. Em primeiro lugar, não existem “pressões desestabilizadoras externas”, nunca existiram, e dificilmente vão existir. EUA e Europa não estão em condições de fazer nenhum “tsunami” de liquidez, tanto porque já se debatem com enormes dívidas públicas e dificuldades políticas para aprovar mais gastança pública. O que está ocorrendo, simplesmente, é uma redução do ritmo de crescimento das economias avançadas, o que logicamente diminui a demanda externa por nossos produtos, apenas e tão simplesmente isso. Ou seja, o ambiente de morosidade econômica nos “países ricos” trará menos renda para o Brasil, a isso se reduzem as “pressões desestabilizadoras externas”, que não são pressões e não são, longe disso, desestabilizadoras. Como o Brasil se orgulha de possuir um “enorme” mercado interno – e os nossos economistas keynesianos têm um orgulho infantil dessa banalidade – alguma diminuição da demanda externa não deveria fazer assim tanta diferença, não é mesmo?
Agora vejamos a natureza do “capital especulativo”. Metade, ou mais, representa receitas de exportações do agronegócio – tão demonizado por certos companheiros – que sozinho consegue compensar o déficit nas transações de bens manufaturados, cujas exportações são prejudicadas não por qualquer “concorrência predatória” do exterior, mas por fatores exclusivamente internos. Outra parte é tomada de capital de corretoras e bancos nacionais, que usam esse dinheiro para sustentar suas operações internas de crédito (ganhando com isso enormemente). Uma parte, variável – pois depende de IOF, regras sempre mutáveis, diferenciais de juros em função da inflação, risco Brasil, etc. – é, sim, capital especulativo, e apenas existe porque o Brasil “convida” esses especuladores a jogarem com títulos governamentais de curto prazo, operações cambiais – o Banco Central contribui para isso, sinalizando que pode comprar dólares que entram – e outras oportunidades que existem no Brasil pelos diferenciais, justamente, do nosso mercado de capitais, restrito, cartelizado, altamente lucrativo. Existe também o capital que entra a título de investimento externo direto – 65 bilhões de dólares em 2011 – mas a presidente provavelmente exclui essa parte dos “especuladores”. Engano dela, pois uma parte, ao menos, desse IED vem também a título especulativo: já que o governo colocou uma série de barreiras – IOF e outros – a capitais de curto prazo, algum capital vem supostamente a título de investimento, o que provavelmente libera recursos de suas filiais para que elas façam, também e não surpreendentemente, especulação financeira. O Brasil é um país que adora capital estrangeiro, embora deteste os capitalistas estrangeiros. Bizarro...

DR: (...) O Brasil está em uma situação agora em que podemos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não queremos pagar os juros de 13% por empréstimos que eles nos oferecem. Obrigada, mas não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento.

PRA: Acho que a presidente extrapolou aqui também. Os países ricos estão fazendo muita coisa errada, certamente, menos oferecendo dinheiro fácil ao Brasil. Se alguém souber que EUA, França, Alemanha, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, ou quaisquer outros, estão oferecendo dinheiro ao Brasil, avisem por favor este comentarista, que ele nunca ouviu falar de tamanha generosidade em momentos difíceis.
E estamos pagando 13%  de juros pelos capitais que eles nos oferecem? Quem? Quanto? Quando? A presidente está redondamente enganada: não conheço nenhum país rico oferecendo dinheiro a essas taxas ao Brasil. Agora, eu conheço um país que paga esse valor para o lançamento de seus títulos da dívida doméstica, o que atrai também – uma vez não é costume – algum capital especulativo estrangeiro. Que coisa, hem?!
O que acontece, cabe esclarecer a presidente, é o seguinte: tomadores totalmente nacionais captam recursos no exterior a 7 ou 8% ao ano – talvez até menos agora – e depois convertem o dinheiro para suas operações de crédito interno, a taxas quase dez vezes superiores. Mesmo pagando IOF, imposto de renda e outras taxas abusivas do sistema financeiro brasileiro (para o governo, entenda-se bem), mesmo suportando alguma proporção de inadimplência e riscos associados ao judiciário – sempre tão lento e tão disposto a sustentar devedores – ainda assim são operações absolutamente fantásticas em qualquer país do mundo. Acho que a presidente deveria se informar melhor sobre como funciona o sistema de crédito externo para os tomadores nacionais, e ela constatará que o único tomador que paga 13% é o próprio governo, para suas operações internas.
Quanto a esta outra afirmação absurda – “não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento” – a presidente está mal informada, uma vez mais, e deve ter confundido alguma explicação de assessor quanto às condições de empréstimos oficiais de entidades oficiais, ou seja, agências nacionais ou bancos multilaterais – que, sim, colocam dinheiro à disposição de tomadores vorazes como o Brasil e cobram taxa de permanência, mesmo quando não se usa o dinheiro. Mas isso é claríssimo: se você reserva um dinheiro e não usa, dinheiro que o banqueiro poderia desembolsar para outros tomadores, é evidente que você vai pagar por isso, pois o dinheiro ficou lá à sua disposição.
Isso ocorre muito frequentemente com empréstimos bilaterais oficiais ou de órgãos multilaterais, pois tomadores brasileiros – digamos governos estaduais, municipalidades, e mesmo agências federais – “inventam” que só podem fazer determinadas coisas com empréstimos externos, pois o orçamento nacionais é muito lento, complicado, cheio de condicionalidades – como a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, contra a qual o PT lutou bravamente – e depois, por falta de projetos ou por excesso de incompetência, o dinheiro fica parado, esperando que o tomador se organize para gastá-lo. A presidente deveria, portanto, reclamar dos nacionais, não dos estrangeiros, por causa dessa gastança indevida de dinheiro público: a culpa é inteiramente dos brasileiros, ou melhor, do governo do Brasil e de suas infinitas agências que adoram um empréstimo externo.

DR: (...) Eu disse isso com toda a clareza à chanceler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar claro que o Brasil não quer mais ser visto como destinação de capital especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam.

PRA: Bem, a chanceler alemã deve ter se perguntado: “Mas o que está querendo dizer esta senhora? Sinceramente não entendo.” Realmente, ninguém entende, seja lição, ou não. Vejamos mais em detalhe. Capital especulativo? Angela Merkel deve ter dito para si mesma: “Mas, se esses brasileiros, pelo menos, tivessem juros normais, não haveria capital especulativo nenhum. Por que eles não reduzem os seus juros?”. Pois é: acho que “tsunami” da presidente é provocado internamente, pelo menos é o que parece, ao se examinarem as evidências. Não vejo, sinceramente, vagas de euros, de libras ou de dólares sendo disponibilizados pelos governos respectivos para especular com o Brasil. Em contrapartida, vejo sim, ondas de euros, libras e dólares vindos de todas as partes, de fundos de investimentos, aproveitar as oportunidades do Brasil, principalmente, essas emissões generosas a 13%, como disse a presidente (agora um pouco menos).
Tampouco vejo, por mais que eu busque, navios e mais navios de produtos americanos ou europeus despejando produtos baratos – “desleais” diria alguém – no Brasil. Vejo, sim, muitos produtos chineses, que oferecem preços que europeus e americanos seriam incapazes de oferecer, tanto porque seus produtos também são fabricados na China. Por outro lado, vejo, sim, ondas, de brasileiros passeando pelas ruas de Paris e pelos shoppings de Miami, comprando desbragadamente: e por que isso? Bem, não sei se a presidente percebeu, mas o Brasil ficou caro demais. Já era caro, muito antes da valorização do real, com a média de 40% de impostos internos, mais as tarifas de importação, que continuam elevadas, e todos os sistemas cartelizados de distribuição, o que permite lucros exagerados aos ofertantes locais, mesmo na ausência de outros fatores de encarecimento. O que o câmbio valorizado fez foi tornar transparente o absurdo que são os preços no Brasil – sobretudo para serviços, ou non tradables – e também permitir viagens mais fáceis, justamente a maneira de comer mais barato em restaurante tão bons, ou melhores, que os nossos, e comprar roupas (talvez chinesas) a preços competitivos.

DR: (...) Também deixei bem claro que, quando o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gorda para a Europa sem ter deixado aqui nenhum benefício.

