O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

terça-feira, 18 de julho de 2006

588) Parceiros estrategicos: efeitos da China sobre comercio brasileiro de manufaturas

Da Carta do IEDI de 14 de julho de 2006:

Comércio Externo da China: Efeitos Sobre as Exportações Brasileiras

Em texto de discussão recém-publicado pelo IPEA - Comércio Externo da China: Efeitos Sobre as Exportações Brasileiras -, os professores do Instituto de Economia da UFRJ João Bosco Machado e Galeno Tinoco Ferraz apresentam os resultados de ampla pesquisa sobre os riscos representados pelos produtos chineses para as exportações brasileiras tanto no intercâmbio bilateral entre Brasil e China como em outros mercados relevantes.

Além de examinar as principais características do comércio bilateral entre a China e o Brasil no período 1996-2002, o estudo procurou mensurar os ganhos e perdas da competitividade das exportações brasileiras no mercado chinês entre os biênios 1996-1997 e 2001-2002, a partir as estatísticas de comércio exterior da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). Utilizando essa mesma base de dados, os autores examinaram igualmente, os efeitos entre os biênios 1996-1997 e 2001-2002, da concorrência dos produtos chineses sobre as exportações brasileiras dirigidas aos principais parceiros comerciais do Brasil (Estados Unidos, União Européia, Argentina, Japão e bloco Ásia-Pacífico), que, em conjunto, respondiam por cerca de três quartos das vendas externas do Brasil no biênio 2001-2002.

Ainda que os determinantes dos ganhos e perdas de competitividade do Brasil frente à China não sejam discutidos e os dados não incluam o período posterior à adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, os resultados da análise quantitativa são bastante interessantes e mostram que:

O Brasil ocupa apenas a décima oitava posição entre os maiores fornecedores de mercadorias para China, com participação no mercado de cerca de 1,0% no biênio 2001-2002.

Os fluxos de comércio entre o Brasil e China se apóiam em vantagens comparativas clássicas, com predomínio do comércio do tipo interindustrial.

O Brasil exporta para China produtos básicos – soja em grão, minério de ferro, semimanufaturados de ferro e aço, couros e peles - e importa da China produtos finais com maior valor agregado, como computadores, produtos siderúrgicos acabados e calçados.

Ganhos de competitividade de alguns produtos brasileiros exportados para China resultaram, sobretudo, da capacidade de setores produtivos brasileiros em ampliar a oferta e não de uma política de identificação de novas oportunidades comerciais.

Barreiras comerciais não-tarifárias, em particular, sanitárias, constituem, ao lado, das práticas governamentais de apoio à produção local para substituição de importações, os principais obstáculos para a ampliação das exportações brasileiras para a China, mesmo no caso de produtos com vantagens competitivas globais.

O Brasil perdeu competitividade para a China em todos os mercados relevantes analisados no período em exame, à exceção da Argentina, onde as exportações brasileiras se beneficiam, em particular, de vantagens de localização.

As perdas mais relevantes tanto em termos absolutos como em termos relativos foram verificadas no mercado dos Estados Unidos, respectivamente, US$ 611,4 milhões e 6,3% do valor médio das exportações brasileiras para os EUA. As perdas no mercado norte-americano se concentram em cerca de vinte produtos, com destaque para os produtos do setor calçadista, intensivos em trabalho e com baixa intensidade tecnológica.

A competição mais acirrada entre o Brasil e China verifica-se no comércio de produtos semimanufaturados e manufaturados de baixa e de média-baixa intensidade tecnológica.
Embora assinalem que os dados analisados oferecem apenas um retrato do comportamento do comércio no período analisado e não servem como parâmetro para projetar o desempenho comercial futuro, os autores ressaltam que os efeitos da política industrial e comercial chinesa e da estratégia de substituição de importação de produtos manufaturados sobre as exportações brasileiras já visíveis nos setores de couro e calçado e de óleos vegetais devem atingir, em breve, outros setores, como o setor siderúrgico.

Tais impactos não deverão ficar circunscritos às exportações direcionadas ao mercado chinês, afetando também as vendas externas brasileiras em terceiros mercados, em função do acirramento da concorrência com os produtos chineses, a exemplo do que ocorre com as exportações brasileiras de calçados para os Estados Unidos e para União Européia.

Das conclusões do estudo, destaca-se, portanto, o alerta para as autoridades brasileiras: enquanto a China pratica uma política industrial e comercial ativa, lançando mão de um amplo conjunto de instrumentos para promover a produção doméstica e exportações de produtos industrializados, o Brasil parece se contentar em se especializar na produção e exportação de commodities com baixo valor agregado.

A China não constituiu, entretanto, uma ameaça apenas às exportações do Brasil. Como destacam os autores, o que ocorre com a indústria calçadista brasileira, pressionada também no mercado interno pela concorrência dos produtos chineses, pode vir a se repetir no futuro “em outros setores industriais brasileiros, que não somente os intensivos em mão-de-obra. Tal hipótese parece não estar longe da realidade quando se observa que, nos últimos anos, os manufaturados intensivos em trabalho vêm perdendo importância relativa na pauta exportadora chinesa, concomitantemente ao aumento do peso relativo dos produtos intensivos em P&D.” (p. 112-113).

sexta-feira, 14 de julho de 2006

587) Entrevista com embaixador Rubens Ricupero

A América está partida
Por Andréa Wolffenbüttel
Revista Desafios do Desenvolvimento, julho 2006

As tentativas as de ampliação do Mercosul e de criação de uma área sul-americana não deram resultados e parecem estar em declínio e dissolução

O advogado Rubens Ricupero tem vasta experiência em muitas áreas.Perdeu as contas do número de países que visitou e de autoridades com as quais conversou.Professor, embaixador, ex-ministro da Fazenda, ex-secretário do braço da Organização das Nações Unidas que cuida de comércio e desenvolvimento, atual diretor da faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado,de São Paulo, tem cacife para falar sobre política e economia, interna e externa.Nesta entrevista concedida a Desafios,o tema central é a América Latina,que no seu entender passa por um período de desagregação.O cenário observado por Ricupero não é nada bom.Mas ele tem esperança de melhora.

Homem de mil instrumentos

O olhar, de um azul transparente, é tranqüilo. A fala é mansa - em português, francês, inglês, espanhol, italiano ou alemão. Quem passa por ele numa das ruas do bairro de Higienópolis, na capital paulista, onde mora, não diz que Rubens Ricupero, casado, pai de quatro filhos, carrega a bagagem que, de fato, traz nos ombros, na mente e no coração. Em 69 anos de vida, ele fez, e continua a fazer, de tudo. Não é tarefa fácil resumir, em poucas linhas, o currículo do atual diretor da faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado.
Aluno dos cursos de Letras Neolatinas e Economia - que, inquieto, não concluiu -, Ricupero se formou em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Preferiu escapar dos tribunais e se voltou para a carreira de diplomata. Em 1961, quando Juscelino Kubitschek passava o bastão da Presidência da República para Jânio Quadros, estreou como funcionário do Itamaraty. Ali foi, entre outras coisas, chefe da divisão de Difusão Cultural e do Departamento das Américas. Escolhido assessor internacional pelo presidente eleito Tancredo Neves, serviu a seu sucessor, José Sarney. Depois, ocupou as pastas do Meio Ambiente e Assuntos Amazônicos e da Fazenda (quando implantou o Plano Real). Sim, também presidiu o Comitê de Finanças na Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, em 1992, no Rio de Janeiro - a Eco-92.
No exterior, comandou embaixadas brasileiras nos Estados Unidos e na Itália, atuou no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e foi secretário- geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Em sala de aula, ensinou Teoria de Relações Internacionais na Universidade de Brasília e lecionou História das Relações Internacionais do Brasil no Instituto Rio Branco, além de ministrar cursos no Peru, Suriname e Gabão. Nesse universo, mais acadêmico, escreveu vários livros sobre política externa, economia e história. Atualmente, além da faculdade de Economia, dirige o Instituto Fernand Braudel, ONG que realiza pesquisas e debates acerca de problemas brasileiros e latino-americanos. Enfim, dizer que Ricupero é um homem de mil instrumentos talvez seja subestimá-lo.
Desafios - Como o senhor vê o momento político que a América Latina atravessa?
Ricupero - Vejo um panorama de fragmentação. Não existe uma proposta agregadora de caráter construtivo nem temas unificadores, como havia na época da Guerra Fria,quando a guerrilha eclodiu na América Central e se falava nos perigos da influência cubana. Eram questões de caráter conflituoso, mas que causavam, senão unanimidade, pelo menos o surgimento de grandes maiorias. Atualmente, a multiplicação de encontros de cúpula não produz mais que pura retórica.Na prática, a tendência é a diferenciação. Os países do norte, México, América Central, Caribe, estão cada vez mais incorporados ao espaço econômico dos Estados Unidos.Essa é uma orientação comercial histórica, hoje acentuada porque a integração se dá também pela imigração. Os grandes contingentes latinos nos Estados Unidos são originários do México,do Caribe e da América Central. Enquanto isso, na América do Sul há diversificação.
Desafios - Como é essa diversificação?
Ricupero - Países como Colômbia,Peru e Equador tendem a se integrar ao mercado norte-americano. Os do sul não têm essa interação, mas não foram capazes de construir alternativa eficaz. As tentativas de ampliação do Mercosul e de criação de uma área sul-americana não deram resultados e parecem estar em declínio e dissolução.Para piorar, dois grandes temas dividem a América Latina. Um é a postura do presidente venezuelano,Hugo Chávez. Outro é o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca), ou projetos semelhantes.

