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sábado, 28 de maio de 2011

Irlanda e China em 2006 e agora...

Sempre na hora da saudade, e recuperando inéditos que tinham ficado para trás muito tempo.
Como antes, ver o que permanece válido e o que já se tornou perempto...

Irlanda e China como exemplos de desenvolvimento tecnológico
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por jornalista em 4 dezembro 2006
Brasília, 5 dezembro 2006

PERGUNTAS
- Nome, função de quem responde e breve resume
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor universitário, doutor em ciências sociais e mestre em planejamento econômico. Ingressou na carreira diplomática em 1977 e exerceu funções em postos do exterior, como embaixadas em Washington e Paris e delegações em Genebra em Montevidéu.

- Desde quando esses países investem em inovação tecnológica?
China
A China tem uma longa tradição científica, que ficou em segundo plano na longa trajetória de declínio econômico a partir do século XVIII. Depois de dois séculos de conflitos internos e guerras contra inimigos regionais, ela voltou a se ocupar da capacitação de seus cientistas e engenheiros. Se o “grande salto para a frente”, dos anos 1958-1962, foi um desastre incomensurável em termos de avanço industrial – com milhões de mortos de fome, literalmente, devido à desorganização da produção agrícola e o desvio de recursos e energias humanas para a confeção de aço em siderúrgicas artesanais – os preparativos para a primeira explosão nuclear, ocorrida em 1964, revelam uma certa capacitação científica e tecnológica.
A despeito de atrasos enormes no desenvolvimento da tecnologia de aplicação industrial, devido à obsolescência do sistema comunista de incentivos, o regime chinês deu importância para a formação educacional do povo e para a formação de mão-de-obra especializada. Mas, o salto decisivo se dá mesmo a partir do abandono das “teorias” econômicas marxistas por Deng Xiao-ping, a partir do final dos anos 1970, e da reinserção da China na economia mundial, da qual ela ficou afastada durante boa parte do século XX. Essa reinserção se dá, numa primeira etapa através da delimitação de ZPEs, zonas de processamento de exportações, funcionando como enclaves e regimes tributário e fiscal privilegiados em algumas regiões da costa – sobretudo meridional – em favor de investimentos diretos estrangeiros. Numa segunda etapa, esse modelo se dissemina por várias regiões, com ampliação constante de seu escopo e abrangência geográfica.
O investimento em C&T torna-se sistemático e direcionado a partir daí, como necessidade de se alcançar os níveis ostentados pelos países mais avançados.

Irlanda
A Irlanda sempre foi um dos países mais atrasados da Europa, até meados do século XX, praticamente, quando ela começa a se inserir no “mainstream europeu”. Mas, mesmo tendo ingressado na então Comunidade Econômica Européia, no início dos anos 1970, a Irlanda continuou desfrutando de uma precária base educacional, científica e tecnológica. Foi necessário uma decisão nacional, consensual, em favor da educação e da reforma econômica para que a formação de quadros capacitados para a indústria moderna começasse realmente, no início e em meados dos anos 1980.

- Como esse processo começou?
Na China, a base dessa mudança foi o reconhecimento de que o país estava completamente defasado tecnologicamente em relação ao Ocidente e que ele deveria tentar colmatar a brecha abrindo-se a esses investimentos, inclusive da Hong-Kong capitalista. Na verdade, muito dos investimentos feitos eram da diáspora chinesa, classe empreendedora espalhada por todo o sudeste asiático, sendo que as multinacionais passaram a afluir com mais intensidade a partir do final dos anos 1980, quando as mudanças políticas na China confirmaram um novo padrão de relacionamento com o capital estrangeiro.
A inovação tecnológica na China é, assim, a combinação de IDE – que realiza transferências diretas e indiretas de tecnologia – e capacitação própria, sob a forma de engenheiros e técnicos formados pelas escolas médias e superiores e pelos laboratórios nacionais especializados. O grande esforço chinês foi o de aumentar gradativamente a qualidade do seu ensino em todos os níveis, enviando inclusive milhares de estudantes para pós-graduação no exterior.
Na Irlanda, houve uma espécie de “pacto nacional” a favor da educação, pari passu à introdução de importantes reformas macroeconômicas, sobretudo na área fiscal, tributária e setoriais (industrial e comercial). Basicamente o que se fez foi reduzir impostos sobre os lucros das empresas e sobre o trabalho, abaixar substancialmente todas as tarifas alfandegárias, logo equiparadas às da CEE-UE, e conceder tratamento fiscal privilegiado para o capital estrangeiro desejoso de trabalhar na Irlanda.

- Quais as estratégias usadas pelo governo desses 4 países para garantir o suprimento de engenheiros necessários para a modernização tecnológica no país?
China
Um aspecto relevante da modernização tecnológica da China tem a ver com os processo de cópia, imitação e adaptação (muitas vezes ilegais) de produtos e processos proprietários estrangeiros, como ocorre em todos os casos de modernização e de industrialização rápidos. A China copia todo e qualquer produto que tenha sucesso, e portanto mercado, que seja suscetível de produção em massa. Mas, para que isso ocorra, é preciso dispor de um número razoável de engenheiros capacitados, prontos a fazerem engenharia reversa, a fragmentar processos produtivos estrangeiros em tarefas suscetíveis de serem imitados com sucesso, e a introduzir pequenas inovações incrementais que garantam uma produtividade superior em relação ao estado da arte naquele setor ou ramo industrial.
Deve-se levar em conta, também, as vantagens comparativas da China em termos de mão-de-obra e seu custo de “produção”: um engenheiro chinês sempre será mais barato que seu contraparte ou equivalente no Ocidente desenvolvido, mas relativamente bem pago para os padrões locais, o que garantiu um suprimento adequado para as indústrias que estavam sendo criadas.

Irlanda
Com base em incentivos fiscais, para as empresas e para atividades inteiras – produção para exportação, por exemplo – a Irlanda conseguiu integrar a “produção” de engenheiros com os programas de treinamento das próprias empresas (nacionais e estrangeiras), que passaram a pagar pelo menos a metade dos impostos que elas eram obrigadas a pagar no resto da CEE-UE.

- Como foi feito o investimento para a promoção do ensino de ciências exatas nas escolas e universidades?
- Foram criados mais cursos de engenharia?
Desconheço detalhes desse processo, mas entendo que ele foi intenso e contínuo, tanto na China quanto na Irlanda. A Irlanda se abriu bem mais a técnicos estrangeiros, que passaram a trabalhar em seu próprio território – em especial a partir de investimentos feitos por irlandeses emigrados nos EUA décadas antes --, beneficiando-se, inclusive, da utilização da língua inglesa como base inquestionável de seu sucesso na integração com os mercados externos. A China passou a formar expressivo número de engenheiros e técnicos industriais nas suas escolas técnicas e universidades. Os laboratórios nacionais mobilizam números expressivos de trabalhadores especializados.

- Quais os resultados já obtidos nesses países ?
China
A China integrou-se definitivamente aos circuitos mundiais de produção manufatureira e integra-se também, cada vez mais, às correntes de produção científica e tecnológica. A partir das cópias não autorizadas, ela já está fabricando produtos inovadores dotados de suas próprias marcas, o que lhe permitirá evitar o pagamento de royalties pela cessão de know-how estrangeiro.

Irlanda
A Irlanda tornou-se um “tigre celta”, como muitas vezes se disse, na verdade uma plataforma de exportações extremamente competitiva, com base em isenções amplas de impostos e benefícios fiscais não contemplados pelos demais países membros da CEE-UE.

- Gostaria de acrescentar algo que não perguntamos?
Não creio que as experiências da Irlanda ou da China possam ser reproduzidas pelo Brasil, uma vez que elas se baseiam num coquetel único e historicamente original de transformações produtivas e inserção nas correntes de comércio internacional, mobilizado por cada um desses países segundo circunstâncias específicas a cada um deles.
Independentemente de outros aspectos, sobretudo os educacionais, a Irlanda poderia ser equiparada a uma imensa Suframa, isto é, um território aberto ao investimento estrangeiro, dispondo de um regime fiscal privilegiado, praticamente sem travas nas conexões comerciais externas. Esse modelo dificilmente poderia ser generalizado para o conjunto do Brasil.
Da mesma forma, a China representa um caso único de vantagens comparativas absolutas no terreno da mão-de-obra, o que atrai as companhias estrangeiras que necessitam obter maiores ganhos de competitividade com base nesse fator trabalho. Esse sistema tampouco pode ser reproduzido no Brasil, que dispõe de uma legislação trabalhista “francesa”, com inúmeras garantias aos trabalhadores e que seriam incompatíveis com o modelo chinês de “exploração” da mão-de-obra.
Mas, o que deve ser registrado como ensinamento para o Brasil é a importância de se ter a economia nacional intimamente conectada com os circuitos de bens, serviços, know-how e aportes tecnológicos estrangeiros, o que se obtém via comércio internacional. Abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros são essenciais para assegurar patamares mais elevados de capacitação tecnológica. Similarmente, uma boa base educacional é extremamente relevante na mobilização da mão-de-obra para servir a essas indústrias conectadas com o exterior.
Finalmente, regimes fiscais favoráveis, mas essencialmente carga tributária modesta, ademais de câmbio competitivo e estabilidade das regras macroeconômicas e setoriais ajudam enormemente na tarefa de atrair e reter investimentos estrangeiros. A Irlanda e a China foram muito mais dependentes do capital estrangeiro no passado do que elas o são atualmente, já tendo adquirido capacitação própria em vários setores, o que torna esses dois países em participantes plenos do jogo da interdependência capitalista que caracteriza atualmente a globalização.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 dezembro 2006

Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (em 2006 e agora)

Como no caso das postagens anteriores, se trata de uma recuperação de escritos do final de 2006, mas que contem ainda muita coisa válida, aliás permanente...

Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo
(que também pode ser lida como uma declaração de princípios)

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Em 2 de dezembro de 2006

As relações entre funcionários de carreira do Estado e os governos em vigor são sempre delicadas, uma vez que governos costumam solicitar adesões imediatas, em geral incondicionais, ao passo que Estados são entidades impessoais, aparentemente desprovidas de vontade própria, ainda que pautando-se por normas constitucionais mais ou menos permanentes. Os governos passam, o Estado fica, mas ele pode ser transformado pelo governo em vigor, se este último imprime uma ação de transformação estrutural das condições existentes ao início de seu mandato.
Funcionários de Estado devem ater-se, antes de mais nada, às normas constitucionais, tendo como diretrizes adicionais as leis gerais e os estatutos particulares que regem sua categoria ou profissão. Geralmente, mas nem sempre, os governos respeitam os estatutos próprios e os princípios que devem enquadrar as diferentes categorias de servidores do Estado, estabelecendo determinações que incidem mais sobre a conjuntura do que sobre a estrutura. Em alguns casos, governos pretendem não apenas transformar estruturalmente o Estado e a sociedade, mas também os regulamentos e as formas de atuação do Estado.
Desde que respaldado nas normas constitucionais em vigor e na vontade legítima da sociedade, tal como expressa pela via democrática das eleições, essa vontade transformista pode concorrer para a melhoria das condições de bem-estar da sociedade, pois se supõe que o governo encarna aquilo que em linguagem rousseauniana se chamaria “vontade geral”. A “vontade geral” é, contudo, algo tão difícil de ser definido quanto o chamado “interesse nacional”, suscetível de receber diferentes interpretações, tantas são as correntes políticas, os grupos sociais, os partidos em disputa pelo poder e outras configurações sociais que gravitam em torno do poder. Sim, antes de qualquer outra coisa, “vontade geral” e “interesse nacional” são basicamente definidos por quem detém o poder, não necessariamente em conclaves abertos ao conjunto da sociedade.
O moderno Estado democrático deveria ostentar um sistema de freios e contrapesos que impeça – ou pelo menos dificulte – sua manipulação por minorias partidárias que pretendem agir com base em “interesses peculiares” ou com base na “vontade particular” do grupo que ocasionalmente ocupa o governo. Tais são os papéis respectivos do parlamento e dos tribunais constitucionais, segundo o velho sistema do “equilíbrio de poderes”, ou segundo o moderno sistema – de inspiração anglo-saxã – dos checks and balances, que transformam toda vontade de alteração institucional um delicado jogo de pressões e contra-pressões. Há que se atentar, também, para a necessária continuidade da ação do Estado, que poderia ficar comprometida caso a ação de um grupo detendo o poder temporariamente – isto é, exercendo o governo de forma legítima – busque alterar radicalmente políticas e orientações estabelecidas através de consensos anteriormente alcançados.
Pode-se dizer que as democracias modernas funcionam quase sempre segundo essa visão gradualista, qual seja, a de uma custosa negociação entre os grupos políticos representados no parlamento, seguida de uma lenta implementação das decisões alcançadas. A construção de consensos é tipica dos regimes parlamentaristas, baseados numa maioria mais ampla do corpo político e social, mas é menos típica nos regimes puramente presidencialistas, onde tendem a se desenvolver comportamentos cesaristas ou bonapartistas (isto é, com um apelo direto às massas). Neste caso, o carisma do líder político pode resultar num canal de comunicação direta deste com os eleitores, por cima e acima dos demais poderes, que encontram dificuldades para participar do processo decisório em bases rotineiras.
Tal tipo de situação também pode colocar desafios não convencionais aos funcionários de Estado, que podem ser chamados a implementar decisões que resultem, não de um processo gradual de consensus building, mas de uma decisão solitária do líder cesarista. Velhas normas e antigas tradições podem ser contestadas ou postas à prova nesse novo roteiro, o que coloca esses funcionários ante o dilema de aderir simplesmente à vontade do governo ou buscar respaldo nas formas mais convencionais de atuação do Estado.
Não há uma resposta simples a esse dilema, pois ele implica em que o funcionário possa aferir se o processo decisório que conduziu a uma determinada tomada de decisão política está seguindo os canais institucionais consagrados ou se os novos procedimentos estão atropelando as normas e procedimentos do Estado. Em geral, a resposta é dada pela linha de menor resistência, que passa pela afirmação dos conhecidos princípios da hierarquia e da disciplina. Do funcionário de Estado se pede obediência aos ditames do governo, não necessariamente uma reflexão pessoal sobre os fundamentos da ação do governo. Esta última atitude é própria dos agentes políticos, não dos funcionários de carreira, aos se requer obediência e aquiescências às ordens e determinações superiores. A rigor, do funcionário não se pede reflexão, mas acatamento de decisão já tomada.
Quando o próprio funcionário é convertido em agente político, pode surgir algum conflito de consciência entre a antiga forma de procedimento coletivo – as burocracias estatais são sempre construções coletivas – e as novas condições de trabalho, que impõem adesão incontida e total ao poder do qual emana o seu novo cargo. Dele se espera, então, equilíbrio e ponderação na forma de conduzir sua ação.
Em que condições, nessas circunstâncias, pode o funcionário de Estado continuar a exibir independência de pensamento – e uma certa faculdade na propositura de novos cursos de ação – quando a autoridade legítima requer adesão pura e simples a decisões emanadas de uma fonte cesarista de poder? Não há respostas teóricas a esta questão, que exige uma reflexão de ordem essencialmente prática, em função das relações sociais, modos de atuação e poder de barganha respectivos dos agentes de Estado e de governo envolvidos num determinado processo decisório.
Minha própria ordem de prioridades tenderia a colocar esse processo decisório numa escala de preferências que vem da Nação, passa pelo Estado e desemboca no governo, mas tendo também a reconhecer que os dois primeiros conceitos – assim como os de “vontade geral” e de “interesse nacional” – são suficientemente vagos e arbitrários para abrigar todo tipo de postura em face de determinações governamentais. Em última instância tende a prevalecer o bom senso e uma certa capacidade de avaliação racional dos custos de oportunidade envolvidos em cada uma das decisões governamentais com que o funcionário de Estado possa ser confrontado.
Quero crer que a construção de um Estado “racional-legal” e a consolidação de uma democracia efetiva no Brasil já avançaram o suficiente como para permitir que funcionários de Estado como o que aqui escreve possa contribuir, de forma mais ou menos institucionalizada, para a tomada de decisões em sua esfera de atuação, independentemente de posturas mais ou menos marcadas pela vontade momentânea de alguma autoridade governamental. Ou estarei enganado?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de dezembro de 2006

Os BRICS, antes de existirem os BRICS (texto de novembro de 2006)

Claro, já se falava dos Brics desde 2001, ou 2002, logo em seguida a que o criador da sigla, um economista do Goldman Sachs, popularizou o acrônimo (que se destinava a oportunidades de ganhos em mercados financeiros, esclareçamos bem este ponto).
Mas eles não existiam como projeto diplomático, uma realidade que só começa a surgir em 2007 e 2008, para se concretizar em 2009.
Em todo caso, cabe apenas verificar o que mudou e o que se mantem nesta análise dos Brics antes dos Brics...

O papel dos BRICs na economia mundial
(corrigindo alguns equívocos de compreensão)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 novembro 2006

Os BRICs
Muito se tem falado sobre os BRICs, um suposto grupo de países emergentes dinâmicos, composto pelo Brasil, Rússia, Índia e China, com perspectivas relevantes na futura economia mundial. Em vista, porém, das baixas taxas de crescimento econômico do Brasil, vários jornalistas têm retirado o Brasil desse grupo, convertendo-o em RICs, apenas.
A verdade, entretanto, é que esse BRIC não existe. Trata-se de uma construção arbitrária, que não se sustenta em nenhum arranjo político-diplomático, em nenhuma configuração efetiva internacional. É um exercício puramente intelectual de um banco de investimentos, o Goldman Sachs, que criou essa figura, sem justificativa em si, a não ser pelo peso específico de cada um desses países.
Com efeito, na maior parte do tempo, os supostos BRICs não interagem entre si, não atuam de forma coordenada para fins desse exercício feito pelo banco, que é a emergência econômica, como massa atômica específica, de cada um desses países na economia mundial. Ou seja, eles terão inevitavelmente um grande peso, inclusive o Brasil, que é pouco dinâmico, mas cada um por sua própria conta.
A rigor, há também a Indonésia, que está um pouco diminuída hoje, mas que vai voltar a crescer e emergir, não apenas na região da Ásia Pacífico. Há ainda a África do Sul, o México, todos grandes países que, somados à China, à Índia e ao Brasil, conformariam um G-11 ou G-13 da economia mundial.
Isso é relevante, em termos de coordenação da agenda econômica mundial, mas não há nenhum exercício político-diplomático de coordenação entre BRICs, ou RICs. Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial. Cada um tem interesses nacionais, que não são necessariamente divergentes, mas não são coincidentes.
Não existe, sobretudo, para fins de qualquer classificação diplomática com respeito ao possível alinhamento desses BRICs na política mundial, uma natural identificação dos supostos integrantes desse grupo com os demais países em desenvolvimento ou com alguma diplomacia do Sul. Para todos os efeitos de inserção na economia mundial, a Rússia, a Índia e a China fazem parte do hemisfério norte, assim como, do ponto de vista estritamente político, a Rússia integra plenamente as estruturas de dominação e controle típicos dos países do hemisfério norte.
A Rússia é relevante por seu poderio atômico. Não foi incorporada ao G-7 por ser uma economia de mercado, o que obviamente ela não era, mas porque poderia causar problemas. Ela não faz parte do G-7 econômico, mas do G-8 político, que adota resoluções um pouco inócuas. A Rússia não conta economicamente, a não ser por sua energia. Como ela é importante no equilíbrio geopolítico asiático e europeu e no plano energético mundial, ela faz parte desses esquemas de coordenação. Mas o processo de reformas internas deve ser intensificado para que ela possa ser plenamente incorporada à OMC e à OCDE.
Tampouco existe, para fins de comércio internacional, um realinhamento radical dos fluxos, ainda que seja previsível e até natural um crescimento mais intenso dos intercâmbios entre os próprios países do Sul. A “nova geografia comercial”, que se anuncia como relevante para o Sul, na verdade já existe: são os emergentes asiáticos exportando para o Norte desenvolvido – Estados Unidos e Europa – ou para outros países em desenvolvimento de sua própria esfera geográfica, como é o caso da China e sua imensa esfera de intercâmbios na própria Ásia Pacífico.

