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segunda-feira, 30 de junho de 2014

As deformacoes do calculo da divida interna brasileira - Jose Roberto Afonso


Questão interna artigo de José R. Afonso publicado no Estadão (4/2013). 

"Na apuração da dívida pública líquida, que alguns países não informam e alguns calculam como negativa (como Chile e Arábia Saudita). o Brasil é quem aplica o maior volume de deduções (caixa, reservas e créditos concedidos): 33 pontos do PIB em 2012 (13 desde 2008). E assim consegue a façanha de sumir com cerca de 50% da dívida bruta, enquanto na média dos emergentes tais descontos foram de 10 pontos e a redução de 30%. A excentricidade brasileira se explica, em parte, por sermos o único país que trata o banco central (incluindo reservas internacionais) como parte do setor público não financeiro e por que o Tesouro Nacional virou o maior banco da economia (16% do PIB em créditos), ambos computados para medir a dívida líquida."

Leia a íntegra aqui:

Hayek na UniCamp: impossivel? Coisas impossiveis sempre acontecem...

O mais surpreendente nesta matéria não é que seu autor seja um defensor da livre iniciativa, da liberdade dos mercados, dos preços livres. É que ele seja formado na UniCamp, tradicional reduto de desenvolvimentistas keynesianos de botequim. Tem aquela famosa frase de flores nascendo no esterco? Pois é, é o caso...
Paulo Roberto de Almeida

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O dia em que Hayek enfrentou a máfia dos táxis em defesa de um aplicativo de celular

Boa parte da filosofia política e da pesquisa econômica de Hayek teve como base sua visão sobre a natureza do conhecimento na sociedade.
Hayek compreendia que o conhecimento na sociedade se encontra disperso entre seus diversos membros, além do mesmo possuir características tácitas (difíceis de serem transmitidas) e subjetivas.
Hayek compreendia que em qualquer sistema de organização social existe um grande problema a ser solucionado: como coordenar as ações e expectativas individuais independentes para produzir bens e serviços demandados utilizando recursos escassos.
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Em sua visão, o sistema de preços é a ferramenta necessária para “condensar” esse conhecimento disperso na sociedade e auxiliar os produtores a produzir os produtos mais demandados da forma mais barata.
Isso vem a complementar os ensinamentos de Mises - sem mercados (possíveis apenas com propriedade privada dos meios de produção), não há preços em termos de moeda. Sem preços em termos de moeda, não há como calcular a lucratividade de um processo produtivo. Ou seja, não se produz o que mais se demanda. Produz-se errado e com desperdícios.
Mises e Hayek provaram a impossibilidade teórica do sistema produtivo socialista desde 1920 com estudos nessa linha de pesquisa. A URSS, Cuba, Leste Europeu, China Pré-Reformas, Sudeste da Ásia, África Pós-colonial e agora a Venezuela são apenas aplicações históricas desses teoremas.
O pensamento de Hayek foi fundamental para Jimmy Wales e sua principal invenção: a Wikipedia. Como o próprio Jimmy disse:
“O trabalho de Hayek sobre a teoria de preços é fundamental para o meu próprio pensamento sobre como gerenciar o projeto Wikipedia. Não se pode compreender minhas idéias sobre a Wikipedia sem entender Hayek.”
Mas Hayek não para por aí.

O Aplicativo Uber

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Já ouviu falar em Uber? Uber é um aplicativo digital que conecta potenciais motoristas a potenciais demandantes de transporte. Parte da receita da corrida é revertida para o aplicativo, que demanda o uso de um cartão de crédito cadastrado no sistema.
A empresa Uber não fornece os carros, porém exige que sejam carros habilitados para uso comercial e motoristas em condições de dirigir. Tanto nos EUA como no Brasil já existem aplicativos concorrentes (Lyft e Zaznu), embora o Zaznu siga mais o modelo de “carona remunerada” ao invés do sistema “motorista profissional remunerado”.
Atualmente, o Uber é a startup com maior valoração de mercado: 85x o múltiplo das vendas. A expectativa de crescimento é grande, afinal de contas o modelo de negócio pode capturar parte das receitas que até então eram destinadas para táxi, transporte coletivo público, compra e manutenção de carros privados, estacionamentos, gasolina, dentre outras imagináveis.
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Source: http://www.statista.com/chart/1967/startups-valued-at-one-billion-or-more/
 
