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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

1646) Fórum Social Mundial: antecipando as conclusões

Fórum Social Mundial: antecipando as conclusões
Paulo Roberto de Almeida

Como acontece todo ano, os alternativos da antiglobalização estarão reunidos neste final do mês de janeiro para protestar contra a globalização assimétrica e proclamar que um “outro mundo é possível”. Eu também acho, mas a verdade é que eles nunca apresentam o roteiro detalhado desse outro mundo esperado, se contentando com slogans redutores – geralmente equivocados – contra a globalização, essa mesma força indomável que torna mais eficiente a interação entre essas tribos e permite que suas mensagens – equivocadas, como sempre – alcancem, em questão de minutos, todos os cantos do planeta. Em todo caso, eles já se consideram tão importantes que já nem mais se dão ao trabalho de protestar contra o outro Fórum Mundial, o capitalista de Davos, como ocorria todo ano naquela estação suíça de esqui: os capitalistas agradecem serem deixados em paz e prometem refletir sobre as propostas do fórum alternativo, se é que alguma será feita.
Como também acontece todo ano, eu fico esperando para ver se alguma ideia nova e interessante – Ok, ok, também podem ser ideias velhas e desinteressantes, mas que sejam pelo menos racionais e exequíveis – vai emergir desse jamboree anual de antiglobalizadores e iluminar as nossas políticas públicas tão carentes de racionalidade e sentido de justiça. Como não confio, porém, que algo de novo vá surgir de onde nunca veio nada de inteligente, resolvi não esperar pela conclusão do encontro de 2010, e me proponho, sem cobrar copyright dos antiglobalizadores, antecipar suas conclusões conclusivas (se é verdade que algo do gênero corre o risco de nos surpreender).
Pois, vejamos o que vai resultar de mais um animado encontro dos alternativos:

1) A globalização capitalista produz miséria, desemprego, desigualdade e retrocessos sociais no mundo, devendo ser substituída por globalização solidária, na qual a economia não vise unicamente o lucro dos grandes monopólios multinacionais, mas promova o bem-estar de todos os cidadãos;
2) A crise financeira é uma prova de que a economia capitalista só produz desastres, servindo para beneficiar um punhado de banqueiros gananciosos, que além de tudo se apropriam do dinheiro público para distribuir gordos bônus entre esses privilegiados;
3) As políticas econômicas promovidas pelo G7 – e agora pelo G20 também – não tem servido para recolocar a economia mundial no caminho do crescimento e da distribuição de riqueza, posto que elas se caracterizam por uma adesão acrítica e incondicional às políticas neoliberais e às famosas regras do “consenso de Washington”, que só aprofundam a crise e a miséria das massas trabalhadoras;
4) A despeito das promessas de mudança no país mais poderoso do planeta, as mesmas políticas imperialistas continuam a ser praticadas, e governos que tentam escapar do jugo do capitalismo monopolista vêm sendo sabotados em seus intuitos de mudar a orientação das políticas econômicas no sentido da distribuição e da igualdade;
5) As políticas liberais de livre comércio e de liberalização dos mercados de capitais, promovidas pela OMC, pelo FMI e pelo Banco Mundial, só beneficiam os mais ricos, ao mesmo tempo em que aprofunda as desigualdades no planeta; os povos têm direito de lutar por uma agricultura sustentável, socialmente justa, que contemple os objetivos da segurança alimentar, contra as ameaças dos transgênicos e da agricultura capitalista;
6) Os grandes monopólios multinacionais se opõem à justiça ecológica, e pretendem continuar com plena liberdade para poluir a Terra e esgotar seus recursos naturais;
7) O racismo, a discriminação contra a mulher, a opressão dos povos periféricos, as violações dos direitos humanos e o próprio terrorismo fundamentalista são o resultado da globalização assimétrica e de um processo histórico marcado pela ocupação imperialista, que insiste em preservar a sua dominação, inclusive mediante o terrorismo de Estado;
8) Devemos lutar por um “outro mundo possível” e pela imposição de uma taxa sobre as transações financeiras internacionais para apoiar projetos de desenvolvimento nos países mais pobres, em especial os da África.

Com algumas variantes, estas são as minhas apostas para as “conclusões” mais prováveis do próximo encontro do Fórum Social Mundial.
Alguém quer apostar comigo?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5.01.2010.

1645) Meu balanço da década que passou...

Balanço da primeira década do século 21: um retrospecto pessoal
Por Paulo Roberto de Almeida
Via Política, 2.01.2010

Uma avaliação livre e confessional do que foi mais importante nos últimos dez anos.

Introdução (que deveria ser breve) sobre métodos e intenções

Vamos aproveitar esta oportunidade da passagem de uma década completa para elaborar uma avaliação em torno do que de mais importante se passou nos primeiros dez anos do século 21, que também são os primeiros do novo milênio. Com efeito, períodos ‘redondos’ – e uma década tem essa característica – se prestam bastante bem a esse tipo de balanço retrospectivo, ou seja, uma avaliação do que ocorreu – ou do que fizemos no período transcorrido.

Dez anos permitem ultrapassar a brevidade relativa do calendário anual e são mais ‘administráveis’, na nossa perspectiva de vida, do que uma geração ou duas (25 ou 50 anos). Estes últimos dez anos oferecem inclusive a vantagem de serem os primeiros de um novo século, e este foi, justamente, o título de um dos meus livros: Os Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo Paz e Terra, 2002), uma releitura aroniana do cenário mundial no contexto da globalização. Eles constituem, assim, uma referência cronológica simbólica para avaliar (e especular sobre) a próxima centúria, com essa vantagem adicional, justamente, de terem iniciado um novo milênio.

Eis o que me proponho oferecer neste pequeno texto recapitulativo: um breve retrospecto do quê representaram os últimos dez anos para o Brasil e para o mundo. A seleção de fatos políticos, de eventos econômicos e de processos sociais aqui efetuada é puramente subjetiva, refletindo minhas escolhas pessoais quanto às situações de fato e aos cenários estratégicos já ocorridos nos últimos dez anos. No plano ‘confessional’ faço questão de registrar minha posição de cidadão livre de toda e qualquer afiliação política ou partidária (a distinção pode ser importante), de qualquer vinculação religiosa (aliás, sou completamente ‘irreligioso’) e, sobretudo, minha total independência em relação ao Estado, a despeito mesmo de minha condição de servidor federal de uma das carreiras supostamente mais reputadas por sua ‘servidão’ aos interesses do Estado: a diplomacia.

Na verdade, considero-me livre de qualquer tipo de obrigação adesista a qualquer governo que seja, sendo perfeitamente ‘anarquista’ no plano político-profissional e um promotor consciente dos direitos dos cidadãos contra os interesses do Estado, tanto no plano nacional (não sou, como se pode deduzir, um exemplo de ‘patriota’) como no internacional (gostaria de ser um cidadão do mundo, o que, helàs, ainda não é possível).

O bug que deveria ser um bang e um mini-crash financeiro
Começamos a década por um blefe, ou talvez uma paranóia, tão irracional quanto ridícula: a ameaça de colapso informático – e, por extensão, de diversos serviços públicos – por causa de um suposto “bug do milênio”, que teria a propriedade (segundo os catastrofistas de ocasião) de paralisar todos os sistemas eletrônicos a partir da incapacidade dos antigos programas operacionais de acomodar a passagem do calendário. Eu estava nos EUA quando o velho milênio chegava ao seu final e posso testemunhar como nunca antes naquele país – talvez desde as centúrias de Nostradamus – se assistiu a tamanha paranóia coletiva com relação ao colapso de about almost everything: colocados em dúvida pelos próprios meios de comunicação, os americanos começaram a estocar montanhas de alimentos, garrafões de água, lanternas e baterias, num ritmo jamais igualado desde a passagem do ano 1000 (quando provavelmente a maioria da população sequer tinha consciência de que o fim do mundo se aproximava).

Claro, os americanos foram poupados da catástrofe anunciada do bug do milênio – por lá chamado de Y2K – mas eles não conseguiram escapar da primeira crise econômica do século, a das empresas ‘ponto.com’, por incidir sobre as ações das novas companhias da sociedade da informação. Com efeito, os índices Dow (a 11.723 pontos) e Nasdaq (a 5.049, este medindo o desempenho de empresas de comunicação) tinham chegado a níveis inéditos de valorização: era a ‘exuberância irracional’ do guru do Federal Reserve, o inescrutável Alan Greenspan. Daí eles só poderiam cair, a despeito de que alguns economistas reputados afirmassem que a economia capitalista poderia ter chegado num estágio em que ela, finalmente, teria se tornado imune a ciclos e, portanto, às suas crises regulares.

Bastou a hipótese da estabilidade do capitalismo ser aventada para que a realidade de suas flutuações crônicas caísse na cabeça de seus promotores, com toda a sua carga de irracionalidade periódica: no espaço de uma semana, no final do ano, as ações das “.com” despencaram de alturas olímpicas para patamares mais terrestres (algumas foram direto para o primeiro círculo do inferno). Bilionários como Warren Buffet e Bill Gates ficaram, repentinamente, alguns bilhões de dólares mais pobres –nada de muito dramático para eles – mas, antes da queda fatal, especuladores sortudos e jovens investidores que tinha sido remunerados com stock options na constituição dessas ‘inexpressivas’ companhias (no começo dos anos 1990) já tinham encaixado suas fortunas a partir da venda de ações no auge da bolha acionária. Sempre é assim: os inexperientes e ambiciosos acabam fazendo a felicidade de alguns poucos espertos, em todo caso pessoas dotadas de faro apurado para saber sair da ciranda no timing exato da maior valorização, posto que bolhas são tão regulares quanto implacáveis.

No Brasil, nesse mesmo momento, o PSDB começou a perder a possibilidade de um terceiro mandato, a partir de crises especificamente brasileiras. Entre a desvalorização e a flutuação do real, em 1999, e o apagão elétrico de 2001, com racionamento, o ano 2000 foi relativamente ‘feliz’ do ponto de vista econômico: crescimento do PIB e pagamento antecipado do dinheiro colocado à disposição pelo FMI depois da crise de confiança de 1998. Mas logo em seguida começou a degringolada argentina: o regime de conversibilidade (de fato rigidez) cambial começou a fazer água no inicio de 2001, sem que se pudesse antecipar a derrocada espetacular no final desse ano, o que levou o Brasil a fazer o seu segundo pacote preventivo com o FMI, por um valor ‘modesto’ de US$ 15 bilhões (comparativamente aos US$ 41,5 bi de 1998 e aos US$ 30 bi de 2002).

O cowboy religioso e o sindicalista de esquerda
No final de 2000, um ‘perfeito idiota americano’ ganhava na Corte Suprema o direito de não serem recontados os votos das eleições fraudadas da Flórida e, com isso, acedia ao comando da mais poderosa nação do planeta (o que certamente não prenunciava nada de bom para a década que começava). Seu desempenho inicialmente medíocre e potencialmente controverso na liderança do Império foi, paradoxalmente, ‘salvo’ de um registro histórico inexpressivo pelos ataques terroristas a New York e a Washington, em setembro de 2001, o que lhe deu um realce nas relações internacionais que ele jamais teria por mérito próprio ou capacidade de liderança. De certa forma, ao atacar o coração do Império, Osama Bin Laden deu algum sentido ao governo de Bush, que de outra forma seria medíocre.