A China e a Índia
Para todos os efeitos imagináveis, o destino econômico da China está intimamente ligado ao dos Estados Unidos. Os americanos dependem da transferência de recursos asiáticos para continuar sustentando a sua avidez de consumo. A China depende enormemente da capacidade comercial deficitária americana, ou seja, que os Estados Unidos continuem comprando dela. Do catálogo do Wal Mart, 80% ou mais é chinês ou pode ser feito na China.
A China exerce hoje um papel deflacionista extremamente importante na economia mundial. Assim como a Inglaterra no século 19 ofereceu mercadorias baratas a todo o mundo, a China desempenha hoje esse papel. É importante porque permite que mesmo os trabalhadores desempregados pela concorrência chinesa nos mercados de manufaturados da Europa e dos EUA continuem a consumir produtos, a partir de suas bonificações-desemprego, que de outra forma não estaria ao seu alcance, se fossem fabricados aos preços da Europa e dos EUA.
A Índia também está intimamente integrada aos Estados Unidos, pelas redes de engenheiros, pelos seus executivos que trabalham na Califórnia ou na Costa Leste, que vão alimentar a nova economia da inteligência e do conhecimento. A China é basicamente um laboratório, um ateliê ou uma fábrica. A Índia é basicamente um escritório de concepção e desenho. Os indianos desenham aquilo que lhes foi encomendado desde o Vale do Silício, podendo inclusive agregar algo mais.
Mas o que é desenhado na Califórnia também o é por engenheiros indianos. Há uma simbiose completa entre concepção e desenho americano, ou ocidental, e a nova Índia, que está emergindo paulatinamente e vai ser uma potência em software e em conhecimento também.
Trata-se, obviamente, de uma “pequena Índia”, pois se está falando da incorporação de uma parte apenas da imensa população da Índia na economia de mercado. A exclusão social da maior parte dos indianos dessa economia dinâmica pode até representar algum fator de pressão interna contra as reformas e uma maior inserção na globalização, mas esse é um fator interno que tem de ser resolvido na política indiana. O fato é que a Índia vai continuar com milhões de miseráveis durante muito tempo, assim como a China.
O que esse dois países já fizeram, em termos de crescimento econômico, é propriamente extraordinário. A China tirou 200 ou 300 milhões de camponeses de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável, e os transformou em operários. A Índia também tirou algumas centenas de milhares de pessoas da miséria. Mas a miséria indiana ainda é monumental, e vai continuar pelas décadas futuras. Mas isso não importa para a economia mundial, e sim os grandes fluxos transnacionais de comércio, bens, serviços.
Os analistas ocidentais e, sobretudo, os políticos americanos argumentam que, no caso da China, isso foi obtido ao custo de um câmbio artificialmente baixo e de salários baixos, até para o poder de compra chinês. Entretanto, esses são fatores conjunturais. A China tem uma boa manipulação de sua política econômica, inclusive para efeitos cambiais e comerciais. Tem uma boa manipulação da sua agenda financeira – reservas, investimentos externos. Mas tudo isso é superestrutura, é espuma.
O mais importante, todavia, é o papel da China como produtora de bens correntes no mundo globalizado. Para fazer isso, ela simplesmente se inseriu na divisão internacional do trabalho. Quando acabou o socialismo, no fim dos anos 80, o impacto da incorporação dos ex-socialistas na economia mundial não foi muito grande, porque esses países eram pouco competitivos - tinham uma participação ridícula no comércio de bens e de tecnologia internacional - e inexistentes no plano financeiro. O impacto econômico da inserção do ex-bloco socialista no PIB mundial foi de 10% ou 15%, se tanto. Agora, o impacto da incorporação do exército industrial de reserva ex-socialista na divisão mundial do trabalho provavelmente supera um quarto da mão-de-obra total do mundo.
Tudo isso é muito relevante no plano da alocação de investimentos para fins de produção, montagem de produtos, enfim, tudo o que requer mão-de-obra. A China, também, em algum momento, vai ficar um pouco cara, e aí outros países vão ser incorporados. No que se refere ao setor industrial, a China manterá a sua preeminência mundial nas próximas décadas.
De certa forma, ela está repetindo a história japonesa de copiar para depois criar. Mas, não se trata de equiparar a China a um novo Japão. A história é sempre diferente. A China produz mais engenheiros do que qualquer país do mundo. Quem produz patentes, inovação tecnológica, são engenheiros. A China vai construir um poder econômico nos seus próprios termos, que não necessariamente vai se dar no vácuo ou na decadência ocidental, e sim em extrema osmose com o Ocidente.
As teses de hegemonias, declínios e substituição de impérios não são muito válidas hoje, porque não se tem mais uma economia baseada apenas nas matérias-primas ou na força bruta das máquinas. Como a economia é do conhecimento, tudo isso tende a se disseminar. Quem está perdendo, na verdade, são os operários americanos e ocidentais. Mas as empresas ocidentais vão continuar tão fortes quanto antes, inclusive utilizando mão-de-obra chinesa, claro, para o que for necessário.

E o Brasil nesse processo?
O Brasil vai continuar sendo um grande fornecedor de commodities, o que é bom, e um grande fornecedor de energias renováveis, o que é excelente. Mas o Brasil é hoje, reconhecidamente, um país de lento crescimento, a despeito de ser um país moderno.
O fato é que todos os nossos problemas são made in Brazil. Nenhum deles tem algo a ver com a globalização. Nada do que é externo é estratégico para os problemas brasileiros atuais. São deficiências próprias: previdenciárias, educacionais, organizacionais, corrupção, gastos públicos. A globalização até ajudaria na tarefa de reforma. Mas como o Brasil é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição externa e novos acordos comerciais com países desenvolvidos, sua indução à reforma vai ser bem mais lenta. Tanto o Mercosul como os acordos hemisféricos são menos importantes para o Brasil, enquanto acesso a mercados, do que enquanto estabilização econômica e indução à reforma, à competição e à inovação. Como o Brasil continua relativamente introvertido, o processo de reformas vai ser muito lento. Não é que não haja consenso entre as elites quanto a uma agenda de reformas. Não há sequer consciência de que a reforma é necessária, nos planos tributário, fiscal e educacional.
Na globalização, o papel da educação é extremamente relevante. Com a baixa qualidade atual do seu ensino fundamental, o Brasil simplesmente não pode pensar em se inserir na economia mundial de forma competitiva. Achamos que nossos problemas econômicos são graves, por causa da falta de uma agenda de reformas. No plano educacional, é pior do que possamos imaginar, e tendente à deterioração. A situação é muito pior do que as estatísticas revelam. Não é apenas do ponto de vista organizacional e de investimentos, mas no plano mental, de preparação dos professores. Temos enormes problemas pela frente, que não serão resolvidos facilmente.
Não se deve ser muito otimista quanto às possibilidades do Brasil de concorrer numa economia globalizada, na medida em que sua situação educacional é pavorosa. O Brasil não está preparado para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial, nem para enfrentar as exigências da modernidade, da inovação tecnológica. No plano científico, existe muita capacidade: os cientistas brasileiros são tão bons ou até melhores que os estrangeiros. Mas a vinculação do sistema científico com o tecnológico é muito precária. Não há um sistema inovador autogerado. É tudo muito induzido pelo Estado.
O Estado brasileiro deixou de ser uma solução e passou a ser um problema enorme. Um estudo com países da OCDE para o período 1960 a 1996 mostra que o ritmo de crescimento está correlacionado à carga fiscal. Países com carga fiscal de até 25% do PIB tiveram crescimento anual de 6,6%; aqueles com carga fiscal superior a 60% do PIB, de apenas 1,6%. Isso ocorre porque simplesmente não existem recursos para o investimento. A despoupança estatal é um fator extremamente negativo. E, no plano tributário, a incidência sobre o lucro e o trabalho é fator de desemprego, informalidade e não-crescimento.
Pode-se mencionar aqui o caso da Irlanda. Trata-se de um país que saiu do perfil europeu típico de alta imposição fiscal e enveredou pelo caminho da eficiência, da baixa tributação sobre os lucros e sobre o trabalho. Em menos de uma geração, em aproximadamente 17 anos, ela saltou de metade da renda per capita européia para acima da média. A China impressiona porque é grande. Mas a Irlanda, em termos de transformação estrutural, é um caso único na história econômica mundial.
O Brasil poderia parar de olhar tanto para a China e para a Índia e verificar o que fizeram, por exemplo, Irlanda e Chile, em termos de reforma econômica e inserção no processo de globalização. Para todos os efeitos, não importa muito o tamanho dos países e sim a qualidade de suas políticas econômicas.

Para maiores esclarecimentos quanto à natureza dessas políticas econômicas, remeto a meu artigo “Uma verdade inconveniente (ou sobre a impossibilidade de o Brasil crescer 5% ao ano)”, disponível no  no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2006/11/637-uma-verdade-inconveniente_11.html).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 novembro 2006

Uma visao do Brasil, da Argentina, dos EUA, no final de 2006

Mais um material que tinha permanecido inédito, por razões óbvias, desde 2006, mas em relação ao qual não existe mais motivo para eximi-lo de uma avaliação a posteriori, para ver se minha visão das relações bilaterais e de alguns problemas da agenda política interna e externa estava correta, ou necessitando de ajustes.
Acho que muito se mantem...modestamente

Política externa e política interna no Brasil
Uma visão para a Argentina

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006
Respostas a perguntas colocadas por jornalista argentino

1) Com três dos maiores Estados do país (SP, MG, RS) governados pelo opositor PSDB e um cenário de negociação permanente no Congresso – onde a base governista é obrigada a construir alianças –, qual será a margem de atuação política do segundo governo Lula?
Paulo Roberto de Almeida: Independentemente das maiorias políticas que governam os estados federados, os governadores sempre são obrigados a encontrar um modus vivendi com o governo federal, em vista do enorme poder econômico da União na repartição das receitas tributárias, na definição de grandes projetos de obras públics, no encaminhamento, enfim, de uma miríade de questões econômicas que não teriam solução se os respeonsáveis políticos, tanto pelo lado dos estados, como pelo lado da União (ou seja, executivo federal), não se entendem. Nenhum governador, enquanto administrador, pode-se permitir viver em luta política contra o governo federal, isso seria extremamente prejudicial aos interesses do seu estado e dos seus cidadãos e simplesmente contra-producente no plano das suas responsabilidades governativas. Agora, enquanto líderes políticos ou dirigentes partidários, eles poderão vocalizar suas preferências por determinadas políticas – macroeconômicas ou setoriais – que se distinguem daquelas seguindas pelo governo federal, ou até manifestar, concretamente, oposição às medidas gerais adotadas pelo governo central. Mas isso faz parte do jogo político, e não vai ser diferente agora, no segundo mandato de Lula, do que já foi em épocas passadas ou ocasiões anteriores.

2) Qual será o vínculo entre a diplomacia do governo Lula e o projeto “bolivariano” do governo Chávez, que já enfrentou – por exemplo – dificuldades com o Brasil por causa do seu apóio à nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia?
Paulo Roberto de Almeida: Não vejo nenhum tipo de vínculo entre a atual diplomacia brasileira, extremamente profissional, e qualquer outro projeto político continental, que se expresse por meio de “rótulos” ou simbologias, a não ser o desejo comum de desenvolver a região em bases próprias, em promover a prosperidade da América do Sul de forma mais homogênea, e contribuir, assim, para a constituição de um espaço econômico integrado, com exploração conjunta dos recursos existentes, com base em interesses comuns, definidos de maneira objetiva. A diplomacia brasileira é conhecida historicamente – e assim reconhecida no plano internacional – por seu pragmatismo e objetividade. Não creio que essas características imanentes da diplomacia brasileira venham a mudar.

3) No contexto do Mercosul, quais são as perspetivas da relação com a Argentina no segundo mandato do Lula, em especial a partir da entrada em vigência do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) que tenta resolver as assimetrias entre as duas economias?
Paulo Roberto de Almeida: O Mercosul continua a ser o projeto estratégico que ele sempre foi, desde o início de sua concepção e implementação, inclusive, como se deve recordar, numa base puramente bilateral Brasil-Argentina. O MAC não tem tanto a ver com o Mercosul, pois se trata de um instrumento bilateral ou até unilateral, e sim com algumas dificuldades relativas ao comércio de bens no plano industrial, dificuldades essas derivadas da baixa competividade sistêmica das indústrias argentinas. Elas precisam se reconverter, se modernizar, enfim, se qualificarem competitivamente para que esse tipo de mecanismo, que em si mesmo é redutor do comércio, possa ser abandonado numa etapa de maior equilíbrio dos intercâmbios globais, de redução de assimetrias e de vantagens mútuas plenamente asseguradas pela intensificação da integração. As assimetrias não serão resolvidas pelo MAC, que apenas permite um espaço de acomodação temporária, e sim pelos investimentos produtivos na própria Argentina. O Brasil já passou por fases de readaptação industrial e de adequação aos novos requerimentos da competição global, o que eventualmente se traduziu em perdas de empregos setoriais, mas, ao fim e ao cabo, as indústrias brasileiras se tornaram mais modernas e eficientes.