A tecnologia do Uber e demais aplicativos são exatamente a aplicação dos ensinamentos de Hayek.
Há pessoas demandando deslocamentos e uma infinidade de formas de se deslocar, todas elas consumindo recursos escassos. Uma dessas formas inclui compartilhar veículos e economizar motoristas, seja com outras pessoas dentro do carro numa única viajem, seja em diversas viagens com um único carro.
Os aplicativos são capazes de fazer algo até então impossível no mundo analógico: fornecer um “matching” detalhado de locais de destino demandados e carros disponíveis se deslocando.
Ao reduzir os custos de transação, os aplicativos permitem também ampliar a oferta e variedade de parceiros de viajem. São capazes até de reduzir o espaço físico necessário para ser utilizado como ponto de taxi, bem como filas desnecessárias em locais congestionados (a tecnologia permite escolher o local de encontro).
Com isso, quem ganha é o consumidor: mais variedade e menores preços, além de viagens mais rápidas.

A Reação Das Guildas

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No final da Idade Média, as guildas eram associações de profissionais que controlavam o comércio de um determinado serviço, recebendo uma autorização governamental para restringir a oferta.
Os táxis atuais nada mais são do que uma guilda. A oferta de taxis é controlada pelo governo, que vende caríssimas “licenças”, e em troca persegue os taxistas “irregulares”. O mesmo vale para as empresas de ônibus – as empresas concorrem a licitações, que nada mais são do que leilões de monopólio. E quando os “clandestinos” aparecem são perseguidos.
O sistema de metrô e trens, por sua vez, tende a ter apenas um operador por trajeto por razões técnicas (embora pudéssemos conceber trens privados concorrentes numa mesma infraestrutura de trilhos privados), porém trata-se de um concorrente a ambos em alguns trechos.
Aplicativos como os citados são simplesmente capazes de driblar o controle estatal sobre esses mercados, controle esse que impede a entrada de novos concorrentes e diferenciação de produtos.
Ao ser uma fonte de concorrência, o aplicativo vem sendo motivo de protesto por parte das guildas – especialmente das guildas de táxi.
Em Barcelona o governo local deu razão para os taxistas e exigiu o fim das atividades da Uber. Só não perguntou aos consumidores se preferem pagar mais caro nos táxis convencionais e aos57% de jovens espanhóis desempregados que poderiam obter renda prestando serviços de motorista. Na socialista França, vândalos atiraram pedras e ovos nos carros do Uber.
No Rio de Janeiro, única cidade atendida pelo Uber no Brasil (até então), um representante da guilda deu a seguinte declaração:
“Não existe a menor possibilidade de os taxistas aderirem ao Uber”, afirmou por telefone André Oliveira, organizador do movimento Taxinforme, depois de participar da manifestação no Rio. “Trata-se de concorrência desleal. Investimos em licença, em seguro, em vistorias. Uma empresa não pode simplesmente chegar e promover a liberação geral do mercado.”
A declaração apenas mostra como o mercado é completamente distorcido pelo governo em conjunto com as guildas de táxi: preços tabelados, não há concorrência (ausência de barreiras legais à entrada no mercado) e o governo extrai parte da renda do trabalho dos taxistas via licenças, regulamentações de seguro (aqui forçosamente distribuídas para seguradoras) e vistorias. A mentalidade é a de que competição é ruim.

Quem Ajuda A Resolver o Problema do Transporte?

