O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 11 de maio de 2013

Brasil: uma economia inflacionada - Editorial O Globo

Ah, essa mídia conservadora, ah, esses jornalões reacionários, ah, essa imprensa golpista, ah, esses companheiros inguinorantis...
Paulo Roberto de Almeida


A persistência da inflação (Editorial)

O Globo, 10/05/2013
Na visão otimista de Brasília, a inflação, depois de ultrapassar o limite superior da meta (6,5%), com 6,59%, recuará. De fato, mas o 0,55% do IPCA de abril veio acima das previsões, subiu em relação a março (0,47%) e, assim, o índice em 12 meses recuou menos que o esperado, estacionando na fronteira dos 6,49%.
O centro da meta, de 4,5%, continua distante, e as melhores expectativas apontam para um índice pouco acima de 5% este ano, ainda alto.
O Banco Central saiu da letargia na última reunião do Copom, elevou os juros básicos (Selic) em 0,25 ponto, para 7,5%, por não desconhecer como a persistência de uma inflação elevada, numa economia ainda bastante indexada, pode deteriorar as expectativas e manter os preços sob pressão.


O momento é cada vez mais de escolhas do governo. É evidente a tentação de manter o mercado de trabalho aquecido com vistas às eleições do ano que vem. Porém, num quadro de quase pleno emprego, o crescimento dos salários acima da produtividade deprime a indústria — o setor deu sinais de vida em março, porém, em relação ao mesmo mês do ano passado, continua com números negativos (retração de 3,3%). Faz com que “vaze” demanda para as importações, ajudando a desequilibrar a balança comercial. E, por paradoxal que seja, isto contribui para mais um “pibinho”.
Além de tudo, impulsiona a inflação nos serviços. Em abril, este item do IPCA subiu 0,54%, mais que a média. Em bases anualizadas, a alta é de 8,13%. Com os salários em ascensão, e sem que haja concorrência externa — não se importam manicures, oficinas etc. —, os serviços ostentam razoável fôlego para se tornar mais caros.
Pelo menos até agora, a aposta oficial na redução da pressão vinda dos alimentos ainda não se confirma na dimensão esperada. Há retrações, mas o encarecimento de vários produtos funciona como um anteparo às quedas. Só em abril, por exemplo, a batata inglesa deu um salto de 60,4%.
No saldo final deste surto de inflação são punidas as famílias mais pobres, clássicas vítimas da carestia na alimentação. Aquelas, por ironia, com as quais o governo conta para a reeleição de Dilma.
Diretores do BC têm procurado reafirmar o compromisso da instituição com a defesa do poder aquisitivo da moeda — é o que se espera de um banco central. Justifica-se, porém, o mantra devido ao déficit de credibilidade na autonomia da instituição. A próxima reunião do Copom, na última semana do mês, será novo teste para o BC.
Fica claro que se trata de uma falácia o argumento de que a inflação brasileira foi impulsionada pela quebra de safras americanas e em outras regiões do mundo. Afinal, este impacto inflacionário não se observou nos demais países. As causas são mais internas que externas.

Brasil: uma economia tropega (o Estadao acha que o governo esta' bebado...)

Eu também acho, mas é de euforia. Eles acham que conseguiram derrubar o desemprego e eliminar a miséria.
As piores decepções são as menos esperadas, que chegam assim de surpresa.
Keynesianos de botequim, aliás, fazem o que outros frequentadores fazem em botequins: bebem...
Vai ver que é isso...
Mas o Estadão é maldoso...
Paulo Roberto de Almeida