PRA: Desafio qualquer assessor econômico da presidente a provar que esse trilhão do BCE veio “passear” no Brasil; se eles disseram isso para sua chefe, o que é presumível acreditar, pois ela tende a repetir o que ouve, é altamente irresponsável, e absolutamente equivocado. Mesmo que isso fosse verdade – o que obviamente não é – e que dinheiro privado venha nessa proporção ao Brasil, é de se acreditar que os europeus, especuladores ou não, não encostaram uma faca na barriga dos pobres brasileiros, obrigando-os a tomar o seu dinheiro indesejado. E se eles ficaram mais “gordos”, foi o Brasil quem o permitiu, certo? Essa, a Angela Merkel tampouco deve ter entendido...

Como reagiu?
DR: Ela [Angela Merkel] disse que entendia meu ponto de vista perfeitamente, mas que os países emergentes não podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa. Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas globais, mas que nossa colaboração não podia ser mais apenas como mercados consumidores e foco de atração de capitais especulativos.

PRA: “Consumidores ávidos”, os alemães, os europeus? Certamente! Mas isso é muito bom para o Brasil (para os chineses também, claro). Imaginem se eles não fossem, como seriam modestas nossas exportações para eles, que já foram nossos primeiros parceiros comerciais durante muitos anos. Agora são os chineses, muito ávidos também, o que brasileiros do agronegócio e da mineração agradecem encarecidamente. Que a Europa precisa se recuperar, isso é certo: que ela o tenha de fazer invadindo mercados estrangeiros é menos seguro. Ela precisa, antes de tudo, de recolocar em ordem as contas nacionais dos países membros, pois são esses os desequilíbrios que estão afetando sua economia, não algum problema importado de fora ou dependente do comércio mundial.
E o Brasil não quer ser mercado consumidor? Que pena para os brasileiros, pois acredito que eles gostariam. Justamente, quando eles estavam começando a gostar de consumir produtos importados – que são mais baratos e que podem ser de melhor qualidade – vem o governo, e crau!, coloca mais impostos e barreiras a esse desejo dos nossos pouco ávidos consumidores. Tudo isso para proteger americanos e europeus que montam automóveis por aqui, claro, além dos bravos amigos metalúrgicos do ex-presidente, que estavam ameaçados de perder empregos, apenas por que custam muito caro para o sistema produtivo nacional. Tudo isso é culpa dos europeus, claro...

DR: (...) Eu disse a eles [empresários brasileiros] que nossa maior defesa é aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos cobrados no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la.

PRA: Ótimo. Estaremos esperando – com perdão pelo gerúndio, mas creio que ele se encaixa no clima ambiente – pela implementação das promessas da presidente.

DR: (...) Vamos nos defender atacando – ou seja, exportando e ganhando mercados. Para isso, temos de aumentar nossa taxa de investimento real para pelo menos 24%. O governo vai investir e gerar o ambiente de negócios para que isso ocorra.

PRA: Idem, idem. Ainda que eu acredite que o governo vai ter certa dificuldade para chegar a esse número. Não que eu desconfie das palavras da presidente, mas eu acho simplesmente impossível, no futuro previsível, sendo o Brasil o que é, chegar a isso.

DR: (...) Os empresários terão de fazer a parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar aquilo que o Keynes chama de “instinto animal” da livre-iniciativa.

PRA: Acho que a presidente deveria pagar direitos autorais, ou pelo menos direitos morais, não a Keynes – pois duvido que ela o tenha lido – mas ao neopetista Delfim Netto, que vive repetindo essas frases de efeito, que não dizem absolutamente nada, mas que encantam o empresariado, que paga bem caro por palestras animadas, cheias de frases de efeito como essa.

DR: (...) a China está dando sinais evidentes de fadiga do modelo-focado fortemente na exportação. Tenho acompanhado os debates sobre a China, e seus lideres não escondem que não podem mais negligenciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco aceleradamente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de consumo – geladeiras, fogões, forno de micro-ondas –, e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça poderá passar a vê-la como oportunidade de mercado também para nossas exportações de manufaturados.

PRA: Fadiga do modelo chinês??? Acho que a presidente se engana, ou então foi informada pelos próprios chineses dessas boas intenções. O que está ocorrendo é um menor crescimento das exportações para mercados semi-recessivos, como os da Europa. Enquanto a China puder continuar com seu modelo exportador, ela vai continuar, pois isso é absolutamente essencial para a oferta de empregos internos. Os produtos que os chineses fazem para exportação dificilmente poderiam ser vendidos no mercado interno, por uma simples questão de diferenciais de renda: a presidente deveria saber disso, ou então ter algum assessor mais bem informado que lhe dissesse isso, e não acreditar no que lhe dizem os chineses.
Mas isso é o de menos: agora, acreditar que os chineses vão importar todos esses produtos que a presidente menciona do Brasil já não é mais desinformação, e sim uma crença absolutamente estapafúrdia. O Brasil jamais conseguirá exportar esses produtos para a China, simplesmente porque a China os fabrica melhor e mais baratos que o Brasil. Mas, como a China não consegue escapar das leis econômicas do capitalismo – sistema bem mais presente na China do que no Brasil, diga-se de passagem – empresas estrangeiras estabelecidas na China e também empresas chinesas também começam a se deslocar para países de mão-de-obra mais barata: Vietnã, Bangladesh e outros. Os operários chineses se tornaram muito caros, pelos menos os da costa. Uma coisa é certa: produtos com tecnologia dominada, como esses mencionados, não tem a mínima condição de serem oferecidos mais baratos pelo Brasil do que pelos asiáticos. Mas isso a presidente deve saber, ou deveria desconfiar, pois são leis econômicas muito simples.

Voilà, encerro por aqui meus comentários exclusivamente econômicos. Espero ter ajudado a esclarecer alguns pontos, desmistificar outros, e contribuir para um debate bem informado sobre as realidades brasileiras no contexto da atual conjuntura mundial.
Não costumo cobrar nada pela assessoria involuntária: apenas respeito pela nossa inteligência e um pouco, apenas um pouco, de comprometimento com a verdade objetiva dos fatos e de fidelidade à simples realidade dos processos econômicos.
De nada.

Paulo Roberto de Almeida
Londres, 25 de março de 2012.

Uma entrevista com a presidente - revista Veja

Transcrevo, para depois comentar...
Paulo Roberto de Almeida 

Entrevista da revista Veja com a presidente Dilma Rousseff 
(publicada em 24/03/2012)
Revista Veja, edição de 28/03/2012

Duas horas com Dilma
"E uma boa coisa que o presidente da República fale à imprensa - ponto", dizia a Carta ao Leitor de VEJA de 1° de agosto de 1979 ao anunciar que, pela primeira vez desde 1964, um presidente da República dava uma entrevista formal e exclusiva à imprensa, tendo escolhido os profissionais da revista para conversar. O presidente era João Baptista Figueiredo, o general que encerrou o regime militar. Figueiredo falou apenas meia hora, mas abriu o coração sobre os problemas que enfrentava  no cargo, deu detalhes inéditos sobre a Lei da Anistia aos que cometeram crimes durante o ciclo dos generais e adiantou que o Brasil dificilmente escaparia do racionamento de gasolina. Desde então, VEJA entrevistou todos os presidentes que se seguiram a Figueiredo com a redemocratização - José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula.
No mesmo mês e ano em que Figueiredo falava a VEJA, assinava sua ficha de inscrição no PDT uma ex-militante que cumprira pena acusada de integrar um grupo que executara ações armadas durante o regime militar. Seu nome, Dilma Rousseff. Pouco mais de trinta anos depois, ela se elegeria presidente da República pelo PT. Na semana passada, durante duas horas,  Dilma conversou com Eurípedes Alcântara, diretor de redação de VEJA, e com os redatores-chefes Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama. Foi sua primeira entrevista formal e exclusiva a VEJA como presidente. Como dizia a Carta ao Leitor de 1° de agosto de 1979, foi "uma boa coisa - ponto". Em uma das semanas mais conturbadas para ela no tenso cabo de guerra com a base de sustentação no Congresso – problema, aliás, que foi tema das conversas de VEJA com todos os presidentes que a antecederam –, Dilma estava surpreendentemente tranquila e confiante. Ela não deixou pergunta sem resposta, como  mostra a reportagem.