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Pessoas de tendência pró-empreendedorismo costumam dizer que o inventor do pendrive fez muito mais pelas florestas do que os abraçadores de árvore do Greenpeace.
Quem mais ajuda a resolver o problema do transporte urbano?
De um lado temos o Movimento Passe Livre/Catraca Livre, hostis ao empreendedorismo, falando que transporte não é mercadoria e desejando um preço igual a zero.
Ou seja, desejam exatamente a situação que Mises e Hayek provaram levar a um caos produtivo e à escassez. De quebra costumam protestar bloqueando as mesmas vias que julgam estar tentando libertar.
Do outro lado temos empreendedores utilizando tecnologias para aumentar a oferta e a variedade do produto demandado – transporte.
O Uber mostra que o caminho correto é o segundo – empreendedorismo e avanços tecnológicos ao invés de batalhas políticas e infantilismo econômico. 
Ao tratar o transporte como um bem escasso e precifica-lo, assim conforme sugerem Mises e Hayek, seu processo empreendedor tende a descongestionar as vias e oferecer preços mais baixos. De quebra, ainda tende a reduzir a poluição gerada pelos carros.
Nós poderíamos citar aqui outros tantos casos. Como a tecnologia do Bitcoin, que permite um sistema monetário livre das perversidades governamentais. Ou a tecnologia de software open source e das impressoras 3D, que permite o barateamento e a produção local de produtos patenteados e recheados de impostos e outras barreiras governamentais à importação. E até mesmo o Skype e o Whats App, que reduzem nossa dependência do sistema de telefonia regulamentado.
Os aplicativos de transporte são apenas mais um dos capítulos. E pode apostar: veremos mais deles nos próximos tempos.
  
 

Frase da semana: Winston Churchill sobre igualdade e desigualdade, no capitalismo e no socialismo

Parece que a desigualdade sob o capitalismo é um problema, o que eu não creio.
Dizem que é apenas inveja dos "menos iguais", ou desejosos de ascender na escala da riqueza.
Em todo caso, vale esta frase do famoso político inglês do século XX.

A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias
Winston Churchill

Plano Real, 20 anos - materiais de imprensa

PLANO REAL – 20 ANOS

Correio Braziliense – Entrevista Fernando Henrique Cardoso

Vinte anos depois, como o senhor avalia os resultados do Plano Real? Foram plenamente alcançados?
O Plano Real visava à estabilidade ao longo do tempo, com melhoria contínua das condições de vida do povo, não só de renda. Ou seja, melhores serviços públicos. Conseguimos manter a inflação sob relativo controle, iniciou-se um processo de recuperação de salários e de redução da pobreza. Mas a restruturação do Estado para assegurar serviços de melhor qualidade ficou pela metade. De modo que os objetivos foram apenas parcialmente alcançados.

O que ainda precisa ser feito para consolidar a estabilidade e o dinamismo da nossa economia, de modo a acelerar o crescimento do PIB sem criar desequilíbrios?
O principal para consolidar a economia é retomar o aumento das taxas de produtividade, olhando para o longo prazo. Não se precisa de um “arrocho”, mas de correção de rumos na política econômica (mais respeito às metas de inflação e maior controle nos gastos públicos). Mas, sobretudo, precisamos de mais e melhor investimento público e privado. Para isso, é conveniente restabelecer a confiança quebrada na continuidade de políticas sérias que favoreçam o crescimento, sem voluntarismos inúteis por parte dos governos.

O senhor acha que os governos posteriores ao seu trabalharam em direção a esses objetivos? Como?
Certamente os governos posteriores ao meu deram ainda maior impulso à melhoria de salários e à distribuição de renda. Verdade também é que, principalmente entre 2004 e 2008, beneficiaram-se enormemente da situação mundial favorável. Entretanto, paralisaram as reformas necessárias para assegurar o crescimento da produtividade e a oferta de bons serviços públicos, além da penetração de interesses partidários na máquina pública. Mais ainda, principalmente no governo atual, foi criado um clima de desconfiança em relação ao setor privado e foi levado ao máximo o lema lulista: para crescer, basta aumentar e o crédito público e o consumo. Resultado: estamos entrando em um período de estagflação, com baixo crescimento e um pouco de inflação. Se o rumo não for mudado, isso diminuirá os efeitos sociais positivos alcançados.

Fala-se na necessidade de um Plano Real 2, que envolveria as reformas que vêm sendo adiadas, como a da Previdência e a Tributária. Qual sua avaliação sobre isso?
Não creio que seja necessário um Real 2. Basta correção de rumos, o que será facilitado se o governo a ser eleito tiver uma visão adequada dos problemas do país e não se deixar levar por um intervencionismo errante.