Desafios - O senhor acha que essa fragmentação é conseqüência da história ou da falta de liderança e iniciativa dos governos?
Ricupero - Creio que metade-metade. Nenhum governo, inclusive o brasileiro, apresentou uma proposta convincente, construtiva, de desenvolvimento de todo o continente, por meio não só do comércio mas também de financiamento. O Mercosul é semelhante à Alca, com o Brasil como o país forte em lugar dos Estados Unidos.Não oferece garantias de investimentos para que os mais fracos diversifiquem suas exportações.Mas há também raízes na evolução histórica. No período da Guerra Fria, a América Latina estava mais presente na agenda diplomática mundial do que hoje. Os grandes temas na política atualmente são basicamente quatro: o terrorismo internacional, o radicalismo islâmico, a proliferação de armas de destruição em massa e o conflito entre Israel e palestinos. São tópicos em que a América Latina - talvez o único continente sem ligação com o islamismo - é inteiramente irrelevante.
Desafios - O senhor fala de um modo que parece ser azar o Brasil estar distante do conflito islâmico, mas é sorte, não é?
Ricupero - É sorte, mas nos deixa fora da agenda. Não somos atingidos pela violência, mas também não despertamos atenção nem interesse.A preocupação com o desenvolvimento concentra- se nas áreas mais miseráveis do mundo, em 50 países, dos quais 34 estão na África e um único na América, o Haiti.Mesmo Bolívia e Honduras já não se enquadram nessa categoria, a dos mais miseráveis. Assim, a América Latina se encontra um pouco órfã da política mundial.
Desafios - A construção do gasoduto que ligaria as jazidas venezuelanas à Argentina, passando pelo Brasil, não seria um projeto de integração continental?
Ricupero - Sim, para a América do Sul especificamente. Essa é uma idéia antiga de Eliezer Batista (um dos primeiros presidentes da Companhia Vale do Rio Doce, hoje consultor especial da empresa, ex-ministro de Minas e Energia do governo João Goulart e membro do Conselho Coordenador das Ações Federais no governo Fernando Henrique Cardoso) - a integração do miolo do continente, com redes de estradas, de energia, de telecomunicações. Com base na importação de petróleo, gás, carvão e energia elétrica, seria possível criar o que os europeus fizeram com a Comunidade do Carvão e do Aço. O projeto é válido, ainda hoje, em termos conceituais. Infelizmente,não é factível devido à grande insegurança pela radicalização da postura política do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Em março deste ano, Chávez tentou impor mudanças a duas empresas petrolíferas estrangeiras, a francesa Total e a italiana Eni, e ameaçou expulsar e expropriar as companhias. O caso da Bolívia foi posterior e criou, obviamente, uma grande insegurança,mesmo na Petrobras, que investiu na Bolívia no contexto de acordos pedidos pelos próprios bolivianos,de Estado a Estado.Na realidade, a Petrobras nunca teve grande interesse pelo gás boliviano por uma razão simples: ele substituiria, em São Paulo, o óleo combustível que a empresa produzia e produz. Foi à Bolívia porque o governo quis assim. Então, no momento em que a Petrobras está representando o Estado brasileiro e é tratada dessa maneira, fica eliminada qualquer possibilidade de parceria.Porque confiança é como diz aquela cantiga infantil: "O anel que tu me destes era vidro e se quebrou".Quebrou, não tem mais como consertar - e quem disse isso foi o ministro Celso Amorim, em depoimento ao Senado.
Desafios - O senhor concebe alguma proposta agregadora para a América Latina?
Ricupero - Bem, eu acho uma tragédia que o gasoduto transcontinental, que era a idéia que mais fazia sentido prático, tenha sido inviabilizado. Então, a meu ver,por enquanto não existe nenhuma proposta integradora possível. O grande projeto, sem viabilidade prática, seria a integração com os Estados Unidos, num acordo em que norte-americanos, como ocorreu com os europeus, aceitassem promover investimentos para corrigir o desequilíbrio de nível econômico entre os países da região.A grande diferença entre o modelo de acordo comercial europeu e o norte-americano é que o europeu sempre foi baseado na idéia de transferências financeiras maciças para os países mais fracos. Os americanos sempre quiseram a integração restrita à liberação do comércio e à abertura de campo aos investimentos privados.
Desafios - Quer dizer que estamos condenados ao "cada um por si"?
Ricupero - Não necessariamente. Há esquemas menos ambiciosos.Uma boa ilustração é a integração entre Peru e Brasil pelas estradas da fronteira do Acre até o Pacífico e pelo fornecimento de gás (porque o Peru tem grandes jazidas).Outro exemplo é o vínculo que vem se formando entre Brasil e Colômbia. Já existe uma siderúrgica brasileira em território colombiano e o país tem interesse no carvão e no petróleo da Colômbia,de boa qualidade. Existe também um bom potencial em matéria de comércio com o México, já explorado por um acordo que pode ser muito ampliado.Não tenho muita esperança na relação que o Brasil tem com a Venezuela.Da Bolívia, então, ni hablar, como se diz em espanhol. Temos de reforçar nossas relações com países que têm os pés mais na terra.
Desafios - O Chile estaria entre esses países?
Ricupero - Sem dúvida.A meu ver, em toda a América Latina, o Chile é o mais próximo de um modelo ideal de amadurecimento político, de eficácia econômica e do Estado, e de uma política social inteligente.Tem fundamentos sólidos.Eu acho o Brasil um pouco perdido, sem projeto.
Desafios - A sensação que se tem é que o Chile atingiu essa maturidade durante a ditadura do general Pinochet. É possível construir um modelo semelhante num ambiente democrático?
Ricupero - Claro que sim. Essa é uma análise equivocada.O Chile sempre foi uma singularidade na América Latina. Não é verdade que no século XIX o Brasil era o único país com um mínimo de estabilidade num continente de revoluções.O Chile, logo depois da independência, na década de 1830, teve um grande dirigente, Diego Portales, um conservador esclarecido que criou um Estado forte e eficaz.Por volta de 1850, havia no Chile um sistema partidário sólido, como o Brasil nunca teve, e sufrágio universal.O golpe militar não tem o mérito do sucesso chileno. O Chile é um Estado muito eficaz, muito melhor do que o brasileiro, comparativamente incompetente.
Desafios - Como o senhor avalia a política exterior praticada pelo Brasil?
Ricupero - Eu concordo com o conteúdo da maioria das linhas da política externa.Sou favorável a que o Brasil pleiteie um posto permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Acho brilhante a aliança feita com os outros aspirantes, a Alemanha, a Índia e até o Japão.Nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), penso que a união dos países em desenvolvimento no Grupo dos 20 foi um grande êxito. Acho que o Brasil tem posição muito destacada, muito acertada na defesa da liberalização agrícola. A postura contra a Alca foi correta, porque os americanos ofereciam muito pouco acesso ao mercado para produtos agrícolas mais sensíveis ao protecionismo e queriam concessões exageradas em termos de propriedade intelectual,que, naquele momento, inviabilizariam o programa brasileiro de medicamentos genéricos. Isso posto,minha maior crítica é que os responsáveis pela política externa brasileira, não só dentro do Itamaraty, não têm conseguido gerar consenso interno, obter apoio.
Desafios - Como assim?
Ricupero - Há um ano eu escrevi um artigo:"O fim do consenso".Começava lembrando que o doutor Tancredo Neves, com quem trabalhei,disse num discurso que a política externa brasileira conduzida pelo Itamaraty era consenso nacional. Hoje não é mais. E o governo tem responsabilidade em cinco áreas. Primeiro, deu muito mais ênfase à ruptura do que à continuidade. Havia muita coisa na OMC, sobre a Alca, sobre o Mercosul, que vinha do passado e não foi reconhecida. O segundo erro foi transformar a política externa na bandeira de um partido. Partido, substantivo proveniente do verbo "partir", é uma parte,um pedaço - no caso, da opinião pública.A política externa ideal deve reunir o maior número de cidadãos.A terceira área de responsabilidade governamental é a tendência a dar um cunho ideológico a posturas que deveriam ser apresentadas por seus méritos. Por exemplo, a integração da América do Sul pode ser demonstrada como um teorema, não necessita bandeira. A quarta é o papel excessivamente protagonista do presidente. Sua projeção pessoal é útil, mas deveria ter sido usada com moderação para evitar ciúmes internos e externos. O Barão de Rio Branco repetia sempre a frase de um escritor alemão: a inveja é a sombra da glória. Um último problema é a politização, a subordinação da política externa a objetivos de partido, de governo, de um presidente, e não da nação como um todo. Pode parecer que sou um terrível crítico da política externa. Não sou. Eu critico sua incapacidade de gerar consenso.
Desafios - Parece que o senhor é mais crítico da forma do que do conteúdo.
Ricupero - Em política externa, as duas dimensões são inseparáveis.Durante a Primeira Guerra Mundial, o presidente norte-americano Woodrow Wilson quis criar a Liga das Nações,mas não conseguiu vender a idéia, rejeitada pelo Senado. Hoje, a maioria dos historiadores concorda que a política de Wilson era esclarecida. Se os Estados Unidos tivessem entrado na Liga das Nações, talvez a Europa não tivesse caído nas mãos de nazistas e fascistas e a Segunda Guerra Mundial não ocorresse. Com a política externa brasileira, passa algo um pouco semelhante: a baixa capacidade de construir consenso pode inviabilizá-la.

Desafios - Como fica o Mercosul nas atuais condições da América do Sul?
Ricupero - Eu vejo o Mercosul muito fragilizado.Quando se faz um acordo de livre-comércio unindo parceiros de níveis desiguais,o pressuposto é que o acordo concorra para a convergência de todos ao mesmo grau de desenvolvimento. É preciso que os maiores ajudem os menores a diversificar e a ampliar suas exportações. Dentro do Mercosul isso nunca foi feito. Privilegiou- se o comércio, e não o investimento ou o financiamento. Paraguai e Uruguai não conseguiram ter no Brasil a alavanca para se desenvolver. Há outras falhas.A Argentina encontra-se numa fase compreensível de auto-afirmação e quer preservar a indústria que lhe resta. Isso, às vezes, gera conflitos com o Brasil,e aqui se esquece que essas discordâncias se restringem a 10% do intercâmbio e que o Brasil tem um superávit enorme com a Argentina. Outro problema é o conflito entre Argentina e Uruguai. O Brasil tem sido pouco ágil em ajudar esses países a se entender.O Mercosul não vai acabar,mas tampouco vai se realizar no curto prazo.
Desafios - Como sair desse impasse?
Ricupero - Simplesmente devemos admitir que há setores que o Brasil não pode abrir, assim como há áreas que os argentinos não podem abrir. É preciso criar flexibilidades. O acordo de salvaguardas entre Argentina e Brasil foi uma boa idéia, uma válvula de escape. Mas falta muita coisa,como a integração do setor de serviços, muito importante; um acordo de investimento, que não existe; e também um de propriedade intelectual.
Desafios - Por que, apesar dos avanços no mercado externo, a participação brasileira no fluxo mundial de comércio está em queda?
Ricupero - China e Coréia vendem mais porque têm melhor capacidade de oferta.Esse é,de longe, o fator mais importante. O Brasil precisa criar um setor produtivo competitivo. Um dos fatores da competitividade é o câmbio - e no nível em que ele está a situação fica difícil. Outros fatores: custo de capital, taxa de juros, carga tributária, custo Brasil... não vai ser fácil mudar o quadro.
Desafios - Mas o país tem progredido muito.
Ricupero - O Brasil tem crescido no comércio mundial porque é muito competitivo em bens dependentes de recursos naturais, ou seja, na agroindústria e nos produtos minerais. A China é muito competitiva em produtos intensivos em mão-de-obra.Onde o Brasil tem avançado? Em todo o agronegócio, desde o complexo soja até setores tradicionais, como os do café e do suco de laranja; e também no ramo mineral, com minério de ferro, ferro-gusa, alumínio, bauxita etc.Poucos brasileiros sabem que um dos produtos mais dinâmicos da nossa pauta é o petróleo, que há dez anos cresce a taxas acima da média. O Brasil exporta petróleo pesado, devido à sua estrutura de refino, e importa petróleo leve. Isso explica o crescimento do volume. O aumento do faturamento deve-se à demanda chinesa, que elevou o preço de muitos produtos. Nos três últimos anos, por exemplo, o minério de ferro registrou a melhor evolução em 50 anos.Mas, como a competitividade brasileira está muito concentrada nos recursos naturais, não conseguimos crescer de verdade, conquistar maior fatia do comércio mundial. A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) publica anualmente uma lista dos 40 produtos mais dinâmicos do comércio mundial, quase todos eletroeletrônicos e químicos, justamente os dois grandes déficits brasileiros. Essas questões têm de ser resolvidas ou continuaremos exportando, mas com taxa de crescimento cada vez menor.

Desafios - Qual o futuro das negociações com a Europa?
Ricupero - As negociações de acordos de livre-comércio com os Estados Unidos e a Europa já duram dez anos, o que revela a existência de obstáculos intransponíveis no momento. O problema maior, em ambos os casos, é a agricultura. Mesmo assim, até o fim do ano há esperança de que as negociações da OMC tenham êxito.

quinta-feira, 13 de julho de 2006

586) Conquistas e desafios do Chile

Conquistas e desafios chilenos
Por Jacques Marcovitch
Jornal Valor Econômico, 13/07/2006, pág. A11

O Chile é quase uma unanimidade positiva em todas as avaliações sobre a América Latina. Desde 1990 vem se destacando na região como o país que mais compatibiliza indicadores de crescimento econômico e distribuição de renda, sem falar na estabilidade política ensejada pelos governos de sua Concertação partidária.

Qualifiquemos, com alguns números, estas afirmações. Nos últimos 15 anos, o Chile cresceu a uma taxa média anual de 5,7%, quase o dobro do que foi conseguido na ditadura de Pinochet. Este simples registro já invalida um equívoco mais ou menos generalizado, segundo o qual a solidez econômica é um legado precioso do regime de arbítrio às forças democráticas. Acrescente-se que, durante a ditadura, o índice de pobreza entre os chilenos passava de 38% e hoje se encontra na casa dos 19%. Isso evidencia claramente as opções de um e de outro regime.