Grandão e desajeitado

08 de maio de 2013 | 2h 04
Editorial O Estado de S.Paulo
O Brasil, maior economia da América Latina, crescerá menos que a maior parte dos países da região em 2013 e 2014, continuará com uma das inflações mais altas e permanecerá como o campeão latino-americano do endividamento público.
Essas projeções são do Fundo Monetário Internacional (FMI) e aparecem no Panorama Econômico Regional divulgado na segunda-feira. O contraste entre o Brasil e os países mais dinâmicos aparece em quase todos os passos da análise, geralmente com desvantagem para o lado brasileiro.
A presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros deveriam ler com atenção, por exemplo, as observações a respeito de inflação e juros. "Países com inflação relativamente alta (Brasil e Uruguai), ou com fortes pressões sobre a capacidade produtiva, podem precisar de um aperto em suas políticas para manter a estabilidade econômica. Países com expectativas de inflação bem ancoradas podem cortar as taxas até abaixo do nível neutro, para sustentar a atividade no caso de uma desaceleração."
Os autores do relatório tocam no ponto relevante. Não cometem a tolice de comparar taxas de juros mais ou menos altas sem levar em conta outros aspectos da economia, como se faz em Brasília. Comparam, sim, países com diferentes níveis de inflação e, além disso, com expectativas bem ou mal ancoradas. Só para lembrar: expectativas bem ancoradas contribuem para conter a inflação mesmo quando sobra dinheiro no mercado, como ocorre em economias desenvolvidas.
Isso depende da confiança que as pessoas têm no compromisso dos governos - especialmente dos bancos centrais - com a estabilidade de preços. O caso brasileiro é muito diferente. A presidente Dilma Rousseff continua a atribuir a seu governo a glória de haver reduzido os juros. Em seu julgamento, isso deve ser muito mais importante que reduzir a inflação, até porque os preços continuam subindo, no Brasil, muito mais do que em muitos países vizinhos.
Essa distorção de valores e de objetivos seria menos perigosa e afetaria menos a expectativa de produtores, consumidores e investidores, se houvesse mais confiança na autonomia do Banco Central (BC). Dirigentes do BC, no entanto, contribuíram a partir de 2011 para minar essa confiança. Não há - para continuar usando o jargão dos especialistas - condições para ancoragem da expectativa dos participantes do jogo econômico.
A análise é muito mais clara e sensata que as explicações das autoridades brasileiras quando se trata de explicar a alta de preços. "No Brasil, a inflação subiu a partir de meados de 2012, refletindo o forte aumento de salários, as limitações de capacidade de alguns setores e a depreciação cambial do período anterior." O documento menciona, além disso, uma particularidade muito importante, o aumento real de salários superior aos ganhos de produtividade. Esse é um bem conhecido fator inflacionário. Os autores do relatório poderiam tê-lo incluído, também, entre as várias causas da perda de competitividade.
Em vários países latino-americanos a oferta de mão de obra tem sido apertada e o desemprego tem caído a níveis muito baixos na maior parte das economias, segundo o Panorama. O Brasil, no entanto, é o único exemplo citado, quando se comparam os aumentos reais de salários e os ganhos de eficiência.
Segundo o documento, a economia brasileira crescerá 3% neste ano e 4% no próximo, com inflação de 5,5% e 4,5% em cada um dos períodos. Chile, Colômbia, Paraguai e Peru terão taxas de expansão econômica entre 4,1% (Colômbia) e 11% (Paraguai) neste ano e entre 4,5% (Colômbia) e 6,1% (Peru) em 2014. Só o Paraguai deve ter inflação maior que a brasileira (5% em cada ano), mas com um crescimento acumulado muito maior a partir de 2010.
A dívida bruta brasileira deverá cair de 67,2% do PIB neste ano para 65,9% em 2014. A média prevista para a América Latina em 2013 é de 50,9%. Para o próximo ano, de 50,3%. Em alguns dos países mais dinâmicos os níveis são muito mais baixos - por exemplo, 17,5 % e 16,7% no Peru e 11,1% e 11,4% no Chile.

Brazilian Journal of International Relations - vol. 2, n. 1 (2013)


Anunciando uma boa iniciativa: 
Mas corrijo: não se trata do último número da revista (a menos que eles pretendam fechá-la) e sim do mais recente, do atual, do corrente, etc. etc. etc.
Isso acontece...
Paulo Roberto de Almeida 

Caros leitores,

Brazilian Journal of International Relations acaba de publicar seu último número em http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/bjir. Convidamos
a navegar no sumário da revista para acessar os artigos e itens de
interesse.