Em algum momento o senhor achou que o Plano Real poderia não funcionar, seja durante a sua concepção, seja nos primeiros anos após sua implantação?
Sim. No começo, foi muito difícil convencer o Congresso e o país de que não se tratava de uma fraude eleitoreira. Em 1999, por outros motivos — crise internacional e irresponsabilidade da política nacional — temi que a estabilização naufragasse. Mas, como havíamos ajustado as contas públicas, acertando a situação de estados e prefeituras pré-falimentares, dinamizáramos a economia com algumas privatizações e com o funcionamento correto das empresas estatais, que deixaram de ser repartições públicas para funcionarem como empresas realmente públicas, e não apenas da burocracia estatal, o país pôde superar os momentos mais inquietantes para a estabilidade do Real.
"No começo, foi muito difícil convencer o Congresso e o país de que não se tratava de uma fraude eleitoreira”.

Correio Braziliense – Visão do Correio / Pela retomada do Plano Real

A passagem dos 20 anos da entrada em circulação do real, a primeira moeda brasileira digna de respeito em décadas, é motivo de comemoração, mas também de reflexão sobre a trajetória do plano que a criou. Emerge, então, a necessidade urgente de a sociedade exigir a retomada do processo de modernização do país, da qual a estabilização monetária foi apenas o primeiro passo.
E não foi um passo qualquer. Quando a nova moeda foi lançada, em 1º de julho de 1994, a alma do Plano Real já estava funcionando havia quatro meses, para espanto dos economistas da velha escola intervencionista, que falhara em pelo menos quatro tentativas de estancar a hiperinflação, incluindo a clássica trapalhada do tabelamento de preços.
Nada parecia capaz de derrotar o dragão inflacionário, até que vingou uma aposta na vontade da maioria das pessoas de se livrarem daquela doença. Elas tinham aprendido que a inflação corroía os salários, desequilibrava a economia e favorecia apenas os mais abastados, enquanto o governo permanecia praticamente imune a seus efeitos. A inflação era realimentada por um amplo sistema de correção monetária, que corrigia o preço das mercadorias, as aplicações financeiras e o valor dos tributos em velocidade bastante superior à dos reajustes salariais.
Enquanto isso, a inflação exibia índices escandalosos. Em 30 de junho de 1994, tinha acumulado, em 12 meses, aumento de 6.433%. O pulo do gato foi a criação de uma moeda virtual, a Unidade Real de Valor (URV), que conviveu com o combalido cruzeiro novo, mas não podia ser trocada por ele. Funcionou como referência. Encantou a todos não apenas a facilidade com que as pessoas comuns a compreenderam, mas também a rapidez com que a maioria da população aderiu ao plano.
A derrocada de uma inflação tão alta foi uma vitória da sociedade, que hoje não abre mão de preservá-la. Na esteira do real, vieram duros ajustes fiscais, o fim da moratória, o fim de alguns monopólios estatais e dos danosos bancos estaduais, a renegociação da dívida dos estados, o saneamento e a imposição de regras mais severas ao sistema bancário e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na política econômica, foram adotados os modernos sistemas de metas anuais de inflação e de superavit primário, além do câmbio flutuante.
A lista parece longa, mas contém apenas o começo de um processo de modernização do Estado. A retomada dos investimentos em infraestrutura, com a participação da iniciativa privada, a redução da burocracia, profunda reforma tributária e atualização da legislação e do sistema previdenciário, além de uma revolução na educação pública seriam os passos seguintes.
Eles poderiam ter sido dados tão logo se colheram os primeiros frutos da estabilização da moeda e do fim da pressão da dívida externa. Não só não foram dados, como se descuidou demais do equilíbrio fiscal, tão crucial para a saúde e a competitividade da economia quanto o controle da inflação. O 20º aniversário do real é, portanto, bom momento para a sociedade decidir se vai ou não retomar sua implantação.