Quase todas as crianças do Chile concluem a educação primária e aproximadamente 90% chegam ao fim do segundo grau. Houve notável incremento em recursos pedagógicos, remuneração de professores e tempo dedicado à aprendizagem. A democracia permitiu que 70% dos estudantes universitários fossem os primeiros, em suas famílias, a chegar ao ensino superior. Quatro, em cada grupo de dez jovens, ingressam na universidade. Mesmo assim, algumas deficiências no ensino secundário levaram à rua um milhão de estudantes, em marchas de protesto, logo em seguida à posse de Bachelet.

Os governos democráticos triplicaram os gastos sociais, que hoje absorvem 70% das despesas públicas. Na América Latina, durante a confusa década de 90, o Chile foi o único país a diminuir o déficit habitacional. Em 2006, é novamente o único em condições de garantir que, dentro de oito anos, este déficit será eliminado.

Embora a sua Lei de Responsabilidade Fiscal ainda esteja em tramitação, o Chile tem uma carga tributária moderada e adota procedimentos macroeconômicos inibidores da explosão de gastos e da inflação. A dívida pública entre 1990 e 2005 reduziu-se de 45% para 9% do PIB. Isso foi obtido sem prejuízo de uma política anticíclica em matéria de gastos, ou seja, mais flexível em casos eventuais de recessão, visando garantir sempre os níveis de produção e empregabilidade.

Em recente visita a Santiago, que coincidiu com o transcurso dos cem dias do novo governo, pudemos testemunhar as reações ao compromisso firmado por Bachelet de adotar 36 medidas para este período. A oposição, naturalmente, referindo-se ao envio ao Congresso de projetos do governo anterior, disse que "o executivo somente acrescentou a cereja numa torta já pronta". A Fundação Chile 21 reconheceu que as metas foram cumpridas em sua maior parte. Esta foi também a opinião expressa pela mídia local.

A maior preocupação detectada em nossos contatos foi com a segurança energética. O Chile importa 72% (gás, óleo, carvão) da energia que consome a cada ano. Os cortes no fornecimento de gás natural pela Argentina impõem a expansão da capacidade interna de geração de energia. A situação é delicada e a população continuará, nos próximos quatro anos, a enfrentar elevado custo de energia elétrica.

--------------------------------------------------------------------------------
Quase todas as crianças do Chile concluem a educação básica, cerca de 90% terminam o segundo grau e quatro em cada 10 jovens vão para universidade
--------------------------------------------------------------------------------

O presidente Lagos aprovou uma legislação positiva sobre a matéria, mas cabe a Michelle Bachelet definir e executar urgentemente um Plano de Segurança Energética de longo prazo, evitando que o problema se alongue até a próxima década. É bem nítido para a sociedade que o Chile não pode seguir como dependente dos humores argentinos e dos seus imprevisíveis critérios no fornecimento de gás natural. Constatamos ali ambiente de espanto e revolta com o fato de o governo boliviano exigir da Argentina que mantenha os cortes e não redirecione gás para o Chile.

Há outros desafios. Vários anos depois da crise asiática, o Chile ainda guarda seqüelas, com largas faixas da classe média reduzidas à pobreza. As lideranças ouvidas e a própria administração reconhecem o despreparo nacional para o enfrentamento desta situação e propõem que se busquem medidas preventivas em face das incertezas na economia mundial.

Uma surpreendente fragilidade é a deficiência do sistema nacional de inovação no Chile. Os investimentos na área situam-se em níveis confessadamente baixos. Os avanços, quando os há, não são adequadamente resguardados por meio de patentes. A intenção do novo governo é aumentar em 50% os gastos em pesquisa e desenvolvimento e promover uma guinada de grande impacto: "Não se trata de fazer pequenas mudanças. Trata-se de criar uma nova política", afirma o programa de governo de Bachelet.

No mesmo documento é de ostensivo pragmatismo o capítulo referente às relações vicinais. Ali se confirma, por sinal, definição de política externa firmada recentemente pelo ex-chanceler brasileiro, Celso Lafer, segundo a qual o objetivo de toda política exterior é "traduzir necessidades internas em possibilidades externas". Para o Chile, o comércio internacional é chave mestra do desenvolvimento e daí o seu polêmico apoio, agora reafirmado, à criação da Área de Livre Comércio das Américas.

Chama atenção a ênfase conferida às relações com os Estados Unidos. Na formulação dos pontos de convergência com a grande potência do Norte, o Chile situa o projeto da Alca em patamar semelhante ao da defesa da democracia e do respeito aos direitos humanos. O Mercosul é mencionado sem qualquer destaque, e apenas como parte de compromissos multilaterais em que figuram os vínculos com a OEA, a ONU e a OMC.

Em conclusão, cabe enfatizar que a higidez democrática, obtida com grande habilidade pelos sucessivos governos da Concertação, está bem refletida no acordo para eliminar, em definitivo, o rescaldo institucional do período autoritário. Foi criado um novo estatuto para as Forças Armadas, restituindo-se plenamente a autoridade da presidência da República. O exército deixou de ser o único fiador da ordem e agora existe uma justiça constitucional para garantir a efetiva supremacia da Carta Magna. Consolida-se uma agenda para neutralizar o que o programa de Bachelet aponta, com todas as letras, como "a persistente intervenção militar na política".

Instituiu-se um arcabouço legal para evitar desvios éticos em campanhas eleitorais e no funcionamento da administração. Somente pessoas físicas, e não mais empresas, poderão fazer doações a candidatos. Foi aprovada a obrigatoriedade de declaração patrimonial para todos os servidores públicos, inclusive autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário. Sob muitos aspectos, principalmente em matéria de equilíbrio institucional, o Chile faz por merecer o acentuado e crescente grau de aprovação dos mais exigentes observadores da agenda latino-americana.

Jacques Marcovitch é professor de Estratégia Empresarial e de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo da qual foi Reitor. Autor da trilogia Pioneiros & Empreendedores e dos livros Universidade Viva e A Universidade (Im)possível, entre outros.

585) O mal que uma vaca-sagrada pode fazer: Celso Furtado e o disparate da microeconomia

Vacas-sagradas são aquelas pessoas que atingiram um tal grau de excelência em suas áreas respectivas, que elas se tornam verdadeiras referências para o campo de estudos ou atividades a que elas se dedicam. Viram mitos, pessoas inatingíveis e inatacáveis e tudo o que elas digam, o que pode eventualmente incluir coisas anódinas ou até besteiras completas, é acatado com respeito, repetido na imprensa e aceito com toda a reverência que essas vacas-sagradas exiebm na vida diária.
É uma pena, pois que algumas dessas vacas-sagradas podem fazer muito mal a um país.
Vejam, por exemplo, a transcrição abaixo de depoimento de Celso Furtado, no qual ele diz que o Brasil está dominado pelo neoliberalismo e que "Essa coisa microeconômica é um disparate completo".
É realmente uma pena, pois o dinheiro da aposentadoria dele, todo o dinheiro que movimenta e sustenta o governo, como qualquer outra pessoa no Brasil e no mundo, toda a riqueza que movimenta as relações, em quaisquer instâncias que se possa conceber, tudo isso deriva dessa "coisa microeconômica".
Sem ela, não haveria empregos, renda e riqueza, pois a macroeconomia apenas se dedica à organização das melhores condições possíveis para o exercício da microeconomia pelos agentes econômicos, os ÚNICOS que criam valor na sociedade.
É uma pena que Celso Furtado, uma vaca-sagrada, pensasse assim...


O CDES e o consenso que não é neoliberal
Maria Inês Nassif
jornal Valor Econômico, 13/07/2006

"Como você pode dirigir uma sociedade sem saber para aonde vai?" Essa questão foi colocada pelo economista Celso Furtado, pouco antes de morrer, em uma mensagem em vídeo, gravada em sua residência, em agosto de 2004, para os participantes da mesa redonda "Diálogo social, uma alavanca para o desenvolvimento", promovida pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). A intervenção trazia palavras de estímulo ao trabalho a que se propunha o Conselho, de elaborar uma agenda nacional de consenso entre os vários atores sociais lá representados, mas era entremeada por ceticismo. "A hegemonia do pensamento neoclássico/neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um projeto nacional; em planejamento governamental, então, nem se fala... O Brasil precisa se pensar de novo, partir para uma verdadeira reconstrução. Para mim, o que preza é a política. Essa coisa microeconômica é um disparate completo. (...) Não espero que haja o milagre da superação desse pensamento pequeno, pois hoje em dia não tem ninguém que lidere essa luta ideológica. Todo mundo foge dessa confrontação ideológica. Planejar o presente e o futuro do país passou a ser coisa do passado."

As palavras de estímulo aos integrantes do conselho foram uma incitação à coragem: "Temos que ter coragem política. Coragem política é um fenômeno social que decorre do estado da sociedade. Ter coragem política na ditadura é uma coisa. Outra, muito diferente, é ter coragem política na complexa e instável realidade em que vivemos. Considero fundamental que a coragem política seja posta a serviço das autênticas causas do povo brasileiro".

A mensagem de Furtado, atualíssima nesse período de campanha - os candidatos podem tomar a frase na abertura da coluna como um conselho - faz parte do acervo do CDES, escondido nos meandros da política institucional. Assim como outros tesouros. O principal deles é a "Agenda Nacional de Desenvolvimento", um trabalho concluído no ano passado, em plena crise política, e relegado a mais uma contribuição aos papéis que se avolumam nas gavetas do governo. Recentemente, a Agenda foi retomada pelo novo ministro responsável pelo CDES, o das Relações Institucionais, Tarso Genro, que promete uma negociação em torno de uma "concertação nacional" semelhante à feita no Chile, onde partidos de centro-esquerda elaboraram um programa mínimo de desenvolvimento que está acima das disputas políticas.

Projeto de país é, antes de tudo, uma ação política

A Agenda foi encaminhada à Fundação Getúlio Vargas, para que tome o formato de um programa de desenvolvimento. Vai ser discutida em audiências públicas. Genro também tem levado o assunto à discussão dos partidos. Talvez, nesse trabalho de negociação, seja útil ao ministro recuperar a experiência do CDES na formulação de consensos. Ela foi relatada por Ronaldo Coutinho Garcia, do Ipea, num paper que brevemente será publicado pelo instituto, intitulado "O CDES e a construção da agenda nacional de desenvolvimento: um relato". Garcia foi assessor da secretaria-executiva do Conselho durante todo o período em que a Agenda foi construída.

A construção da Agenda, e ela própria, remetem a algumas reflexões. A primeira delas é que o diálogo entre as diversas classes sociais é possível. O CDES tem 90 conselheiros, 50% deles empresários (da indústria, do comércio, do agronegócio, das finanças e serviços). Ainda assim, o fórum conseguiu negociar consensos que fogem à mesmice da agenda câmbio-juros-ajuste fiscal - até porque, se partisse da máxima de que o mercado regula tudo, não conseguiria chegar a nenhum projeto de desenvolvimento. Portanto, a segunda lição é a de que o consenso neoliberal é relativo: há uma ansiedade social por um projeto de país que permita queimar etapas de desenvolvimento, incluir o maior número de brasileiros e reduzir a desigualdade social e a pobreza. Essa ansiedade não passa necessariamente pela "agenda intocável" do mercado.

A outra reflexão que deve ser feita é por que o consenso foi possível nesse fórum de debates, entre representantes de diversos segmentos sociais, e é praticamente impossível na arena da política institucional. Se esse diálogo ocorre de um lado, e não consegue fluir de outro, é porque existe uma obstrução na representação política, que está sendo incapaz de fazer a ligação das ansiedades da sociedade com o Estado. Isso ocorre também em função da hegemonia ideológica do liberalismo. Ao pasteurizar os partidos em torno de uma agenda de mercado, obrigou a troca do embate ideológico pela simples luta política pela máquina administrativa federal. O que está em jogo é o controle da máquina que alimenta partidos e, dentro deles, políticos que concorrem às eleições em todos os níveis. A luta política se reduz a isso.