Agradecemos seu interesse em nosso trabalho,
Camilla Geraldello
Secretária da Brazilian Journal of International Relations - BJIR

Brazilian Journal of International Relations
Vol. 2, No 1 (2013)
Sumário

Apresentação
--------
Apresentação
Marcelo Fernandes de Oliveira, Rafael Salatini

--------
Colaboradores
Laila Monteverde

Artigos
--------
Enseñanza, Investigación y Política Internacional (TRIP) en América
Latina (9-50)
Arlene B. Tickner, Carolina Cepeda, José Luis Bernal

Trade Disputes between China and the United States: growing pains so far,
worse ahead? (51-115)
Gary Clyde Gary Clyde Hufbauer, Jared C. Woollacott

História, Instituições e Rentismo: entraves ao desenvolvimento
econômico venezuelano (116-143)
Ademil Lucio Lopes

O Tema da Paz Perpétua (144-162)
Rafael Salatini

Fichte, a Revolução Francesa e o ideal da Paz Perpétua (163-222)
Domenico Losurdo

Resenhas
--------
Desmistificando Historicamente o Discurso Norte-americano (223-227)
Rodrigo Duarte Fernandes Passos
________________________________________________________________________
Brazilian Journal of International Relations

O Brasil a caminho da derrocada fiscal, deliberadamente - Rogério Furquim Werneck

O Brasil está a caminho de uma crise fiscal, ou de uma crise de transações correntes, ou ambos, o que vier antes...
E o pior é que é deliberado, ou seja, já nem se vê mais os antigos disfarces de antigamente (de poucos anos atrás), quando se aumentava o gasto público mas de maneira discreta, quase envergonhada, dizendo que se pretendia preservar as metas fiscais de pelo menos 3,1% do PIB ou algo próximo disso (e vejam que essa proporção de superávit primário não permite sequer pagar todos os juros da dívida pública, que sempre fica acima disso).
Agora, já sabemos, o governo não pretende mesmo manter disciplina fiscal, e sim gastar por conta. Por conta não se sabe bem do que, já que não consegue, justamente, pagar todos os juros da dívida, que vem aumentando gradativamente, sendo que um terço disso está em poder do Banco Central, algo que em outros países é proibido.
Tem também a deterioração rápida das transações correntes, pela redução (ou talvez até eliminação) do saldo comercial. Se os investimentos diretos não forem suficientes, vamos recorrer às reservas internacionais, mas esse dinheiro pode acabar rápido, pois quando os investidores estrangeiros perceberem que o governo está justamente gastando por conta e avançando sobre as reservas, vão sair rapidamente para evitar de perder dinheiro com a desvalorização (em princípio assegurada pelo regime de flutuação, mas nem isso sabemos se vai ser cumprido).
Ou seja, de todos os elementos estabelecidos no final dos anos 1990, o famoso tripé de 1999 -- metas de inflação, superávit primário, e responsabilidade fiscal, que vai junto, e o câmbio flutuante -- já não sobra mais nada, nadicas de peteberebas.
Os keynesianos de botequim que nos governam ainda vão conseguir afundar este país...
Paulo Roberto de Almeida 