Folha de S. Paulo – Obsessão por aumentar preços sobrevive

Memória inflacionária e baixo crescimento crônico persistem após 20 anos de estabilização com o Plano Real
Problemas pioram em momentos como agora, quando a inflação está elevada e exportações perdem fôlego

MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO
"Em janeiro, todo mundo coloca os preços para cima. Todo ano sobe". Morando há sete anos no Brasil, o inglês Barry Baker, 43, notou que há algo diferente no país, que faz com que os preços subam de uma forma quase autônoma.
Passados 20 anos de estabilização e governos de dois diferentes partidos políticos (PSDB e PT), a memória inflacionária persiste. A obsessão coletiva por aumentar os preços olhando a inflação passada é herança do período de descontrole pré-Plano Real.
Mas sobrevive graças a contratos e acordos, mesmo informais, que preveem reajustes anuais de mensalidades, pedágios, remédios, salários, aluguéis e de um sem número de serviços no país.
Em 2013, segundo o Banco Central, quase um ponto percentual da inflação (5,91%) foi resultado de recomposições de reajustes passados.
"Essa é uma grande agenda incompleta do Real e cria uma característica única da economia brasileira. Por que a inflação é tão resistente aqui e não é assim em outros países? Porque eles não tiveram indexação", diz Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.
Por efeito desse fenômeno, altas repentinas de preços provocadas por uma quebra de safra, consumo na China, seca ou chuvas se incorporam aos demais preços, por força da correção que segue os índices de inflação.
O IGP-M, índice que reajusta os aluguéis, por exemplo, tem como um dos componentes o preço do minério de ferro, cujo preço é definido no mercado externo.
"A cada choque de preços a inflação se propaga e alcança patamares mais elevados", diz Heron do Carmo, professor da USP e um dos formuladores do IPC da Fipe. "O Plano Real não acabou com a indexação. Apenas ampliou o prazo de correção de mês em mês para a cada ano."
O problema piora quando a inflação estaciona em um patamar mais elevado, como agora (6,3%). E recuperar a perda do poder de compra fica mais relevante para consumidores e empresários. "Essa inflação vira piso para reajustes futuros", diz Cunha.
E quanto mais elevado é o patamar da inflação, como agora, diz Cunha, maior é a procura pela indexação.
Outra debilidade que resiste --e é reconhecida pelos formuladores do plano-- é que o crescimento econômico não se sustentou, mesmo com a inflação controlada.
"Acho que está óbvio agora, como já me parecia em 1997. Não conseguimos definir uma estratégia de estabilização consistente com crescimento econômico vigoroso e equilíbrio externo", afirma Edmar Bacha, que integrou a equipe de economistas que desenvolveu e lançou o Real.
Para ele, o período de expansão de 2004 a 2011 (o mais bem-sucedido desde os anos 1970) foi turbinado pelos preços externos das exportações, que hoje perdem fôlego.
"Acabou a bonança, revelou-se novamente nossa economia enferma, em que convivem PIBinhos', inflação alta, deficit em conta-corrente e a desindustrialização."
A vacina, na sua opinião, é ampliar a abertura comercial da economia, elevando a concorrência e a eficiência das empresas brasileiras.
Albert Fishlow, especialista em Brasil e professor emérito das universidades de Columbia e da Califórnia, ressalta que há algo positivo na memória inflacionária. "Isso estabelece um limite de ação aos governantes e faz com que todos os partidos defendam a inflação baixa", diz.
O inglês Barry Baker notou também que o antigo país exótico da hiperinflação é hoje peculiar por motivos não menos daninhos.
Dono de uma escola de inglês, ele tenta fechar a empresa e migrar para um sistema mais simples e flexível de tributação, para pequenos empreendedores. Mas já sabe a burocracia do processo. "Para um país que quer crescer rápido, não pode ser assim."


Folha de S. Paulo – Desafio hoje é fazer 2ª rodada de reformas / Artigo / Persio Arida