O bloqueio político a negociações da sociedade civil já se fazia notar no início do governo Lula. Quando foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Congresso reagiu fortemente à iniciativa. Entendeu o CDES como uma tentativa do governo de eliminar a necessidade de negociação interna no Legislativo e, portanto, de reduzir o poder de barganha dos parlamentares. O Conselho começou a ser esvaziado daí, mas, a partir de 2004, tomou a elaboração da Agenda como um desafio. Enfrentou sucessivas duchas de água fria. A maior delas foi a reação do presidente Lula à Agenda, no momento em que ela foi entregue oficialmente à autoridade máxima da nação. Não houve nenhuma manifestação de que daria prosseguimento ao exercício de consenso dos conselheiros. No lugar disso, fez uma profissão de fé nas regras intocáveis: o câmbio flutuante flutua, não vai haver populismo na política econômica etc., etc.

Genro tenta trazer à luz a Agenda do CDES. Não existem sinais de que haja trânsito para esse assunto na arena política. Esse é um bloqueio e tanto a qualquer tentativa de fazer transitar esse exercício de consenso do Conselho, mas é impossível abrir mão da política na construção de um projeto para o país. Nenhum projeto de desenvolvimento prescinde da política porque ele é, fundamentalmente, um projeto político.

584) Teoria da jabuticaba em acao: sempre nos surpreenderemos com a inacreditavel capacidade do Congresso (e do Executivo) em criar mais algumas...

Estamos sempre sendo pegos de surpresa. Leiam a matéria abaixo transcrita do jornalista econômico do Estadão, Rolf Kuntz, a propósito de algumas jabuticabas que vem sendo regadas, colhidas e distribuídas, fartamente, pelos nobres congressistas e outros luminares do Executivo.
Seja na inarredável capacidade de transformar uma lei ruim (a reserva de mercado para jornalistas) em algo pior ainda, seja nessa aberração gastronomica que consiste em enfiar mandioca, contra a nossa vontade, no pão nosso de cada dia, seja aprovando a reserva de mercados para "masturbadores sociais" (perdão, sociólogos e "filósofos") nas escolas do ciclo médio, seja inventando todos os dias mais e mais trambolhos obrigatórios - e que custam dinheiro do contribuinte -- ou em muitas outras coisas mais, nossos legisladores e dirigentes políticos provam todo dia uma verdade singela:

- Não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar um pouco mais.
O Brasil é a própria materialização da lei de Murphy, com requintes de crueldade, pois não se trata apenas de coisas que "dão errado". Isso não: se trata de buscar deliberadamente coisas erradas, e da forma mais estúpida possível.
Um último aviso: meu artigo sobre a Teoria da Jabuticaba II, foi publicado no site do Instituto Millenium, neste link.

------------

MÍDIA & CONGRESSO
A caixinha de surpresas do Legislativo
Por Rolf Kuntz em 11/7/2006
Observatório da Imprensa, neste link.

Não é só o futebol. Toda a vida é uma caixinha de surpresas, principalmente para quem se julga informado pelos jornais, tevês e rádios. De repente, na terça-feira, dia 4, o Senado aprovou regras adicionais para a profissão da jornalista. Pela nova lei, jogadores, técnicos e juizes de futebol ficarão proibidos de trabalhar como comentaristas, se não tiverem diploma de comunicadores. Assessores de imprensa também terão de ser diplomados. Quantos leitores, mesmo entre os jornalistas, sabiam desse projeto antes de sua aprovação?

O público é surpreendido com freqüência pela aprovação de projetos desconhecidos até a votação final no Congresso. Na mesma semana, foi aprovada a lei de diretrizes para a formulação da política nacional da agricultura familiar. A lei define as áreas de ação dessa política – pesquisa, seguro, crédito, previdência etc. – e atribui ao presidente da República a função de regulamentar sua aplicação.

É uma lei importante e de conteúdo polêmico, mas sua tramitação não havia sido acompanhada pelos meios de comunicação. Um dia depois de aprovada, só o Valor publicou matéria sobre o assunto.

Também não basta o registro ocasional de certos temas, como se pauteiro, repórter e editor apenas cumprissem a obrigação de assinar o ponto. Na semana passada, jornais mencionaram o projeto de lei sobre o uso obrigatório de fécula de mandioca na produção de pães. A notícia saiu porque industriais e padeiros, diante da omissão da imprensa, decidiram fazer mais barulho.

Esse projeto é uma das obras-primas do atual presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo. Na formulação original, era muito mais ambicioso. Durante a tramitação, foi emendado e o uso obrigatório da fécula de mandioca ficou limitada aos pães.

Durante a maior parte do tempo a imprensa desprezou o tema. Mas não se pode tratar um projeto desse tipo como assunto menor. Na sua forma inicial, a proposta afetava toda a indústria de massas e, naturalmente, restringia os direitos do consumidor. Quem quisesse, por exemplo, comer um macarrão decente seria obrigado a comprar o produto importado. Decidiu-se mudar o texto, restringindo seu alcance, mas a violência não foi eliminada.

Se for aprovado, esse projeto poderá valer como precedente para qualquer imposição igual ou mais grave. Detalhe: uma norma não deixa de ser autoritária por ter sido aprovada pelos congressistas.

Cobertura insuficiente

Mas a falha do noticiário não resulta apenas de erros de julgamento de pauteiros, editores e repórteres. Também reflete a cobertura insuficiente da atividade legislativa. Jornalistas econômicos dão pouca atenção ao trabalho dos congressistas, enquanto repórteres políticos quase só se dedicam às questões eleitorais e partidárias. De modo geral, os projetos são acompanhados com regularidade somente quando há um intenso confronto entre governo e oposição. Os demais ficam na sombra, seja qual for sua importância objetiva. Quem tem seguido, por exemplo, a tramitação do projeto sobre normas para acordos internacionais de comércio?

Durante muito tempo, predominou na imprensa a cobertura de endereços. O noticiário dependia essencialmente de setoristas em ministérios, casas legislativas, autarquias e companhias estatais. O setorista da Fazenda nem sempre se preocupava com as atividades de outros ministérios econômicos. Esse padrão era ruim, mas as deficiências eram compensáveis, quando um editor com espírito de repórter (bicho cada vez mais escasso) fazia o meio de campo.

O estilo de cobertura mudou. A especialização, hoje, é mais por assunto do que por endereço. Mas falta, com freqüência, a percepção do detalhe, só possível quando se acompanham, por exemplo,a atividade técnica nos ministérios e o trabalho das comissões na Câmara e no Senado.

O noticiário é prejudicado tanto por problemas de critério quanto por deficiências de organização. O leitor é duplamente lesado – como consumidor de informações e como cidadão. Como consumidor, paga por um serviço deficiente. Como cidadão, fica sujeito a receber de leis importantes como fatos consumados, porque os meios de comunicação pouco ou nada informaram, antes, sobre os projetos.

terça-feira, 11 de julho de 2006

583) "França fará ‘campanha’ a favor do capitalismo": estava mais do que na hora...

Incríveis, esses irredutíveis gauleses. A revolução que foi feita para acabar com o feudalismo e implantar o capitalismo e o domínio da burguesia já completou exatos 217 anos (neste próximo 14 de julho) e só agora eles estão pensando em promover o capitalismo?
Parbleu! Como eles estão atrasados esses franceses.
Pois eu diria que a revolução, na verdade, atrasou o domínio do capitalismo, consolidando nos franceses apenas a mania de fazer greves (aliás, uma palavra francesa).
Bem, acho que vai demorar mais uns duzentos anos para os franceses aceitarem definitivamente o capitalismo.
Enquanto isso, não faltará matéria prima para reportagens desse tipo, para brilhantes análises sociológicas sobre o "mal francês" e também oportunidades para impulsionar programas desse tipo, de promoção do capitalismo, mas por via estatal, bien sur et pour cause...

França fará ‘campanha’ a favor do capitalismo
BBC, 10.07.2006, 16h44

O governo da França quer diminuir a hostilidade que os seus cidadãos têm em relação ao capitalismo. Para isso, está sendo criado um novo instituto que promoverá a educação da população sobre assuntos financeiros e de negócios. O Conselho para a Difusão da Cultura Econômica será lançado ainda este ano e estará subordinado ao Ministério da Fazenda francês.

O objetivo do novo organismo é utilizar os meios de comunicação populares – como televisão, imprensa escrita e até jogos de computador – para educar os franceses sobre finanças.

Uma pesquisa feita recentemente revelou que grande parte da população não entende nem mesmo os jargões mais simples do mundo dos negócios. Na ocasião, o ministro da fazenda, Thierry Breton, lamentou, em um discurso, a "falta significativa de cultura econômica da França".

Atitude positiva
Os ministros franceses querem que a população tenha uma atitude mais positiva em relação à economia. O governo está com dificuldades para promover uma reforma econômica no país. Alguns ministros, como o candidato à presidência Nicolas Sarkozy, defendem um rompimento radical com o modelo econômico corporativista francês.

Há o temor de que a participação do Estado é grande demais nos negócios, o que prejudicaria o dinamismo do setor empreendedor. Recentemente, a atitude dos franceses em relação ao setor privado piorou ainda mais, depois que o governo se viu obrigado a abandonar um plano de criação de empregos, devido a protestos em massa.

A medida, que visava reduzir o desemprego entre os trabalhadores mais jovens, facilitando a contratação e demissão de pessoas, foi criticada por favorecer interesses de empresários e donos de negócios."

Eu pessoalmente acho, como Simon Bolivar dizia, que esse pessoal ara no mar...

582) Derrubando Chavez...

Não, não sou eu. É o Norman Gall, em entrevista dada ao jornalista gaúcho Políbio Braga, e publicada em sua newsletter datada (equivocadamente) da terça-feira, 12 de julho de 2006:

"Entrevista com Norman Gall, jornalista e escritor.

Chavez não durará mais um ano no poder.

P: Lula saiu ligeirinho da Venezuela, quinta a noite, antes que na sexta-feira o coronel Chavez o levasse para um desfile militar com aviões e armas russos, do tipo caça Sukhoy e fuzis Kalashnikov, tudo para cutucar os EUA. Como é esta aliança Lula-Chavez?
NG: Lula não tem nada a ganhar com Chavez e nem deveria apoiar a inclusão da Venezuela no Conselho de Segurança da ONU.

P: O que significa o ingresso da Venezuela no Mercosul?
NG: Nada. O Mercosul não é foro político para brilhatura.

P: E o gasoduto do Sul?
NG: A Venezuela não tem esse gás.

P: O que o senhor espera do futuro de Chavez?
NG: Morei seis anos em Caracas. Tenho voltado lá. Estudo o caso. Chavez não dura mais um ano ou dois. Ele está conduzindo a economia para um desastre anunciado e seus apoiadores já se dividem em mil frações. Pode anotar. A Venezuela mergulhará na total desordem.

E-mail: ngall@braudel.org.br"

Minhas impressões pessoais (PRA): Eu não morei em Caracas, visitei a Venezuela há muitos anos, mas já encontrei o Chávez nos EUA, num jantar promovido pelo ex-presidente Jimmy Carter, à margem de reunião promovida pelo Carter Center em Atlanta, em 2003. Minha impressão é a de que o Norman Gall se engana, não quanto à extensão do desastre econômico sendo promovido atualmente na Venezuela, mas quanto à possibilidade de uma queda iminente de Chávez. Com dinheiro, pode-se fazer de tudo, inclusive plantar banana na Groenlândia. Não fosse apenas pelo dinheiro, haveria ainda todos os mecanismos de "poder popular" que ele também está construindo, a golpes de muito dinheiro, muito dinheiro... Isso pode durar muito tempo, mais de dez anos, provavelmente, ou enquanto o petróleo for essa fonte generosa de recursos livremente administrados pelo poder central...

581) Uma muralha contra os chineses: acho que nao vai dar certo...