ENTREVISTA
O Brasil aos olhos de Dilma
Em uma entrevista de duas horas a VEJA em Brasília, a presidente Dilma Rousseff diz que o poder não é desfrutável, mas que também não perde o sono com os problemas com os quais se defronta.
Aos olhos de muita gente, a presidente Dilma Rousseff deveria estar uma pilha de nervos na semana passada. Ela vinha de uma viagem à Alemanha, onde pareceu, inadequadamente, dar lições de governança à chanceler Angela Merkel. Na reunião que teria com os maiores empresários brasileiros, ela lhes daria “um puxão de orelha”, e, para completar o quadro recente de tensão, a base aliada do seu governo no Congresso estava em franca rebelião, contrariando seguidas iniciativas do Palácio do Planalto nas votações. Como pano de fundo da semana caótica, havia o fato de Dilma ainda não ter convencido a opinião pública de ser a grande gestora que o eleitorado escolheu para governar o Brasil em 2010. Como escreve nesta edição J.R. Guzzo, colunista de VEJA, capturando uma sensação mais ampla, “a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia poderia ser descrita como ficção”. Mas Dilma não estava nem um pouco tensa quando recebeu a equipe de VEJA (Eurípedes Alcântara, diretor de redação, e os redatores-chefes Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama) na tarde de quinta-feira passada para uma conversa de duas horas em uma sala contígua a seu gabinete de trabalho no Palácio do Planalto, em Brasília.
Dilma vinha de encerrar a reunião com os empresários, em que, disciplinadamente, cada um dos 28 presentes teve cinco minutos para falar, e não pareceu ter dado – ou levado – metafóricos puxões de orelha. “Tivemos uma conversa séria. Coisa de país que sabe onde está no mundo e aonde quer chegar”, disse ela. “Ficamos todos de acordo que os impostos têm de cair, os investimentos privados e estatais têm de aumentar e o que precisar ser feito para elevar a produtividade da economia brasileira e sua competitividade externa será feito”. Para quem vinha tendo os ouvidos atacados pelo buzinaço estéril da “guerra cambial” contra o Brasil – expressão que, como se verá na entrevista a seguir, ela não acha própria –, a frase de Dilma, mesmo sem a sonoridade do português castiço, soa como música.
É saudável quando o governante não põe em inimigos externos toda a culpa por coisas que não funcionam. Melhor ainda quando reconhece que seu próprio campo, além de não ter soluções para tudo, é também parte do problema. “Não dá para consertar a máquina administrativa federal de uma vez, sem correr o risco de um colapso. Nem na iniciativa privada isso é possível. No tempo que terei na Presidência vou fazer a minha parte, que é dotar o estado de processos transparentes em que as melhores práticas sejam identificadas, premiadas e adoradas mais amplamente. Esse será meu legado. Nosso compromisso é com a eficiência, a meritocracia e o profissionalismo”.
“Eu disse aos empresários que seremos aliados nas iniciativas para aumentar a taxa de investimento da economia – e não mais apenas o crédito para o consumo”, contou ela. Suas propostas lembram o gato do chinês Deng Xiaoping. Não importa a cor. O que interessa é que ele cace ratos. Dilma Rousseff, porém, continua sendo a Dilma da lenda da mulher durona, de cotação nacionalista. Confrontada com as críticas de que a Petrobras não pode ser um braço de política industrial do governo, ela reagiu: “A Petrobras tem de saber que o petróleo é do Brasil e não dela”. Felizmente, Dilma admite que a extração do petróleo do pré-sal tem prioridade até sobre a sacrossanta exigência de 65% na taxa de nacionalização dos equipamentos – o que inviabiliza ou encarece muitas operações. Ela não verbaliza que a taxa pode ser reduzida, mas diz que, entre a manutenção do patamar de nacionalização e a garantia de produção dos campos do pré-sal, fica com a produção.
Pôr a culpa das reais distorções do Brasil em pressões produzidas no exterior não é uma maneira de fugir dos problemas? 
Primeiro, não é verdade que estejamos agindo dessa maneira. É uma simplificação grosseira supor que o governo brasileiro considere as pressões externas a única causa de nossos problemas. Segundo, ignorar que existem fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de arriscar a prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não podem ser subestimados.
A senhora se refere ao que chegou a ser chamado de “guerra cambial”?
Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão proposital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise. Quando o companheiro Mario Draghi (economista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a maquininha que faz dinheiro para rodar”, ele está inundando os mercados com dinheiro. E o que fazem os investidores? Ora, eles tomam empréstimos a juros baixíssimos, em alguns casos até negativos, nos países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa. Então, o Brasil não pode ficar paralisado diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo – o que é algo bastante diferente de protecionismo.
Quais as diferenças entre se defender e recorrer ao protecionismo?
O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com consequências desastrosas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, arrasou a modernização do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais. Não vamos repetir esse erro. Não vamos fechar o país. Ao contrário, queremos investimentos estrangeiros produtivos. Mas vamos, sim, defender as nossas empresas, os nossos empregos. O que estamos fazendo, e vamos continuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades excessivas de capital especulativo. Quando o panorama externo mudar para melhor, nós saberemos que chegou a hora de revogar as barreiras momentâneas que foram criadas.
Mas atrair dinheiro de fora não é bom em qualquer circunstância?
Não. O Brasil está em uma situação agora em que podemos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não queremos pagar os juros de 13% por empréstimos que eles nos oferecem. Obrigada, mas não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento. Eu disse isso com toda a clareza à chanceler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar claro que o Brasil não quer mais ser visto como destinação de capital especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam. Também deixei bem claro que, quando o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gorda para a Europa sem ter deixado aqui nenhum benefício.
Como Angela Merkel reagiu?
Ela disse que entendia meu ponto de vista perfeitamente, mas que os países emergentes não podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa. Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas globais, mas que nossa colaboração não podia ser mais apenas como mercados consumidores e foco de atração de capitais especulativos. Disse a ela que o Brasil quer muito atrair empresas alemãs de tecnologia de ponta. Disse que essas empresas são bem-vindas ao Brasil e, uma vez instaladas aqui, com transferência de tecnologia e criação de empregos, serão tratadas como empresas nacionais, com acesso ao crédito e outras facilidades concedidas às empresas nacionais. As pessoas precisam entender que o Brasil não está recorrendo ao protecionismo, nem arreganhando os dentes para quem quer que seja. Não é disso que se trata.
Ainda assim, tem muita coisa errada no Brasil que precisa ser consertada e independe do que vem de fora...
Sem dúvida. Hoje mesmo (quinta-feira passada, 22) eu me reuni com alguns dos maiores empresários brasileiros e tivemos uma troca franca de ideias sobre como atacar nossas distorções mais paralisantes. Eu disse a eles que nossa maior defesa é aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos cobrados no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la. Vamos nos defender atacando – ou seja, exportando e ganhando mercados. Para isso, temos de aumentar nossa taxa de investimento real para pelo menos 24%. O governo vai investir e gerar o ambiente de negócios para que isso ocorra. Os empresários terão de fazer a parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar aquilo que o Keynes chama de “instinto animal” da livre-iniciativa.
Como diria o Garrincha, é preciso combinar com os russos – e os indianos, e os chineses. Eles já estão atacando os mercados bem antes do que o Brasil, a senhora concorda?
Sim. Mas a China está dando sinais evidentes de fadiga do modelo-focado fortemente na exportação. Tenho acompanhado os debates sobre a China, e seus lideres não escondem que não podem mais negligenciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco aceleradamente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de consumo – geladeiras, fogões, forno de micro-ondas –, e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça poderá passar a vê-la como oportunidade de mercado também para nossas exportações de manufaturados.
A senhora consumiu boa parte do primeiro ano de seu governo resolvendo crises provocadas por denúncias de corrupção. Agiu com presteza e demitiu quem estava comprometido. É difícil encontrar auxiliares honestos?
A questão não deve ser colocada dessa forma. Os processos no governo é que precisam ser de tal forma claros e os resultados de avaliação tão lógicos que não sobre espaço para as fraquezas dos indivíduos. Montesquieu ensinou que as instituições é que devem ser virtuosas. Nenhuma pessoa que é chamada para o governo pode achar que haverá algum tipo de complacência. Nós temos de ser o mais avesso possível aos malfeitos. Não vou transigir. É bom ficar claro que isso não quer dizer que todos os ministros que deixaram o governo estivessem envolvidos com alguma irregularidade. Alguns pediram para sair para evitar a superexposição ou para se defender das acusações que sofreram.
Por que a senhora não gostou da expressão “faxina ética”?
Parece preconceituoso. Se o presidente fosse um homem, vocês falariam em faxina? Isso é bobagem. A questão não é essa palavra, a questão é que o governo tem uma obrigação de oferecer serviço público de qualidade à população. E para isso é necessário que os processos no governo sejam eficientes, meritocráticos e transparentes. Eu sempre mudei para tentar melhorar.
Essas mudanças, porém, agora estão gerando uma crise no Congresso...
Não há crise nenhuma. Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado. Crise existe quando se perde a legitimidade. Você não tem de ganhar todas. O Parlamento não pode ser visto assim. Em alguma circunstância sempre vai emergir uma posição de consenso do Congresso que não necessariamente será a do Executivo. Isso faz parte do processo. A tensão é inerente ao presidencialismo de coalizão com base partidária. No governo passado perdemos a votação da CPMF, e o céu não caiu sobre a nossa cabeça.
O que a senhora achou do discurso do ex-presidente Fernando Collor alertando-a de que ele perdeu o cargo por falta de sustentação no Congresso?
Não li o discurso. Mas vocês souberam do discurso do Miro? (Miro Teixeira, no dia seguinte ao discurso de Collor, recolocou a questão nos eixos lembrando que não existe comparação possível entre os governos Collor e Dilma.) O que é preciso ter em mente é que as grandes crises institucionais no Brasil ocorreram não por questiúnculas, pequenas discordâncias entre o Executivo e o Legislativo. As grandes crises institucionais se originaram da perda de legitimidade do governante.
Mas essas derrotas, coincidentemente, começam quando o governo decide trocar suas lideranças no Congresso e rever sua relação com alguns aliados.
Não gosto desse negócio de toma lá dá cá. Não gosto e não vou deixar que isso aconteça no meu governo. Mas isso nada tem a ver com a troca dos líderes. Eles não saíram por essa razão. Devemos considerar que os parlamentares vivem um momento tenso, natural em um ano de eleições municipais. Mas repito: não há crise nenhuma.
É difícil suceder na Presidência a um político popular e amado como Lula?
Não. É facílimo. Para começo de conversa, eu fui ministra da Casa Civil do governo Lula durante cinco anos e despachava com ele dezenas de vezes por dia. Aprendi muito. Alguns setores menosprezam o Lula por causa de suas origens, mas eu sou testemunha de que ele tem momentos de gênio na política e um carisma que nunca vi em outra pessoa. Esse metalúrgico que muita gente menospreza mudou o Brasil e ajudou a criar uma nova ordem mundial com o G20, por exemplo, do qual ele foi o grande incentivador.
A senhora tem dificuldade em discordar do ex-presidente Lula?
Nem um pouco. Nós já divergimos muito no passado e continuamos não concordando em algumas coisas. Eu tenho uma profunda admiração por ele, uma profunda amizade nos une, ele é uma pessoa divertidíssima com uma capacidade de afeto descomunal. Mas discordamos, sim. Isso é normal. Mas, no que é essencial, nós sempre concordamos.
Em que momentos a senhora percebe que faz diferença ser uma mulher na Presidência?
Quando eu acordo de manhã e me vejo no espelho. Estou brincando. Eu acho que a diferença mesmo eu vejo quando as mulheres simples desse Brasil param para conversar comigo, acenam para mim, em quem enxergam um símbolo de emergência e de ascensão. A cada dia eu me convenço de que o século XXI é o século das mulheres.
A senhora se dá o direito de ter uma opinião como mulher sobre determinado assunto, o aborto, por exemplo, e outra como presidente?
De maneira alguma. Ser presidente não me dá o direito de expressar opinião pessoal, particular ou subjetiva sobre qualquer tema. Aos 64 anos, tenho de ter a sabedoria de guardar essas opiniões para mim mesma.
O que a senhora descobriu como presidente que não sabia como ministra?
O povo se identifica com você, vê em você uma igual na Presidência. E, por isso, o brasileiro se entrega, mostra como é caloroso. Ele te identifica na rua, grita seu nome, te abraça, te pega. Você sente que está fazendo aquilo de que ele precisa. Isso é maravilhoso!