4) Qual será o perfil da política económica do ministro Guido Mantega, se a comparamos com a atuação do ex ministro Palocci? Haverá mudanças neste setor da administração?
Paulo Roberto de Almeida: Como disse o próprio presidente Lula, não existe política econômica do ministro Guido Mantega, assim como não existia política econômica do ministro Palocci. Há, e deve continuar a haver, uma política econômica do governo, que é a do presidente Lula. Não creio, pessoalmente, que venhamos a incorrer em inflexões significativas em termos de escolhas básicas: responsabilidade fiscal, metas de inflação, flutuação cambial, superávit primário, abertura moderada à globalização, promoção dos esforços de integração na América do Sul, acordos comerciais com outros países em desenvolvimento, tudo isso deve continuar, nos mesmos moldes existentes, com algum reforço nos mecanismos indutores de maior crescimento.
Se houver mudanças, elas podem ser induzidas por dois fatores: alguma deterioração no quadro econômico mundial – que tem sido extremamente benéfico do ponto de vista brasileiro – e uma eventual deterioração no quadro fiscal brasileiro, atualmente pressionado por um grande volume de gastos estatais e poucos limites para a expansão das receitas e despesas, em virtude da inapetência da população, e dos empresários, por mais impostos. As escolhas, e elas podem ser dolorosas, em certos casos, terão de ser feitas pelo presidente.

5) Como definiria o senhor o vínculo do governo Lula com os Estados Unidos e como poderá evoluir nos próximos dois anos de administração republicana em Washington?
Paulo Roberto de Almeida: As relações poderiam ser designadas por uma única expressão: corretas. Existem concordâncias e divergências, nos planos multilateral, regional ou bilateral, entre os EUA e o Brasil, como é normal com qualquer país, parceiros mais ou menos chegados a Washington. Não será diferente com o Brasil. Existem perspectivas de cooperação na área energética, que me parecem extremamente promissoras.
A administração em Washington não será inteiramente republicana, pois ela terá de conviver com a maioria congressual democrática no Congresso, mas não creio que isso represente maiores diferenças do ponto de vista do Brasil. O grande temor brasileiro é por um recrudescimento do já exagerado protecionismo e subvencionismo agrícola dos EUA, mas isso não é característica republicana ou democrática. Creio que os lobbies protecionistas e subvencionistas são atuantes em ambos os partidos. Em outros termos, não deve haver grandes mudanças na agenda bilateral.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006

Sendo profeta em negociacoes internacionais no final de 2006

Depois das eleições de outubro de 2006, um jornalista me contatou para que eu explicitasse minha visão sobre as negociações internacionais de interesse do Brasil em 2007, nestes termos:

Caro Paulo Roberto,
estou preparando uma reportagem para o jornal XXXXX sobre cenários das negociações internacionais do Brasil em 2007 e gostaria de ouvi-lo. Trata-se de um caderno especial, a ser publicado em meados de novembro, em que vários especialistas serão ouvidos sobre vários aspectos da economia. Escreverei sobre comércio internacional...


Seguem abaixo as perguntas e minhas respostas, apenas para registrar algo que ficou provavelmente inédito, e que caberia agora, apenas verificar quanto eu acertei ou errei. Na verdade, vários dossiês permanecem inconclusos...
Paulo Roberto de Almeida

Negociações Internacionais em 2007
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 novembro 2006

1) o que se pode esperar das negociações em 2007?
Nada de muito entusiasmante, apenas mais do mesmo, ou seja: pequenas acomodações marginais nos grandes parceiros comerciais que continuarão a arrastar os pés em matéria de novos compromissos de liberalização essencialmente por razões de ordem interna. Os economistas sensatos são a favor do livre-comércio; políticos sensatos dizem que são a favor do livre-comércio mas continuarão praticando o protecionismo.

2) que acordos podem avançar?
Serviços tem grandes chances de acomodar compromissos mais amplos de abertura, como provavelmente tarifas industriais, mas aqui há muito pouco a ser feito pelos países mais avançados, cabendo aos emergentes fazer a sua parte. Não acredito que agricultura conhecerá avanços dramáticos nem os compromissos em investimentos.

3) de que países o Brasil tende a se aproximar? que mercados podem ser conquistados?
O Brasil vai buscar alianças em todas as frentes para avançar setorialmente segundo a natureza dos temas em discussão. Os mercados mais dinâmicos estão aparentemente, fora do alcance da indústria brasileira, que são os eletrônicos de massa, com a possível exceção dos celulares (mas a tecnologia é estrangeira). Continuaremos perdendo mercado para a China em bens manufaturados correntes e, cada vez mais, em têxteis e calçados. Teríamos de fazer um grande esforço em direção de mercados desenvolvidos, onde as possibilidades são ainda significativas. Mercados do sul tendem a ser mais erráticos ou apresentar limitações no que se refere a linhas de crédito.

4) e a Rodada Doha, qual será o seu encaminhamento em 2007? a estagnação/obstáculos da Rodada podem tirar o fôlego das demais negociações?
A Rodada Doha será retomada, pois nenhum país pretende ser responsabilizado pela sua derrocada. Provavelmente se repartirá de um texto inicial –projeto de acordo – a ser oferecido pelo Diretor Geral Pascal Lamy, que no começo será rejeitado por todos, mas que mais adiante, depois de algumas tergiversações, será aceito como base negociadora em sua fase final.

5) alguma perspectiva de avanços das negociações comerciais brasileiras nas Américas?
Dificilmente se irá além de acordos limitados do Mercosul com alguns países, criando pouco comércio e restringindo o acolhimento de fluxos maiores de investimento direto estrangeiro. A Alca ainda não foi enterrada, mas parece mortinha da Silva, pelo menos a julgar pelas declarações de alguns dirigentes.

6) como já se projeta a vitória de Lula, de que forma imagina o seu segundo mandato em termos de política comercial? Haverá pressões para mudanças/correções de rumo, sobretudo por parte do empresariado brasileiro?
O empresariado continuará pressionando para que se alcancem compromissos mais abrangentes, mas ele mesmo está dividido entre um setor que deseja sinceramente a abertura, por se julgar competitivo, e outro que reluta em abaixar alguns poucos pontos nas alíquotas tarifárias. O agronegócio apreciaria, particularmente, que o governo avançasse bem mais, o que de certa forma este vem fazendo, mas apenas no que se refere a nossas posições ofensivas no capítulo agrícola.

SOBRE O FATOR CHINA:
1) quais as projeções para a economia chinesa em 2007?

Um pouco mais do mesmo: alto crescimento, baixa inflação, acúmulo de reservas monetárias. Mas, a China ainda enfrenta imensos problemas sociais: uma população que precisa ser absorvida rapidamente na economia mercantil, poluição urbana e compromentimento de alguns recursos naturais. Sobre tudo isso, se projetam os indicadores de concentração de renda, um dos maiores do mundo. A China continuará financiando a prodigalidade americana por produtos chineses.

2) quais as chances das medidas de controle de crescimento terem efeito e em que isso pode nos ajudar ou prejudicar?
As medidas para “frear” o crescimento chinês apresentam caráter quase simbólico – que aliás redundariam em uma diminuição de meio ponto, se tanto, na taxa de crescimento do PIB e sobrtetudo das exportações. A China só pode ser “controlada” por uma freada brusca na economia americana ou por problemas advindos de seus próprios desequilíbrios – como por exemplo os créditos podres do setor bancário – mas aparentemente essas fragilidades estão sendo corrigidas aos poucos.

Sugestões para uma administração sintonizada com os novos tempos

Este pequeno trabalho tinha sido escrito a propósito da transição presidencial anterior, que na verdade foi uma continuidade, ou seja, permaneceu no poder o mesmo incumbente (aliás, a política não mudou nada, contrariamente aos desejos expressos aqui abaixo.
Como a nova presidente parece que está tendo algumas dificuldades políticas, quem sabe ele não tomaria inspiração em algumas coisas simples que seria preciso fazer?
Paulo Roberto de Almeida

Sugestões para uma administração sintonizada com os novos tempos
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 30 outubro 2006)

Concluída mais uma etapa do itinerário democrático – a quinta eleição direta para presidente desde a volta da democracia e o sétimo escrutínio, contando os dois turnos –, é hora de pensar em uma governança responsável, comprometida com o bem comum e o desenvolvimento do país. Como se constatou nos debates do segundo turno, propostas partidárias são menos relevantes do que compromissos assumidos pelos candidatos, o que nos leva à conclusão de que políticas governamentais são bem mais o reflexo do jogo entre o líder e as principais forças políticas do Congresso do que necessariamente o reflexo de documentos partidários preparados pelas suas equipes de campanha.
Na eleição de 2002, as propostas da “Carta ao Povo brasileiro” se distanciaram das posturas tradicionais do partido de origem. Em lugar de ruptura, respeito aos contratos; em lugar de magia econômica, responsabilidade fiscal; em lugar de denúncia do FMI, acomodação ao programa de ajuda; enfim, uma reviravolta que a muitos pareceu tática, mas que se revelou estratégica para a vitória e o governo ulterior.
Agora, uma nova vitória recomenda a adoção de propostas que devem contemplar, não posições partidárias, mas sim amplos interesses nacionais. O que se segue é um exercício propositivo e consistente com a vontade de mudanças, não tanto no estilo e no conteúdo da política econômica seguida nos últimos anos, mas sim em relação a velhas idéias e agendas ultrapassadas.

1. A orientação não é socialista, e sim reformista
A economia de mercado é a melhor forma de atender às necessidades básicas da população e o Estado deve concentrar-se no essencial, como segurança, educação, saúde e infra-estrutura, ademais de regras gerais para o bom funcionamento da economia de mercado (competição, estabilidade de políticas, abertura à inovação). As instituições regulatórias devem continuar sendo reforçadas para que a economia de mercado promova os interesses do maior número de cidadãos.

2. A política econômica continua responsável e pró-mercado
Da forma como ele atua, hoje, no Brasil, o Estado transformou-se, de equalizador de chances, no principal obstáculo a um processo sustentado de crescimento, uma vez que ele é um “despoupador” dos recursos privados, inviabilizando investimentos e mantendo uma maioria de cidadãos e empresas na informalidade. Quatro diretrizes são relevantes nesse âmbito: (a) macroeconomia estável: responsabilidade fiscal e combate à inflação, um imposto que atinge os pobres; (b) microeconomia aberta: competitição, abertura ao empreendimento privado e bom ambiente para os negócios; (c) investimento maciço na qualidade dos recursos humanos, começando pelo ciclo básico e pelo ensino profissional: o critério relevante é a produtividade do trabalho, o que depende da educação; (d) abertura ao comércio e aos investimentos internacionais: a interdependência econômica é a que melhor se ajusta aos nossos padrões de economia integrada nos fluxos mais dinâmicos da globalização contemporânea.