O ataque – devidamente autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU – ao quartel general da Al Qaeda, abrigado pelo governo talibã do Afeganistão – recebeu a aprovação quase unânime da comunidade internacional, da mesma ONU que não tinha conseguido impedir a destruição assassina das estátuas gigantes dos Budas de Bamian, um ano antes. Mas George W. conseguiu converter todo esse apoio em rejeição também quase unânime ao prolongar sua ofensiva contra o terrorismo internacional num ataque desautorizado pelo CSNU contra o regime – certamente celerado e criminoso – de Saddam Hussein, no Iraque, já no início de 2003, numa das iniciativas mais mal calculadas pelos ‘falcões’ do Pentágono.

Nessa altura, o Brasil já tinha passado pela mais importante mudança política desde o início da República, ao eleger um líder supostamente de esquerda e teoricamente representante da classe trabalhadora como seu presidente (na quarta tentativa). Não foi sem custos para o país, pelo menos durante o processo eleitoral: o risco Brasil subiu às alturas, junto com o dólar, ao mesmo tempo em que despencavam nos mercados financeiros globais os valores negociados dos títulos da dívida externa brasileira. Nem tudo foi apenas especulação dos garotos de Wall Street, embora algo possa ser creditado à ‘ação maldosa’ dos mercados financeiros, et pour cause: o PT – um típico partido esquerdista latino-americano – prometia em seu programa de ação calote nas dívidas externa e interna, rejeição dos acordos com o FMI e mudança completa nas regras do jogo, segundo uma política econômica claramente esquizofrênica.

Obviamente, as lideranças mais esclarecidas – ou mais oportunistas – do partido já tinham prometido, na ‘Carta ao Povo Brasileiro’ (junho de 2002), respeitar todos os contratos internacionais e as obrigações externas do Brasil, mudança bem recebida pelos banqueiros e burgueses em geral (que apoiaram entusiasticamente o novo aliado do capital). Eu já tinha incorporado essa vitória em vários capítulos pré-eleitorais de meu livro A Grande Mudança: conseqüências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Codex, 2003), no qual eu anunciava a conversão não reconhecida, de fato clandestina, do nouveau régime ao neoliberalismo.

“Nunca antes neste país”: refazendo a história com a herança alheia...
O resto, pode-se dizer que é História: o presidente eleito e empossado teve o bom senso de preservar em sua integridade todos os elementos da política econômica anterior – metas de inflação, flutuação cambial, superávits primários – e de acolher nos gabinetes ministeriais vários quadros técnicos comprometidos com o que os petistas chamavam desdenhosamente de “neoliberalismo”, rejeitando, em conseqüência, a esquizofrenia econômica contida nas recomendações dos seus próprios ‘economistas’. Foi a coisa mais sensata que poderia ter acontecido ao Brasil: mesmo sem acreditar muito na política econômica ‘neoliberal’, o presidente garantiu as bases de seu sucesso político ulterior, junto com a preservação da estabilidade econômica. Bem, isso se chama, simplesmente, instinto de sobrevivência, ou seja, sensibilidade política e bom senso econômico. Ele deve ter desconfiado que a aplicação das receitas econômicas surrealistas dos seus conselheiros petistas ameaçaria diretamente suas chances eleitorais ou simplesmente não seria economicamente sustentável, e agiu em conseqüência.

Claro, houve tropeços políticos e muitos, alguns deles desastrosos, que quase precipitaram um final precoce do nouveau régime: alguns deles começaram ainda cedo, com as patifarias e negociatas promovidas por lugares tenentes dos novos chefes do poder, o que foi desastroso para a imagem pública do partido que estava comemorando 25 aninhos de vida. Um erro de cálculo quanto à extensão da base de apoio do governo no Congresso conduziu ao uso mal administrado do recurso mais habitual dos responsáveis do Executivo que se julgam onipotentes: a compra, no varejo e no atacado, de parlamentares, e até de bancadas inteiras, negociados como se fossem escravos em hasta pública (mas num leilão a portas fechadas). Deu no que deu: o Richelieu todo poderoso que se julgava ao abrigo de retaliações comezinhas, arrogante como um candidato a Stalin tropical (ainda bem que sem Gulag), foi posto a nu por um desses trânsfugas de negociatas mal conduzidas, decerto descontente com o preço pago ou contrariado em seu amor próprio de chefe de bancada). Não só caiu toda a cúpula bichada do partido hegemônico, mas também houve ameaças ao próprio chefe da tribo, que salvou-se por incompetência da oposição ou por ter alegado uma inocência tão canhestra que nem seus mais próximos acreditavam.

Mas, o chamado ‘escândalo do mensalão petista’ foi apenas o primeiro de uma sucessão de episódios lamentáveis envolvendo a reputação de um Congresso cada vez mais emporcalhado pelo desfilar contínuo de comportamentos escabrosos no plano da moralidade pública, e totalmente irresponsável quanto ao bom uso dos recursos públicos, estes, aliás, devidamente saqueados pela sanha arrivista de legiões de militantes do partido no poder. No início ainda existia alguma tentativa de justificar as patifarias cometidas, a pretexto da inacreditável alegação de que “sempre se fez assim” ou, então, na base do “sou, mas quem não é?”. No acumular de episódios cada vez mais constrangedores para a reputação do partido outrora ‘ético’ – apenas para fins de imagem externa, obviamente – foram se esvaindo as justificativas mais esfarrapadas, ao ponto de sequer haver a tentativa ulterior de aparentar inocência, impondo-se apenas a atitude generalizada de obstruir no plano executivo e bloquear no âmbito congressual qualquer investigação mais séria. Como já se tinha disseminado o habito de comprar a preço de ouro bancadas inteiras, nunca faltou maioria para votar o que fosse conveniente, mesmo com o apoio incômodo de antigos representantes reacionários e corruptos.

A situação do Congresso brasileiro, e das instituições públicas em geral, se deteriorou tanto que não cabe aqui fazer qualquer balanço valorativo, valendo apenas aplicar-se a frase conhecida: “não há qualquer risco de melhorar” (pelo menos nos próximos dez anos, inclusive com base numa justiça leniente ou talvez até corrupta). Em outros países, a representação parlamentar não é certamente isenta de sua cota de medíocres, aventureiros e corruptos, mas é certo que, em países mais sérios, os maiores desviantes acabam sendo levados às barras dos tribunais e às grades das cadeias por um tempo razoável, o que parece jamais ter ocorrido no Brasil.

O Brasil surfando na onda do crescimento mundial
Qualquer que tenha sido o grau de moralidade dos sistemas políticos around the world, o fato é que o mundo embarcou, desde 2002, numa das fases de mais intenso crescimento econômico já registradas na história contemporânea, com valorização inédita de todas as matérias primas, forte expansão do comércio internacional e intensa especulação com todos os tipos de instrumentos financeiros, processo que cobraria o seu preço no final da década. O Brasil surfou alegremente nessa onda de crescimento econômico global, com expansão das exportações (mais pelo lado dos preços do que dos volumes), estímulo à demanda interna (com crescimento da oferta de crédito) e aumento da massa salarial e das rendas de transferência (pensões e assistência social).

O governo não contrariou em demasia as regras dos mercados – tampouco as do setor financeiro ou o regime cambial – o que deve ter descontentado sobremaneira seus velhos aliados e apoiadores, promotores da antiga política econômica esquizofrênica. Esta, que tinha (ainda tem) muitos defensores no governo pretendia controlar os fluxos de capitais, efetuar manipulações cambiais, reduzir substancialmente o superávit primário e lograr mais flexibilidade creditícia (mesmo sob risco de atiçar a inflação). Nem tudo foi perfeito, porém: a irresponsabilidade econômica do governo – alinhando-se com isso aos que propugnavam a expansão supostamente keynesiana dos gastos públicos – consistiu essencialmente em permitir, e promover ativamente, o crescimento desmesurado da carga fiscal, da qual apenas uma pequena parte foi dedicada a gastos sociais, a maior parte indo para banqueiros amigos do poder e para industriais amigos dos subsídios públicos dispensados pelos bancos do poder. Antecipando sobre minhas previsões, pode-se dizer que esta será a herança maldita a ser deixada pelo atual governo a seu sucessor, qualquer que seja ele: uma bomba-relógio fiscal a ser penosamente desativada, sob risco de explodir.

Os grandes temas dos anos 2000, no plano mundial, foram essencialmente estes: o recrudescimento e ampliação dos ataques terroristas – em países tão diferentes quanto EUA, Inglaterra, Espanha, Paquistão, Indonésia, Rússia, Jordânia, Filipinas, Turquia, Índia e, obviamente, Israel – fenômeno equiparado por alguns analistas a uma “quarta guerra mundial” (sendo que a terceira teria sido a Guerra Fria, vencida pelo capitalismo de mercado); a ascensão irresistível da China enquanto grande economia manufatureira e, potencialmente, grande potência mundial; a proliferação nuclear, com alguns casos intratáveis como os da Coréia do Norte e do Irã; a disseminação extraordinária da internet e dos meios de comunicação de massa, com fenômenos comerciais de sucesso como o iPod e o iPhone e alguns exemplos de “almoços grátis” no capitalismo, como os blogs e outros canais instantâneos de comunicação; o aquecimento global, que pode ser considerado uma nova modalidade de “malthusianismo” da nossa era, substituindo-se a antiga preocupação com o crescimento geométrico da população – processo ainda em curso em certas regiões e países – pela ameaça da destruição irremediável do nosso estilo de vida em função da alegada ação humana deletéria sobre o meio ambiente.

A década termina por onde começou: com crise financeira e guerra...
Para os Estados Unidos, a década foi dominada pela infeliz decisão bushiana de invasão do Iraque, a pretexto de que o afastamento do ditador abriria uma era de democratização regional e de eliminação das fontes de terrorismo mundial (já que a alegação de posse de armas de destruição em massa nunca foi acolhida pelos órgãos da ONU). A ilusão da onipotência militar, e o esquecimento das lições do Vietnã, levaram a situações de nítido constrangimento imperial – como o tratamento duro reservado aos prisioneiros em Abu Ghraib ou Guantánamo – e a impasses persistentes no terreno, o que inclui a missão ainda não terminada no Afeganistão, um atoleiro literal. A despeito da continuidade dessas aventuras militares, o presidente Obama foi contemplado com o prêmio Nobel da Paz em 2009, provavelmente em função de suas promessas de operar a retração do unilateralismo arrogante do presidente anterior e de recolocar a ação securitária dos EUA nos quadros do multilateralismo onusiano.

A década terminou com uma repetição da crise de 1929, desta vez a partir de uma bolha imobiliária convertida em implosão financeira, permitida pela suspensão, nos anos 1990, das restrições financeiras criadas nos anos 1930 para evitar o excesso de alavancagem. O fato é que a crise econômica iniciada na sequência da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, inverteu os anos de crescimento inédito do PIB mundial – em níveis nunca antes alcançados – e a valorização extraordinária dos preços de todas as commodities (o que beneficiou amplamente a economia brasileira), mas fez avançar também as bases institucionais da coordenação econômica mundial, com uma quase eclipse do G7 e a emergência do G20, um grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento representando quase 85% do PIB mundial.