Rogério Furquim Werneck, O Globo
Está em curso uma alarmante escalada no processo de demolição institucional que, já há algum tempo, vem botando abaixo o arcabouço que sustentou a condução da política fiscal ao longo dos últimos 15 anos.
Em entrevista publicada no “Valor” em 29/4, véspera da divulgação do desastroso desempenho das contas públicas em março, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, anunciou com todas as letras que o governo deixou de trabalhar com uma meta rígida para o superávit primário, para poder ter “liberdade” para conduzir uma política fiscal mais contracionista ou expansionista, “dependendo do momento”.
Anunciou também que o novo arranjo de condução da política fiscal, já em vigor em 2013, será mantido, não só em 2014, como no próximo mandato, caso a presidente seja reeleita.
O anúncio merece toda a atenção. Afinal, o que se noticia (“Folha de S.Paulo”, 4/5) é que o secretário do Tesouro vem tendo crescente ascendência sobre a presidente e papel ativo nas articulações para a reeleição, devendo integrar a futura coordenação da campanha eleitoral.
Encarregado de conceber a “plataforma econômica para o segundo mandato”, o secretário vem sendo visto como o provável sucessor do ministro Guido Mantega.
Na verdade, o novo arranjo é ainda pior do que pode parecer à primeira vista. A ideia, esclareceu o secretário, não é eliminar a meta de 3,1% do PIB para o superávit primário do setor público e, sim, dar às autoridades fazendárias liberdade para descumpri-la na extensão que julgarem razoável, ao sabor dos acontecimentos.
A meta permaneceria como uma miragem a que o Banco Central, por exemplo, poderia continuar a fazer menção, ao explicitar as premissas sobre política fiscal que estariam pautando a condução da política monetária.
As declarações do secretário deixaram patente a desarticulação que hoje se observa entre a política monetária e a política fiscal. Num momento em que o Banco Central está supostamente empenhado em elevar a taxa de juros para conter a demanda agregada, o secretário se diz convencido de que a economia precisa ser estimulada pelo lado fiscal.
Tendo relaxado de várias formas as restrições fiscais dos governos subnacionais, o Tesouro anunciou há algumas semanas que não pretendia compensar o não cumprimento de metas de superávit fiscal pelos Estados e municípios. Mas, agora, o secretário informou que, quando uma política expansionista se fizer necessária, o Tesouro estará pronto a facilitar a expansão fiscal dos estados e municípios, já que não faria sentido que o gasto público aumentasse num nível da federação e caísse em outro.
Um arranjo de política fiscal contracíclica, seriamente concebido, que desse a devida importância à sustentabilidade fiscal, representaria grande avanço na condução da política macroecômica no país. Mas não é bem isso que o governo tem em mente.
O que o secretário quer vender como política fiscal contracíclica é só a falta explícita de compromisso com metas e regras de qualquer espécie. E a possibilidade de racionalizar qualquer desempenho fiscal, a posteriori, com uma boa história de última hora sobre política de demanda agregada.
Em países onde a política fiscal contracíclica tem sido conduzida com seriedade, as autoridades fazendárias são pautadas por metas de médio prazo, regras fiscais claras e exigências de transparência que asseguram previsibilidade e possibilidade de aferição objetiva de desempenho.
A condução da política contracíclica pode ser monitorada pelos agentes econômicos e devidamente levada em conta pelo Banco Central. Algo bem diferente da simples declaração de descompromisso com restrições à política fiscal que acaba de ser feita pelo Tesouro.
No arranjo totalmente discricionário agora instaurado, o secretário do Tesouro conduzirá a política fiscal como bem entender. Uma perspectiva que se afigura ainda mais preocupante, quando se tem em conta a visão primitiva e insensata das questões fiscais que têm pautado a atuação de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (9, final) Paulo Roberto de Almeida


Continuação do post anterior e conclusão

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (9, final)
Paulo Roberto de Almeida
(...)