3. Reforma no modo de ação do Estado
O fazer política, no Brasil, tornou-se um modo de vida, quando não uma atividade rendosa. Os meios parecem ter se substituído aos fins e quase toda a máquina pública, em especial o legislativo e o judiciário, converteram-se em redomas privilegiadas de altos salários e de baixa produtividade. A reforma política contemplará a redução dos gastos e a mudança na representação política para um sistema distrital misto.

4. A opção não é por um Estado mínimo e sim por um Estado que funcione
Uma reforma administrativa deve propor a extinção de ministérios e a atribuição de diversas funções a agências reguladoras. As PPPs constituem um paliativo e por isso se deve retomar a privatização de alguns órgãos públicos que são fontes de ineficiência e de corrupção, em vários setores. A estabilidade no serviço público poderia ser revista.

5. Contra a derrama fiscal: redução de impostos
Uma reforma econômica ampla trará diminuição da carga tributária e redução das despesas correntes do Estado. O Brasil já ultrapassou limites razoáveis de carga fiscal e isto se traduz no “desinvestimento” estatal e na baixa poupança e investimento. Uma série de reformas microeconômicas criará um ambiente favorável ao investimento produtivo, ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão tributárias.

6. Uma nova classe trabalhadora, livre da mão pesada do Estado
Para proteger os interesses daqueles que ainda não estão incorporados ao mercado formal de trabalho, se propõe uma reforma trabalhista, com flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes, a eliminação do imposto sindical e a extinção da Justiça do Trabalho, que é uma fonte de criação de conflitos, substituindo seus pesados procedimentos pela via arbitral.

7. O Brasil é globalizado e favorável à globalização
O Brasil se posiciona resolutamente em favor da globalização, que tem retirado milhões de chineses e indianos de uma miséria ancestral.

8. No plano externo, a defesa exclusiva dos interesses nacionais
No contexto internacional, posições de princípio e “aliados estratégicos” devem ser avaliados em função dos interesses nacionais, não como resultado de afinidades ideológicas. Determinados objetivos, como a integração regional, não devem ser vistos como um fim em si mesmo, mas como um meio para se atingir objetivos nacionalmente desejáveis, que são o progresso e a prosperidade da nação. A liderança, por sua vez, decorre do acúmulo de substrato material – financeiro e tecnológico, sobretudo – para o cumprimento de missões externas que sejam solicitadas pelos vizinhos ou pela comunidade internacional, e não deriva da vontade unilateral de proclamá-la.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 outubro 2006

Acredito em algumas coisas muito simples...

Este ainda é de tempos atrás, mais precisamente quando esta República que nós temos (a única, mas não imutável) atravessava mais uma dessas crises recorrentes, acarretada, então como agora, por corrupção da grossa, malversação de dinheiro público, tráfico de influência, enfim, todo tipo de crime de colarinho branco que vocês podem imaginar, e que geralmente passam impunes (então como agora, não tenham dúvida disso).
Como eu não posso fazer literalmente nada, a não ser votar e protestar -- não sou procurador, não sou policial, não sou sequer funcionário direto desses antros de corrupção e mau-caratismo, só posso fazer o que faço: escrever.
Fica aqui o meu protesto, então como agora...

Acredito...
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 25 de setembro de 2006)

Em algumas verdades simples, muito simples:

Que a palavra do homem é uma só,
que todos têm o dever social e individual da verdade, que ela é única e imutável.
que devemos, sim, assumir, nossas responsabilidades pelos cargos que ocupamos,
que não podemos descarregar sobre outros o peso dessas responsabilidades,
que devemos sempre procurar saber o que acontece, em nossa casa ou trabalho,
que não devemos jactar-nos indevidamente por grandes ou pequenas realizações,
que sempre nos beneficiamos do legado dos antepassados, sobretudo em conhecimento,
que nenhuma obra social possui paternidade única e exclusiva, sendo mais bem coletiva,
que a tentativa de excluir antecessores ou auxiliares é antipática e contraproducente,
que devemos zelar pelo dinheiro público,
que temos o dever de pensar nas próximas gerações, não na situação imediata,
que vaidade é uma coisa muito feia, além de ridícula,
que sensação de poder pode perturbar a capacidade de raciocínio,
que poder concentrado desequilibra o processo decisório,
que ouvir apenas elogios embota o senso da realidade,
que o convívio exclusivo com áulicos perturba a faculdade de julgamento,
que, enfim, não comandamos ao julgamento da história.

Eu também aprendi, que os resultados são sempre mais importantes do que as intenções, mas que os fins não justificam os meios...

Acredito, para terminar, que coisas simples assim podem ser partilhadas com outros...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2006

Brasil: prioridades possiveis em uma administracao racional (mais um desenterrado...)

Eu disse em uma administração racional, o que não é obviamente o caso.
Ainda assim, já que estamos na hora da saudade -- na verdade, estou apenas revisando listas antigas de trabalhos para separar resenhas e títulos de livros de diplomatas ou sobre diplomacia -- não custa nada repostar aqui coisas atinentes a esse debate tão necessário que se resume a uma única pergunta:

Seria o Brasil capaz de crescer de maneira ordenada e racional?

Respondo logo que sim, mas depende.
No governo atual, e com os líderes políticos que temos, não há nenhum risco disso ocorrer.
Repito, nenhum risco...
Paulo Roberto de Almeida

Prioridades possíveis em uma administração racional
Paulo Roberto de Almeida (9 de julho de 2006)

Todo mundo tem a sua pequena lista de tarefas urgentes e inadiáveis a serem feitas no Brasil: se consultarmos os representantes do povo, eleitos para isso mesmo, eles já têm pronta uma lista enorme de projetos a serem implementados com a máxima urgência possível, com a particularidade de que são todos nas respectivas circunscrições eleitorais, obviamente. Se perguntarmos a um conclave de universitários, reunidos por exemplo numa dessas conferências anuais da SBPC, eles também terão a sua lista de prioridades, geralmente vinculadas à ciência e tecnologia, ao investimento em educação, incentivo à pesquisa, aumento de salário aos professores – notoriamente defasados –, financiamento às universidades e coisas do gênero. Se falarmos com os industriais, ou aos agricultores ou ainda aos simples trabalhadores do campo e da cidade, cada uma dessas categorias terá uma lista de medidas urgentes a serem tomadas pelo governo, sob risco de desemprego, insuficiência alimentar, deterioração das condições de vida ou sabe-se lá o que mais.
Recursos orçamentários são, por definição, escassos, como mais de um governo “comprometido com o povo” descobriu no dia ou nas semanas seguintes à vitória nas eleições. Não dá obviamente para fazer tudo ao mesmo tempo ou sequer no tempo total do mandato. Como já disse alguém, “não espere que eu faça em quatro anos aquilo que não foi feito nos últimos 500 anos”. Elementar, não é mesmo?
O problema é que as pressões emergem de todo lado, cada grupo de interesses, cada categoria social berrando pela sua fatia do orçamento e os políticos estão aí para isso mesmo: para fazer chantagem com o governo de plantão, só dando o seu voto depois de ter assegurado o financiamento para o seu projeto particular. O resultado é o pior possível, com a fragmentação total do orçamento público em uma miríade de pequenos projetos, quando não o esquartejamento puro e simples dos recursos escassos em uma multitude de pequenos gastos que não resolvem qualquer dos grandes problemas sociais do país e mantém intactos os pequenos problemas com sua resolução parcial mediante uma parte da verba originalmente pedida.
Pois bem, a intenção do presente exercício é outra. Seria a de tentar concentrar os recursos disponíveis mediante sua focalização nos melhores projetos disponíveis. O critério básico é o de encontrar as prioridades sociais efetivas, isto é, aquelas ações que redundam no maior efeito social possível, alcançando o maior volume de pessoas que exibem carências detectáveis que redundam em perdas sociais mensuráveis. A aplicação dos recursos disponíveis – por definição escassos, como sempre – tem de ser feita com a melhor eficácia possível no dispêndio, o que os economistas usualmente chamam de custo-benefício, ou seja, o maior retorno alcançável pelo dinheiro aplicado. Por fim, a ação visada precisa apresentar eficiência; em outras palavras, estender benefícios ao maior número com efeitos permanentes de bem-estar, contribuindo para a elevação dos índices de produtividade social (direta ou indiretamente).
Com base nessa trilogia – prioridades efetivas, custo-eficácia e eficiência – podemos traçar uma escala de ações prioritárias que poderiam ser implementadas por um governo interessado em corrigir as distorções mais gritantes existentes na sociedade brasileira, quais sejam, a desigualdade, a má educação, a infra-estrutura precária e uma baixa produtividade geral no sistema produtivo. Não consideremos aqui demandas de grupos ou, mesmo, a escassez de recursos. Vamos simplesmente supor que temos um volume de recursos dado, mas que precisamos escolher apenas as ações mais prioritárias dentre as prioridades governamentais, deixando para depois as menos prioritárias. Numa segunda etapa, pode-se discutir a disponibilidade de recursos. Não vamos tampouco considerar o sistema político, mas sim uma organização a mais racional possível, que aja com base na já mencionada eficácia e eficiência máximas dos investimentos feitos.

Escala de prioridades com o máximo de retorno social e econômico

1) Melhoria da qualidade da educação com gerenciamento eficiente dos recursos
(a) alcançar a cobertura máxima de crianças escolarizáveis, entre 2 e 17 anos, o que implica ampliar a pré-escola e redimensionar a rede escolar espacialmente; concentrar recursos no básico (fundamental e médio) e no técnico-profissional;
(b) ampliar a permanência escolar no ciclo fundamental público, estendendo o período de estudo efetivo na escola; vincular programas do tipo bolsa-escola aos programas de assistência social;
(c) aperfeiçoar a formação dos professores dos ciclos infantil, fundamental, médio e técnico-profissional públicos, com incentivos financeiros segundo o desempenho, medido pelo aproveitamento efetivo do estudante (abolido o critério da aprovação automática); recursos de tecnologia de informação devem estar concentrados no professor e nos centros de documentação e bibliotecas das escolas;
(d) mudanças curriculares de molde a reforçar o núcleo básico de estudos (língua nacional, ciências, matemáticas e estudos sociais), com opções de disciplinas suplementares disponíveis segundo os recursos apresentados e decisão a ser tomada de forma descentralizada pelos conselhos de educação em nível municipal e associações de pais e mestres nos diversos centros escolares;
(e) eficiência na gestão escolar, com estímulos financeiros e funcionais em função da melhoria no desempenho (mais em escala relativa do que absoluta).