[FIM]

Economic Growth: R. Barro - Xavier Sala-i-Martin


A very important book, for students of all social sciences. Paulo Roberto de Almeida 

Economic Growth
Robert J. Barro and Xavier Sala-i-Martin
2nd Edition; Cambridge, Mass.; The MIT Press, 2003

This graduate level text on economic growth surveys neoclassical and more recent growth theories, stressing their empirical implications and the relation of theory to data and evidence. The authors have undertaken a major revision for the long-awaited second edition of this widely used text, the first modern textbook devoted to growth theory. The book has been expanded in many areas and incorporates the latest research.

After an introductory discussion of economic growth, the book examines neoclassical growth theories, from Solow-Swan in the 1950s and Cass-Koopmans in the 1960s to more recent refinements; this is followed by a discussion of extensions to the model, with expanded treatment in this edition of heterogenity of households. The book then turns to endogenous growth theory, discussing, among other topics, models of endogenous technological progress (with an expanded discussion in this edition of the role of outside competition in the growth process), technological diffusion, and an endogenous determination of labor supply and population. The authors then explain the essentials of growth accounting and apply this framework to endogenous growth models. The final chapters cover empirical analysis of regions and empirical evidence on economic growth for a broad panel of countries from 1960 to 2000. The updated treatment of cross-country growth regressions for this edition uses the new Summers-Heston data set on world income distribution compiled through 2000.

About the Authors
Robert J. Barro is Robert C. Waggoner Professor of Economics at Harvard University and a senior fellow of the Hoover Institution at Stanford University.

About Robert Barro:
"He has changed the way economists think about everything from the long-run effects of government deficits to the forces that favor economic growth."
--Sylvia Nasar, New York Times

Xavier Sala-i-Martin is Professor of Economics at Columbia University, and visiting professor at the University of Pompeu Fabra, Barcelona.

Table of Contents

Economic Growth, 2nd Edition
Robert J. Barro and Xavier Sala-i-Martin

Preface
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Introduction
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1. Growth Models with Exogenous Saving Rates (the Solow-Swan Model)
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2. Growth Models with Consumer Optimization (the Ramsey Model) 85
3. Extensions of the Ramsey Growth Model 143
4. One-Sector Models of Endogenous Growth 205
5, Two-Sector Models of Endogenous Growth (with Special Attention to the Role of Human Capital) 239
6. Technological Change: Models with an Expanding Variety of Products 285
7. Technological Change: Schumpterian Models of Quality Ladders 317
8. The Diffusion of Technology 349
9. Labor Supply and Population 383
10. Growth Accounting 433
11. Empirical Analysis of Regional Data Sets 461
12. Empirical Analysis of a Cross-Section of Countries 511
Appendix on Mathematical Methods 567
References
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Index
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Endorsements
"Barro and Sala-i-Martin have done a superb job of synthesizing much of the existing theoretical and empirical research on the mechanisms and determinants of economic growth and convergence. Though it incorporates much new material, this updated version is fully accessible to a third year undergraduate student, while remaining of invaluable use to any research scholar seriously interested in growth and development economics."
--Phillipe Aghion, Department of Economics, Harvard University

"This is an invaluable book for a first graduate course in economic growth. The exposition is clear and easy to follow, but also rigorous. It is an excellent stepping stone for research in the field."
--K. Daron Acemoglu, Professor of Economics, MIT

"Barro and Sala-i-Martin provide an outstanding and comprehensive treatment of growth theory and empirics--an instant classic! I learn something new every time I pull my copy from the shelf."
--Charles I. Jones, Department of Economics, University of California, Berkeley

Rei Midas ao contrario: dinheiro transformado em...