Uma última análise subjetiva da questão da luta armada
Infelizmente, a questão da luta armada no Brasil ainda não faz parte da História, ou pelo menos resiste a recolher-se à sua dimensão histórica objetiva, sendo ainda objeto de embates políticos e de tentativas de reescrita da história. A razão é a mesma já apontada anteriormente: os derrotados vingativos chegaram ao poder e pretendem se vingar de seus supostos algozes, se preciso for deformando a história e manipulando os acordos políticos já realizados durante a transição quase consensual da democratização.
De certa forma, elas já detém o monopólio da historiografia, como pode ser constatado por inúmeros exemplos da literatura didática e mesmo de livros que passam por sérios tratando do período. Os escribas universitários, não apenas os declaradamente de esquerda ou simplesmente progressistas, já internalizaram uma versão da história política brasileira, dos anos 1960 em diante, que transforma o período em uma oposição de preto e branco, uma interpretação maniqueísta que transforma os militares em servos da burguesia e do imperialismo, e os “resistentes” como bravos e impolutos defensores da democracia e lutadores desprendidos em prol das liberdades. A contrafação da história real é evidente, mas ela vem sendo servida durante muito tempo, inclusive no curso do próprio período militar, para não se impor como verdade para grande parte do povo brasileiro, jovens que nunca viveram aquele período que tendem naturalmente a acreditar nessa versão da luta dos bons contra os maus.
A “Comissão da Verdade” não constitui senão mais uma tentativa de impor essa versão à sociedade atual, pelos remanescentes dos derrotados de outrora. Faz parte, como outras iniciativas – como a “indústria” das indenizações –, das farsas montadas para alterar a história e obter ganhos políticos, quando não materiais, aos que ainda tentam fazer do Brasil outra coisa que não uma grande democracia de mercado. A chamada “relação de forças” pode dar aos derrotados vingativos algumas compensações temporárias, e é por isso que o trabalho didático de esclarecimento se revela importante pelo simples dever de respeitar a verdade dos fatos e defender a integridade intelectual dos que estão efetivamente comprometidos com a causa da democracia e das liberdades no Brasil. Como protagonista menor, e totalmente sem importância, da voragem de insanidade temporária que se abateu sobre o Brasil, entre meados dos anos 1960 e meados da década seguinte, meu dever era o de testemunhar. É o que fiz agora.

Paulo Roberto de Almeida - Hartford, 8 março de 2013

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (8) - Paulo Roberto de Almeida

Continuação do post anterior

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (8)
Paulo Roberto de Almeida
(...)