2) Melhoria dos padrões de saúde da população mais carente
(a) ampliar a rede de serviços básicos de saúde, num sentido preventivo e educativo; integração dos serviços de saneamento básico para prevenir doenças infecto-contagiosas e prover água de qualidade a todas as comunidades;
(b) programa nacional de nutrição e alimentação, com seguimento das crianças, integrado aos serviços escolares; formação de recursos humanos em economia doméstica e produção local de alimentos;
(c) rede integrada de saúde familiar e de hospitais comunitários; equipes volantes permanentes para o controle das doenças transmissíveis e contagiosas; vigilância integrada das gestantes e crianças na primeira idade;
(d) programas permanentes de riscos de gravidez – com ampla oferta de meios preventivos – e seguimento integral em casos de parto não desejado; programas integrados de abrigo e adoção de crianças;
(e) melhoria da gestão das redes de saúde e hospitalar, para reduzir a corrupção e os desvios e aumentar a eficiência dos recursos disponibilizados; transparência total das despesas efetuadas, com seguimento integral das operações financeiras e transferências de recursos via Siafi aberto ao nível das unidades.

3) Eficiência na gestão estatal, com redução da carga fiscal
(a) Reforma tributária para a redução da carga total sobre o sistema produtivo, segundo programa progressivo em dez anos, com redução de dez pontos do PIB, sendo meio ponto a cada semestre
(b) Combate à corrupção no sistema público, por meio de redução ampla da mediação dos recursos pela via política e ampliação da transparência dos gastos públicos, com seguimento integral pela internet; elaboração e execução orçamentárias igualmente disponíveis na internet;
(c) ampliação do sistema de parcerias público-privadas (PPPs) para o maior número possível de setores envolvidos nos serviços públicos (que não necessitam ser estatais); privatização de atividades que não sejam tipicamente estatais ou públicas;
(d) consolidação da independência da autoridade monetária como guardiã exclusiva da estabilidade da moeda e da defesa do poder de compra da população;
(e) ampliação e aprofundamento da legislação sobre responsabilidade fiscal, com desdobramento dos mecanismos preventivos de controle de desequilíbrios potenciais;
(f) reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, redução dos gastos com os corpos legislativos federal, estaduais e municipais e da própria representação política, hoje superdimensionada; atribuição de diversas funções estatais a novas agências reguladoras independentes; início progressivo do fim da estabilidade no serviço público, com exceção de algumas carreiras de Estado, estritamente definidas; reforma do sistema judiciário para melhoria de sua eficiência.

4) Reformas microeconômicas para a melhoria do ambiente de negócios
(a) ampla reforma trabalhista num sentido mais contratualista do que com base no diploma legal; eliminação do imposto sindical e da justiça trabalhista, com amplo recurso ao sistema arbitral e criação de varas especializadas na justiça comum;
(b) redução da informalidade empresarial e trabalhista mediante reformas tributária, regulatória e burocrática; redução dos custos de transação impostos pelo Estado;
(c) descentralização dos sistemas de compras públicas, com uso ampliado dos mecanismos eletrônicos de oferta, aquisição e controle dos gastos efetuados;
(d) eliminação dos tratamentos diferenciados entre setores, de maneira a eliminar distorções e competição fiscal danosa aos orçamentos públicos e aos regimes tributários;
(e) ampliação da competição interna e externa, com eliminação de cartéis e setores oligopolizados, redução do protecionismo alfandegário e maior integração à economia mundial, com abertura ampliada aos investimentos estrangeiros.

5) Segurança pública
(a) reformulação dos aparelhos policial, penitenciário e de justiça, num sentido preventivo, repressivo e restaurativo;
(b) diminuição da idade de imputabilidade legal;
(c) redução dos casos de prescrição de pena e ampliação dos prazos;
(d) integração do sistema preventivo com os mecanismos de assistência social e de incorporação escolar, para diminuir a delinqüência juvenil e a criminalidade envolvendo crianças.

Creio que bastam esses cinco conjuntos de tarefas como indicativo de um esforço concentrado numa agenda transformadora, pois eles me parecem cobrir o essencial dos problemas mais prementes do Brasil atual. Obviamente que se está falando em concentrar a maior parte dos recursos nesses programas, exatamente definidos como “prioridades prioritárias”, sem querer ser redundante. Se isso é verdade, obviamente será preciso deslocar recursos de outros programas, que passam então a ser prioridades secundárias ou “terciárias”. Alguns critérios simples para operar essa “separação” entre “urgências relativas” podem ser usados, como por exemplo:
1) preferir investimentos nos jovens (ou seja, escola e formação) do que nos “velhos” (isto é, a previdência);
2) preferir investimentos na formação básica, média e técnico-profissional, do que gastar sempre mais recursos com o ensino universitário, até agora privilegiado;
3) priorizar a infra-estrutura – e dentro dela as possíveis PPPs – do que políticas setoriais que redundem em dar créditos e facilidades para setores já privilegiados, como os industriais ou a agricultura capitalista;
4) priorizar o investimento na pesquisa tecnológica vinculada ao sistema produtivo;
5) reduzir sempre os gastos com as atividades-meio – inclusive as de natureza política, já superdimensionada – e concentrar os recursos nas atividades diretamente finalísticas;
6) adotar o perfil competitivo para definir ofertas de serviços “públicos” nos mais diversos setores, inclusive fazendo o Estado funcionar com mecanismos similares aos de mercado.

Estes são alguns dos critérios funcionais e operacionais que poderiam ser mobilizados para estabelecer e depois implementar um conjunto bastante restrito, isto é, extremamente seletivo, de políticas públicas a serem detalhadas em programas, projetos e medidas dotadas de continuidade e de sustentação política durante mais de uma gestão presidencial (se possível estendendo-se por pelo menos dois PPAs, ou mais), de maneira a produzir efeitos transformadores permanentes. Como esses procedimentos envolvem ganhos e perdas para grupos sociais específicos, recomenda-se trabalhar primeiro com um grupo restrito de “tecnocratas” com vistas ao “desenho” global das medidas, para depois levar os temas à discussão pública, com exposição clara quanto aos custos e benefícios de cada uma delas e o sentido político que se pretende imprimir a cada uma.
Como disse ao início deste trabalho, aliás no próprio título, trata-se de escolher prioridades num sentido absolutamente racional, visando ao melhor custo-benefício de cada uma delas e seu maior efeito social possível. Custos e benefícios podem ser medidos e discutidos de maneira racional, como convém a um governo inteligente e a uma sociedade consciente de seus problemas e desejosa de encontrar as melhores soluções possíveis, em bases igualmente racionais.
Por certo a política nem sempre é racional, uma vez que feita de emoções e de apelos aos sentimentos humanos. Mas é dever do estadista liberar-se das contingências do momento e das pressões dos grupos particularistas para ver a sociedade da perspectiva da próxima geração. A pergunta a se fazer é muito simples: como eu gostaria que a geração passada tivesse me entregue o país? As respostas fluirão naturalmente...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de julho de 2006.

Brasil: uma modesta proposta de reformas (desenterrando...)

Já que estamos falando de decadência, baixo crescimento, declínio e outros temas pessimistas, vamos recuperar um outro trabalho antigo que tenta oferecer algumas respostas aos problemas do Brasil.
Não que eu pense que vamos conseguir fazer essas reformas. Isso não vamos mesmo, e podem tirar o cavalinho da chuva, como se diz.
Mas, sempre é bom refletir sobre o que deveríamos fazer, se tivéssemos coragem de empreender reformas verdadeiras...
Paulo Roberto de Almeida

Uma proposta modesta: a reforma do Brasil

Monteiro Lobato, num de seus livros da série do Sítio do Pica-Pau Amarelo, atribuiu à Emília a tarefa de fazer uma "reforma da Natureza": coisa de corrigir alguns mal-feitos do Criador, e consertar o que parecia errado aos olhos de retrós de uma boneca de pano. Mas ele também tentou "consertar o Brasil" várias vezes, chegando até a enfrentar prisão devido algumas de suas sugestões.
Não creio que eu corra o mesmo risco agora; provavelmente vou receber apenas sorrisos condescendentes.
Em todo caso, dou primeiro o meu diagnóstico (muito rápido), depois um pequeno receituário, também rápido e rasteiro, já que nenhuma dessas tarefas será empreendida any time soon...

Uma proposta modesta: a reforma do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

Prolegômenos:
Não creio que o Brasil necessite, tão simplesmente, de uma mera reforma econômica. Ele precisa, sobretudo, de várias reformas estruturais, a começar pelo terreno político, onde se encontra a chave para a resolução dos muitos problemas que explicam o nosso baixo desempenho econômico.

Primeira parte - O Diagnóstico

1. Constituição intrusiva demais, codificando aspectos de detalhe que deveriam estar sendo regulados por legislação ordinária.

2. Estado intrusivo, despoupador, perdulário, disforme e pouco funcional para as tarefas do crescimento econômico.

3. Legislação microeconômica (para o ambiente de negócios e para a regulação das relações trabalhistas) excessivamente intrusiva na vida dos cidadãos e das empresas, deixando pouco espaço para as negociações diretas no mercado de bens, serviços e de trabalho.

4. Preservação de monopólios, cartéis e outras reservas de mercado, com pouca competição e inúmeras barreiras à entrada de novos ofertantes.

5. Reduzida abertura externa, seja no comércio, seja nos investimentos, seja ainda nos fluxos de capitais, gerando ineficiências, preços altos, ausência de competição e de inovação.

6. Sistemas legal e jurídico atrasado e disfuncional, permitindo manobras processualísticas que atrasam a solução de controvérsias e criam custos excessivos para as transações entre indivíduos.

Segunda parte - A Reforma

1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Operar diminuição drástica de todo o corpo legislativo em todos os níveis (federal, estadual e municipal), retirando um custo enorme que é pago pelos cidadãos; Proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por lista no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.

2. Reforma administrativa com diminuição radical do número de ministérios, e atribuições de diversas funções a agências reguladoras. Privatização dos grandes monstrengos públicos que ainda existem e são fontes de ineficiências e corrupção, no setor financeiro, energético, e outros; fim da estabilidade no serviço público.

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; aperto fiscal nos “criadores de despesas” irresponsáveis que são os legislativos e o judiciário; reforma microeconômica para criar um ambiente favorável ao investimento produtivo, ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes; extinção da Justiça do Trabalho, que é uma fonte de criação e sustentação de conflitos; Retirada do imposto sindical, que alimenta sindicalistas profissionais, em geral corruptos.

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades “públicas” (com transferência de recursos para pesquisa e projetos específicos, e os salários do pessoal remanescente, mas de outro modo fim do regime de dedicação exclusiva, que nada mais é do que um mito); concentração de recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional.

6. Abertura econômica e liberalização comercial, acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

Brasília, 15 de dezembro de 2005.