Tudo o que o governo se dispõe a fazer, em suposto benefício da população, acaba resultando em maiores problemas para a própria população. A começar por essa coisa maluca que se chama crédito consignado.
Em países normais, onde existem mercados de créditos regidos por regras de mercado, poupadores e tomadores participam de um sistema aberto, onde os juros são normalmente os de mercado (salvo quando o governo, novamente, mete sua mão torta, por exemplo, pretendendo oferecer casas baratas aos de renda baixa, e acaba criando uma bolha imobiliária).
Num país como o Brasil, o juro, que se acredita "baixo", é de quase 30% ao ano, o que já espantaria qualquer pessoa vivendo em um país normal.
É evidente, por outro lado, que onde houver uma facilidade qualquer sendo oferecida, espertos vão sempre procurar distorcer as regras para seus negócios escusos, resultando em coisas como as que se vêem abaixo.
Paulo Roberto de Almeida 
Burla nas operações de crédito consignado

O Estado de S.Paulo, 25 de março de 2012
Uma terça parte das reclamações recebidas pelo Banco Central (73 mil, em 2011, feitas por 46 mil correntistas de bancos) está relacionada com o crédito consignado. E 90% das queixas dizem respeito a um só item: as dificuldades com a emissão, pelo banco credor, do boleto necessário para a quitação antecipada.
O crédito consignado é a principal modalidade de empréstimo das pessoas físicas, com custo módico (27,5% ao ano, em média, ante 70,2% ao ano das outras operações de crédito pessoal) e acessível a trabalhadores formais, na ativa ou aposentados. O volume de consignados atingiu R$ 160 bilhões, em janeiro, 8% do total das operações de crédito e 58% das operações de crédito pessoal.
O crédito consignado foi disciplinado várias vezes desde sua criação, em 2003. Há um teto máximo de 30% ao ano para os juros, para o comprometimento da renda (30%) e para os prazos (60 meses). Mas ainda são frequentes os casos de golpes.
O problema mais recente ocorre quando o tomador quer migrar o empréstimo para outro banco, por causa de condições melhores ou pela ação de intermediários. Reportagem do Estado, na semana passada, relata que isso ocorre mais nos bancos pequenos e médios, que empregam intermediários - os "pastinhas" - para conquistar clientes. As comissões dependem do número de operações. Se um cliente do banco A transfere a operação para o banco B, o "pastinha" ganha duas comissões. Como o cliente já pagou algumas prestações, ao migrar o contrato para outro banco, quitará a dívida, contratará um novo crédito e ainda receberá algum dinheiro.
Para não perder o cliente, alguns bancos têm atrasado a entrega do boleto pedido pelo devedor e a migração não ocorre ou demora meses. O "pastinha", então, faz as vezes de "defensor" do cliente. O Banco Central constatou que "pastinhas" fizeram reclamações sem autorização do cliente.
O presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais, Renato Oliva, enfatiza a falta de ética de alguns "pastinhas" e nota que alguns bancos têm descredenciado o representante. Mas alerta: "Esse promotor pode ser associado a mais de um banco e, por isso, segue fazendo suas transações no mercado".
Regular a atividade dos "pastinhas" não é o melhor caminho. Na verdade, alguns bancos parecem depender demais deles, enquanto os clientes parecem ignorar que, com o holerite da empresa ou do INSS, têm acesso fácil ao consignado.
Ainda mais importante é que os bancos não infrinjam a lei, para impedir os clientes de migrar a operação.

Politica industrial esquizofrenica, politica economica improvisada


O governo -- ou o Ministro Mantega -- dá a impressão desses meninos confusos que, confrontados a fissuras na barragem, metem o dedo para impedir que a água jorre; logo depois tem uma nova fissura ali adiante, um outro buraco acolá, e o garoto corre de um lado a outro, tentando reparar o desgaste em relação ao qual ele -- governo -- não fez nada durante muito tempo.
O que significam esses "incentivos" a determinados setores industriais?
Nada mais do que areia nos olhos de certos industriais, para dar a impressão que o governo anda fazendo alguma coisa e, na verdade, o que ele dá com uma mão -- esses benefícios setoriais, e até para certos ramos ou indústrias, dos "espertos" que foram a Brasília chorar suas misérias, e da ares de interesse nacional o que é apenas interesse próprio --, o que ele dá com uma mão, dizia eu, ele retira com a outra, de toda a sociedade, daí a mesma reclamação dos empresários e analistas que a carga tributária na verdade não baixou, de fato aumentou, para todos, a começar para a chamada classe média de consumidores obrigados de produtos nacionais (já que o governo também pratica protecionismo barato, tosco, primitivo).
Esses "subsídios" a setores industriais -- que não são subsídios, obviamente, apenas o bode que o governo tira da sala de uns chorões selecionados -- apenas transferem renda do conjunto da população para uns poucos que já são ricos, e não resolvem, absolutamente, problemas estruturais da economia e da infraestrutura: impostos altos e irracionais, por cumulativos; burocracia infernal, começando por esse órgão fascista que é a Receita Federal e indo a outro fascista que é a Anvisa, e vários outros; infraestrutura miserável; custos elevados para qualquer serviço interno que se pensar (já que isento de concorrência com equivalentes estrangeiros); protecionismo rastaquera nas fronteiras; custo enorme da máquina do Estado, com todos os seus marajás e milhares de companheiros pendurados nele; enfim, o governo não faz nada, absolutamente nada do que é necessário, e só se ocupa de colocar o dedo em algumas fissuras.
O que é um "pacote" de medidas?
Mais um conjunto de medidas improvisadas, irracionais, que vão piorar ainda mais o meio do campo, já que criando regras especiais para A e B, enquanto deixam ao relento, e cobram mais de todas as demais letras do alfabeto, que somos todos nós; esses pacotes de governo, pensados às pressas (ops, mal pensados, se pensados), não resolvem nada e são apenas ridículos.
Medidas "ousadas"!!! Vocês já ouviram falar de alguma medida "ousada" deste governo ou do anterior?
Só as que transferem mais recursos da sociedade para o bando de rapineiros que nos governam.
Paulo Roberto de Almeida 

Incentivos do governo às empresas somam R$ 97,8 bilhões em seis anos

Lu Aiko Otta e Adriana Fernandes
O Estado de S. Paulo, 24 de março de 2012



A cifra é o dobro do que o governo pretende gastar no PAC ao longo deste ano 

BRASÍLIA - De 2007 a 2012, o governo baixou medidas que desoneraram as empresas em, no mínimo, R$ 97,8 bilhões, segundo levantamento da Receita Federal obtido peloEstado. A cifra é o dobro do que o governo pretende gastar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) este ano e corresponde a quatro vezes a verba reservada para o programa Brasil sem Miséria, prioridade da presidente Dilma Rousseff. Ainda assim, a alta carga tributária foi a queixa mais comum entre os 28 pesos pesados da economia que estiveram com Dilma na quinta-feira.
As desonerações não foram adotadas como uma estratégia ou política de governo, mas foram reações aos efeitos da crise global que deprime a economia mundial desde meados de 2008 e afetou gravemente a competitividade da indústria brasileira. Porém, o avanço dos importados e a tendência de desindustrialização parecem imunes à atuação do governo.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, completa seis anos no cargo na terça-feira. Em suas primeiras entrevistas, ele já falava em desonerar a folha salarial das empresas, medida que foi novamente prometida esta semana, durante a reunião com a presidente Dilma. Também apontava o câmbio como um problema central, mas o dólar barato continua sendo a maior dor de cabeça do setor produtivo.
"O governo pode ter desonerado bastante, mas a carga tributária não caiu. Ao contrário, aumentou", diz o economista Mansueto Almeida. "O custo de produção continua alto e maluco."
Hiperatividade. Para Armando Castellar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, atuações pontuais como as feitas pelo governo têm efeito localizado e temporário. "O problema maior é a hiperatividade de medidas do governo", criticou. "O País precisa de um programa de médio e longo prazos que ataque os problemas estruturais de competitividade, como infraestrutura e carga tributária."
Em sua defesa, o governo argumenta que a situação estaria muito pior se o ministro não tivesse agido. É certo também que medidas adotadas pelo governo quase nada podem fazer para combater os efeitos da desaceleração da economia global e a avalanche dos industrializados asiáticos.
Porém, a própria Dilma está insatisfeita com o elenco de iniciativas adotadas até agora. Ela incumbiu Mantega de elaborar um novo pacote para anunciar na volta de sua viagem à Índia, nos dias 28 a 31 deste mês.
A área técnica da Fazenda recebeu a seguinte encomenda da presidente: medidas mais ousadas. Em vez de pontuais, elas precisarão ser gerais e mais profundas. A desoneração da folha, por exemplo, poderá ser geral para a indústria, e não localizada em meia dúzia de setores.

sábado, 24 de março de 2012

Rubens Ricupero: debate sobre a desindustrializacao (2006)

Um texto de 2006, preparado com base nos relatórios da UNCTAD de 2003, que pode contribuir para o esclarecimento de um debate relevante.