As hostes keynesianas e regulacionistas usaram a crise como uma evidência contundente do mau funcionamento dos mercados financeiros deixados livres e soltos, mas o fato é que foram as ações dos governos – inclusive a longa e inacreditável permissividade do Federal Reserve, ao manter os juros artificialmente baixos em 2% entre 2002 e 2005 – que permitiram as oportunidades para o setor privado explorar os nichos de crescimento para o financiamento privado, que por sua vez criaram as bolhas que começaram a se desfazer ainda em 2007. O Brasil também usou e abusou de medidas anticíclicas de estímulo fiscal, num keynesianismo de fachada que entusiasmou seus apoiadores em certos setores do governo, mas este – sobretudo do lado do Banco Central – não foi tão longe a ponto de abolir o sistema de flutuação cambial ou de impor restrições indevidas aos fluxos de capitais, a não ser a imposição inócua de uma taxa de 2% sobre capitais estrangeiros aplicados em instrumentos financeiros (os especuladores nacionais ficaram, no entanto, livres de fazê-lo).

[vôo Beijing-Paris: 6.12.2009; vôo Paris-São Paulo: 9.12.2009; Brasília: 19.12.2009]
2/1/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e diplomata de carreira.
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1644) Um balanço otimista dos ultimos dez anos....

Economic View
Fruitful Decade for Many in the World

TYLER COWEN
The New York Times, January 2, 2010

IT may not feel that way right now, but the last 10 years may go down in world history as a big success. That idea may be hard to accept in the United States. After all, it was the decade of 9/11, the wars in Iraq and Afghanistan, and the financial crisis, all dramatic and painful events. But in economic terms, at least, the decade was a remarkably good one for many people around the globe.

The raging economic growth rates of China and India are well known, though their rise is part of a broader trend in the economic development of poorer countries. Ideals of prosperity, freedom and the rule of law have probably never been more resonant globally than they’ve been over the last 10 years, even if practice often falls short. And for all of the anticapitalistic rhetoric that has emerged from the financial crisis, national leaders around the world are embracing the commercialization of their economies.

Putting aside the United States, which ranks third, the four most populous countries are China, India, Indonesia and Brazil, accounting for more than 40 percent of the world’s people. And all four have made great strides. Indonesia had solid economic growth during the entire decade, mostly in the 5 to 6 percent annual range. That came after its very turbulent 1990s, marked by a disastrous financial crisis and plummeting standards of living.

Brazil also had a consistently good decade, with growth at times exceeding 5 percent a year. There is lots of talk that the country has finally turned the corner, and, within its borders, there is major worry that its currency is too strong — a problem that many other countries would envy.

Elsewhere in South America, Colombia and Peru have made enormous progress and Chile is on the verge of becoming a “developed” country; it will soon be joining the Organization for Economic Cooperation and Development.

To be sure, in Africa, there is still enormous misery. Nonetheless, overall standards of living rose in a wide variety of countries there, with economic growth for the continent as a whole at more than 5 percent in most years. Many basic essentials, like water, sanitation, electricity and especially telephones, are more commonly available.

One lesson from all of this is that steady economic growth is an underreported news story — and to our own detriment. As human beings, we are prone to focus on very dramatic, visible events, such as confrontations with political enemies or the personal qualities of leaders, whether good or bad. We turn information about politics and economics into stories of good guys versus bad guys and identify progress with the triumph of the good guys. In the process, it’s easy to neglect the underlying forces that improve life in small, hard-to-observe ways, culminating in important changes.

In a given year, an extra percentage point of economic growth may not seem to matter much. But, over time, the difference between annual growth of 1 percent and 2 percent determines whether you can double your standard of living every 35 years or every 70 years. At 5 percent annual economic growth, living standards double about every 14 years.

Nonetheless, despite the positive news in much of the world, it’s questionable whether the decade as a whole has been good for Americans, economically speaking. Median wages have not risen much, if at all, and the costs of the financial crisis and irresponsible fiscal policies have become increasingly obvious. Those facts support a pessimistic interpretation.

Still, most economic models suggest that the fundamental source of growth is new ideas, which enable us to produce more from a given set of resources. To the extent that the rest of the world becomes wealthier, there’s more innovation, as my colleague and co-blogger Alex Tabarrok, professor of economics at George Mason University, argued recently. China, for instance, is moving toward the research frontier in areas such as solar power, scientific instruments, engineering and nanoscience, all of which can benefit the United States. Unlike the situation of just a few decades ago, a genius born in Mumbai now stands a good chance of becoming a notable scientist, whether at home or abroad.

It might be pleasant to boast that America is — or should be — a world leader in every area, but the practical reality is that if some other country solves the problem of green energy, so much the better for us.

The subtler point is that a wealthier China, India, Brazil and Indonesia will lead to more customers for new innovations, thereby producing greater rewards for successful entrepreneurs, no matter where they live. There are so many improvements in cellphones these days because there are so many cellphone customers in so many countries.

TO put it bluntly, if the United States takes one step back and the rest of the world takes two steps forward, even in purely selfish terms we should consider accepting the trade-off, if only for the longer run. Most of us gain from the wealth and creativity of other countries, even if we can’t always feel like the top dog.

When asked what he thought of the French Revolution, Zhou Enlai, the premier of China from 1949 until his death in 1976, reportedly replied, “It is too soon to tell.”

That is also a fair response to the last 10 years, and it will be for some time to come. The point remains that if we look beneath the surface just a bit, the picture is a good deal rosier than we might otherwise think.

Tyler Cowen is a professor of economics at George Mason University

1643) Política externa brasileira: uma matéria a favor (2)

Este post pode ser lido em conexão com o meu post 1585, que já trazia uma outra matéria do mesmo jornalista, também a favor da atual política externa.
Diga-se de passagem, que a maior parte das críticas consideram que o alegado anti-americanismo da diplomacia brasileira atual é o aspecto menos importante do problema.

Só para contrariar II
Brasil - Sergio Leo
Valor Econômico, 04/01/2010

Em um dos encontros reservados entre autoridades brasileiras e americanas no ano passado, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, tentou explicar ao secretário de Estado Adjunto dos EUA para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, a razão da abstenção do Brasil nas votações das Nações Unidas que condenaram o Irã por seus esquivos movimentos na área nuclear e pelo desrespeito aos direitos humanos. O Brasil não apoiou o Irã, absteve-se, para não brecar a aproximação com o país e para reforçar as pressões em favor dos direitos humanos e contra o uso bélico da energia nuclear, argumentou o brasileiro.

Valenzuela, segundo relato levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comentou não ter pensado nessa justificativa para o comportamento do Brasil nas Nações Unidas, que intrigou parceiros internacionais do Brasil. Poucas semanas antes, o presidente dos EUA havia se dado ao trabalho de, em uma carta a Lula, explicar as razões pelas quais os EUA não consideram conveniente a aproximação com o Irã, entre outras divergências com o governo brasileiro. Garcia havia falado em "frustração" com Obama, mas, em seguida, o governo brasileiro mudou de tom, e o próprio Garcia adotou tom otimista

Também em encontro recente, o presidente Lula deu explicações parecidas ao presidente francês, Nicholas Sarkozy, argumentando estar se esforçando para trazer o Irã às boas práticas da comunidade internacional. Sarkozy agradeceu a explicação e comentou que a França já teve essa ilusão, desfeita pelos próprios iranianos.

Os episódios com Valenzuela e Sarkozy podem servir de exemplo de ingenuidade e megalomania da política externa brasileira, ao sonhar com sucesso onde grandes potências, com muito mais recursos de poder, só tiveram frustrações. As duas conversas podem servir para outra constatação, porém. A de que os movimentos diplomáticos de Lula e seus assessores na área (Marco Aurélio Garcia e o embaixador Celso Amorim) têm razões muito mais complexas e merecedoras de debate do que a classificação rasteira de "antiamericanismo" , aposta por alguns críticos ideológicos da política externa gestada em Brasília. Aliás, também servem para mostrar a inutilidade, para fins práticos, do rótulo de "ideológica" costumeiramente aplicado sobre a mesma política externa.

Que há ideologia na política exterior, não há dúvida, sempre houve e haverá. Como o nome diz, é uma política, não uma técnica, como querem fazer crer alguns críticos e políticos. Já a etiqueta de "antiamericana" parece colar com dificuldade em uma prática diplomática que exibe com orgulho os laços firmados com os mandatários dos Estados Unidos, que preza a troca constante de impressões com a Casa Branca e o Departamento de Estado, e que mantém um relacionamento cada vez mais intenso em áreas como diplomacia, comércio e defesa.

Quem quer saber o que, de fato, é política externa condicionada por um tom antiamericano e uma agressiva postura ideológica, deveria imaginar se, entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e as autoridades dos EUA poderia haver diálogo como o travado entre Brasília e Washington. Claro, Brasil e EUA têm divergências - e o próprio Valenzuela, em sua passagem pelo Brasil, esforçou-se heroicamente para minimizá-las, lembrando até que os EUA também se veem de vez em quando às turras com o Canadá.

Evidentemente, uma conversa com autoridades encarregadas da política externa sobre os EUA tem chances consideráveis de incluir referências críticas à ação dos EUA no continente. Mas não é uma invenção brasileira a agressiva ação americana de apoio a regimes antidemocráticos no passado recente da região. E foi o próprio Obama, não algum ideólogo do Planalto, quem, em discurso de campanha para a comunidade cubana em Miami, em 2008, questionou os Estados Unidos pelos anos de "políticas fracassadas" e pressões "por reformas de cima para baixo" na América Latina.

O marco da impressão de antiamericanismo colada à política externa foi a atuação do Itamaraty nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas. Na discussão da Alca, na prática, a visão estratégica do governo Lula se assemelhava à do governo Fernando Henrique Cardoso, contrária às exigências americanas em matéria de patentes, investimentos e serviços, e cética em relação a ganhos substanciais na redução das barreiras comerciais importantes, ao aço, ao etanol, ao suco de laranja brasileiros.

Os dois governos diferenciaram- se em relação à tática. Com FHC havia a ideia de seguir com as negociações e recusar o acordo se não conviesse ao Brasil. Com Lula, o ministro Celso Amorim (que chegou a ser cogitado para chanceler pelo candidato derrotado, José Serra), calejado pela experiência como negociador da Rodada Uruguai na Organização Mundial do Comércio, impôs de cara uma definição imediata sobre temas espinhosos - e a negociação naufragou. É bem verdade que os negociadores escalados por Amorim já apontavam para o naufrágio.

Há, hoje, um esforço genuíno em Brasília de aproximação com os EUA. Além do diálogo político, como resultado do fórum de altos empresários (criado ainda no governo Bush e de parcos resultados até agora), já se admite no governo brasileiro avançar na negociação de um acordo contra a bitributação, velha reivindicação empresarial. A ameaça de retaliar os EUA contra os subsídios americanos ilegais ao algodão tem sido administrada com moderação, sem arroubos retóricos. Abriram-se importantes centros de distribuição da Agência de Promoção de Exportações para colocação de produtos brasileiros no mercado - já que, mais que tratados de livre comércio, o que faz falta para ingressar no mercado americano é de ações de promoção de exportação.