A decadencia economica brasileira: um trabalho perdido

Já que estamos falando de problemas brasileiros para crescer, vamos dramatizar o quadro.
Não que eu queira ser pessimista, mas por puro acaso.
Eu estava compondo uma lista de livros sobre relações internacionais e de política externa do Brasil, e dentro dela os livros escritos por diplomatas (em qualquer gênero, aliás), quando deparei com este registro, de um trabalho que já não me lembrava mais ter escrito:

1557. “A decadência econômica brasileira: uma inevitável tendência pelos próximos vinte anos?
Brasília, 7 de março de 2006, 5 p.
Publicado no blog do Instituto Millenium em 8.03.06 (link). Reproduzido no site do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (link).
Desparecidos nestes links nos dois sites.
Relação de publicados nº 630.

Procurei nos links, e eles obviamente já não funcionavam mais. Por isso vai aqui postado gentilmente.
Não, não sou pessimista, apenas realista...
Paulo Roberto de Almeida

A decadência econômica brasileira: uma inevitável tendência pelos próximos vinte anos?
Paulo Roberto de Almeida

Peço desculpas aos meus leitores pelo tom passavelmente pessimista, quando não francamente niilista, do título deste artigo, mas é que não pude evitar certa sensação de desalento (e talvez também de inveja) ao ler sobre o recente e espetacular recorde na captação de investimentos estrangeiros diretos pela Grã-Bretanha no decorrer de 2005. Nada menos do que US$ 209 bilhões, ultrapassando em muito o segundo colocado, os EUA, que figuram há muitos anos no primeiro lugar, tanto como receptor quanto como principal investidor, seguido, nos últimos dez anos, pela China, como segundo colocado do lado da captação (com cerca de US$ 60 bilhões) e primeiro dos países emergentes. Comparados aos pouco mais de US$ 15 bilhões obtidos pelo Brasil em 2005, a cifra é realmente impressionante para qualquer país engajado no processo de globalização. Mesmo descontando-se, da cifra britânica, US$ 100 bilhões relativos a operações da Shell, que concentrou suas operações a partir da Holanda, remetendo então recursos aos sócios ingleses, ainda assim a Grã-Bretanha ultrapassa os EUA, que “só” atraíram 106 bilhões de dólares em 2005.
Trata-se de um notável feito da economia britânica, hoje, inquestionavelmente, o melhor lugar europeu – e provavelmente mundial, pelo lado financeiro – para se fazer negócios e desenvolver novos projetos, nas diversas áreas da nova e da velha economia, quer seja a indústria manufatureira, quer sejam os “novos serviços”, um conglomerado de atividades que junta tecnologias da informação e pesquisa de ponta em nano ou em biotecnologia. Ele é tanto mais notável em vista do fato de que, duas décadas atrás, a Grã-Bretanha era um dos piores lugares do mundo para se começar novos negócios ou mesmo para manter os existentes. Como isso foi possível?
Lembro-me de que quando eu estava terminando minha tese de doutoramento, em 1984, uma digressão aborrecidamente sociológica sobre os desempenhos capitalistas em escala comparada, a Grã-Bretanha era o protótipo mesmo da decadência econômica, o exemplo acabado de declínio industrial, um modelo notório do atraso tecnológico, da desesperança científica – com sua exportação contínua de cérebros para os EUA – e do desalento político, de que eram testemunhos os freqüentes movimentos grevistas, que conseguiam paralisar até mesmo o enterro dos mortos (um serviço obviamente estatal). Em escala e em estilo talvez diferentes de um outro notável exemplo de decadência, o da Argentina, mas numa dimensão provavelmente comparável à da nação “peronista”, pela amplitude e profundidade do declínio econômico auto-infligido, a Grã-Bretanha, promotora e pioneira da primeira revolução industrial e centro indisputável das finanças internacionais nos 150 anos que seguem aos conflitos napoleônicos, tinha sido vítima, durante todo o século XX, mas mais especialmente no decorrer dos anos 60 e 70 desse século, de um dos mais acabados processos de decadência econômica a que nos foi dado assistir na história econômica mundial.
Lembro-me também que minha bibliografia sobre o “caso” inglês vinha marcada pelos conceitos de “decline”, “fall”, “end” e vários outros do gênero. Naqueles tempos – final dos anos 1970 e início da década seguinte – não parecia haver nenhum limite para a extensão da decadência britânica. Ela era feita de baixo crescimento, inflação, déficits orçamentários e de transações correntes, desvalorização da libra, “sucateamento” da indústria e dos transportes, deterioração dos serviços públicos – notadamente nas áreas da saúde e da educação –, aumento da violência nas metrópoles, enrijecimento dos conflitos sociais, empobrecimento dos equipamentos urbanos, desemprego mais do que residual ou setorial e desesperança geral na sociedade, em especial na juventude. O cenário estava mais para “Laranja Mecânica” do que para “A Wonderful World”, mais para George Orwell do que para Winston Churchill e seu otimismo inveterado quanto ao futuro do império, que aliás já não existia mais, tendo sido irremediavelmente deixado num passado distante de glórias irrecuperáveis.
E, no entanto, vinte anos depois, o que ocorreu? Um notável “renascimento” da indústria e dos negócios na Grã-Bretanha – mais notavelmente ainda na Irlanda vizinha, não esquecer –, um surto de progresso e de modernização que não deixa nada a invejar nos melhores centros da tecnologia mundial, uma recuperação econômica segura, que fez do país o mais dinâmico membro – com a Irlanda – da União Européia, exibindo, ao mesmo tempo, as maiores taxas de crescimento e as menores de desemprego e inflação. Trata-se, como já dito, do melhor lugar para se fazer negócios no continente – mas a Grã-Bretanha sempre brincou com a idéia de que o continente é que vivia “isolado” –, o que vem apoiado no fato de que os investimentos estrangeiros, inclusive dos emergentes da Ásia, têm-se concentrado na ilha. Como foi isso possível, volto a perguntar?
Não pretendo retomar aqui a história da “batalha ideológica” do século XX, já enfaticamente tratada no livro – e vídeo – conjunto de Daniel Yergin e Joseph Stanislaw sobre a luta pelo controle e administração dos commanding heights da economia. Essa batalha política entre os modelos de comando centralizado e de administração pelo mercado se encerrou e não é preciso dizer quem venceu. A Inglaterra lutou o bom combate e conseguiu reverter sua terrível decadência econômica e política. Antes disso, porém, a batalha foi dura: ela teve, primeiro, de ser levada nos “corações e mentes” dos cidadãos britânicos, nos súditos da rainha, para convencê-los de que a decadência não era inevitável ou uma fatalidade do destino, de que era possível, sim, colocar um ponto final na descida para o declínio social e começar lentamente a obra de recuperação. Depois foi preciso se desfazer de velhos mitos – e não apenas mitos, já que respondendo a construções históricas de seu passado mais ou menos “fabiano” – ligados aos papéis respectivos do Estado e do mercado no provimento de emprego e bem-estar social, de modo geral. Foi uma tremenda “reversão de expectativas”, como diria, em relação ao Brasil, o economista Roberto Campos:
Margareth Tatcher teve de sustentar lutas políticas e batalhas literais contra os interesses corporativos consolidados no antigo modelo de “welfare state”, que de “welfare” já não tinha nada e cujo “estado” era um corpo disforme, esgarçado entre as tendências protecionistas da velha indústria, os protestos enraivecidos (mas puramente de retaguarda) dos sindicatos dos setores estatizados e o desalento geral da maioria da população. Foi uma luta terrível para livrar a Grã-Bretanha do “pacto perverso” entre o Labour e a TUC – Trade Union Congress, a confederação sindical – que, durante a maior parte do pós-Segunda Guerra, tinha conduzido o país direto para a decadência, ao garantir aumentos reais de salários para os setores assim protegidos e ao repassar os custos para o conjunto da sociedade. Foi como se, no Brasil, a CUT e a FIESP, por hipótese no exercício do poder central, tivessem “complotado”, durante anos a fio, para se concederem e assim garantirem, reciprocamente, aumentos generosos de preços e de salários, repassando em seguida a conta para os contribuintes e consumidores, o que aliás não deixou de existir, de certo modo, durante as fases de alta inflação no Brasil. Trata-se da mais segura receita para inviabilizar qualquer processo de crescimento com estabilidade que se possa conhecer e ela foi seguida, conscientemente ou não, por vários governos britânicos durante boa parte da segunda metade do século XX na Inglaterra.
Pois bem, isso agora acabou, e a Grã-Bretanha renasce de sua antiga decadência, renovação tanto mais segura de continuar que o “novo Labour” aderiu ao processo e ao modelo iniciados por Lady Tatcher e deles não pretende se desvencilhar. Um pouco, aliás, como vêm fazendo os socialistas e democratas chilenos, que herdaram do período militar uma gestão mais ou menos em ordem e uma economia em franco crescimento nos quadros da globalização e da liberalização comercial. Alguma lição a tirar?
Claro que sim, e a primeira lição a tirar seria, além da inveja, desejar sorte e sucesso continuado a britânicos e chilenos, que podem desfrutar de baixo desemprego, estabilidade de preços, aumento razoável das expectativas de bem-estar, diminuição das “deseconomias” e das externalidades negativas associadas à má gestão da economia, melhora, ainda que gradual, nos padrões gerais dos serviços públicos – ou privados, não importa muito a forma de provimento – relativos à saúde, educação, facilidades urbanas em transporte, segurança etc. Enfim, sem ser preciso nenhuma revolução ou mudança dramática na situação corrente, deve ser melhor viver numa sociedade que conhece progressos incrementais nas condições de vida do que numa outra que, por hipótese, afunde progressivamente na delinqüência, no desemprego, na inflação, na deterioração dos equipamentos sociais, na compressão do poder de compra, na desesperança trazida pela sensação de aumento na corrupção política, enfim, que se debata com vários males de que padecem hoje muitos países ao redor do mundo.
E o que tem nosso país a ver com isso tudo? O Brasil conhece alguns desses males e, felizmente, está ao abrigo de outros, como poderia ser a inflação galopante que ameaça, mais uma vez, a vizinha Argentina, ou a instabilidade política, que já arrastou mais de um presidente para fora dos palácios presidenciais em outros países da região. Mas, nós acabamos de nos converter, junto com o infeliz Haiti, em campeões do baixo crescimento e da carga fiscal, aqui exclusivamente. Mais ainda, conhecendo a trajetória das contas públicas nos próximos anos, não hesito em dizer que teremos anos negros pela frente e, conhecendo também as atuais condições para a atividade empresarial e o ambiente geral dos negócios, tampouco hesito em dizer que o Brasil reúne, sem sombra de dúvida, todos os requisitos para NÃO CRESCER no futuro previsível.
Se essa trajetória não for revertida, a conclusão inevitável me parece ser apenas esta: caminhamos inevitavelmente para a decadência econômica, o baixo crescimento continuado, o desemprego mantido em altas taxas, a desesperança social convertida em humor nacional e o desalento generalizado quanto à capacidade dos nossos políticos em mudar esse quadro de declínio. O Brasil, por certo, não é um país decadente, em espírito ou disposição para a luta, mas ele parece hoje paralisado por um modelo de organização “estatal” da economia que nos garante, apenas e tão somente, isso que vemos: baixo crescimento, incapacidade de investimentos, “despoupança” líquida dos recursos do setor privado por uma máquina estatal prebendalística e perdulária, comportamentos rentistas das corporações que “assaltaram”, literalmente, o Estado, enfim, um quadro negativo de “deseconomias” de escala que nos garante apenas o que já foi mencionado, ou seja, baixo crescimento e perspectivas sombrias para o futuro.
A julgar pela história exemplar de decadência continuada – em certas épocas, mais do que agravada – dos dois casos mais notórios de baixo desempenho econômico no século XX, a Grã-Bretanha e a Argentina, estamos ainda longe de termos atingido o “auge” do declínio. Em outros termos, ainda teremos muitos problemas pela frente, com um espaço ainda aberto para um desempenho ainda mais medíocre da economia e uma deterioração ainda mais sensível dos costumes políticos. Talvez tenhamos de passar, realmente, por vinte anos de decadência, como no exemplo britânico, antes de sequer pensar no caminho da recuperação. Pelo menos é isso que eu concluo, ao constatar, em pesquisas de opinião, que o brasileiro médio ainda confia no Estado como um provedor de “soluções” a seus problemas cotidianos. Pode até ser, mas certamente não será esse Estado que aí se encontra. Reverter esse quadro vai ser difícil, mas não impossível, uma vez que já começamos a reconhecer o problema.
O próprio fato de se poder apontar para a decadência econômica inevitável do Brasil, como acabo de fazer, talvez já seja o primeiro passo para a necessária tomada de consciência e de posição, num sentido contrário à tendência declinista hoje detectada. Esperemos que não tenhamos de esperar por vinte anos, ou mais, de decadência, antes de conhecer uma reversão de tendência. Estou sendo muito pessimista? Talvez, mas não vejo motivos para muito otimismo no momento e nas condições presentes...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de março de 2006.