Onde a luta armada se desenvolveu? A “geografia humana” da luta armada é feita, basicamente, de idealistas de classe média guiados por uma adesão equivocada a certas causas – basicamente as da revolução cubana, mais até do que a do socialismo de inspiração soviética – e de alguns egressos do comunismo histórico, seduzidos pelo chamamento e o apoio cubano a um grande empreendimento que se pretendia de libertação do continente do latifundismo, do imperialismo e, em última instância, da burguesia capitalista. Ela raramente envolveu legítimos trabalhadores – senão alguns poucos “líderes” sindicais já adquiridos à ação militante, de natureza política, não exatamente sindical – e menos ainda camponeses típicos, senão alguns poucos agitadores políticos que já tinham base em zonas rurais. Ela foi basicamente urbana.
Foi um fenômeno essencialmente de, e restrito à classe média, em algumas metrópoles brasileiras, recrutando adeptos no mesmo universo de universitários conquistados às teses leninistas ou gramscianas, e emocionalmente estimulados pela epopeia vitoriosa – em grande medida romantizada e idealizada – dos revolucionários cubanos. Creio poder dizer que sou um típico representante dessas camadas de estudantes “revoltados” que viam na luta armada não apenas – ou talvez não exclusivamente – o meio de “libertar o Brasil dos generais gorilas”, mas basicamente uma via romântica de atuação política-prática, seguindo o exemplo daquele pequeno grupo de bravos guerrilheiros que conduziram uma luta exemplar até a vitória. Essa perspectiva da “tomada do poder” por colunas guerrilheiras, secundadas, no momento decisivo, por uma greve geral da população contra a ditadura opressiva, fazia parte do universo mental de todo candidato a guerrilheiro urbano, que forneceu, de modo geral, 90% do contingente humano para a luta armada (o experimento do PCdoB nas selvas do Araguaia jamais assumiu proporções significativas, em termos humanos e materiais, e nunca teria tido qualquer influência no debate político contemporâneo, se esse partido não fosse constituído de fundamentalistas devotados às suas causas esquizofrênicas).
Como a luta armada se desenvolveu? Jamais de forma coordenada, unificada ou organizada, de forma a representar um risco real para o governo, ou o próprio regime. Foram impulsos isolados, dispersos, desorganizados, improvisados, ao sabor das decisões dos líderes que se sucediam, alguns “históricos”, outros que ascenderam na própria luta armada, sem qualquer formação política especial – foi o caso de Lamarca, por exemplo, ou de alguns outros chefes “guerrilheiros”, que “subiram” na hierarquia por via de sequestros e assaltos a bancos. Era uma clara aventura, levada muito a sério pelos militares, que sempre tendem a maximizar a dimensão dos perigos, por instinto natural e pelo claro desafio à sua autoridade.
Os militares “overreacted” aos pequenos bandos de guerrilheiros armados que os desafiaram? Possivelmente, sim, e teriam provavelmente obtido os mesmos resultados com um pouco mais de inteligência e menos força bruta. Eles tinham razão em chamar os cowboys travestidos de guerrilheiros de “terroristas”? Efetivamente não, embora alguns o fossem, mas a maioria não o era. A guerrilha estava condenada, desde o início, a ser o que sempre foi: ações isoladas de cowboys do asfalto, incapazes de assumir o comando de qualquer movimento relevante de oposição ao governo militar, com um registro de algumas ações espetaculares, mas incapazes, por si só, de mobilizar o apoio da população para suas causas bizarras. A “luta contra a ditadura” era uma realidade apenas para uma minoria extremamente reduzida de uma fração também muito reduzida da classe média instruída, ou seja, um punhado de “patriotas equivocados”, como a eles se referia o Partidão. Nunca passaram disso, e seu movimento teria se estiolado, como ocorreu em diversos países europeus na mesma época – que não extravasaram nos métodos repressivos como no Brasil – na absoluta indiferença, e provavelmente até no repúdio, da maioria da população.