Há erros e fiascos na política externa brasileira. Mas o saldo geral é claramente positivo, embora essa avaliação possa ser posta em questão, desde que em um debate sério, sem as mistificações sustentadas por argumentos simplórios como os do "antiamericanismo do Itamaraty" e o da "ideologização da política externa". Que este ano eleitoral permita esse debate sério é um desejo da coluna para 2010.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

1642) O Azerbaijão, a terra do fogo (azer)

Azerbaijão – a geopolítica do romance de Ali e Nino
Por Paulo Antônio Pereira Pinto, de Baku, Azerbaijão
Via Política - Sem Fronteiras

Já se tornou lugar comum dizer que a região ao Sul do Cáucaso, onde se situam a Armênia, o Azerbaijão e a Georgia, é área de conflitos reais e potenciais, desde a extinção da URSS – a cuja União pertenciam – em 1991. Ademais, afirma-se, os povos desta parte do mundo nunca teriam sido capazes de viver em paz.

A confluência de interesses étnicos, religiosos, nacionais e internacionais antagônicos contribuiria para tal instabilidade. Daí, caberia esperar, apenas, a continuidade de disputas intermináveis e insolúveis.

Novas teorias geopolíticas continuam, então, a ser formuladas ou ressuscitadas para justificar este cenário de caos possível e permanente. Em contrapartida, registros históricos e obras literárias, como a narrativa sobre “Ali e Nino”, por exemplo, indicariam disposição regional no sentido contrário a tais interpretações.

Este artigo pretende recorrer a ambos: a raciocínios geopolíticos, que advogam os contenciosos; e a escritos, que traçam panorama mais “light” das coincidências regionais.

Cabe lembrar, a propósito, que no território hoje ocupado pelo Azerbaijão, há cerca de 3.500 anos floresceu o Zoroastrismo, divulgado pelo Profeta Zaratustra, que pregava o monoteísmo, advogava a igualdade das mulheres, confiava apenas no diálogo direto com Deus – sem a intermediação de sacerdotes – condenava o sacrifício de animais e a noção de milagres. Denunciava o flagelo de guerras religiosas, que causassem destruição em nome de uma fé ou de outra.

Zaratustra recomendava o entendimento dos elementos terrestres e a existência de um Deus. E três regras para viver bem: bons pensamentos, boas palavras, bons feitos. Também defendia a crença na natureza purificadora do fogo, que é pensamento fundamental de sua fé e simboliza o Todo Poderoso.

A palavra persa para fogo é “azer”. Assim, desde a antiguidade, a abundância de gás, que provocava explosões em suas montanhas, levou o Azerbaijão a ser conhecido como o centro do Zoroastrismo.

Isto é, não seria correto afirmar que esta parte do mundo estaria condenada à turbulência permanente, por sua multiculturalidade, multi-religiosidade, multi-etnicidade e multiquase-tudo. Até o início do Grande Jogo, disputado pelos imperialismos extraregionais russo e britânico, no século XIX, havia dinâmica regional própria capaz de recuperar, de forma cíclica, a estabilidade política, enquanto era palco de história rica e antiga, marcada por cenário de batalhas há mais de um milênio.

Localizado na convergência de diferentes civilizações, o Sul do Cáucaso foi invadido e disputado por grandes impérios, como o persa, o romano e personagens famosos, como o conquistador mongol Genghis Khan, e o Tsar Pedro o Grande. Todos vieram e partiram. Até que os soviéticos invadiram o Sul do Cáucaso, em 1920, e aqui ficaram até 1991.

Verifica-se, então, que o término da Guerra Fria parecia acenar com o fim da bipolaridade mundial, enquanto a globalização surgiria como remédio para todos os males da divisão do mundo em partes conflitantes. Em suma, análises geopolíticas perderiam seu valor, na medida em que o planeta tenderia a ser menos dividido cartograficamente e mais interligado por valores em comum.

O ressurgimento de novas geometrias de poder ocorreram, contudo, sem muita demora, com o retorno de criaturas regionais, como as centradas nos chamdos “hinterlands”, enquanto largas fatias de nações, adormecidas durante a bipolaridade mundial, soltaram-se, tornaram-se países independentes, pediram passagem e encontram-se à deriva e na espera de configurações inovadoras que voltem a ordená-las.

Assim, no caso do Azerbaijão, que tivera breve vida como país independente, entre 1918 e 1920, ao emergir da União Soviética, após 71 anos de imposição aqui de um sistema planificado a partir de Moscou, não se tratou de inserir-se, na fase conhecida como “pós-soviética”, em cenário internacional pronto a acolhê-lo, com tolerância, diante da carga de mazelas herdadas daquelas sete décadas de dominação socialista.

Pelo contrário, o continente europeu passou a viver, desde então, com novas ameaças convencionais e não-convencionais. Nesse sentido, segundo se observa em Baku, vigora a convicção de que o bloco euro-atlântico – em substituição ao “Ocidente” – constitui o fulcro, o “hinterland”, em cujo redor se concentram perigos e tensões, provocados por atores políticos que, à sua volta, insistem em manter acesos os seus próprios projetos de afirmação nacional.

Em suma, entre desafios não-convencionais, estariam o terrorismo, o excesso de imigrantes e a proliferação de armas de destruição em massa. No elenco dos desafios mais “clássicos”, situam-se os que afetam a segurança dos Estados, nos termos explicitados, segundo entendido aqui, desde a Paz de Westphalia1. Na prática, os euro-atlânticos parecem misturar estes medos todos, enquanto procuram manter à distância áreas que – para eles, conforme descrito acima – não tenham atingido o mesmo patamar de governança. Entre os repudiados, encontram-se os países emancipados da URSS, ao Sul do Caúcaso.

Cabe lembrar, no que diz respeito ao Azerbaijão, causas dos descompassos ora apresentados por este país que deseja ser acolhido como perceiro pela Europa Ocidental. Segundo a visão de Baku, tais razões podem ser encontradas no fato de que, quando os soviéticos invadiram o país – após seu curto período de vida independente, entre 1918 e 1920 – encontraram um “aparelho de estado” em transição. Conviviam, então, uma estrutura de poder “medieval”, caracterizada por alianças entre tribos e povos nômades, e uma sociedade em busca de nova forma de governança que comportasse as demandas de um capitalismo emergente, em virtude da indústria de exploração petrolífera.

Os conquistadores, vindos da URSS, interromperam este processo de ajuste social e sobre esquemas patriarcais de governança agregaram relações políticas socialistas. Assim, se impuseram sobre o país, até 1991.

Com a emergência do Azerbaijão, naquele ano, seus novos dirigentes defrontaram-se, em sua “transição pós-comunista”, com o desafio de superar estas duas camadas de poder: os esquemas patriarcais de governança e as relações políticas socialistas.

A receita então vigente para países recém emancipados da União Soviética, de acordo com os registros disponíveis aqui, seria o “choque capitalista”. Isto é, havia a certeza de que reformas, com base no estabelecimento de uma economia de mercado, criariam sua própria dinâmica de renovação política.

No Azerbaijão, isto não aconteceu, pois a inércia herdada, resultante da mistura de formas patriarcais e socialistas de pensar, levou a completo e imediato caos político, logo após a independência, agravado pela guerra contra a Armênia por disputa territorial.

Para o observador local, o principal obstáculo a ser vencido pela geração atual, tanto de dirigentes quanto da sociedade civil, é o relativo à superação de formas de pensar e métodos de trabalho enferrujados pela mentalidade soviética, imposta aqui por 70 anos.

Isto é, não existe o hábito de tomar iniciativas ou assumir responsabilidades. Um emprego significa uma posição conquistada para, doravante, não se fazer esforço algum de aprimoramento pessoal ou em favor do progresso da “unidade de produção”. O público e a empresa existem para servir ao funcionário, e não o contrário. Parece vigorar, ainda, a postura de “esperar ordens de Moscou”. Quando tais obstáculos são superados, na mentalidade local, há recaída a velhas formas de relacionamento tribais, segundo as quais, aparentemente, decisões devem ser tomadas por consenso, formados em conselhos dos quais todos os interessados tomariam parte, não por práticas contratuais.

De qualquer forma, assumi o compromisso, acima, de registrar análise menos carregada sobre as convergências regionais, como as disponíveis no romance Ali e Nino. Editado pela primeira vez, em 1937, em Viena, sua autoria está envolta em mistério, especulação e controvérsia, subsistindo dúvidas quanto a ser obra de um só autor, Essad Bey sob o pseudômino Kuban Said 2.

Enquanto história de amor, pode ser comparada às maiores de todos os tempos – Romeu e Julieta. Mas o livro não se reduz a uma história de amor e merece ser lido como um poema épico, escrito em prosa. À primeira impressão, a narrativa evocaria relação de conflito/acomodação entre Oriente e Ocidente, cristãos e muçulmanos, modernidade e tradição, o masculino e o feminino.

O cenário é a capital do Azerbaijão, Baku, cidade multi-étnica em véspera da Primeira Guerra Mundial. Ali Khan Shivanshir é um jovem muçulmano xiita, de uma família azeri aristocrata, que se apaixona por Nino Kipiani, uma adolescente natural da Georgia, país vizinho, de formação cristã, que pratica valores europeus. O amor que dedicam um ao outro será dramaticamente ameaçado pelo espectro da guerra e pelo inevitável abismo cultural e religioso que os separa.

O grande amor entre Ali e Nino é o enredo principal do livro, cujo texto, no entanto, transcende o escopo de um romance. Lida em perspectiva mais ampla e sem recorrer a estereótipos, a história conduz o leitor a uma visita fascinante ao Cáucaso, com suas paixões, guerras e revoluções, honra e desgraça, montanhas, desertos e cidades como Baku.

É importante, contudo, ler a obra fora do contexto das oposições entre Ocidente e Oriente. O amor entre os dois personagens é um tema universal, na medida em que cada um busca definir sua identidade em momento histórico de turbulência no cenário típico do Cáucaso. Apenas superficialmente, o livro é sobre a Europa e a Ásia, tampouco é sobre as diferenças entre o Islã e o Cristianismo.

Os leitores habituados a definições simples de classificações geográficas e culturais, podem ficar desapontados. Não é fácil definir um lugar, como Baku, onde diferentes culturas têm procurado interagir há séculos. A união entre Ali e Nino não replica processo semelhante, entre a Europa e a Ásia, mas representa a fusão entre duas culturas distintas, que, ao mesmo tempo, se relacionam, no Cáucaso.

O livro, ademais, descreve o nascimento de um novo Azerbaijão, durante mais um período turbulento de sua história, com a narração da luta entre vários impérios – russo, persa, turco e britânico – pelo Sul do Cáucaso.

Cabe ressaltar, a propósito, a tensão descrita no livro entre os amigos do personagem Ali, que, inicialmente, se dispuseram a lutar na Primeira Guerra Mundial em favor do Tsar russo, conforme haviam feito seus pais e avôs. Quando a Turquia entra no conflito contra a Rússia, cria-se enorme perplexidade entre tais indivíduos, que se consideram parte dos “povos turcos”. A crise de lealdades se agrava quando a escolha tem que ser feita, entre combater ao lado de russos, contra os irmãos turcos, e lutar em defesa do califa da Turquia, que era muçulmano sunni, enquanto os azeris são seguidores do Islã shiita.

O contexto político agravou-se quando o exército turco, visto pelos azeris como “libertadores”, retira-se de Baku e aqui é substituído por tropas britânicas, como resultado de acordo assinado entre as capitais daqueles dois países.