O Brasil pode crescer acima de 5 por cento? - duvidas

Escrevi alguns anos atrás que o Brasil não conseguia crescer acima de 5%, como pretendiam alguns.
Espíritos contrariados escreveram para reclamar, mas não conseguiram contestar meus argumentos, baseados em simples relações econômicas elementares: taxa de investimento, despoupança estatal, carga fiscal, etc.

Aqui o meu artigo:
“Uma verdade inconveniente (será que o Brasil consegue crescer 5% ao ano?)”
Via Política (Porto Alegre, 12 nov. 2006). (Versão completa neste link)
Relação de Trabalhos n. 1684.

Agora é o ministro da Fazenda que diz a mesma coisa:

Para controlar taxa de inflação, país precisa reduzir seu crescimento
O Globo - Patrícia Duarte e Eliane Oliveira
Fazenda e Banco Central querem expansão do PIB abaixo de 4%... (leia mais)

Essa coisa de PIB potencial é um pouco bobagem, pois não há um número fixo: tudo depende da capacidade produtiva do país: ela pode estar situado em 4, 5 ou 10%. Basta conferir as possibilidades de expansão sem provocar inflação.

Abaixo a matéria de imprensa.

Para controlar taxa de inflação, país precisa reduzir seu crescimento
Patrícia Duarte e Eliane Oliveira
O Globo, 28/05/2011

Para fazer com que a inflação volte ao centro da meta, de 4,5% pelo IPCA, o país terá de crescer abaixo do seu potencial por três ou quatro trimestres seguidos. Isso tudo para reduzir a demanda e, consequentemente, a pressão sobre os preços. E é exatamente nesse sentido que trabalha a equipe econômica do governo, capitaneada por Ministério da Fazenda e Banco Central (BC), com políticas fiscais e monetárias contracionistas.

— A economia tem de passar uma boa temporada girando abaixo do PIB potencial. São uns três ou quatro trimestres (nesse ritmo) — afirmou ao GLOBO um importante integrante da equipe econômica, lembrando que o consenso do mercado aponta como crescimento potencial algo em torno de 4,5% anuais.

Hoje, a atividade avança acima de 6% anualizados. O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) de março, último divulgado, mostra que, em 12 meses, a economia cresceu 6,25%. Ou seja, precisa recuar muito para ficar abaixo de 4%.

Segundo a fonte, no segundo trimestre a economia responderá “de forma mais clara às iniciativas para conter os excessos (de inflação)”, referindo-se à alta da Selic, hoje em 12% ao ano, e à redução dos gastos públicos.

O PIB do primeiro trimestre será divulgado pelo IBGE em junho, e a tendência é que os números venham bastante fortes. A brecada na economia, disse a fonte, será sentida na virada do semestre.

Diante do cenário de preços ainda em alta, a equipe econômica também já decidiu que não discutirá tão cedo a redução da meta de inflação em 2013, ficando em 4,5%, com margem de dois pontos percentuais para mais ou menos.

Apesar da preocupação com a inflação, a diretriz da presidente Dilma é continuar travando uma “disputa de agenda” com o mercado e a oposição. Assim foi batizada a estratégia de defender que o controle dos preços e a convergência do IPCA à meta não podem ser feitos às custas do crescimento econômico, com medidas como uma elevação de grande magnitude nos juros e um arrocho fiscal muito severo.

Gulag cibernetico: acredite, isso existe...

No antigo Gulag soviético, os prisioneiros -- políticos, comuns, bêbados, contra-revolucionários (trotsquistas, por exemplo), preguiçosos, whoever... -- se matavam (ou eram praticamente condenados à morte) construindo estradas, erigindo barragens, cavando canais, explorando minas, cortando árvores, enfim, o escravismo puro e simples, que era capaz de consumir uma pessoa normalmente constituída no espaço de poucos meses, os mais fortes em alguns anos, morrendo eles de pneumonia, bronquite, fome, maus tratos, whatever...

No moderno Gulag chinês, os prisioneiros são obrigados a jogar online pelos seus carcereiros, de preferência ganhando, do contrário podem ir para um Gulag de verdade...
Não deixa de ser uma habilidade...
Paulo Roberto de Almeida

China, prisioneiros são forçados a jogar games on-line para acumular dinheiro virtual
O Globo, 26/05/2011

RIO - Prisioneiros de campos de trabalho forçado na China estão sendo obrigados a varar a noite jogando games on-line como "World of Warcraft" para acumular moedas virtuais, que rendem dinheiro de verdade aos carcereiros.

- Os diretores das prisões fazem mais dinheiro obrigando os prisioneiros a jogar do que os forçando a fazer trabalhos manuais. Éramos 300 prisioneiros forçados a jogar em turnos de 12 horas. Os computadores jamais eram desligados - disse ao jornal "Guardian" o ex-prisioneiro Liu Dali, que esteve no campo Jixi, na província de Heilongjiang. - Se eu não completasse minha cota diária, eu era punido fisicamente.

A OUTRA FACE: Casais se conhecem, se apaixonam e casam por meio de 'World of Warcraft'
A prática de exploração dos créditos virtuais para fazer dinheiro real é conhecida como "gold farming" e é viabilizada pela horda de gamers dispostos a pagar pelas moedas on-line que permitem sua evolução nos jogos. Cerca de 80% das "gold farms" do mundo estão na China e elas exploram 100 mil pessoas, segundo números levantados pelo jornal britânico.

Como não há regulamentação sobre a prática no país, a exploração de prisioneiros na acumulação de créditos virtuais não é considerada ilegal.

Ironias profissionais: nao deixe seu filho ser banqueiro...

Surpreendente anúncio, que só pode ser self-derision, da revista da Associação dos Banqueiros Americanos, a Febraban deles:

From the Editors of American Banker:

BankThink: Do You Want Your Child to Be a Banker?
Don't do it. That is the advice more moms, dads and other adults — including participants in a recent American Banker Analyst Roundtable — are giving young people who consider banking as a career path.
Would you recommend banking as a career for your child? Head over to BankThink.com to join the conversation and vote in our online poll.

Eu já tinha ouvido falar que era perigoso mães deixarem seus filhos crescerem para ser advogados, por todos os preconceitos subjacentes.
De minha parte eu sempre achei que pessoas úteis à sociedade são, por exemplo, os engenheiros, que inovam, produzem patentes, etc.
Advogados, o máximo que eu posso pensar é que eles roubam dinheiro de clientes, com filigranas processuais que prolongam indevidamente seus "taxímetros" de trabalho e que, no plano dos assuntos coletivos, eles produzem déficits públicos...
Seja lá o que for: melhor não ter filhos advogados, nem banqueiros: a despeito do fato que eles podem ficar ricos, devem acumular outras desgraças públicas e privadas...
Em todo caso, seguem abaixo as recomendações das mães queridas contra esses nefastos banqueiros.
Paulo Roberto de Almeida

She's Your Daughter. Do You Want Her to Become a Banker?
By Sara Lepro
American Banker-Bankthink, May 27, 2011

Don't do it.

That is the advice more moms, dads and other adults — including participants in a recent American Banker Analyst Roundtable — are giving young people who consider banking as a career path.

The three panelists, veterans of the financial services industry with varied backgrounds, recommended that the current generation entering the work force should put their talents to use in areas outside finance.

"That level of intellect is a lot better off creating some product and getting some patents rather than building exotic derivatives that will come back in time," said Anton Schutz, president of Mendon Capital Advisors Corp., whose daughter is finishing up her freshman year at the Massachusetts Institute of Technology.

It's not an argument that meets with much resistance these days.

"She would never dream of going in to finance," Schutz said, speaking of his daughter. "Astrophysics? Yes. Building models for Wall Street? No."

Peter Kovalski, managing director at Alpine Woods Capital Investors LLC, says the reputation of the industry has been destroyed for at least a generation.

"I've heard from more than one banker with children in college who said the last thing their kids want to admit is that their father is a banker. And the last thing they or their friends want to be is a banker," he said. "The pool of candidates is going to shrink for a period of time."

And that's not necessarily a bad thing, said Paul Miller, an analyst at FBR Capital Markets.

"There are too many bankers to begin with," he said. "It's a good thing, because there were a lot of people on Wall Street that really weren't doing anything but trading bonds back and forth."

"Slicing and dicing," Schutz interjected.

Miller nodded. "What economic value was really being created?" he said.

Would you recommend banking as a career to your child, or any young person? Vote in our poll in the upper right, and leave a comment using the form below.

Iran: ficando parecido com a Coreia do Norte...

Iran Vows to Unplug Internet
BY CHRISTOPHER RHOADS AND FARNAZ FASSIHI
The Wall Street Journal, 28/05/2011

Iran is taking steps toward an aggressive new form of censorship: a so-called national Internet that could, in effect, disconnect Iranian cyberspace from the rest of the world.
The leadership in Iran sees the project as a way to end the fight for control of the Internet, according to observers of Iranian policy inside and outside the country. Iran, already among the most sophisticated nations in online censoring, also promotes its national Internet as a cost-saving measure for consumers and as a way to uphold Islamic moral codes.


É o que se chama de autosuficiência. Resta saber o que vão achar disso os jovens plugados no mundo...