O Senador Simon tenta conter o tsunami de produtos chineses que invadem quase todos os países da América Latina (que digo?!: quase todo o mundo...).
Minha impressão é que não vai dar certo, sobretudo desse modo protecionista que estão tentando fazer.
A solução seria capacitar a indústria brasileira para atuar de maneira competitiva em novas áreas, nas quais possamos deter vantagens comparativas ainda não conquistadas (na marra) pelos chineses.

"Simon reúne Senado nesta terça para retaliar a China
O Senado debate nesta terça-feira, às 10h, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos, a situação da indústria nacional diante da concorrência desleal dos produtos chineses.
. A iniciativa do debate foi do senador Pedro Simon. Ele recebeu apelos das entidades empresariais para colocar o tema em discussão no Senado. "Vamos ouvir os empresários e cobrar do governo a aplicação de salvaguardas para a indústria nacional" disse Simon a esta página. Ele esclareceu que as medidas protecionistas estão previstas nos acordos da Organização Mundial do Comércio e já foram aplicadas por países como a Argentina, os Estados Unidos e a União Européia.
. Foram convidados para a audiência pública, os empresários Paulo Tigre, Paulo Skaff e Armando Monteiro, presidentes, respectivamente, da Fiergs, Fiesp e Confederação Nacional da Indústria (CNI); além do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. A Fiergs avisou a Simon que não estará em Brasília nesta terça-feira."

(Da newsletter diária de Polibio Braga, um jornalista gaúcho, mas erradamente datada de terça-feira, 12 de julho de 2006: adiantado esse Políbio...)

domingo, 9 de julho de 2006

580) New kid in the block: enter the Copenhagen Consensus

Já tivemos o Consenso de Washington, depois o de Buenos Aires (quem ouviu falar?) e vários outros anti- e pós- consensos de todo tipo.
Agora temos o Consenso de Copenhagen, cuja explicação segue abaixo.
Para uma demonstração prática de seus objetivos eu recomendaria ler a matéria do The Wall Street Journal, do sábado 8 de julho de 2006, que eu publiquei em meu blog auxiliar de Textos, neste link.

----------

The Copenhagen Consensus Center

The Copenhagen Consensus Center (CCC) is a center under the auspices of the Copenhagen Business School. Through the commissioning and conveying of research, we work to improve the foundation for prioritizing between various efforts to mitigate the consequences of the World's biggest challenges. In particular we focus on the international community's effort to solve the World's biggest challenges and how to do this in the most cost-efficient manner.

The idea is simple, yet often neglected. When financial resources are limited you need to prioritize your effort. Everyday, from policymakers to business leaders, at all levels, priorities are made between investing in one project and not another. However, many times, and particularly at the political level, decisions on priorities are made not based on facts, science or calculations but on which issue gets the most media coverage or is most politisized. The Copenhagen Consensus approach works to improve the foundation of knowledge, to get an overview of research and facts within a given problem, so that the prioritizing of efforts to solve this problem is based on evidence and is comparable with solutions across problems.

The Copenhagen Consensus approach originated from a small group of people headed by Bjørn Lomborg, then director of the Danish Environmental Assessment Institute, in the late 2002. During 2003, the idea turned into a formalized approach and an outline for a conference. In May 2004, the Copenhagen Consensus conference took place in Copenhagen and got together 8 of the World's leading economists, including 4 Nobel Laureates, and 30 of the World's top specialists within the ten problem areas.

CCC's core task, Copenhagen Consensus 2008, is funded by The Danish Ministry of Foreign Affairs. CC08 will follow-up on CC04 and take stock of the World's problems and come up with cost-efficient solutions to mitigate the negative consequences of these problems. In addition, CCC works with international organisations and policy makers on projects where applying the Copenhagen Consensus approach enhances performance and goal achievement in the work with large and complex problems of national/international concern.

-------------
Ver a matéria: "Get Your Priorities Right: A rationalist crusader does the math on global warming"
BY KIMBERLEY A. STRASSEL
The Wall Street Journal, Saturday, July 8, 2006

579) Uma nova distincao no mercado: a esquerda "carnivora" e a vegetariana"...

A distinção, pouco sutil por certo, entre uma esquerda que continua a afirmar o primado da luta de classes e uma outra que pretende fazer seu país figurar no Primeiro Mundo, já tinah sido feita, de certa forma, por Jorge Castañeda, em seu artigo da Foreign Affairs (que publiquei em um dos meus blogs), distinguindo a velha da nova esquerda latino-americana.
A caracterização está na segunda edição do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", na qual FHC sai da condição de idiota para entrar na de ex-idiota, mas que traz, incorporado o atual presidente brasileiro na condição de "vegetariano".
Vejam a matéria neste link que remete a matéria do jornal O Globo deste domingo 9 de julho de 2006.

Agregando...

Do blog de Reinaldo Azevedo, em 9/0/2006:
Montaner: na lista da idiotia, Lula é vegetariano

A entrevista com Carlos Alberto Montaner, feita por Ciça Guedes e publicada no Globo deste domingo tem um defeito: é muito curta. Mas, mesmo assim, excelente. E engraçada. Montaner é um dos autores do Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, uma crítica severa e bem-humorada ao populismo e ao esquerdismo bocó da região. Os outros autores são Plínio Mendoza e, atenção!, Álvaro Vargas Llosa, e não apenas “Vargas Llosa”, como está na abertura do texto, que é como o mundo chama o pai dele, o escritor peruano mundialmente reconhecido. Na finada revista Primeira Leitura, escrevi algumas vezes recomendando o livro e afirmando que os três haviam cometido uma grande injustiça: listavam FHC entre os idiotas populista-esquerdopatas do continente, o que, convenha-se, nem mesmo um esquerdista que não se queira populista ou esquerdopata aceitaria. Montaner acabou concordando comigo e dá uma notícia: na reedição, o ex-presidente sai do rol. E Lula brilha. Acho que ele dá uma escorregada ao dizer que o tucano poderia, a exemplo dele próprio, integrar a lista de “ex-idiotas”. Já escrevi o que acho: os autores não entenderam ou não leram a versão de FHC da Teoria da Dependência, que nada tem de populista ou de esquerdista. Na entrevista, Montaner diz que Lula vai integrar o grupo do que ele chama “esquerda vegetariana”, junto com Tabaré Vázquez, presidente do Uruguai, e Néston Kirchner, da Argentina. Na esquerda carnívora, ficam Hugo Chávez (Venezuela), Fidel Castro (Cuba) e Evo Morales. Segundo ele, o presidente da Venezuela lidera uma nova “epidemia de idiotice”. Só uma discordância com Motaner, um cubano que se exilou aos 17 anos e vive na Espanha: Lula adora carne. De preferência, pingando sangue. Supô-lo vegetariano é cometer o erro que comete o Departamento de Estado americano.
Clique aqui para ler entrevista

578) O magro orcamento do Itamaraty...

Da coluna do economista Ricardo Bergamini, de 9 de julho de 2006:

"De janeiro de 2003 até maio de 2006 o Gabinete da Presidência da Republica gastou (R$ 4,9 bilhões), o mesmo valor gasto com o Ministério das Relações Exteriores (R$ 4,9 bilhões). E gastou mais do que com os seguintes Ministérios: Indústria e Comércio (R$ 3,8 bilhões); Comunicação (R$ 3,5 bilhões) e Meio-Ambiente (R$ 3,3 bilhões)."

Bem, não há muita novidade nisso: desde o império -- como pude constatar na pesquisa consolidade no livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2001 e 2005), os negócios estrangeiros sempre "consumiram" menos recursos do que a casa imperial ou a presidência republicana. Trata-se de um sinal emblemático, ou indicativo da pouca importância das relações exteriores no contexto nacional, ou da gastança indiscriminada nos poderes da nação. Eu tinha dados que chegavam inclusive a mostrar que os gastos com as "cavalariças imperiais" eram superiores a outros gastos, como educação...
O que é que vocês querem? Estamos no Brasil...

(Para os dados completos das despesas públicas, ver "Reflexão Sobre o Perfil das Despesas da União", in Ricardo Bergamini)

577) Industria Competitiva, Desenvolvimento e Exportacoes Agricolas

A partir de um editorial do jornal O Estado de São Paulo sobre a diplomacia do governo Lula – “Uma política claramente ineficaz”, 7/07/2006 (também disponível neste blog, no post 572) –, desenvolvo considerações sobre duas frases do emb. Samuel Pinheiro Guimarães, destacadas nessa matéria. As frases, que suscitaram debates em listas de internet, são as seguintes:

1) “Se a indústria brasileira fosse competitiva o Brasil seria um país desenvolvido.”
2) “Se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro.”

Obviamente que frases destacadas de seu contexto podem se prestar a manipulações de diversos tipos, mas acredito que essas frases são reveladoras de uma certa confusão entre meios e finalidades, razão pela qual permito-me comentá-las.

1) “Se a indústria brasileira fosse competitiva o Brasil seria um país desenvolvido.”
O Brasil é um país industrialmente desenvolvido, embora alguns segmentos, por deficiencias de inovação tecnológica ou problemas do chamado custo-Brasil ou ineficiências de escala, não sejam suficientemente competitivos para sustentar concorrência com esses mesmos segmentos de alguns países desenvolvidos ou com seus congêneres asiáticos.
O fato é que industriais americanos temem uma eventual competição com seus homólogos brasileiros no quadro de uma eventual Alca (agora moribunda) em setores como siderurgia, calçados, têxteis e nas chamadas indústrias labour-intensive de modo geral. Nós somos imbatíveis nessas áreas, muito mais modernos do que os americanos, para nada falar do agronegócio, submetido ao protecionismo comercial.
Perderíamos feio, em contrapartida, em máquinas e equipamentos, em química fina, farmacêutica, componentes eletrônicos e nos serviços financeiros e de comunicações de massa, em geral.
Ou seja, não há UMA única situação da indústria, há um quadro desigual que revela DESENVOLVIMENTO e COMPETITIVIDADE em vários segmentos, atrasos em vários outros (por problemas do já alegado custo-Brasil) e insuficiências propriamente industriais e tecnológicas em muitas outras.
É um quadro desigual, portanto, mas isso não é exclusividade brasileira e sim caracteristicas de TODOS, repito, TODOS os países, que possuem vantagens comparativas em alguns setores ou ramos (e intra-ramos) e desvantagens em outros. NUNCA se pode ser competitivo em todos os setores e ramos ao mesmo tempo.
Quanto a ser ou não DESENVOLVIDO, isto é um pouco subjetivo, pois envolve uma série de outras apreciações qualitativas - não apenas ligadas à renda per capita - que seria muito complexo expor aqui. O Brasil certamente é um pais em desenvolvimento se se olha a sua população miseravel, mas é um pais ALTAMENTE DESENVOLVIDO se formos olhar para o seu establishment científico, que rivaliza com os melhores do mundo, mas que não inova tecnologicamente por desvinculação com a indústria e por outros problemas de financiamento à pesquisa aplicada.
Existem países que são desenvolvidos sem necessariamente ter uma indústria competitiva ou com uma competitividade ligada a poucos setores. Dou exemplos: Dinamarca, Austrália, Nova Zelândia, com sua prosperidade baseada essencialmente no agronegócio, como nós aliás, mas nós apenas no agronegócio (antes que passem as hordas do MST...).
Como interpretar a frase do Embaixador, entao? Pouco clara, pois o Brasil pode e TEM indústrias competitivas e pode ter ainda mais -- como a aeronáutica civil de pequeno porte, ou várias outras ainda -- sem necessariamente ser desenvolvido socialmente. São problemas não excludentes, eu diria.