Verifica-se, assim, que o romance Ali e Nino é fonte rica em jogadas geopolíticas, durante o século passado. O livro é também um atestado de afirmação da nacionalidade azeri. Isto fica evidente no diálogo final, entre a Ali e seu pai, quando este decide partir do Azerbaijão, para o Irã, diante da ameaça de invasão russa, em defesa de cujo Império ele – o pai – havia lutado. Na ocasião, o personagem mais velho aconselha seu filho “jovem e corajoso, a ficar e lutar em defesa do novo Azerbaijão, que necessita de seu patriotismo”.

Ali permanece em Baku e morre lutando em defesa de seu novo país, diante de mais uma investida do poderoso vizinho russo ao Norte.

O livro poderia, então, transmitir a conclusão geopolítica de que a história da região ensina que a convivência local entre diferentes culturas – da mesma forma que o amor entre o Ali muçulmano e a Nino cristã – não foi impossível por incompatibilidades locais insolúveis. A ameaça à estabilidade ao Sul do Cáucaso tem chegado, principalmente, do exterior.

Profeticamente – talvez tivesse previsto Zaratustra – o perigo para o Azerbaijão veio, no romance em questão, e continua vindo, da fronteira ao Norte.

Baku, 6 de novembro de 2009.

--
Notas do autor:

1. A chamada Paz de Westphalia, em resumo, resultou da assinatura de conjunto de tratados que encerraram, em 1648, a Guerra dos Trinta Anos, na Europa. É considerada um marco, em matéria de relações internacionais, por reconhecer uma comunidade de Estados fundada no princípio da soberania territorial, na não-intervenção em assuntos internos dos demais e na independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos iguais, a serem respeitados por todos.

2. Ali e Nino, por Kuban Said, editado no Brasil em 2000, pela Nova Fronteira.

Paulo Antônio Pereira Pinto é diplomata, primeiro Embaixador do Brasil residente em Baku, Azerbaijão. Serviu, anteriormente, como Cônsul-Geral em Mumbai, entre 2006 e 2009 e, a partir de 1982, durante vinte anos, na Ásia Oriental, sucessivamente em Pequim, Kuala Lumpur, Cingapura, Manila e Taipé. Na década de 1970 trabalhou, na África, nas Embaixadas em Libreville, Gabão, Maputo e Moçambique e foi Encarregado de Negócios em Pretória, África do Sul. As opiniões aqui expressas são de sua inteira responsabilidade e não refletem pontos de vista do Ministério das Relações Exteriores.

10/11/2009

Fonte: ViaPolítica/O autor

Clique aqui para mais informações sobre o livro “Ali e Nino” publicado em português

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

1641) Politica Externa: desacordos Brasil-EUA

Iran, Honduras and a dubious diplomatic gamble
Posted on December 31, 2009 by Brazil Institute
Paulo Sotero
O Estado de S. Paulo, 12/20/2009 (summary from Portuguese)

A negative feeling is quickly replacing the good will toward the government of Luiz Inácio Lula da Silva and Brazil’s growing international presence that prevailed in Washington until a few months ago. Criticism against the United States and President Barack Obama made publicly by senior Brazilian officials indicate that the feeling is mutual.

Differences between Brazil and the United States over Honduras and other minor issues certainly helped create animosity. This is mainly instigated, however, by Lula’s decision to lend his personal prestige and Brazil’s international credibility to the leader of Iran, Mahmoud Ahmadinejad, hosting him in Brasilia and then offering the services of Brazil as a freelance mediator on the serious confrontation between Tehran and Washington and its allies over the Iranian nuclear program. The initiative mobilized the influential pro-Israel lobby in Washington, which could harm Brazilian commercial interests.

Also, the statement made by Lula on the lack of “moral authority” of the United States to negotiate issues of nuclear non-proliferation raised eyebrows in Washington. At that same time, Foreign Minister Celso Amorim was dispatched to Iran to an unlikely mission with Ahmadinejad, after Tehran rejected the proposal presented by the International Atomic Energy Agency.

The American perplexity was reinforced by signs that Lula let himself be used by the Iranian leader, as well as information published by the Brazilian press and attributed to diplomatic sources in Brasilia, in which Lula had acted in the case of Iran with encouragement from Washington. According to a senior official, Brazilian diplomats extrapolated circumstantial statements like “good luck” they heard from fellow Americans diplomats after Ahmadinejad’s visit was confirmed.

It’s striking in Washington what a congressional aide called the “schizophrenia” of Brazilian diplomacy. According to an aide, for a government concerned with “moral authority” in the external front, it should be evident the contradiction between Brazil’s insistence in the strictest respect for the rules of democracy in Honduras and the official endorsement of Ahmadinejad, who came to power after a fraudulent election.

The negative perception of foreign policy at the end of the Lula government is certainly influenced by criticism stated by senior Brazilian diplomats such as Rubens Ricupero, Rubens Barbosa, and Roberto Abdenur, all former ambassadors in the United States.

“It is understandable that governments take foreign policy decisions targeting domestic goals, but it is hard to see any political gain that Brazil could obtain from reducing itself to a supporting position to the policies of Venezuela and Iran,” said a high government source. The official predicted that one should not expect significant gestures by the United States, such as an Obama visit to Brazil, which once was, but is no longer, on the agenda. Realistically, the best news is the resumption of full diplomatic dialogue with the next year’s arrival in Brasília of the new American ambassador, Thomas A. Shannon, and the new ambassador of Brazil in Washington, Mauro Vieira.

To read the full article (in Portuguese), click here.

Here you have:

Irã, Honduras e uma duvidosa aposta diplomática
Paulo Sotero*
O Estado de S.Paulo, Domingo, 20 de Dezembro de 2009

Imagem negativa do Brasil aumenta em Washington após críticas públicas aos EUA e a Obama

Um sentimento negativo está rapidamente tomando o lugar da disposição favorável ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e à crescente presença international do Brasil que prevaleceu em Washington até poucos meses atrás. Críticas aos EUA e ao próprio presidente Barack Obama feitas publicamente por altos funcionários brasileiros indicam que a recíproca é verdadeira. Platitudes sobre o caráter normal de diferenças na relação madura que supostamente existe entre os dois países, repetidas na semana passada por funcionários de ambos os governos - após uma rápida viagem inaugural a Brasília do novo secretário de Estado-adjunto para as Américas, Arturo Valenzuela -, indicam que a visita não alterou as percepções.

Divergências entre Brasil e os EUA sobre Honduras e outros episódios menores certamente contribuíram para criar animosidade. Esta se alimenta principalmente, porém, da decisão de Lula de emprestar seu prestígio pessoal e a credibilidade internacional do Brasil ao líder do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, recebendo-o em Brasília, e, depois, oferecendo os serviços do Brasil como mediador freelancer do gravíssimo confronto entre Teerã e Washington e seus aliados em torno do programa nuclear iraniano - questão estratégica número um do governo Obama. A iniciativa mobilizou o influente lobby pró-Israel em Washington, que atua tanto no Executivo como no Legislativo, e pode causar danos a interesses comerciais brasileiros. Nesse ambiente, até a controvérsia em torno da custódia do menino Sean Goldman, que corria em via própria na Justiça, acabou politizada. Na quinta-feira, o senador Frank Lautenberg, democrata de New Jersey, o Estado do pai de Sean, David Goldman, bloqueou a aprovação de lei que renovaria a concessão de isenções tarifárias a certas exportações do Brasil e outros países em desenvolvimento, em reação à decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de conceder liminar à avó materna de Sean e sustar a sentença que ordenou a devolução do menino ao pai.

É um sentimento que vai da perplexidade dos diplomatas do Departamento de Estado à mal disfarçada hostilidade de altos funcionários de outras áreas do governo, incluindo a Casa Branca - setores que até recentemente aplaudiam o governo Lula e a ascensão do Brasil na cena global.

Moisés Naim, editor da revista Foreign Policy, diz hoje que "o Brasil se comporta como um país em desenvolvimento imaturo e ressentido". Críticas públicas aos EUA e a Obama feitas em semanas recentes por Lula, pelo chanceler Celso Amorim e pelo assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, reforçaram conclusões semelhantes no lado oficial.

Causou espanto, por exemplo, a afirmação feita por Lula sobre a falta de "autoridade moral" dos EUA para negociar questões de não proliferação nuclear, no momento em que despachava Celso Amorim ao Irã para uma improvável missão junto a Ahmadinejad, depois de Teerã ter rejeitado a proposta de acordo apresentada pela Agência Internacional de Energia Atômica, que tornaria o programa nuclear iraniano compatível com suas obrigações de signatário do Tratado de Não Proliferação. A crítica foi tomada como prova adicional da gratuidade da oferta brasileira de mediação. O ataque mereceu registro, também, porque foi o governo Obama que reintroduziu o desarmamento na política de não proliferação dos EUA, ausente no governo do ultraconservador George W. Bush, cuja política nuclear não mereceu maiores reparos de Brasília.

Reforçaram a perplexidade americana indícios de que Lula deixou-se usar pelo líder iraniano, assim como informações publicadas pela imprensa brasileira e atribuídas a fontes diplomáticas de Brasília, segundo as quais Lula teria atuado no caso do Irã com o incentivo ou o beneplácito de Washington. Segundo um alto funcionário, diplomatas brasileiros "extrapolaram" afirmações circunstanciais, do tipo "boa sorte", que ouviram de colegas americanos depois que a visita de Ahmadinejad foi confirmada. "O Irã é hoje o terceiro trilho da política externa dos EUA", disse a fonte, referindo-se ao condutor de eletricidade de alta tensão que movimenta os trens do metrô.

ADVERTÊNCIA VELADA
Se havia dúvida, a secretária de Estado tratou de elucidá-la num breve discurso sobre as relações dos EUA com a América Latina, no dia 11. "Creio que as pessoas que querem flertar com o Irã deveriam prestar atenção às consequências", disse ela. Em contraste, a liderança brasileira em temas nos quais o país é relevante e tem influência - como no caso das questões ambientais - continua aparentemente a ser vista com bons olhos pelos EUA.

Chama a atenção em Washington o que um assessor parlamentar chamou de "esquizofrenia" da diplomacia brasileira. Segundo o assessor, para um governo preocupado com "autoridade moral" na ação externa, deveria ser evidente a contradição entre a insistência do Brasil no mais estrito respeito às regras da democracia em Honduras e o endosso oficial a Ahmadinejad, que chegou ao poder após uma eleição fraudulenta. A percepção negativa sobre a política externa do final do governo Lula, que se cristaliza em Washington, é certamente influenciada pelas fortes críticas que veteranos diplomatas brasileiros como Rubens Ricupero, Rubens Barbosa e Roberto Abdenur, todos ex-embaixadores nos EUA, vêm publicando.

"É compreensível que os governos tomem decisões de política externa mirando objetivos domésticos, mas é difícil vislumbrar os dividendos políticos que o Brasil possa obter diminuindo-se à condição de coadjuvante das políticas da Venezuela e do Irã", afirmou um alta fonte do governo. O funcionário adiantou que não se devem esperar grandes gestos por parte dos EUA, como, por exemplo, uma visita de Obama ao Brasil, que já esteve mas não está mais na pauta. Realisticamente, a melhor notícia será a retomada do diálogo diplomático pleno com a chegada a Brasília no início do ano do novo embaixador americano, Thomas A. Shannon, e do novo embaixador do Brasil em Washington, Mauro Vieira.