Como essas ações marginais vieram a assumir a dimensão que tiveram, seja na historiografia, seja na política prática do Brasil atual, estas são questões que merecem argumentos mais extensos que me eximo de adiantar aqui. Elas podem ser explicadas, porém, pelo absoluto monopólio de que gozam os escribas gramscianos no ambiente acadêmico – eles foram derrotados, historicamente, mas se encarregaram de escrever a sua própria história, deformando-a – e também pelo fato de que as forças, tendências, ideologias e personalidades derrotadas durante o período militar finalmente chegaram ao poder e tratam, agora, de reconstruir seus equívocos apresentando-os como algo que não foram, ou seja, uma luta em favor da democracia. Trata-se, portanto, de uma imensa deformação da história, agora conduzida porque temos no poder justamente aqueles a quem designei de derrotados vingativos.
E por que tivemos luta armada no Brasil? Como já evidenciei anteriormente, ela jamais teria existido na sequência “normal” do processo político brasileiro, mesmo em situação de “golpe militar”, ou de “ditadura”? Como consagrado em outro tipo de literatura – em obras menos passionais, de brasilianistas, por exemplo – existia já uma tradição de intervenção militar na política doméstica, e não se pode dizer que o mores político brasileiro fosse naturalmente democrático e civilista. As tradições positivistas, castilhistas, comtianas, e até fascistas, ou pelo menos corporativas, existiam desde até antes da República e na maior parte desta não se conheceu, de verdade, um sistema de representação política, aberta, transparente, accountable, enfim, democrático. Tanto quanto os militares, os líderes de esquerda também eram autoritários, quando não totalitários, e em nome da democracia pretendiam, na verdade, implantar um regime de “ditadura do proletariado”, ou o que lhe fosse equivalente, segundo as possibilidades e arranjos da fase “pós-burguesa”, que de todo modo se pensava superar rapidamente. Creio que não existe nenhuma dúvida quanto a isso, e desafio qualquer saudosista dos movimentos armados a me provar que se pretendia implantar no Brasil um sistema liberal, de livre competição política com partidos “burgueses”: se tratava justamente do contrário, de assegurar o predomínio da causa proletária ou alguma variante disso.
O mais importante, porém, e isso é preciso ressaltar sempre, é que ela não teria existindo sem o impulso, o apoio, ou praticamente o apelo dos dirigentes cubanos, para que seus verdadeiros amigos do continente empreendessem, rapidamente, outros processos revolucionários, com vistas a romper o isolamento cubano. O mesmo fenômeno ocorreu no início da revolução bolchevique, quando líderes como Lênin e Trotsky trataram de impulsionar a revolução comunista na Alemanha e em outros países, para romper o “cerco imperialista” ao regime bolchevique; a Terceira Internacional foi constituída justamente para isso e por isso, e foi em função de suas diretivas, e ordens diretas, que Prestes empreendeu a sua patética (mas traumática) intentona no final de 1935. O PCB era, até 1961, o Partido Comunista do Brasil, como o Komintern tinha exigido que se chamassem as “seções nacionais” da III Internacional. A revolução cubana tendeu recriar essas estruturas através da OLAS e da OPANAL, mas eram iniciativas totalmente artificiais, no contexto dos países latino-americanos, como foram artificiais, e por isso derrotadas, as aventuras guerrilheiras de inspiração castrista e guevarista em diversos países da região.
Não importa quais fossem as especificidades nacionais, o fato é que a luta armada no Brasil foi um empreendimento nacional, mas basicamente impulsionado de fora, com dinheiro, treinamento e suporte logístico vindos de fora, essencialmente dos amigos cubanos (que podiam repassar alguns recursos soviéticos, que sempre quiseram estar no comando de várias frentes de combate). O apoio cubano extravasou, aliás, o simples financiamento da guerrilha, e se manifestou, durante muito tempo, em diversas outras “frentes de trabalho”, algumas não de todo reveladas, ainda – embora não desconhecidas – e que poderão vir a público se a inteligência cubana não tiver tempo de destruir os seus arquivos antes da derrocada final daquele regime moribundo. Esta é uma realidade que muitos dos companheiros atuais não gostam de admitir, mas que eles sabem ser verdade, como o sabem também os órgãos de inteligência do Brasil. O dia em que a história for escrita, em todos os seus matizes e com todas as suas fontes, esses aspectos poderão aparecer em toda a sua luminosidade obscura, se ouso o trocadilho.