Retomar a agenda da modernização é factível e certamente menos difícil do que foi implementar o Plano Real
Persio Arida é economista e um dos criadores do Plano Real. Atualmente, é sócio do banco BTG Pactual e chairman da área de Asset Management da instituição
Em 1984, dez anos antes do Plano Real, participei de uma discussão no MIT sobre o Plano Larida, apelido de uma proposta de estabilização que André Lara Resende e eu havíamos delineado em um trabalho acadêmico.
O Larida, baseado na criação de uma moeda indexada --a ORTN pro-rata, que no Plano Real viria a ser rebatizada como URV--, era ousado. A promessa era fazer a inflação cair abruptamente sem recorrer a congelamentos de preços ou artificialismos.
No seminário, um dos comentadores, importante economista norte-americano, externou uma dúvida que, naquele momento, me pareceu despropositada, mas que hoje, tantos anos depois, tornou-se atual.
Ao contrário dos demais, a preocupação dele não era saber se o mecanismo da moeda indexada funcionaria ou não. O plano tem boas chances de dar certo, disse ele, mas assegurar a estabilidade da moeda ao longo do tempo é outra história. Depois de a inflação ter caído de 45% ao mês para, digamos, 0,5% ao mês, que incentivo teria o sistema político para continuar fazendo reformas estruturais e controlar o gasto público?
O Plano Real, mais do que uma reforma monetária, foi concebido como um projeto de modernização do país.
As reformas estruturais e o controle das finanças públicas infundiram confiança na nova moeda.
A lista do que foi feito nos anos seguintes ao lançamento do plano é impressionante: o fim do monopólio estatal em petróleo e telecomunicações; o saneamento do mercado financeiro e dos bancos estaduais; o programa de privatizações; a criação de agências reguladoras; a Lei de Responsabilidade Fiscal; o início da reforma previdenciária e o tripé macroeconômico, entre outros.
Foram reformas de implementação dificílima, mas criaram as bases que sustentam a economia brasileira até hoje. O povo brasileiro abraçou o Real e deu o respaldo político às reformas para evitar a volta da hiperinflação.
Vinte anos depois, o desafio é outro. Temos uma inflação por volta de 6% ao ano, que mais alta seria se não houvesse o represamento das tarifas públicas, além dos preços de energia e gasolina.
Mas o risco da volta da inflação galopante do passado, que no seu pior momento foi mais de 80% ao mês, parece remoto e 6% ainda está dentro do intervalo de tolerância do sistema de metas.
Por outro lado, ao analisarmos os últimos dez anos, o gasto público, excluindo o pagamento de juros, tem crescido quase 8% ao ano em termos reais. O superavit operacional, que estava em 3,7% do PIB há dez anos, hoje, propriamente medido, beira 0,8% do PIB.
O que levaria esse processo a ser revertido? Qual o incentivo para o sistema político retomar as reformas estruturais e controlar a expansão dos gastos?
No Chile, a meta do sistema de bandas é de 3%, com apenas um ponto percentual de tolerância para mais ou para menos. Por dois motivos 3% é melhor do que 6%. Primeiro, porque a inflação piora a distribuição de renda, penalizando os trabalhadores e aposentados. Segundo, porque, como os preços não sobem todos ao mesmo tempo, quanto maior a inflação, mais difícil fica julgar se um bem ou serviço está relativamente caro ou barato.
Em outras palavras, a inflação atrapalha o funcionamento do sistema de preços relativos, o mecanismo fundamental de uma economia de mercado. Quanto mais alta a inflação, menos eficiente tende a ser a economia e, portanto, menor a taxa de crescimento.
Esses dois motivos são sempre verdadeiros.
Mas, na inflação brasileira de 6%, há um fator extra de distorção. O que segura a inflação em 6% são juros reais muito elevados.
Moeda estável de verdade não precisa de juros altos. Uma coisa é o Banco Central implementar uma política monetária restritiva por um motivo circunstancial, momentâneo; outra é ter que manter juros reais elevados permanentemente para conseguir estabilizar a inflação.
O real será uma moeda estável de verdade quando pudermos ter uma inflação de 3%, digamos, com taxas reais de juros muito mais baixas do que as que temos hoje.
Tivemos uma primeira rodada de reformas, fundamental para infundir confiança no novo padrão monetário e afastar o fantasma da volta da hiperinflação.
É chegada a hora de implementar a segunda rodada de reformas e controlar o gasto público visando a reduzir a inflação para, digamos, 3% ao ano e destravar a economia brasileira com juros reais baixos.
Muitas das distorções da economia brasileira --pouco investimento, deficiência de infraestrutura, falta de competividade, baixa alavancagem financeira, elevados spreads bancários, escassez de financiamento para projetos de longo prazo-- resultam de termos tido taxas de juros reais elevadas por décadas a fio. Com menos inflação e menores juros reais, o Brasil poderá escapar da armadilha do baixo crescimento em que se encontra.
Apesar do pessimismo que vigora hoje em dia, retomar a agenda da modernização é factível e certamente menos difícil do que foi implementar o Plano Real. Mas será que os nossos políticos saberão responder aos desafios do Brasil de hoje?