Desindustrialização precoce: futuro ou presente do Brasil?        

Rubens Ricupero


  • O que se entende por desindustrialização precoce? 
A desindustrialização precoce é a variante patológica da chamada “desindustrialização positiva”. Quando a industrialização completou com êxito o processo do desenvolvimento e elevou a renda per capita a nível elevado e auto-sustentável, o setor manufatureiro começa a declinar, em termos relativos, como proporção do produto e do emprego. Isso ocorre em contexto de crescimento rápido e pleno emprego, no momento em que se atinge renda per capita entre $ 8,000 e $ 9,000, medidos em preços constantes de 1986, correspondendo hoje a valores nominais bem mais altos. O fenômeno é patológico quando aparece em economias onde a renda per capita é menos da metade ou até de um terço desse nível e em contexto de baixo crescimento e desemprego de massa. Nesse caso, o processo de industrialização abortou antes de dar nascimento a uma economia próspera de serviços, capaz de absorver a mão de obra desempregada pela indústria. É a “construção interrompida” do título do livro de Celso Furtado.

  • Onde ocorre o fenômeno?
Ele vem ocorrendo em numerosas economias da Africa, América Latina e do Oriente Médio no curso dos últimos 25 anos, desde a crise da dívida externa dos anos 80s. Em 2003, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estudou o que vinha acontecendo no relatório Comércio e Desenvolvimento (Trade and Development Report) daquele ano, que pode ser encontrado e obtido no site da UNCTAD: www.unctad.org.

  • Qual foi o resultado do levantamento?
A UNCTAD chegou à conclusão de que, em relação a esse problema, as economias em desenvolvimento poderiam ser divididas em cinco grandes categorias, a saber:
    1. O grupo original e mais avançado dos “tigres” asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong), principalmente a Coréia do Sul e Taiwan, que já atingiram nível adiantado de maturidade industrial por meio de rápida acumulação de capital, crescimento do emprego em geral, da produtividade e do emprego industriais, assim como das exportações de manufaturas. Nessas economias, a porcentagem da produção industrial no PIB é bem superior à dos velhos países industrializados mas o rítmo da expansão da capacidade produtiva e da produção no setor industrial desacelerou-se muito em comparação ao que ocorria em décadas passadas.
    2. O segundo grupo, também maciçamente asiático, inclui a Malásia e a  Tailândia, bem como, em nível menos avançado, a China e, em grau menor, a India. São os países que, há várias décadas, vêm se industrializando de modo acelerado, aumentando a proporção de manufaturas no emprego, na produção e nas exportações, ao mesmo tempo em que estão transformando sua estrutura, passando dos produtos intensivos em mão de obra e recursos naturais para os artigos de média e alta tecnologia.
    3. O terceiro abrange os países que se integraram nas redes internacionais de produção mediante a concentração em operações intensivas em mão de obra destinadas à montagem de produtos cujos insumos são em grande parte importados. O México e as Filipinas, bem como, mais recentemente, países do Caribe e da América Central signatários de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, destacam-se na categoria. Tais economias tiveram rápido aumento no emprego industrial (o desemprego no México, por exemplo, é bem inferior ao da média da Argentina, do Brasil e do Chile). Outra característica do grupo é o veloz aumento de exportação de manufaturas. Não obstante, esses países vêm apresentando desempenho modesto em termos de investimento, de valor agregado em manufaturas, de crescimento da produtividade e de crescimento econômico de maneira geral.
    4. A quarta classe é a dos países que alcançaram um nível razoável de industrialização mas se revelaram incapazes de sustentar um processo dinâmico de aprofundamento industrial em contexto de crescimento rápido. É o caso da Argentina e, em nivel muito menos grave, o do Brasil, onde tem sido pobre o desempenho do investimento, a indústria vem perdendo importância relativa no emprego total e no valor adicionado, o crescimento da produtividade resultou mais da redução da mão de obra que da acumulação rápida e do progresso técnico, o upgrading industrial é ainda limitado e as exportações continuam  dominadas por produtos primários e manufaturas de baixo valor agregado. Nessas economias, o avanço em certas indústrias como a aeronáutica e de automóveis não teve a profundidade e o vigor necessários para disseminar-se pelo restante do tecido industrial e para  estabelecer um processo dinâmico e de alta tecnologia na indústria como um todo.
    5. O quinto grupo é o de países que obtiveram crescimento forte e sustentado mediante a intensificação da exploração de seus recursos naturais abundantes através de um rítmo acelerado de acumulação de capital. O exemplo mais notável é o do Chile. No entanto, essas economias têm demonstrado desempenho fraco em termos de valor agregado em manufaturas e de exportações industriais, persistindo nelas elevado desemprego. Parecem limitadas as perspectivas de mudança estrutural adicional e de futuro crescimento de produtividade na base exclusiva de estratégia fundamentada nos recursos naturais.    
  • O que emerge dessa análise comparativa?
O contraste entre a Asia do Leste e a América Latina é marcante. Todos os países maiores da América Latina (Argentina, Brasil, México) situam-se em grupos sem dinamismo em industrialização, mudança estrutural e aumento da produtividade, ao passo que a maioria das economias do leste asiático se encontra em vários estágios de industrialização de êxito. Persistem, portanto, as fraquezas estruturais que, a partir dos anos 80s, deram impulso a radicais mudanças de política na América Latina. Apesar dos avanços indiscutíveis, não há como negar que as reformas de políticas não conseguiram criar as condições necessárias para iniciar um rápido processo de acumulação de capital e de transformação tecnológica capaz de reestruturar as economias latino-americanas com vistas a enfrentar os desafios de integração no sistema globalizado de comércio. Tudo indica que existe relação nítida entre o prosseguimento e adensamento da industrialização e a criação dessas condições.

Não se poderia afirmar, ao contrário, que a desindustrialização é a consequência positiva do abandono da política de substituição de importações e da adoção de estratégia voltada para as exportações, permitindo a melhor alocação de recursos a setores nos quais essas economias são mais competitivas, como no de recursos naturais em agricultura e mineração?

Essa afirmação seria verdadeira se o declínio relativo da indústria tivesse coincidido com a aceleração significativa do crescimento, o que, de fato, ocorreu no Chile, mas não na Argentina, no Brasil e no México. Além disso, a comparação com economias européias ricas em recursos naturais como algumas da Escandinávia indica que, até mesmo no Chile, a porcentagem do emprego industrial no final dos anos 90s se situava apenas entre a metade e um terço do nível atingido pelos escandinavos, quando estes se encontravam em patamares de renda comparáveis. Nessas economias escandinavas ricas em recursos naturais, essa porcentagem só começou a cair a partir de nível de renda muito superior ao que sucedeu na América Latina.