2) “Se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro.”
Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. NADA. Todas as situações são possíveis – isto é: população bem alimentada e grande exportador mundial de alimentos, ou não, e população mal alimentada e grande exportador de alimentos, ou não –, poisque não há nenhum determinismo a priori nesse tipo de situação.
Os homens, como diz a teoria econômica, reagem a estímulos, todo o resto sendo uma mera conseqüência.
Mercados livres são capazes de fazer maravilhas, assim como mercados restritos criam outras situações difíceis, do ponto de vista do produtor economicamente competitivo.
Para o produtor, não existe NENHUMA diferença, repito NENHUMA, entre o mercado interno e o mercado externo, são ambos mercados, ponto. Do ponto de vista da comercialização é que começam os problemas: protecionismo agrícola, subsídios, quotas tarifárias restringem a entrada de nossos produtos agrícolas altamente competitivos nos mercados assim protegidos, restringindo a nossa capacidade de oferta, que seria muito maior se todos os mercados fossem livres. No próprio Brasil, os mercados são realtivamente livres, agora (eles já foram menos livres, no passado, com mecanismos de preços controlados, por exemplo) e por isso nossa oferta interna é abundante - já que não existem, a rigor, barreiras comerciais entre os estados brasileiros.
Com a liberalizacao agricola mundial, se houver, nós seremos NECESSARIAMENTE grandes exportadores agricolas mundiais, isso é quase MATEMÁTICO, a menos de algum desastre interno e uma reversão total nas atuais políticas agricolas (o que o MST, com a ajuda de alguns no governo, se esforça por conseguir, com sua política estúpida da reforma agraria e da agricultura familiar, que não teriam por que ser contra o agronegócio e contra as exportações agricolas, mas que por burrice e estupidez deles, o são, objetivamente).
Agora venho à primeira parte da frase, que NÃO FAZ o menor sentido, pela razao muito simples que se alimentar bem não tem NADA, repito NADA, a ver com a oferta agrícola, e sim com a renda disponivel.
Um pais como a Suíça, por exemplo, não poderia se alimentar bem apenas com a sua oferta agricola; ela TEM NECESSARIAMENTE de importar alimentos, o que ela faz muito bem e sem problemas, pois há excesso de oferta alimentar no mundo.
Concluindo, a população brasileira poderia se alimentar muito bem -- se todos tivessem renda para tanto -- e ainda assim somos e SEREMOS os grandes exportadores agrícolas mundiais sem qualquer contradição entre uma coisa e outra. NAO HÁ e NÃO PODE HAVER contradição entre os dois termos.
Aliás, aposto com quem quiser que seremos GRANDES EXPORTADORES agrícolas mundiais muito antes que toda a população consiga se alimentar bem, mas os problemas aqui não têm nada a ver com a agricultura, são problemas de distribuição, apenas e simplesmente isso.
Acho que o assunto é rico e se presta a muitas elaborações; eu dei a minha contribuição como acima.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de julho de 2006

sábado, 8 de julho de 2006

576) Notícias da carreira diplomática: quadro de acesso para promoções no segundo semestre de 2006

Ministério das Relações Exteriores
Assessoria de Imprensa do Gabinete

BOLETIM DIÁRIO do MRE: Nº 130 - Sábado, 8 de julho de 2006

QUADRO DE ACESSO - Serão incluídos no Quadro de Acesso válido para o Segundo Semestre de 2006 os seguintes Diplomatas:

MINISTRO DE SEGUNDA CLASSE
Evandro de Sampaio Didonet
Alcides Gastão Rostand Prates
Maria Laura da Rocha
João de Mendonça Lima Neto
Antonio Carlos do Nascimento Pedro
George Monteiro Prata
Pedro Luiz Rodrigues
Paulo Antonio Pereira Pinto
Mitzi Gurgel Valente da Costa
Paulo César de Camargo
Paulo Cordeiro de Andrade Pinto
Carmelito de Melo

CONSELHEIRO
Marcus André Rouanet Machado de Mello
Matias Antonio Senra de Vilhena
João Pedro Corrêa Costa
Jorge José Frantz Ramos
Marcos Leal Raposo Lopes
Elza Moreira Marcelino de Castro
Ana Maria Pinto Morales
João André Pinto Dias Lima
Roberto Colin
Santiago Luís Bento Fernandez Alcazar
Carlos Ricardo Martins Ceglia
David Silveira da Mota Neto
Sérgio Barreiros de Santana Azevedo
Vera Cintia Alvarez
Carlos Márcio Bicalho Cozendey

PRIMEIRO SECRETÁRIO
Antonio de Moraes Mesplé
Hervelter de Mattos
Terezinha Bassani Campos
Sérgio Luís Lebedeff Rocha
Pery Machado
João Marcelo de Aguiar Teixeira
Félix Valois Pires
Claudio Roberto Poles
Sérgio da Fonseca Costa Couto
Márcio Catunda Ferreira Gomes
Ana Suza Cartaxo de Sá
Ronald Cardoso Mendes Júnior
Paulo Roberto Ribeiro Guimarães
José Estanislau do Amaral Souza Neto
Roland Stille
Evaldo Freire
Sônia Regina Guimarães Gomes
João Mendes Pereira
Renato Mosca de Souza
Rafael de Mello Vidal
Gisela Maria Figueiredo Padovan
Gilberto Gonçalves de Siqueira
Fátima Keiko Ishitani
Rodrigo de Azeredo Santos
Ricardo de Souza Franco Peixoto
Ana Maria de Souza Bierrenbach
Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega

SEGUNDO SECRETÁRIO
Jandira Gill Chalu Pacheco
Márcio Oliveira Dornelles
João Carlos de Oliveira Moregola
Carlos Henrique Moscardo de Souza
Sidney Leon Romeiro
Paulo Rocha Cypriano
Pedro Escosteguy Cardoso
Joaquim Pedro de Oliveira Penna Coelho da Silva
Carlos Luís Duarte Villanova
Elio de Almeida Cardoso
Alexandre Fontoura Kessler
Audo Araujo Faleiro
Daniella Ortega de Paiva Menezes
Leandro Zenni Estevão
João Paulo Soares Alsina Junior

575) Uma surpreendente (e irônica) aprovacao da atual politica externa

Obrigado, Bolívia!
05/07/2006

Engana-se quem acredita que as políticas de Evo Morales prejudicam o Brasil. Ao contrário. E é fácil explicar o porquê. Na medida em que o país vizinho implementa a agenda socialista, aprofunda-se a crise econômica. Os bolivianos ficam com perspectivas cada vez piores, e deixam o país. O Brasil tem sido o seu destino natural, até porque a maior extensão da fronteira entre os dois países é seca. Eles não têm necessidade de se lançar ao mar, em embarcações improvisadas, como fazem os cubanos. Basta cruzar a pé a linha imaginária que delimita os territórios.
Enquanto o governo brasileiro não enveredar completamente pelo mesmo caminho, cada vez mais bolivianos se mudarão para o Brasil. E isso é muito bom, pois imigrantes são, em geral, jovens com muita disposição para progredir na vida. Estudam e trabalham duro. Representam um valioso capital humano que a Bolívia está nos mandando absolutamente de graça! Como se isso fosse pouco, brevemente a Bolívia expulsará brasileiros que dão enorme dinamismo à agricultura, tudo em nome da reforma agrária. Voltarão para o Brasil empresários rurais altamente qualificados.
Mas os benefícios das políticas bolivianas para o Brasil não se esgotam com a remessa de mão-de-obra. Na medida em que o socialismo empobrece a Bolívia (como, aliás, sempre fez em todos os países onde é implantado), reduz o consumo interno, inclusive dos seus próprios minérios. Assim, sobrarão no futuro gás, petróleo e outras matérias primas para o Brasil comprar mais barato.
A política externa brasileira de dar apoio aos desatinos de Evo Morales é de um maquiavelismo surpreendente. Sabedor de que a ruína da Bolívia trará benefícios de curto e longo prazo para o Brasil, o Itamaraty finge que está irmanado ao povo boliviano. E ainda "dá corda" no discípulo de Hugo Chávez, para ver se ele destrói seu país mais rapidamente.
Por isso, só nos resta agradecer à Bolívia e cumprimentar a diplomacia brasileira pela habilidade com que consegue dissimular a sua verdadeira agenda.

Cãndido Prunes é vice-presidente do Instituto Liberal.

574) Shadow cabinet: ministro extraordinario (ou paralelo?) para assuntos aleatorios externos?

Recebido de um amigo (que por sua vez recebeu de alguém que leu no site informativo Vide Versus, de Porto Alegre), que é responsável pelo comentário abaixo:

REPASSANDO NOTÍCIA RECEBIDA QUE, PARA GENTE QUE ACOMPANHA O NOTICIÁRIO E RACIOCINA, DISPENSA COMENTÁRIOS.

QUE BRASIL É ESTE?
Folha descobre que José Dirceu foi negociar com a Bolívia em nome do governo Lula

A edição dessa quinta-feira (6 de julho de 2006) do jornal Folha de São Paulo tem matéria revelando que o ex-ministro chefe da Casa Civil da Presidência da República, deputado federal cassado José Dirceu, fora do governo desde 16 de junho do ano passado, manteve encontros políticos na Bolívia em abril passado, agindo na condição de emissário do governo Lula e tratando do tema da nacionalização do gás e do petróleo bolivianos. José Dirceu esteve em La Paz nos dias 23 e 24 de abril, quando a Bolívia vivia a expectativa do anúncio da nacionalização dos hidrocarbonetos.

O decreto foi assinado no dia 1º de maio, pelo presidente Evo Morales, e afetou as operações da Petrobras na Bolívia, que foi expropriada de seu patrimônio. A Folha apurou que José Dirceu manteve ao menos dois compromissos no dia 23, um domingo: com Evo Morales, no Palácio de Governo (a agenda presidencial registra o encontro às 15h30 e tem a anotação "alto dirigente do PT), e uma reunião com seis parlamentares do "Podemos" (Poder Democrático e Social), o principal partido de oposição.
Nessa reunião, José Dirceu disse que havia chegado à Bolívia em um vôo particular. A Folha apurou que a viagem entre São Paulo e La Paz foi feita em um jatinho pertencente à empresa MMX, do empresário Eike Batista, o qual é proprietário da EBX, siderúrgica instalada parcialmente em Puerto Quijarro, a 15 quilômetros de Corumbá (MS), e que terminou proibida de operar no país pelo governo Morales, sob acusação de ter começado a ser construída sem licença ambiental. Eike Batista anunciou a saída da EBX da Bolívia dois dias depois da visita de José Dirceu, em 25 de abril.
No dia 23 de abril, conforme registro do Aeroporto Internacional de El Alto, o único vôo privado originário do Brasil chegou a La Paz às 12h38 locais, proveniente do aeroporto de Guarulhos. O avião, um jato Cessna Citation 7, prefixo PTOVU, levantou vôo no dia seguinte, às 21h47, e voltou a Guarulhos, tendo feito uma escala em Santa Cruz de la Sierra.
"Ele não veio tratar de negócios, não veio fazer turismo, não veio por motivos particulares. Ele veio tratar de temas bilaterais entre os governos do Brasil e da Bolívia", afirmou um dos parlamentares do "Podemos" presentes ao encontro, sob a condição do anonimato: "Não sei se usou estas palavras, mas veio definitivamente em nome do governo do Brasil".
Conforme o relato desse parlamentar da oposição, José Dirceu contou que foi recebido no aeroporto por representantes do governo. Dali, foi levado à comunidade de Achocalla, na mesma região do aeroporto, onde participou de cerimônia de boas-vindas da etnia aimará, à qual pertence Evo Morales.
Para os parlamentares oposicionistas do "Podemos", José Dirceu não mencionou o encontro com o presidente Evo Morales, mas disse que jantaria com membros da cúpula do governo e que um dos temas principais era o projeto de nacionalização. Segundo o parlamentar, Dirceu não mencionou a EBX durante a conversa. O encontro de José Dirceu com a oposição durou duas horas e começou por volta das 17 horas.
O local foi a casa do suplente de senador Andrés Fermín Heredia Guzmán, do departamento fronteiriço de Pando. José Dirceu falou sobre a relação entre Lula e Morales, as eleições no Brasil e ouviu relatos de preocupação sobre a ingerência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, na Bolívia.
Disse o mesmo parlamentar: "Foi uma conversa muito cortada, ele tinha dois celulares que não paravam de tocar". Mas, o assunto principal de José Dirceu foi a expectativa em torno da nacionalização dos hidrocarbonetos. Ele avaliou (de maneira completamente errada, como hoje se sabe) que não haveria ações duras contra o Brasil por causa das boas relações entre Lula e Morales: "O José Dirceu disse acreditar que, sob nenhuma hipótese, haveria medidas contra os interesses do Brasil. Mas, disse também que, se Evo se porta mal, nós vamos embora. Assim mesmo, em português".