* Paulo Sotero, jornalista, foi correspondente do "Estado" em Washington, onde hoje dirige o Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars

1640) Quando os grandes economistas erram feio...


O que segue abaixo é um debate que não interessa apenas os acadêmicos americanos da área econômica, posto que o manual do Paul Samelson era (talvez ainda seja) largamente utilizado nas faculdades brasileiras de economia.
Previsões econômicas com base em supostos comportamentos correntes da economia deveriam sempre se guiar por estes ensinamentos da história (e também por deficiências de raciocínio econômico) para não nos induzir a novos erros.
A lição passada de erros (para cima e monumentais) em relação à economia soviética talvez sirva de "redutor de entusiasmo" em relação ao encantamento atual com o crescimento da China, muito embora neste caso os fatores de crescimento esteja situados em grande medida no setor privado da economia.
Paulo Roberto de Almeida

Soviet Growth & American Textbooks
Alex Tabarrok
Bartley J. Madden Chair in Economics
James M. Buchanan Center for Political Economy
George Mason University
Blog Marginal revolution
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In the 1961 edition of his famous textbook of economic principles, Paul Samuelson wrote that GNP in the Soviet Union was about half that in the United States but the Soviet Union was growing faster. As a result, one could comfortably forecast that Soviet GNP would exceed that of the United States by as early as 1984 or perhaps by as late as 1997 and in any event Soviet GNP would greatly catch-up to U.S. GNP. A poor forecast--but it gets worse because in subsequent editions Samuelson presented the same analysis again and again except the overtaking time was always pushed further into the future so by 1980 the dates were 2002 to 2012. In subseSamuelsonquent editions, Samuelson provided no acknowledgment of his past failure to predict and little commentary beyond remarks about "bad weather" in the Soviet Union (see Levy and Peartfor more details).

Among libertarians, this story has long been the subject of much informal amusement. But more recently my colleague David Levy and co-author Sandra Peart have discovered that the story is much more interesting and important than many people, including myself, had ever realized.

First, an even more off-course analysis can also be found in another mega-selling textbook, McConnell's Economics (still a huge seller today). Like Samuelson, McConnell estimated Soviet GNP as half that of the United States in 1963 but he showed that the Soviets were investing a much larger share of GNP and thus growing at rates "two to three times" higher than the U.S. Indeed, through at least ten (!) editions, the Soviets continued to grow faster than the U.S. and yet in McConnell's 1990 edition Soviet GNP was still half that of the United States!

A second case of being blinded by "liberal" ideology? If so, Levy and Peart throw another curve-ball because the very liberal even "leftist" texts of the time, notably those by Lorie Tarshis and Robert Heilbroner did not make the Samuelson-McConnell mistake.

Tarshis and Heilbroner were more liberal than Samuelson and McConnell but offered a more nuanced, descriptive and tentative account of the Soviet economy. Why? Levy and Peart argue that they were saved from error not by skepticism about the Soviet Union per sebut rather by skepticism about the power of simple economic theories to fully describe the world in the absence of rich institutional detail.

To make their predictions, Samuelson and McConnell relied heavily on the production possibilities frontier (PPF), the idea that the fundamental tradeoff for any society was between "guns and butter." Thus, in the 1948 edition Samuelson wrote:

The Russians having no unemployment before the war, were already on their Production-possibilities curve. They had no choice but to substitute war goods for civilian production-with consequent privation.

Note that Samuelson assumes all countries and economic systems are efficient (the Russians are "on" the curve) only the choice of guns versus butter differs. When the war ended, the fundamental tradeoff became one between investment and consumption and since the Soviets invested a greater share of GNP they would naturally consume less but grow faster. Moreover, since the Soviet's had solved the unemployment problem they were, if anything, moreefficient than the U.S. (here we see the Keynesian influence).

Levy and Peart conclude that although ideology may have played a role what arguably made a bigger difference was the blindness imposed by chosen tools. As they write:

We are all constrained by means of models: we gain insight in one dimension by blinding ourselves to events in other dimensions. Competition among models may be necessary to insure that the benefits of the models exceeds their cost.

(Applications to the financial crisis are apposite.)

Addendum: Bryan Caplan also comments. As Bryan notes, a very good economist can use PPFs and still get the story right.

January 4, 2010 at 07:35 AM Comments

1639) Countercyclical Policy Measures in Brazil

Latin America: Counter-Cyclical Policy in Brazil: 2008-09
Nelson Barbosa
Brazilian Ministry of Finance and Federal University of Rio de Janeiro
Journal of Globalization and Development
Volume 1, Issue 1 2010 Article 13
DOI: 10.2202/1948-1837.1052
Available at: http://www.bepress.com/jgd/vol1/iss1/art13

Brazil was one of the last major economies of the world to be hit by the 2008 financial crisis and so far it seems to be one of the first ones to recover from it. Up until the third quarter of 2008, Brazil was showing a strong growth performance and the main macroeconomic problem faced by the government was the control of inflation in the face of a booming domestic demand and rising world commodity prices. The crash of September 2008 changed the situation abruptly. The international credit crunch led to a sharp reduction in the domestic supply of credit, thus dealing a negative supply shock to the Brazilian economy.
The fall in commodity prices and world-trade flows also hurt Brazilian exporters and, together with the increase in capital outflows, they pushed up the real/US dollar exchange rate substantially at the end of 2008. The combination of depreciation, liquidity constraints, and falling international demand dragged consumers’ and business’ confidence down, which in turn resulted in a sharp fall in private aggregate demand, especially investment. The inevitable result was a “technical” recession in the last quarter of 2008 and the first quarter of 2009, during which Brazil’s GDP dropped 4.3%.
The Brazilian government responded to the world crisis with a sequence of unprecedented expansionary actions in the country’s recent economic history. Contrary to what happened during the international crises of the 1980s and 1990s, this time the Brazilian authorities adopted a sequence of monetary and fiscal counter-cyclical actions to stop the international crisis from contaminating the Brazilian financial system and to resume growth as soon as possible. After one year, one can say that these two objectives have been achieved, that is, the worst of the crisis has been absorbed without any major disruption in the Brazilian banking system and, most importantly, the economy resumed growing in the second quarter of 2009, the unemployment rate did not shoot up, real wages continued to grow, and consumers’ and business’ confidence are back up. In fact, despite the intensity of the crisis, the Brazilian economy is still expected to have a positive GDP growth rate in 2009, and to return to the pre-crisis situation in 2010, when GDP is expected to increase 5%.
The objective of this note is to present the main policy initiatives that allowed this economic performance.

Read the paper at: http://www.bepress.com/jgd/vol1/iss1/art13

sábado, 2 de janeiro de 2010

1638) Brasil vai ao espaço? Talvez, em todo caso, lentamente...

Quando os parlamentares da oposição ao governo FHC, com o PT e o PDT à frente, sabotaram o acordo de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os EUA, cujo objetivo era a exploração comercial da base de Alcântara, as principais justificativas eram a preservacão da soberania nacional, a transferência de tecnologia e o lançamento de veículos e satélites com tecnologia brasileira. O acordo foi julgado antinacional e pouco patriótico.
Pois bem, passados nove anos da recusa, vejamos o que temos até aqui.
Paulo Roberto de Almeida

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Plano de lançar foguete enfrenta atraso
RAFAEL GARCIA
Folha de S. Paulo, 2/01.2010

Dois projetos nacionais não devem virar realidade no governo Lula, contrariando promessa do presidente após desastre

VLS, totalmente brasileiro, e lançador feito em parceria com ucranianos correm risco de competir entre si e de ter mercado desfavorável

O Programa Espacial Brasileiro entrou em seu último ano sob o governo Lula com dificuldades para cumprir uma promessa feita pelo presidente: colocar um foguete em órbita.
Os dois projetos que podem conseguir isso provavelmente só terão voos de qualificação após o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e alguns especialistas dizem que as duas empreitadas acabarão competindo uma com a outra.
Quando o VLS (Veículo Lançador de Satélites) explodiu em 2003, matando 21 pessoas no CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), no Maranhão, Lula afirmou que ajudaria o projeto da Aeronáutica a se recuperar a tempo de lançar o foguete no ano seguinte. Não foi tão rápido. O VLS - que pretende colocar satélites de até 400 kg em órbita baixa (cerca de 800 km)- foi retomado, mas só terá um primeiro lançamento experimental em 2011.

Consórcio
O outro foguete a ser lançado do Maranhão é o Cyclone-4, projetado pela binacional ACS (Alcântara Cyclone Space), criada pelos governos de Brasil e Ucrânia. O projeto -capaz de levar 1.600 kg a órbitas de 35 mil km de altitude- mantém o cronograma com lançamento em 2010, mas está com dificuldades de financiamento.
As empresas ucranianas do consórcio que constrói o veículo reconheceram que precisam de US$ 200 milhões para finalizá-lo. Até o Natal, não anunciaram ter conseguido o dinheiro.
Especialistas ouvidos pela Folha que não estão envolvidos nos projetos, porém, afirmam que os problemas de curto prazo são os menos graves.
"Não será possível o país manter o foco em veículos com a capacidade do VLS, pois não existe nicho [de mercado] de satélites de pequeno porte", afirma José Nivaldo Hinckel, engenheiro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) especialista em satélites. "Se o Brasil quiser contar com um programa autônomo, ele vai ter de fazer um veículo que competirá com o Cyclone-4."
A AEB (Agência Espacial Brasileira), encarregada de dar unidade às ações fragmentados que hoje compõem o programa espacial brasileiro, rejeita essa visão. O presidente da agência, Carlos Ganem, porém, já escreveu, em um artigo para o jornal "Correio Braziliense", que o uso do Cyclone-4 em Alcântara é "uma solução intermediária".
Ganem, contudo, disse à Folha que se tinha se expressado mal. "Não estudei semiologia, e o português é uma língua rica", disse. "Falei intermediário porque temos com eles [ucranianos] uma relação de grande expectativa e, até que ela se efetive, será intermediária."
Ainda que o discurso oficial da AEB e da ACS seja de cordialidade, a relação entre as duas entidades já mostrou sinais de desgaste. Em agosto, uma reunião com autoridades do programa espacial acabou em briga, após uma discussão entre Roberto Amaral, diretor da ACS, e o major-brigadeiro Antonio Hugo Chaves, que representava a AEB no encontro.
Uma versão do caso, publicada pelo jornal "O Globo", descrevia cena na qual Amaral teria esmurrado a mesa e arremessado um copo na direção de Chaves. Em carta pública, o diretor da ACS negou o ataque.
Amaral, porém, reconhece que houve discussão sobre o cronograma de obras em Alcântara. A Folha apurou que a Aeronáutica estava resistindo à pressão para empreender recursos na reforma de uma pista de pouso em Alcântara, obra que é essencial para a ACS.
O presidente da AEB não revela o teor do encontro que acabou em discussão, mas afastou Chaves de seu cargo na agência. Ganem diz que "a Aeronáutica tinha se comprometido a realizar essa obra, mas só pôde terminá-la depois de uma incisiva cobrança" de sua parte.
Hoje, enquanto Brasil e Ucrânia pretendem investir US$ 485 milhões para capitalizar a ACS, o projeto VLS, exclusivamente brasileiro, tenta avançar com um orçamento de cerca de R$ 35 milhões/ano.
Apesar da diferença, o coronel Francisco Pantoja, diretor do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), que desenvolve o VLS, evita críticas. "Com o que recebemos, dá para trabalhar dentro do cronograma."