Isso significa que não existiriam exemplos de países que alcançaram o desenvolvimento pleno sem industrialização, exclusivamente na base da exploração eficiente de recursos naturais?
Na verdade, a experiência histórica confirma que as economias de países como a Austrália, o Canadá e de alguns dos escandinavos, que utilizaram mais amplamente as exportações de produtos primários para atingir altos níveis de renda, passaram todas por períodos de forte desenvolvimento e diversificação da indústria como componentes essenciais de sua estratégia de crescimento. Mesmo as cidades-estados do nosso tempo – Hong Kong e Cingapura – hoje predominantemente economias de serviços, recorreram no início e por longo tempo à industrialização a fim de superar a estreiteza do mercado nacional e para deslanchar o processo de desenvolvimento.

De que maneira opera a industrialização nesse processo?
Em longo prazo, são as conquistas de produtividade que asseguram o êxito econômico e não apenas a acumulação de capital por si mesma. Um processo virtuoso de acumulação e crescimento sustentado está sempre associado a mudanças estruturais na produção e no emprego como resultado tanto da expansão e diversificação das atividades econômicas, passando da agricultura à indústria e desta aos serviços, quanto da evolução para atividades de maior valor adicionado dentro de cada setor, mediante a introdução de novos produtos e processos.
Há diferenças sensíveis entre os vários setores em termos dos respectivos potenciais para o progresso técnico e para o crescimento da produtividade. A importância de estabelecer uma ampla base industrial deriva justamente do grande potencial da indústria para um forte crescimento da produtividade e da renda. Esse potencial provém, do lado da oferta, da predisposição da indústria para desenvolver economias de escala, para a especialização e o aprendizado e, do lado da demanda, de condições globais de mercado e de preços habitualmente mais estáveis e favoráveis do que para os produtos primários, sujeitos a frequentes oscilações e com certa tendência a um declínio secular. Trabalhos de Kaldor e Kuznets demonstraram a existência de estreita corrrelação entre as taxas de crescimento da industrialização e da produtividade, assim como entre a aceleração do crescimento e o deslocamento do fator trabalho, do setor primário, de baixa produtividade, para o industrial, de produtividade mais elevada. Não se deve esquecer, aliás, que a agregação de valor a produtos primários da agropecuária e da mineração se faz geralmente mediante processos industriais, daí se originando  denominações como agro-indústria, indústria agro-alimentícia etc.

Mas, se as vantagens de manter forte base industrial são tão evidentes, como se explica que os países latino-americanos se tenham resignado a sacrificá-la em muitos casos? 
A explicação reside, em última análise, no impacto da crise da dívida dos 80s, verdadeiro divisor de águas que desviou, de maneira duradoura, muitos países da trajetória de desenvolvimento que até então vinham seguindo. Os latino-americanos tiveram de adotar drásticas mudanças de política econômica, no esforço para reduzir os níveis de endividamento e controlar inflações que ameaçavam deteriorar em hiperinflações. Embora tenha sido inegável o êxito em atingir alguns desses objetivos, as reformas nunca foram capazes de fazer com que o nível de investimento retornasse à fase pré-crise. De modo geral, a América Latina parece haver estabilizado seu nível de formação de capital em torno do investimento por ano de apenas 20% ou menos do PIB, significativamente inferior aos 25% considerados como o ideal para economias em estágio intermediário de desenvolvimento e igualmente muito abaixo da média do investimento prevalecente na fase pré-crise.
Tal situação de debilidade macroeconômica, de investimento insuficiente e de instabilidade permanente de taxas de juros e de câmbio preparou mal as economias latino-americanas para o “choque de competição” decorrente da liberalização comercial e financeira simultânea ao processo de ajuste. Inúmeros setores, especialmente na indústria manufatureira, não foram capazes, devido ao estado critico em que se encontravam, de reagir à concorrência de produtos importados no momento em que perderam a proteção. O processo latino-americano de abertura de choque, conduzido em fase de crítica precariedade da situação macroeconômica, contrasta com o das economias asiáticas, muito mais gradual, progressivo, seguro e realizado a partir de posição de força, por economias capazes de investir 30% ou mais do PIB anualmente e bafejadas por juros extremamente baixos, frequentemente subsidiados, por taxa de câmbio desvalorizada, carga tributária pequena e mínimos encargos trabalhistas e previdenciários.

Não é verdade, então, que a situação macroeconômica da região melhorou? 
Não até o ponto desejável. De fato, uma saudável macroeconomia exige não apenas estabilidade de preços, mas outras condições indispensáveis para propiciar níveis elevados de investimento. Muitas das condições que exercem forte influência nas decisões de investimento e de alocação de recursos, incluindo preços-chaves tais como a taxa de câmbio, a taxa de juros e os salários reais, de grande impacto na demanda agregada, têm sido extremamente instáveis no continente. Isso se deve, em parte, ao aumento da instabilidade do sistema internacional de pagamentos e à volatilidade externa associados com choques financeiros e comerciais. Por outro lado, alguma responsabilidade cabe igualmente à perda de autonomia em matéria de política macroeconômica resultante da rápida liberalização e da estreita integração nos mercados financeiros globais. Além disso, em lugar de “get the prices right”, as forças de mercado tenderam a manter as taxas de juros e de câmbio em níveis que impediram a rápida acumulação de capital e a mudança tecnológica. Em outras palavras, a nova estratégia econômica fracassou em produzir um meio-ambiente macroeconômico apropriado para encorajar investidores e empresas, apoiando-os na criação e expansão da capacidade produtiva e no aprimoramento da produtividade e da competitividade internacional.

Não se poderia descrever o que aconteceu na América Latina como mais uma manifestação do processo de “destruição criativa” de Schumpeter?
Seria difícil argumentar nesse sentido. Durante a fase de ajustamento pós-crise da dívida, estima-se que cerca de 7.000 firmas chilenas desapareceram, a maioria de porte médio. Na Argentina, esse número foi de l5. 000. Muitas foram substituídas por grandes empresas estrangeiras cujos setores de engenharia e de pesquisa e desenvolvimento se encontravam no país de origem. Algo similar ocorreu no Brasil com a aquisição por firmas estrangeiras de boa parte do setor de autopeças ( Cofap, Metal Leve ) e do setor eletrônico e de equipamento de telecomunicações sediado em Campinas. De novo, em muitos casos, o setor de pesquisa foi radicalmente reduzido ou teve sua natureza alterada, passando a ocupar-se apenas da adaptação da tecnologia da matriz a condições locais, o que se chama no jargão de “tropicalização” da tecnologia. Engenheiros de pesquisa foram reciclados em gerentes de vendas. Um estudo de Cimoli e Katz observa que, em 1974, o lançamento do Taurus pela Ford Argentina demandou 300.000 horas de trabalho por uma equipe de 120 engenheiros, ao passo que hoje, para produzir o “world car”, a Ford não emprega nenhum engenheiro na Argentina. O que houve, portanto, foi que a parte de “destruição” ocorreu na Argentina, enquanto a parte mais interessante, a da “criação”, foi transferida para o país exportador ou sede da empresa transnacional.
            O problema foi agravado por algumas das privatizações de empresas estatais que, em certos países, eram responsáveis, juntamente com universidades e instituições públicas, por 80% dos gastos em pesquisa tecnológica, em áreas como as telecomunicações e energia, como era o caso do Brasil. Frequentemente, repetiu-se aqui o padrão de muita destruição e pouca criação. O balanço líquido foi um retrocesso na geração local de tecnologia e o aumento de uma dispendiosa dependência tecnológica em relação ao estrangeiro. Essa foi uma das razões que levaram a uma mudança na composição da produção e das exportações de países da região, que se concentraram mais ainda do que no passado nos produtos oriundos de recursos naturais, distanciando-se dos setores com maior potencial de aumento da produtividade. Não é de admirar, nessas condições que, fora exemplos esporádicos como o da indústria aeronáutica, cuja existência, aliás, se deve a uma política de Estado, seja extremamente limitada a oferta de países como o Brasil em matéria de manufaturas de alta tecnologia e valor agregado capazes de competir com os produtos asiáticos em mercados altamente competitivos como os dos Estados Unidos e dos países europeus.