http://www.videversus.com.br/index.asp?SECAO=76&SUBSECAO=0&EDITORIA=1452

---------------

Da coluna diária do Cesar Maia, em 7 de julho de 2006:

O QUE FOI FAZER?
Folha de SP

Dirceu não revela o que foi fazer na Bolívia Em nota, ex-ministro nega ter encontrado Evo Morales e diz que "atividades profissionais" o levaram ao país vizinho em abril Empresa de Eike Batista confirma ser dona de jato que levou petista a La Paz, mas não afirma se ele estava representando o empresário Em nota divulgada ontem, o x-ministro da Casa Civil José Dirceu disse ter desempenhado "atividades profissionais" na viagem que fez entre 23 e 24 de abril último a La Paz, na Bolívia, mas não explicou para quem trabalhava e qual o objetivo da viagem. Dirceu revelou ter feito outras viagens "de caráter profissional" para os Estados Unidos e o México -também sem revelar os clientes.
A Folha revelou ontem que, em La Paz, Dirceu manteve encontros com o presidente Evo Morales e com parlamentares da oposição para discutir a crise dos combustíveis - dias depois, em 1º de maio, Morales decretaria a nacionalização do gás e do petróleo bolivianos.

573) Um outro velho jornal reacionario: velinhas para o Wall Street Journal

Leio na coluna "This Day in History":

1889 Wall Street Journal begins publishing

Meus parabéns ao venerando jornal capitalista. Ele tem a idade da República brasileira e certamente passou por menos reformas e turbulências, cosméticas ou de substância, do que o nosso combalido e altamente desacreditado regime republicano.
Não sou um leitor, sequer habitual, desse jornal que não tem vergonha de defender, acerbamente, valores e princípios capitalistas.
Apenas recebo, diariamente, o resumo de suas principais notícias e editoriais.
Como não sou um capitalista, não me sinto obrigado a pagar uma assinatura para acesso pleno às muitas matérias publicadas nesse jornal, que faculta apenas parte do material publicado para leitura online.
Mas sempre presto atenção à coluna semanal, publicada aos sábados, chamada "Five Best" que sempre seleciona os "cinco melhores livros" -- na concepção de seus autores, obviamente -- numa área determinada: pode ser policial, história, política, artes, whatever.
A seleção deste sábado 8 de julho de 2006, por exemplo, cobre as cinco melhores novelas, efetuada por Louis Auchincloss -- sempre é uma personalidade convidada a fazer a sua seleção, geralmente jornalistas e críticos, mas também pode ser um politico ou artista -- que oferece sua lista e que transcrevo abaixo.

Para terminar, renovo meus cumprimentos ao velho jornal do bastião capitalista da América, certamente in good shape do ponto de vista fiscal e orçamentário, o que talvez não possa ser dito da nossa república combalida.

FIVE BEST

The Long and the Short of It
The best novellas.

BY LOUIS AUCHINCLOSS
Saturday, July 8, 2006 12:01 a.m. EDT

1. "Madame de Treymes" By Edith Wharton (Scribner's, 1907).

A notable form of fiction, the novella is approved more by the reading public of yesterday than of to day. Its length is hard to specify other than to say that it is usually not long enough to justify a separate publication under its own covers, yet it is certainly a useful form for any subject too simple for a novel but too complex to be fitted within the limits of a short story. Edith Wharton's "Madame de Treymes" is a remarkable example of the form. It is the story of the tactical defeat but moral victory of an honest and upstanding American in his struggle to win a wife from a tightly united but feudally minded French aristocratic family. He loses, but they cheat. It is essentially the same tale with the same moral as James's full-length novel "The American." In a masterpiece of brevity, Wharton dramatizes the contrast between the two opposing forces: the simple and proper old brownstone New York, low in style but high in principle, and the achingly beautiful but decadent Saint-Germain district of Paris. The issue is seamlessly joined.

2. "The Author of Beltraffio" By Henry James (1884).

Here Henry James successfully encapsulates a tale that might seem to require longer treatment. A mother allows her young son to die unattended by a doctor rather than see him live to be corrupted by his father's literary infatuation with what she considers the evil beauty of the Italian Renaissance. All that James wished to draw from his donnée is a sense of the horror that may result from a philistine's loathing of anything charming enough to interfere with the dullness of order for order's sake.

3. "Olivia" By Dorothy Bussy (William Sloane, 1949).

Dorothy Bussy's "Olivia" is the perfect novella because the form and content are in ideal proportion. It is the deeply moving tale of a girl's crush on the cultivated headmistress of a French boarding school and of the tender and humane way that the infatuation is handled by the older woman. The headmistress realizes that her initial response to the girl's attachment is too warm for the student's ultimate good. One feels that, though her crush may be an isolated incident in the girl's existence, to be replaced by maturer emotions, perhaps even a happy marriage, it is nonetheless an important and ever memorable phase in a lifelong engagement with the art of love.

4. "The Portrait of Mr. W.H." By Oscar Wilde (1889).

Wilde's novella is a delightful and half-plausible romp through the multitudinous inquiries into the identity of the youth to whom Shakespeare's sonnets are largely addressed. "The Portrait of Mr. W.H." ends with the novel theory that the young person is not a beautiful maiden, as one might assume, but the boy actor who performed as Rosalind, Juliet and Cleopatra at the Globe Theatre. The reconciliation of this idea with the text of the poems is brilliantly provocative and even enhances one's appreciation of the verse by stretching the imagination. Of course, one is not convinced; one is not meant to be. It is a glorious jeu d'esprit.

5. "Le Procurateur de Judée By Anatole France (1892).

This pearl of a novella is known to many principally through its final line: the aging Pontius Pilate's response to a query put to him by an old friend. The two are reminiscing about their past in Judea, when Pilate was the local Roman administrator. Recalling an early mistress who left him to follow a young man reputed to perform miracles--and who was later crucified for some crime--Lamia asks Pilate if he remembers the man, one Jesus of Nazareth. Pilate scratches his head and says, no, he does not recall the name. Anatole France wonderfully contrasts the former Roman ruler's calm, philosophic detachment with the violent eruptions of portions of the empire that preferred religious fanaticism and independence to deference to the eternal city. Pilate predicts the terrible coming revenge of emperor Titus. But what broods over the story is the inevitable triumph of an even more terrible church militant.

Mr. Auchincloss's most recent book, "The Young Apollo and Other Stories," was published by Houghton Mifflin in April.

572) O jornal reacionario ataca outra vez: politica externa

Editorial do jornal O Estado de São Paulo, 7 de julho de 2006

Uma política claramente ineficaz

A um jornalista que lhe pedia esclarecimentos sobre comentários feitos durante um debate sobre política externa, na terça-feira, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, desculpou-se: "Sou assim mesmo, obscuro." Não é. A política que o embaixador Pinheiro Guimarães ajuda a planejar e a implementar é tudo, menos obscura. Seus pressupostos são de uma clareza meridiana. A globalização é um mal que ameaça a existência do Estado nacional, cuja função é orientar e conduzir - não como regulador, mas como agente principal - a vida política, econômica e social do país; e essa situação convém apenas aos ricos países industrializados do Norte, que agem como modernos colonizadores dos pobres países do Sul.

E as ações da política externa, que decorrem cartesianamente daqueles pressupostos, são igualmente transparentes. Sendo os EUA os principais arautos e beneficiários da globalização, cabe ao Brasil organizar a resistência dos países do Sul contra a onda antinacional. Os meios para isso são as "alianças estratégicas" com países como a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul. As regiões prioritárias para a diplomacia são a África e a Ásia, além, é claro, a América do Sul. São esses os parceiros que os formuladores da atual política externa escolheram para alavancar a arrancada do Brasil rumo ao desenvolvimento econômico e à "emancipação" política.

Se essa política não funciona, não é por falta de clareza. É porque seus formuladores não conseguiram se libertar de preconceitos adquiridos nas décadas de 1950 e 1960 e continuam aplicando esquemas dogmáticos que já então estavam ultrapassados. Em resumo, a atual política externa fracassa porque não só está em desacordo com a realidade, como não tem vigor para mudá-la.

Por ter uma política externa ideologicamente enviesada, o Brasil não tem acordos de comércio com seus principais mercados. O Mercosul se esgarça. A união da América do Sul é um simples papel. A Alca foi torpedeada pelo presidente Lula, que se vangloria de ter levado as negociações a um impasse logo em seu primeiro ano de governo. O acordo Mercosul-União Européia está encruado. As "parcerias estratégicas", se resultaram em alguma vantagem, foi para os parceiros. E, para completar, vários vizinhos do Brasil estão fazendo acordos com os EUA, o que dificulta o nosso acesso aos mercados mais promissores.

O esquematismo dogmático impede que o embaixador Pinheiro Guimarães veja a realidade brasileira como ela é - e isso se reflete na política externa. No debate de terça-feira, por exemplo, ele fez duas afirmações dignas de um jejuno nas coisas do Brasil. "Se a indústria brasileira fosse competitiva, o Brasil seria um país desenvolvido", foi a primeira. A segunda foi ainda mais surpreendente: "Se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro." Basta acompanhar, mês a mês, a balança comercial para se ter uma noção da competitividade da indústria brasileira. Apesar dos entraves estruturais - a começar pela taxa de juros e pela cotação cambial, passando pelas deficiências estruturais que formam o custo Brasil -, os superávits a favor do Brasil se sucedem. E não se pode dizer que a agricultura mais desenvolvida do mundo, em termos de tecnologia de produção, não seja capaz de alimentar bem todos os brasileiros e ainda produzir resultados decisivos para a balança comercial. Note-se que o boom das exportações agrícolas coincidiu com os efeitos do Plano Real sobre o consumo interno de alimentos.

O problema não está na globalização ou na vocação imperialista dos EUA. Está no governo a que o embaixador Pinheiro Guimarães serve e na política externa que ele ajuda a implementar. Tornou-se artigo de fé, em Brasília, negar à indústria e à agricultura as condições necessárias para que os bons resultados até agora verificados se mantenham e ainda produzam mais divisas e empregos para o País. Em artigo publicado no Estado de quarta-feira, o economista Marcos Sawaya Jank mostra que o movimento de exportações mais dinâmico se dirige para o Hemisfério Ocidental, aí incluídos os EUA. De um déficit de US$ 4,2 bilhões em 1996, passamos para um superávit de mais de US$ 25 bilhões. É esse mercado, que consome produtos de alto valor agregado, que a política externa do embaixador Pinheiro Guimarães põe de lado por razões ideológicas, privilegiando os países mais pobres.

(Original neste link)

571) Otimizacao das buscas na Web: um site otimo...

O professor titular o Instituto de Informática da UFRGS, José Palazzo Moreira de Oliveira ensina, em seu site, como otimizar um processo de busca na internet.
Transcrevo aqui a introdução explicativa de seu manual, que remete, no parágrafo final, ao link para acesso ao arquivo em questão.