Justificativas
O volume maior de verba destinado ao Cyclone-4 se justifica, em parte, por se tratar de um foguete de porte mais competitivo no mercado de lançamento. Mas a política adotada tem críticos. "A justificativa para o desenvolvimento de um veículo [foguete lançador] próprio é de caráter estratégico, o que exclui algo produzido por uma parceria oportunista e sujeita a restrições", diz Hinckel.
Outro engenheiro do setor aeroespacial, que conversou com a Folha sob a condição de anonimato, disse ter dúvidas sobre a viabilidade da ACS.
"É complicado pensar um projeto de longo prazo desses sem apoio forte dos militares", diz. "Mesmo que você tenha todo o apoio do governo, o presidente alguma hora vai embora, mas os militares ficam."

"Transferência de tecnologia é para empresa, não para país"

Um dos benefícios que a ACS promete trazer ao Brasil é um pouco do conhecimento que os ucranianos acumularam ao longo das décadas, principalmente no período soviético, em que lançaram foguetes da família Cyclone. "É óbvio que haverá transferência de tecnologia", diz Roberto Amaral, diretor da metade brasileira da empresa.
Stanislav Konyukhov, diretor-geral da Yuzhnoye (empresa ucraniana que projetou o foguete Cyclone-4 para a binacional) ecoa seu colega brasileiro, mas afirma que os termos em que esse conhecimento será repassado ainda não foram totalmente definidos.
"O que diz respeito a nosso contrato não é com o Brasil. Temos um contrato com a empresa binacional ACS", afirma Konyukhov. "Ela terá direito de acesso a tudo o que ela encomendar de nós -documentação, patentes, etc.-, mas não temos como saber como o Brasil vai se relacionar com a ACS para ter acesso a essas informações", pondera ele.
Mesmo com essa transferência de tecnologia, porém, Konyukhov diz duvidar que um dia os brasileiros adquiram capacidade técnica para competir com os ucranianos com um foguete próprio, mesmo que o programa VLS avance para foguetes de escala maior.
"Nós não vamos ser concorrentes. Isso porque, para chegar a um foguete da classe do Cyclone 4, o Brasil ainda precisa de pelo menos uns 15 ou 20 anos, mas durante esse tempo a gente também não vai ficar parado, vamos continuar progredindo", afirma ele. (RG)

ACS aposta em lançamento "barateiro"

Com posição privilegiada para sua plataforma de lançamentos, a ACS espera ganhar espaço no mercado de lançamento de satélites ao baratear o custo das missões.
Alcântara está só 2,2 ao sul do equador, e a empresa prevê que isso permitirá gastar 30% menos combustível que a média de seus concorrentes para colocar um satélite em órbita (a rotação terrestre na região dá um "empurrãozinho" no foguete).
Como o Cyclone-4 não é dos foguetes mais poderosos, porém, críticos afirmam que dificilmente ele será um grande atrativo. Segundo José Nivaldo Hinckel, do Inpe, a maior parte dos satélites de comunicação privados têm hoje pesos acima de 3.000 kg e ficam em órbita geoestacionária -ficam "parados" sobre um ponto específico da Terra, a altitudes da ordem de 20 mil km. O Cyclone-4, porém, só consegue levar 1.600 kg a essa faixa.
Segundo o pesquisador do Inpe, a maioria dos satélites de órbita baixa pertence a programas estatais, que não seguem critérios de mercado para escolher seus lançadores. Governos da Europa, Rússia, China e EUA nunca deixam de usar seus próprios foguetes apenas por questão de custo. E países como a Argentina, que não tem ainda lançador próprio, possuem convênio com os EUA.
A ACS, porém, afirma que a criação da empresa binacional está respaldada num estudo detalhado sobre o mercado de satélites, documento que só não foi amplamente divulgado por motivos de estratégia comercial.
Carlos Ganem, presidente da AEB, diz que satélites de pequeno porte são a "nova onda mundial". Segundo ele, a empresa francesa Ariane, que deve ser a principal concorrente da ACS, tem hoje dificuldade para usar seu foguete de grande porte, projetado para levar até 7.000 kg.
"A Ariane tem problemas hoje para juntar cargas úteis que façam a carga do Ariane-5 ser economicamente racional", disse. (RG)

1637) Economic Freedom of the World 2009, Cato Report

Economic Freedom of the World: 2009 Annual Report
By James Gwartney and Robert Lawson
with the assistance of Joshua Hall and contributions from Herbert Grubel, Jakob de Haan, Jan-Egbert Sturm, and Eelco Zandberg
Washington, DC.: Cato Institute, 2009

The short-term response of governments to the global economic downturn will almost surely reduce economic freedom, but history shows that this need not be the case over a longer time frame. In new research published in this year’s report, Jakob de Haan, Jan-Egbert Sturm, and Eelco Zandberg show that several countries that have experienced financial crises have moved toward greater economic freedom in subsequent years. The impact on economic freedom depends on what we learn from the crisis. Will we move toward institutions and policies more consistent with economic freedom? Or will we politicize, micromanage, and expand the size and role of government? The route that is chosen matters because higher levels of economic freedom are strongly related to greater prosperity and human well-being.

This year's report notes that economic freedom remains on the rise. The average economic freedom score rose from 5.55 (out of 10) in 1980 to 6.70 in the most recent year for which data are available. Of the 103 nations with chain-linked scores going back to 1980, 92 saw an improved score and 11 saw a decrease. In this year’s index, Hong Kong retains the highest rating for economic freedom, 8.97 out of 10, followed by Singapore, New Zealand, Switzerland, Chile, the United States, Ireland, Canada, Australia, and the United Kingdom.

The first Economic Freedom of the World Report, published in 1996, was the result of a decade of research by a team which included several Nobel Laureates and over 60 other leading scholars in a broad range of fields, from economics to political science, and from law to philosophy. This is the 13th edition of Economic Freedom of the World and this year's publication ranks 141 nations for 2007, the most recent year for which data are available.

Contents:
Table of Contents and Acknowledgments [pdf, 559Kb]
Executive Summary [pdf, 474Kb]
Chapter 1 [pdf, 1.1Mb]
Chapter 2 [pdf, 713Kb]
Chapter 3 [pdf, 723Kb]
Chapter 4, Country Data Tables [pdf, 1.2Mb]
Appendix [pdf, 648Kb]

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

1636) Nova declaração de princípios, ao início de um novo ano

Reafirmando velhas idéias (que, aliás, deveriam estar sempre presentes)
Paulo Roberto de Almeida)

Em setembro de 2009, no seguimento de alguns embates com certos personagens obscuros que freqüentavam uma lista de debates (que faço de conta que administro) sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, nesse vasto espaço cibernético aberto a todas as pessoas de bem e a todas as idéias, mesmo as mais malucas e, por vezes, ofensivas à razão (e até aos chamados ‘bons costumes’), fui levado a redigir uma “declaração de princípios”, cujo subtítulo era “apenas relembrando certas coisas que são permanentes”, texto que resumia o essencial de meu pensamento de tipo (digamos assim) ‘comportamental’.
Quase quatro meses depois, no início deste novo ano – e depois de ter redigido um balanço de 2009, e da década, e uma avaliação pessoal quanto ao que realizei (e também deixei de fazer) nos doze meses transcorridos – e do começo de uma nova década (que promete ser de grandes transformações políticas e econômicas no Brasil – pensei em redigir nova declaração de princípios, para deixar bem claro o que penso e como reajo em face de certas coisas e idéias que circulam ‘por aí’... Acredito ser importante reafirmar certos valores e normas de conduta, independentemente de conjunturas ou situações pessoais, embora essas transições cronológicas se prestem particularmente a este gênero de exercício intelectual.
Pois bem, ao reler minha declaração de princípios de setembro passado, para verificar o que, exatamente, eu tinha escrito e para preparar o que eu supostamente teria de novo a declarar, constatei que nada do que ali consignei necessitava de revisão ou modificação substantiva, posto que mantenho integralmente o que penso e que ali redigi. Assim, um pouco por preguiça – depois de uma noite de ano novo que se estendeu até quase o nascimento deste dia – e talvez um pouco por desejo de confirmar meus dizeres, permito-me reproduzir, abaixo, a declaração de princípios que havia feito em 4 de setembro de 2009. Ela segue tal qual como postada no blog Diplomatizzando (link), seguida de novos comentários que acrescento agora.

Declaração de Princípios (04.09.2009)
(apenas relembrando certas coisas que são permanentes)


Existem certas coisas que independem da idade, da condição pessoal ou profissional, da situação econômica, de crenças religiosas ou afiliações políticas. Existem certos valores intangíveis que não são determinados por interesses econômicos ou vantagens momentâneas, que transcendem uma análise de custo-benefício imediato, ou mesmo perspectivas de ganhos no médio ou longo prazo. São questões inegociáveis, pelo menos para os que acreditam nelas.
Refiro-me a uma determinada concepção do mundo, da vida, da conduta pessoal, do comportamento social, do comprometimento com a própria história de vida. Esses valores são os da integridade moral, da honestidade intelectual, do compromisso com a verdade, da busca do que é moralmente justo, do que pode ser uma aproximação ao que é eticamente correto, ao que é legitimamente válido fazer, dizer ou defender. A busca da verdade é um desses valores que se mantêm íntegros, mesmo na adversidade, mesmo no confronto com forças superiores, mesmo nas dificuldades temporárias, mesmo ao custo do sacrifício de vantagens pessoais, de situações estabelecidas, de retrocessos materiais.
Tenho buscado, ao longo de minha vida – em meus escritos, em minhas atividades profissionais, em minhas aulas, na exposição de minhas idéias, em meu site pessoal, em meus blogs, em listas de discussões, em todas as minhas intervenções públicas – expressar exatamente aquilo que penso, não como reflexo de sentimentos pessoais, impressões subjetivas ou desejos individuais, mas como resultado de pesquisas, de leituras, de reflexões confrontadas aos dados da realidade, do debate aberto, da defesa da racionalidade, do uso da lógica como instrumento supremo de exercício da razão, enfim, como produto da mais simples expressão daquilo que representa a dignidade da palavra adequada à questão posta, a correspondência exata do problema colocado com uma solução possível, apenas determinado pela lógica, pela razão e pela verdade tentativa. Em uma palavra, tenho buscado viver de uma maneira digna.
O que vou dizer agora poderia ser precedido por: “Acredito que...”, mas não vou fazê-lo, pois considero o que vem exposto a seguir como uma espécie de imperativo moral. Não se deve fazer concessões a interesses partidários, a interesses econômicos, a fundamentalismos religiosos, a vantagens pessoais. Apenas a busca da verdade deve guiar aqueles que estão comprometidos com o debate aberto, a honestidade intelectual, a dignidade da palavra dada. Entre os valores que devem ser defendidos, com toda a determinação, estão a busca da honestidade intelectual, do bem comum, da dignidade da pessoa humana, da defesa desses mesmos princípios contra interesses pecuniários, da luta contra a mentira, o roubo, a violação da dignidade individual, a mistificação dos fatos e a distorção de provas empíricas. A demagogia e a mentira devem ser combatidas independentemente de quem as expressam, a fraude e a desonestidade devem ser reprimidas em quaisquer circunstâncias, os formalismos processuais devem ser repelidos em nome das evidências intencionais, e todos devem ser responsabilizados pelas palavras ditas e pelos atos cometidos.
São apenas algumas questões de princípio que devem ficar claras a todos os que interagem comigo, por quaisquer meios ou veículos. Sempre defenderei as mesmas idéias e valores, independente do tempo e da temperatura, da hora e da situação, sem qualquer concessão a oportunismos e acomodações.
Poderia acrescentar, entre parênteses, que considero o Brasil, seu cenário político, suas lideranças nacionais, os responsáveis pela ordem jurídica e os chamados representantes da vontade popular como singularmente distantes desses ideais, mas não vou fazê-lo, neste momento, pois creio que não é o caso de adentrar em uma discussão específica a uma situação. Esta é uma declaração de princípios, e como tal deve restar. Meus leitores inteligentes sabem do que estou falando; aqueles politicamente motivados, ideologicamente determinados, podem recusar minhas palavras, mas sou indiferente a esse tipo de contestação.
Acho que os que freqüentam os meus espaços de interação – site, blogs, listas, aulas, entrevistas e exposições orais e diretas – já sabem disso. Eu não precisaria relembrar tudo isso se, de vez em quando, algum espírito partidário ou fundamentalista, não tentasse colocar em dúvida esses princípios. Isto vale para minha conduta relacional (e pessoal), tanto quanto para a condução dos espaços de interação que me são dados administrar ou deles participar. Vale!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de setembro de 2009.