Que tipos de indústrias conseguiram sobreviver a essas condições adversas?
Como é sabido, muitas das indústrias de ponta, responsáveis pelos produtos mais dinâmicos do comércio mundial – computadores, componentes eletrônicos, máquinas e equipamentos de escritório, química fina, fármacos – praticamente desapareceram do panorama produtivo da América Latina, salvo sob o aspecto de linhas de montagem. O que sobrou foi basicamente: a) indústrias de processamento de recursos naturais a fim de produzir commodities industriais, tais como papel, celulose, suco de laranja, farelos e óleos vegetais, ferro, aço, alumínio, metais, cimento; b) indústrias de alimentos, de material de limpeza, cosméticos, de móveis etc; c) linhas de montagem de equipamento eletrônico, aparelhos de TV e vídeo, de telecomunicações como os telefones celulares; d) indústrias têxteis, de vestuário e calçados, crescentemente pressionadas pela concorrência chinesa; e) petroquímica em alguns países, graças à significativa proteção tarifária; f) indústria de automóvel e de equipamento de transporte, objeto de tratamento protetivo especial, às vezes no contexto de acordos subregionais como o Mercosur. Fora poucas exceções, como a da indústria automobilística, esses não são em geral os tipos de setores que desempenham papel decisivo para aumentar a competitividade internacional por meio da pesquisa e desenvolvimento de produtos e do progresso tecnológico.
            No caso do Brasil, o panorama é mais diversificado, já que o país foi capaz de preservar estrutura industrial bem mais ampla e completa do que na maioria de outras nações do continente. Essa estrutura, felizmente para nós, inclui até mesmo um setor bastante razoável de bens de capital, maquinária e equipamento. Alguns ou muitos desses setores sofrem hoje outro tipo de “choque de competição”, o da concorrência chinesa, que opera como uma espécie de segunda geração de pressões e desafios em relação ao primeiro impacto da liberalização dos anos 90s. A sobrevivência até o instante de base industrial mais diversificada no Brasil é razão a mais para identificar políticas e medidas de indiscutível qualidade econômica, que sejam capazes de evitar que a indústria, sobrevivente do primeiro choque, não se afogue agora no segundo.
            O processo de rápida liberalização produziu na América Latina dois padrões específicos, mas contrastantes na especialização industrial. Os países mais estreitamente ligados ao mercado dos Estados Unidos, seja pela vizinhança geográfica, seja por acordos comerciais, se concentraram nas indústrias de linha de montagem tipo maquiladoras que produzem quase exclusivamente para o mercado americano ou para reexportação para terceiros a partir dos EUA, criando empregos de baixa especialização e modestos salários. Por outro lado, as economias da América do Sul tais como as da Argentina, do Chile e, com as qualificações e diferenças acima expostas, no exemplo particular do Brasil, expandiram as indústrias baseadas em recursos naturais, aumentando a intensidade em capital de tais atividades, mas sem impacto correspondente na geração de empregos. Ambos os tipos de atividades possuem conteúdo relativamente baixo de valor agregado interno e nenhuma delas proporciona o gênero de transformação da produção nacional e do padrão exportador capaz de fazer do comércio um motor de crescimento.

O que fazer? 
Acima de tudo, evitar fórmulas simplistas e simplórias. Como, por exemplo, a do famoso “choque de competitividade” de vez em quando ressuscitada por assessores do Ministério da Fazenda e gente vinculada ao mercado financeiro. A última versão foi a da redução substancial das tarifas industriais.  Embora pareça supérfluo, não custa repetir que é absurdo falar de “choque de competitividade” no momento em que o setor produtivo enfrenta no Brasil condições incomensuravelmente mais adversas do que os concorrentes potenciais em todos os fatores-chaves determinantes da competitividade internacional, a saber, a taxa de juros, a taxa de câmbio, a carga tributária e o custo de transação resultante da infraestrutura de serviços.
Um fenômeno de causas tão complexas e variadas como é a desindustrialização precoce só poderá ser combatido por terapêutica igualmente diversificada, que contenha ingredientes capazes de atacar as raízes macroeconômicas descritas acima, assim como os problemas de diferente natureza aqui exemplificados na área de ciência e tecnologia, de pesquisa e desenvolvimento de produtos, de inovação etc. Identificar os diversos componentes de tal terapêutica é precisamente o objetivo do seminário que se realizará na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), no próximo dia 28 de novembro. Nessa ocasião, um dos mais importantes objetivos seria estimular um esforço sistemático e constante com vistas a valorizar o papel transformador e de liderança da indústria manufatureira no processo de desenvolvimento, reatando com a tradição de pioneiros como Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi. Para isso, será indispensável reagir contra o verdadeiro preconceito que, consciente ou inconscientemente, se criou contra o setor, voltando a dar-lhe condições normais para poder concorrer internacionalmente e sobreviver no âmbito interno.
Um elemento indispensável em tal sentido é uma estratégia para as negociações internacionais que não aumente ainda mais as dificuldades que já enfrenta em função das condições hostis de juros, câmbio e tributos internos. Esse perigo existe não só nas negociações de acordos de livre comércio como nas da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Nestas últimas, ficou claro nas semanas recentes que a tática dos “usual suspects” em matéria de protecionismo agrícola (França et caterva) é repetir o bem-sucedido jogo utilizado na Rodada Uruguai: alegar a impossibilidade de qualquer movimento em agricultura se não houver antes concessões substanciais do Brasil principalmente, da India e de alguns outros em NAMA ou Non-Agricultural Market Access, isto é, em produtos industriais (e também em serviços). Conforme se sabe, pagamos, naquela ocasião, preço altíssimo em reduções tarifárias industriais, propriedade intelectual, medidas de investimento relacionadas ao comércio (como a proibição do conteúdo local ou índice de nacionalização no processo manufatureiro), em perda de flexibilidade ou “policy space” para adotar políticas de estímulo à indústria, de amplo e irrestrito uso pelos países avançados quando ainda se encontravam em fase de industrialização. Nossos ganhos em agricultura, em compensação, foram modestos e mais conceituais do que concretos.
No momento, algumas das fórmulas propostas em Genebra por países desenvolvidos implicariam reduções, da parte de países em desenvolvimento, de mais de dois terços na média ponderada das tarifas aplicadas e de mais de três quartos dos níveis atuais da média ponderada de suas tarifas consolidadas. Conforme tem sido demonstrado nos estudos recentes dos economistas da UNCTAD, S.F.Fernández de Cordoba, Sam Laird e David Vanzetti, tais reduções constituiriam cortes incomparavelmente mais profundos do que os efetivados pelos principais países ricos ao longo dos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial. A experiência histórica indica que, no processo de industrialização, o que conta não é tanto o nível médio das tarifas, mas seu perfil setorial. A tarifa ideal é a desenhada para proteger o processo de aprendizagem e de aquisição de competitividade nos setores dinâmicos, não nas indústrias em declínio. Um dos fatores que diferenciaram a Coréia do Sul e Taiwan e explicam o êxito da industrialização dessas duas economias foi justamente uma estrutura tarifária racional inspirada no princípio da proteção seletiva e temporária (Yilmaz Akyuz, The WTO Negotiations on Industrial Tariffs: What is at Stake for Developing Countries, TWN, Penang, Malaysia, 2005).
Essa verdade nos aconselha extrema cautela nas atuais negociações, uma vez que as fórmulas mais favorecidas pelos negociadores representariam perdas substanciais e súbitas de proteção em setores como o automobilístico e o eletrônico, exatamente os que apresentam as características desejáveis de dinamismo e alta capacidade multiplicadora de efeitos benéficos para a indústria como um todo. 
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Nota: Salvo algumas observações pessoais, sobretudo em relação ao Brasil, o presente trabalho é, em grande parte, extraído do 2003 Trade and Development Report da UNCTAD, época em que desempenhei as funções de Secretário Geral da Organização. Busquei aqui organizar e sintetizar as principais teses e demonstrações do relatório, com ênfase nos capítulos IV (Economic Growth and Capital Accumulation), V (Industrialization, Trade and Structural Change), e VI (Policy Reforms and Economic Performance: the Latin American Experience). O mérito do trabalho cabe aos redatores do relatório, dentre os quais o Dr. Yilmaz Akyuz, então Diretor da Divisão sobre Globalização e Estratégias de Desenvolvimento e Chief Economist da UNCTAD e a seus principais colaboradores, Richard Kozul-Wright e Jorg Meyer.