Folha de S. Paulo – Filhos do real

Geração que cresceu após a estabilização econômica, há 20 anos, chega ao mercado de trabalho com mais possibilidades de planejar sua carreira e seu futuro

INGRID FAGUNDEZ DOUGLAS GAVRAS DE SÃO PAULO

Geraldo Santos, 54, viveu dias difíceis nos corredores do supermercado Casa Santa Luzia, nos Jardins, em São Paulo. Remarcador de preços nos anos 1980, ele trocava etiquetas dos produtos várias vezes ao dia, enquanto se esquivava de clientes furiosos.
A cena era comum em mercados durante o período da hiperinflação, que fazia os preços variarem a toda hora.
Hoje, um dos filhos de Geraldo, Anderson, 29, é analista de importação na mesma loja e nunca precisou explicar a um cliente por que a comida estava mais cara.
Entre esses dois cenários está o lançamento do real, que ocorreu em 1º de julho de 1994, e conduziu a economia brasileira à estabilidade.
Anderson faz parte de uma geração que era criança nos anos 1980 e tem poucas lembranças das várias moedas que o país teve (cruzeiro, cruzado, cruzado novo"¦).
No dia 1º, outra geração, que não teve contato com essa realidade, faz 20 anos.

'GERAÇÃO REAL'

Diferentemente de seus pais, esse jovens entram no mercado de trabalho em um ambiente econômico mais favorável. Não é preciso gastar o dinheiro imediatamente para evitar que ele desvalorize, e a renda aumentou.
"Do ponto de vista econômico, o real foi um mundo novo. Havia períodos, no começo dos anos 1990, de 4% de inflação ao dia. Ficar com o dinheiro parado era perder", diz o professor de economia da UFRJ André Modenesi.
Com a necessidade de viver no curto prazo, era difícil planejar o orçamento doméstico, ainda mais a carreira ou a compra de um imóvel.
As trajetórias de Geraldo e Anderson expressam essa diferenças. O primeiro não fez faculdade, teve quatro filhos e ainda pagava a casa própria quando a caçula nasceu.
Já Anderson se formou, ainda mora com os pais e paga o apartamento onde vai viver depois de se casar.
Nos anos 1980, além de lidar com clientes irritados, Geraldo tinha que preencher a vitrine do açougue com abóboras, já que faltava carne.
Em casa, a situação também era preocupante. As contas apertavam o orçamento, enquanto a família crescia.
"Perdi noites de sono por causa das prestações. As crianças pediam coisas e não podia comprar. Era uma dor no coração", lembra Geraldo, hoje gerente da Santa Luzia.
Com 20 anos, o estudante Danilo Cardoso lembra do descontrole econômico apenas pelos registros na carteira de trabalho de sua avó. Ao ver o reajuste do salário para compensar a inflação, ele achava que o valor dobrava.
Do armário usado para estocar alimentos em casa, ficaram só as histórias. "Na minha infância tinha sumido."
De Mogi das Cruzes, Cardoso veio estudar em São Paulo bancado pela família. Em julho, fará intercâmbio na Colômbia. O estudante considera que tem mais liberdade para ousar em seus planos.
"Pude me mudar, estudar inglês, tive acesso a oportunidades que meus pais não tiveram. Me sinto tranquilo, mais do que imagino que eles se sentiam na minha idade."
Para o professor do departamento de Economia da PUC-Rio, Luiz Cunha, o Plano Real foi a condição fundamental para os jovens saírem da "corrida infindável" de viver em função da inflação.
"O ambiente no qual toma decisões é muito mais tranquilo. Ele tem mais informação, o amparo financeiro dos pais, pode escolher melhor."
Marcela Pacífico, 19, é a primeira em três gerações de sua família que pôde definir o começo de sua carreira. Neta de Lúcia Pacífico, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, que fiscaliza preços, ela cresceu ouvindo as dificuldades da época.
"Minha mãe foi trabalhar aos 17 anos. Só depois fez graduação. Ela se arrepende."