#
Um dos programas mais utilizados atualmente são os navegadores na Web. Uma grande parte do tempo usado pelas pessoas frente a um computador é utilizado para navegar em páginas Web. Mas como achar as páginas interessantes? Como resolver uma dúvida ou encontrar uma informação desejada? A maior parte das pessoas utiliza os serviços de busca, como o Google, para encontrar as páginas desejadas, mas surpreendentemente poucas se preocupam em otimizar esta busca e de reduzir o tempo gasto em obter a informação desejada. Este site tem por objetivo fazer as suas buscas por informação na Web mais rápidas e eficientes. Meu principal objetivo é discutir como a busca inteligente na Web pode ser usada para diminuir o tempo gasto para encontrar uma informação adequada.
#
A maior parte das páginas contém apontadores para outros sites com informação complementar, não deixe de segui-los e de estudar o seu conteúdo pois foram escolhidos por conter material adicional interessante. Além disto você pode utilizar as caixas de busca Google para encontrar material adicional. Não deixe de realizar buscas, seja criativo! O conhecimento está na Web!
#
NOVIDADES
*
Acabo de incluir um tutorial sobre a Busca na Web. Este texto descreve como realizar uma busca eficaz e dá algumas boas dicas. É uma introdução que pode ser útil para auxilar as buscas na Web. Pretendo, aos poucos, adicionar novas páginas aprofundando o assunto.
*

sexta-feira, 7 de julho de 2006

570) Teoria da jabuticaba em ação: um caso teórico transformado em nova jabuticaba

Eu acabava de publicar, num dos casos referidos em minha "teoria da jabuticaba", minha oposição a mais uma dessas soluções geniais para enfrentar nossos terríveis problemas de má qualidade da educação, quando a notícia vem confirmar, justamente, que o Brasil não perde uma oportunidade para criar, ainda e sempre, novas jabuticabas.

Vejam esta notícia:
"Decisão torna obrigatória filosofia e sociologia no ensino médio
da Folha Online, 07/07/2006 - 20h29

Uma decisão do CNE (Conselho Nacional de Educação) divulgada nesta sexta-feira torna obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no ensino médio em todas as escolas do país. Hoje, as disciplinas fazem parte do currículo das escolas de 17 Estados.
A intenção do CNE é desenvolver o espírito crítico dos estudantes. A decisão deve ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad.
A decisão prevê prazo de um ano para que os Estados incluam as disciplinas nos seus currículos do ensino médio."

Agora, os interessados podem ler, se desejarem, meu artigo sobre a "teoria da jabuticaba", no qual essa obrigatoriedade do ensino das duas disciplinas no ciclo médio figurava com destaque como um dos "case studies".
Vejam o artigo:
Teoria da jabuticaba, II: estudo de casos
Publicado no blog do Instituto Millenium, em 5 de julho de 2006.
Neste link.

569) O chocolate foi introduzido (mas não disseram onde, exatamente)

Leio na minha coluna diária "Today in History":

1550 Chocolate introduced

Poderiam pelo menos explicar aonde, exatamente, eles introduziram o chocolate.
Em todo caso, chocólatras, chocófilos e outros chocomaníacos, rejouissez-vous, refestalai-vos, mas cuidado para não exagerar, pois que, dependendo da qualidade, pode dar dor de barriga ou coisa pior...
Em todo caso, eu recomendo chocolates belgas ou suíços, dois países que, como todos sabem, possuem imensas plantações de cacauieiros (assim que se diz?)...
E aqui no Brasil, vem à tona, muitos anos depois da ocorrência, a descoberta que a terrível praga da "vassoura de bruxa", que dizimou as plantações do sul da Bahia, foi na verdade introduzida pela ação de alguns militantes de esquerda (um do PDT e outros três do PT, estes trabalhando para a própria CEPLAC), que pretendiam assim diminuir o poder econômico dos "barões da cacau", que como todo mundo sabe são senhores feudais da direita, aos quais estavam opostos ideologicamente os tais militantes da esquerda.
Com isso provocaram uma tragédia social, com perda de dezenas de milhares de empregos na região, sua depressão econômica, e converteu o Brasil, que era o segundo exportador mundial de cacau e pasta de cacau, num importador do produto.
Como é possível que a cegueira ideológica provoque tal tragédia social e a perda de centenas de milhões de dólares para o país?
Chocolatófilos, enraivecei...

568) Pour en finir avec la "sélection canarrinhô"...

Recebi de um amigo, que evidentemente recebeu de outro amigo, e este de outro et ainsi de suite, e a gente nunca descobre que é o autor desses textos não assinados que circulam anonimamente pela internet, segundo os humores do momento.
Sempre tem gente que não tem nada para fazer na vida e fica inventando coisas espirituosas.
O Francês c'est de l'Académie (mais on ne dit pas laquelle...).
Em todo caso, aqui vai:

CARTA DE ZIDANE AO PARREIRA

Lettre

"Messiê Parreirá,
Je suis desolé aussi pour la derrote de votre selección. Mais, comparrê com le reste, vous até qui si sairrôm bien. Non culpê les jogadeurs di la pessime actuacion onc lá partide. Nous tous sabemous qui la culpe est de lá imprensá.
Ou est la plume de madame? Son les repourteur qui denominé le "Quadresiéme Magique", son las cronique du Pedrô Biel, Corá Ronaí, Xexeô et Marcus Uchoá, un petit "sketch" on "Fantástique" et la transmission du Galvian Buenô que fair con le peupl brazilien acreditê en quelque chose qui passe na Globô.
Perdê la Coupe cest apenás un petit problem. Tu agorrá vais a manger le baguette qui le diable amasseur. Mais, depuis ils von si esquecê i tu vais a pouder dourmir en pé. Pasquê daqui a poucô serrá le gran finale di Belissimá, et logô en seguide vous terrá que escolhê votre president, et despuis serrá Nöel, et despuis serrá Reveillon, Carnaval, Bal Masquê et.puff, voilá! Tu sumirrá du mape. Como la eau du cologne qui si evaporre. Como la champagne qui detonê depuis de lá partida.
Le Zagallô es mui superticiô e adorê le numer 13. PARREIRÁ BURRÔ tem 13 letras, pois non?
Tous le peuple de la France, agradece la preferânce. Moi non plus.
Le Freguê tienderá toujours la raison.
Au revoir,
Zinedine Zidane, Zizou amis du pour".

567) Assim marcha a América do Sul...

Ao que me lembre, é a primeira vez que eu vejo a agenda de presidentes ser estabelecida por um outro presidente:

Morales diz que Lula vai ao início da Constituinte boliviana
Além do presidente brasileiro, foram convidados Néstor Kirchner, da Argentina, e Nicanor Duarte, do Paraguai
EFE, Agência Estado, 06 de julho de 2006 - 21:44

LA PAZ - O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse nesta quinta-feira que seus colegas do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; da Argentina, Néstor Kirchner, e do Paraguai, Nicanor Duarte, participarão da inauguração da Assembléia Constituinte recém votada pelos eleitores bolivianos.
"Anteontem à noite tive uma grande reunião (em Caracas) com o presidente do Brasil, na qual ele também confirmou sua presença na instalação desta Assembléia Constituinte", que acontecerá no dia 6 de agosto na cidade boliviana de Sucre, afirmou Morales em Cochabamba.
Morales voltou de Caracas, onde participou, como convidado, de uma reunião presidencial do Mercosul.
Além de Lula, Kirchner e Duarte, também garantiram presença o venezuelano Hugo Chávez e o equatoriano Alfredo Palacio.
O líder boliviano disse que espera "contar com a maior quantidade de presidentes que sejam testemunhas e presenciem este ato histórico de transformações profundas" no país andino.
Morales também enviou convites aos presidentes dos Estados Unidos, George W. Bush; do Governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero; da França, Jacques Chirac, e do Chile, Michelle Bachelet, e bem como ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
Faltando apurar os últimos votos, os partidários de Morales aparentemente obterão a maioria absoluta nas eleições do domingo passado, para formar a Assembléia Constituinte, embora com uma percentagem inferior aos 53,7% que o presidente conquistou no pleito de 18 de dezembro.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

566) "Competitividade" brasileira: infra-estrutura deteriorada

A infra-estrutura vive à míngua
Carlos Zveibil Neto
Vice-presidente da Apeop - Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas
Gazeta Mercantil, 6/07/2006, Caderno A - Pág. 3

O empresariado aposta no projeto das Parcerias Público-Privadas (PPP).
Os produtores do semi-árido nordestino produzem uma imensidão de frutas no Rio Grande do Norte, por exemplo, as quais, todavia, não podem ser escoadas por ferrovias, inexistentes, e precisam ser levadas em caminhões frigorificados, ao longo de 280 quilômetros de estradas esburacadas, para serem exportadas a partir de Fortaleza, já que há anos o porto de Natal não recebe investimentos. O lucro e a competitividade se esvaem na rodovia, reparada por uma "operação tapa-buraco" ineficiente. Não é só o transporte caro, mais custoso ainda em decorrência da manutenção da frota, sacrificada pelo mau pavimento, que aumenta o custo-Brasil. Antes mesmo de produzir, o agricultor precisa enfrentar a concorrência desleal com o governo federal para conquistar a mão-de-obra, mais cara porque não há interesse em trabalhar.
"A sertaneja ganha R$ 1,5 mil do governo cada vez que tem um filho, recebe cesta-básica, auxílio-escola, bolsa-família", me disse um empresário em Mossoró, "e com a renda invejável garantida pelo governo assistencialista, o pai de família não está interessado em trabalhar". Os juros altos são importantes, efetivamente, mas mais necessário que baixá-los e distribuir alimento de graça, repetindo o erro condenado há milênios por Confúcio, de dar o peixe sem ensinar a pescar, seria importante dotar o Nordeste e o Brasil inteiro de saneamento básico, para garantir a sanidade da população, tornando-a forte e produtiva e para que o Brasil possa atingir o grau de crescimento que precisa.
Para dotar todo o País da necessária rede de saneamento, seria preciso investir R$ 10 bilhões por ano durante 20 anos, mas no ano passado o investimento foi de menos de R$ 2 bilhões, 10% do que seria necessário. E enquanto a falta de rede de esgoto, de água tratada, multiplica as doenças hidrotransmissíveis, aumenta as diarréias que resultam no alto índice de mortalidade infantil, Brasília tenta minorar a conseqüência distribuindo comida, sem atacar a causa do problema.
Isso perpetua o círculo vicioso, que se torna mais vicioso ainda, ao ensinar ao morador das pequenas cidades nordestinas que cabe ao governo a obrigação de garantir seu sustento e que não é preciso trabalhar para viver. E enquanto se preocupa com esse varejo que realmente traz votos, enquanto saneamento enterrado tem pouco valor eleitoral, o Brasil se aproxima da beira do precipício anunciado da falta de energia. Qual o empresário que vai montar uma fábrica sem a garantia de que daqui a três anos terá energia para fazê-la funcionar? E será que nesse futuro próximo poderemos contar com o gás transformado em arma política pelo chavismo-boliviano?
É necessário que o governo federal entenda que o crescimento, a criação de empregos e, em decorrência, de riqueza, depende de que ele dê ao empresariado nacional a infra-estrutura necessária para que a iniciativa privada possa fazer sua parte. Caso contrário, o País que assistiu tantas vezes ao triste espetáculo do nordestino migrando para o Centro-Sul para fugir da seca, continuará assistindo à migração que começa, das fábricas brasileiras mais produtivas para países vizinhos, em busca da infra-estrutura que a cegueira dos nossos dirigentes impediu que o Brasil montasse. O empresariado aposta e quer colaborar no projeto das Parcerias Público-Privadas (PPP), sejam eles estaduais ou federais, cujo objetivo é dar ao País aquilo que os governos não podem fazer.
Dinheiro existe, pois empresas associadas geram suficiente poder financeiro, existe vontade e, mais ainda, necessidade, o que não se pode é privilegiar a ideologia sobre o particular, preferir a ineficiência tradicional do setor estatal, que alguns políticos insistem em beneficiar em detrimento do desenvolvimento e do crescimento. Ou seja, as PPP devem ser imaginadas num modelo que contemple a realidade efetiva. Não adianta colocar em licitação projetos que não param em pé seja técnica, seja economicamente, para postergar as PPP, como está sendo feito.