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Novos comentários em 1.01.2010:

Se ouso agregar comentários ao que escrito acima, não seria exatamente para adicionar novos valores ou princípios ao conjunto já resumido nesse texto, mas para tecer considerações sobre o que temos vivido em tempos aborrecidamente repetitivos de “nunca antes nestepaiz” e sobre o que poderíamos esperar dos meses e anos que vêm pela frente.
Na declaração acima eu me eximi de tecer argumentos sobre os que nos governam, julgam, representam, por achar que não era a oportunidade, numa declaração genérica e “principista”, justamente. Pois bem, creio que é chegado o momento de fazê-lo, em vista da conjuntura eleitoral em que entramos – na verdade, na qual o governo já entrou desde o primeiro dia que assumiu, sem nunca ter descido do palanque de disputas políticas – mas vou proceder de modo relativamente equânime, computando-se as diferenças pelo comportamento dos indigitados, não pelo que eu tenha a dizer.
Não creio que precise reafirmar meu completo apartidarismo, minha total indiferença a esses programas e promessas – já nem falo de idéias ou valores, pois acredito que eles não tenham – dos candidatos a qualquer coisa, que mais uma vez vão perturbar a nossa paz corriqueira com o seu desfilar de projetos eleitorais. Considero todos os políticos, sem exceção, hipócritas profissionais, mentirosos em potencial, sendo que alguns são fraudadores deliberados das verdades elementares que nos é dado observar na vida real, comportando-se eles como se fossemos todos idiotas e ingênuos (bem, muitos dos eleitores o são, mas isso por falta de ensino regular e de educação política em especial). Um número mais limitado – que espero seja ínfimo, mas tenho minhas dúvidas – é formado por bandidos de carteirinha, que buscam na representação política, justamente, o abrigo para seus crimes e falcatruas: muitos deles são eleitos e reeleitos, pois para isso serve o dinheiro desviado, a corrupção institucionalizada, que já chegou na presidência das duas casas do Congresso, como podemos testemunhar pelas revelações da imprensa. Não importa se esses crimes nunca são punidos pelo judiciário, se a mesma imprensa teima falar em “supostos” atos de corrupção, quando as evidências são tão eloqüentes que apenas idiotas, ou pessoas de má fé, ousariam repetir o bordão de que “é preciso esperar que a polícia e a justiça cumpram os seus deveres”, posto que, mesmo quando o fazem, os processos nunca chegam ao que seria sua conclusão lógica (no Brasil, nunca o que é lógico se consuma, pois o que é lógico em outros lugares, aqui é perfeitamente surrealista).
Bem, descarregados os meus sentimentos mais profundos e o meu pensamento sincero sobre os políticos que nos governam, vejamos o que vamos ter de enfrentar este ano da duvidosa graça de 2010, um ano eleitoral, como sabemos. Pior que ouvir entrevista de jogador de futebol antes ou depois do jogo, será ter de ouvir mentiras de campanha eleitoral, algumas mais viciosas e viciadas do que outras, é verdade. Se faço uma distinção de grau, é porque na verdade existe uma diferença de caráter entre certas promessas de campanha e certas mentiras de campanha, por mais que políticos são um pouco como aquele poeta, que dizia ser um fingidor natural. Nossos fingidores se especializaram no ilusionismo eleitoral, se apropriando de obras que nunca foram suas, ao mesmo tempo em que mentem sobre as ‘perversas intenções’ de adversários e competidores. Parece que tudo isso é normal em tempo de campanha, mas ocorre que eu não tenho estômago para ouvir muitas fraudes e mentiras simultaneamente.
Enfim, tudo isso vai ocorrer neste ano de 2010 – e vou seguir atentamente o noticiário, como se diz, tendo para isso aberto especialmente um novo blog, dedicado todo ele às eleições presidenciais: http://eleicoespresidenciais2010.blogspot.com/ -- mas acho que vou me aborrecer com o festival de besteirol que será destilado na programação política e nas entrevistas feitas pelos meios de comunicação. Será duro mas sobreviveremos, como já sobrevivemos a tantas fraudes e malfeitorias políticas. Mais duro de agüentar é essa sensação de que, independentemente de quem seja eleito presidente, e de quais sejam os escolhidos para os cargos políticos mais importantes do próximo governo, pouca coisa vai mudar no Brasil, por duas razoes muito simples, e absolutamente simétricas, em seu caráter antinômico.
Se o eleito – ou eleita, para não deixar de aderir ao politicamente correto – for da situação, teremos uma situação de quase completa paralisia, posto que o partido da reforma se converteu no partido da conservação, na verdade beirando o reacionarismo e o imobilismo. Conquistadas posições no aparelho de Estado e nas agências públicas, fica difícil pedir reformas administrativa, tributária, educacional, trabalhista e sindical ou, sobretudo, reforma política: se está tudo ‘dominado’ e já atende às conveniências políticas (e pessoais) dos assim aparelhados, por que se preocupar com reformas e outras chatices que só dão trabalho e perturbam a possibilidade de ganhar uns trocados com os esquemas já estabelecidos e conhecidos? Para que mudar se a nova classe chegou ao paraíso (ou quase ele)? Uma nomenklatura estabelecida e satisfeita é uma nomenklatura naturalmente conservadora, praticamente reacionária, em todo caso infensa a reformas ou a tudo que a tire da santa paz da acomodação presente.
Se o eleito for da oposição – não precisa o gênero feminino neste caso – ele também ficará paralisado, por razoes inversas. Ao pretender mudar o comportamento do Congresso, ele se deparará com a mais perfeita depravação e promiscuidade a que já assistimos desde os descobrimentos – para ficar com um bordão habitual –, o que torna mais difícil, e bem mais caro, compor maiorias congressuais para votar projetos transformadores da situação presente. Nas ruas, ele se deparará com aquelas manifestações a que já estamos acostumados na capital da República: manifestantes comprados com diárias e honorários, máquina fotográfica a tiracolo, passeiam com as bandeiras e cartazes fornecidos pelos profissionais, até a próxima manifestação, que aliás pode ser por outra causa semelhante ou diferente. Invasores profissionais continuarão com sua rotina triplamente anual, talvez mensal, de invadir prédios públicos e fazendas produtivas, atendendo ao programa do partido neobolchevique que se acredita em Petrogrado em 1917.
Claro, sempre se pode fazer alguma coisa, numa situação ou noutra, pois o ativismo do governo – sempre com o nosso dinheiro, cabe lembrar – é exemplar: ele sempre quer nos salvar de nós mesmos, e nossas tendências suicidarias ao pretender gastar nós mesmos o dinheiro que ganhamos com o trabalho honesto (obviamente, no dinheiro dos desonestos o governo não mete a mão, pelo menos não diretamente). Sim, o que não mudará, numa ou noutra hipótese de resultado eleitoral, é isso mesmo: o governo continuará nos tomando praticamente metade dos rendimentos auferidos prometendo investir e criar empregos, quando o que ele estará fazendo, em primeiro e principal lugar, será cuidar dele mesmo e de seus funcionários e assessores especiais.
Como vêm, sou razoavelmente pessimista quanto ao futuro imediato, e quanto ao mediato também. Aos que acreditam que algo possa mudar, convido a uma leitura de meu texto recentemente publicado sobre “A Primeira Década do Século 21: um retrospecto e algumas previsões imprevisíveis” (ver o original em neste link). Minha convicção é a de que mudaremos muito lentamente, e tardiamente, quando não houver mais nenhuma outra opção a escolher (ou seja, quando todas as opções erradas e soluções equivocadas já tiverem sido testadas e demonstrarem sua total ineficácia para lidar com nossas mazelas mais corriqueiras).
Não querendo parecer totalmente derrotista, eu repetiria uma frase que li há muito tempo atrás em Mario Andrade, e que nunca mais voltei a encontrar em seus escritos, mas dela tenho certeza por tê-la gravado em minha memória de adolescente fascinado com as boas frases e as fórmulas impactantes: “Progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade...”. De fato, salvo involução darwiniana – o que sempre é possível, dado o caráter absolutamente errático e cego da seleção natural, que por vezes escolhe os menos adaptados e capazes, em função de um ambiente confuso, como é o nosso – nos arrastaremos penosamente em direção ao futuro, no curso dos próximos anos e década: ao chegarmos em 2022, quando estaremos comemorando nossos primeiros duzentos anos de nação independente, constataremos que o Brasil ficou melhor, sem dúvida, mesmo se os mesmos políticos corruptos continuam a nos governar, se a desigualdade não diminuiu tanto assim e se a qualidade da educação continua a nos impressionar pela ruindade fabricada.
Em qualquer hipótese, o que queremos transmitir a nossos filhos e netos são valores e princípios simples, que devem guiar nossas vidas em quaisquer situações e circunstâncias, mesmo nas mais adversas como as que enfrentamos hoje: o respeito à verdade, a honestidade intelectual, a busca das melhores políticas públicas com o menor grau de extorsão tributária possível, integridade moral, da honestidade intelectual, do compromisso com a verdade, da busca do que é moralmente justo, do que se aproxima ao eticamente correto, enfim, um conjunto de princípios já explicitados anteriormente e que me contento em repetir. Esse conjunto, e alguns outros valores na mesma família deveriam guiar nossas ações em 2010 e nos anos mais à frente. Espero sinceramente que eu seja capaz de fazê-lo.
Acima de tudo devemos buscar a felicidade pessoal e a dos que nos são caros. É o que desejo a todos os que lerem estas linhas. Um bom ano a todos.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1o. de janeiro de 2010.