(Continua... e termina.) 


A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (7) - Paulo Roberto de Almeida

Continuação do post anterior

A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (7)
Paulo Roberto de Almeida
(...)


Vamos tentar proceder de maneira sistemática para tornar o debate mais racional. Podemos, por exemplo, abordar a questão por meio das perguntas clássicas dos jornalistas, que também servem, com o acréscimo final da análise interpretativa, de guia para o historiador de um fato ou processo objetivo qualquer: o que, quando, onde, como e por que?
O que foi a luta armada no Brasil? Ela foi um empreendimento essencialmente artificial, conduzido por um reduzido número de militantes radicais que, interpretando mal os sinais de descontentamento de certa fração da comunidade politizada que tinha sido alijada do poder com a derrocada (quase sem traumas) do incompetente governo do presidente Goulart, resolveu passar à “ação”, não para se encaixar numa continuidade que poderia ser considerada “natural” da luta política – ou seja, um exercício de “resistência” incontornável em face de uma situação absolutamente opressiva – mas para atender a estímulos vindos de fora, basicamente das lideranças cubanas. Não havia, nem nunca houve sob o regime militar, um fechamento completo de todas as possibilidades de resistência e de luta política contra o governo, como o provam as inúmeras ações, processos e coalizões que se formaram para combatê-lo, seja por parte de forças políticas temporariamente alijadas do poder, seja ainda por frações da própria esquerda tradicional (o Partidão, por exemplo, que sempre condenou as ações dos guerrilheiros, chamando-os de “patriotas equivocados”).
Em outros termos, a luta armada não correspondia ao desdobramento natural, e necessário, em face de uma situação de bloqueio de todas as demais possibilidades de luta política para que fossem atingidos os fins pretendidos, sejam estes a “volta à democracia” – como alegam, hoje, mentirosamente, os derrotados vingativos –, sejam eles qualquer forma de “democracia popular” (como, aliás, vem ocorrendo hoje em diversos países da América Latina, pelo voto livre da população). O Brasil certamente não era a Argélia dos anos 1950, quando todas as possibilidades de autonomia tinham sido fechadas pelo colonizador; nem uma tirania despótica, como certos regimes asiáticos, ou mesmo latino-americanos, cuja caricatura foi feita em ampla literatura sobre os “supremos ditadores” da região. O Brasil dos militares era um regime modernizador autoritário, à la Bismarck, como aliás caracterizado em trabalhos de brasilianistas e como, justamente, consideravam ser uma “via rápida” e aceitável de modernização “pelo alto” personalidades da esquerda como Hélio Jaguaribe, por sinal exilado durante algum tempo por sua identificação com o governo anterior.
A luta armada no Brasil não se colocou, portanto, como a única via de luta política contra o regime militar e ela só veio a existir pela análise fundamentalmente errada que fizeram de sua dinâmica alguns líderes radicais da esquerda brasileira e pelo estímulo oportunista – pela sua própria necessidade de sobrevivência, num contexto relativamente hostil – que lhe deram os líderes comunistas cubanos. Sem esses dois elementos, o do equívoco de análise e o dos meios materiais e o incentivo político dos líderes cubanos – aliás muito admirados, e não só pelos engajados na luta armada, como por largas frações da juventude e da opinião pública mal informada, como até hoje, por sinal – a luta armada provavelmente jamais teria existido no Brasil.
Quando ela se desenvolveu? Praticamente desde o início – por despeito de líderes que se pretendiam maiores do que efetivamente eram, como Brizola, por exemplo – e bem antes, em 1965 para ser mais exato, quando o regime estava longe de ser aquele monstro repressivo apontado numa historiografia enviesada, totalmente equivocada e, de fato, intelectualmente desonesta em relação à verdade. A repressão do regime militar se desenvolveu depois, não antes, que a guerrilha urbana começasse suas ações, e esteve em atraso durante praticamente dois anos, até que sua organização tardia passasse a demonstrar alguma efetividade prática. Ou seja, não foi a repressão política do regime que provocou a guerrilha supostamente de resistência contra um “governo opressivo”, e sim o deslanche de operações armadas, quando o governo tentava uma espécie de “reconstitucionalização” do regime – por meio da nova Carta aprovada em 1967 – que incitou, na verdade obrigou, o governo a reagir contra os grupos armados. Essa cronologia, absolutamente objetiva e aderente aos fatos, precisa ser lembrada, para que os derrotados vingativos não aleguem que não lhes restava outra opção (de luta política) que a luta armada contra um regime ditatorial.
Os militares brasileiros nunca foram os golpistas tirânicos ou despóticos que essa historiografia maldosa insiste em proclamar. Desde o início de seu envolvimento nos processos de governança – praticamente com o golpe militar que derrocou a monarquia, aliás sem o desejar, e inaugurou a República – as forças armadas, por vias institucionais, ou por revoltas de oficiais subalternos, sempre buscaram atender aos reclamos de uma classe média desejosa de mais liberdade, mais transparência política, mais honestidade eleitoral e, sobretudo, de preservação da ordem e dos fundamentos mínimos da normalidade política e econômica. Foi assim nas revoltas dos anos 1920, na sua posição “atentista” em relação à revolução da Aliança Liberal em 1930, na defesa da unidade nacional em 1932, na intentona comandada do exterior em 1935, na derrocada do ditador em 1945, e em algumas ações de estabilização nos anos 1950, antes da decisão (aliás não unânime) de marchar contra o governo em 1964; foi bem menos no golpe estado-novista de 1937 e em algumas revoltas episódicas dos anos 1950, mas sem que o espirito legalista das FFAA deixasse de se manifestar, sempre em defesa da ordem e da unidade nacional. Mesmo durante o regime “militar” de 1964 a 1985, o registro é de uma predominância civil nos gabinetes e um cuidado legalista bastante pronunciado, com a emissão de atos institucionais em conjunturas precisas, sem o arbítrio (e até a selvageria) a que se assistiu em diversos outros episódios de triste memória na história de nossos vizinhos latino-americanos. De forma geral, não há comparação possível entre a chamada “ditabranda” brasileira – apenas episodicamente mais dura – e as ferozes ditaduras militares em alguns desses países, como tampouco há qualquer similitude, absoluta ou relativa, entre o número de “vítimas” que se pode honestamente computar num e noutros casos.

(Continua...)