Folha de S. Paulo – Inflação era pior para as famílias com renda baixa

DE SÃO PAULO
Há exatos 20 anos, em 29 de junho de 1994, um exemplar da Folha como este custava CR$ 1.530,00 (cruzeiros reais) em uma banca de São Paulo --quase o dobro do que era cobrado dois meses antes.
Nos tempos da inflação galopante de antes do real, a vida era assim: preços descontrolados que variavam constantemente e moedas que perdiam valor nas mãos do consumidor.
O cenário era sentido por todos os brasileiros, mas especialmente por aqueles com menor renda, que naquele tempo tinham menos acesso a bancos.
A inflação elevada funcionava como um imposto cobrado de quem carregava dinheiro no bolso.
Economistas ouvidos pela reportagem lembram que a fatia da população de renda elevada ao menos tinha à sua disposição "proteções financeiras" e vivia mais despreocupada.
Esses brasileiros se beneficiavam de opções de investimento criadas pelos bancos à época para ajudar a amortecer as perdas causadas pela inflação, como contas remuneradas e aplicações com rendimento de um dia para o outro.
Para não ver o salário "derreter", a maioria da população corria ao mercado assim que recebia e comprava tudo que pudesse estocar, transformando logo o dinheiro, que só perdia valor, em mercadorias.
"Quem não tinha conta em banco sofria. Para eles, a opção era gastar o mais rápido possível", explica Luiz Roberto Cunha, economista da PUC-Rio.
Mas a escalada dos preços e as trocas de moedas tornavam difícil até comparar valores, e o brasileiro médio ia às compras sem ter plena certeza do que estava caro ou barato.
Para o professor da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha Samy Dana, a inflação elevada agravava a desigualdade.
"Cenários de caos são injustos, não afetam a todos com a mesma força. Tinha até gente que lucrava com aquela incerteza toda, especulando. A conta, é claro, era paga por quem ganhava menos." (IF E DG)

O Globo – Placar invertido - Inflação 7 x 3 crescimento / Capa

Brasil teve expansão média de 3%, o 15º lugar numa lista de 32 países. alta de preços de 7% é a sétima maior

Passados 20 anos do Plano Real, os números da economia mostram o Brasil com inflação alta de Terceiro Mundo e crescimento baixo de país desenvolvido. Ao cruzar os dois indicadores com os de 32 países de América Latina, Brics (além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan) e desenvolvidos, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, encontrou a sétima maior inflação acumulada de 1995 a 2013, de 275,4%, mesmo com a estabilização - o que representou taxa média anual de 7,2%, pouco acima da expectativa de inflação do mercado para este ano, de 6,46%. Na América Latina, o Brasil só perde para Venezuela e Colômbia. No ranking de crescimento, o Brasil cai para o meio da lista. Está na 15ª posição, com média de expansão de 3%.
- O que essa tabela mostra é que, em termos de crescimento econômico, o Brasil tem característica de país desenvolvido (países maduros que crescem mais devagar). Já a inflação revela problema crônico de país de Terceiro Mundo. Podemos sintetizar o problema pelo custo Brasil, colocando no preço as nossas deficiências estruturais, como logística, mobilidade urbana caótica, burocracia, tributação complexa e excessivamente elevada.
O economista ainda cita problemas de ingerência política em decisões técnicas, o que provoca insegurança jurídica e baixo crescimento.
- Todo esse custo Brasil afugenta o crescimento. Os Tigres Asiáticos estão à frente do Brasil. Crescem quase o dobro, enfrentando adversidades externas maiores que o Brasil. Na comparação com os outros, é emblemática a nossa situação.
Essa situação não é à toa. O processo de estabilização do Brasil combateu 30 anos de indexação (repasse para os preços da inflação passada), afirma o decano da PUC e especialista em inflação Luiz Roberto Cunha:
- Ninguém teve 30 anos de indexação como nós tivemos. No crescimento, tivemos problemas sim, não evoluímos nas reformas como o Chile, a Colômbia e o Peru (todos tiveram expansão superior à do Brasil). Eles caminharam melhor do que nós. É claro que a complexidade da economia brasileira também é maior.
Para poder conviver com a inflação, foi criada a correção monetária no período militar, que embutia, na maioria dos preços, a inflação passada. A correção monetária foi extinta com o Plano Real.
Cunha afirma que a indexação ainda existe, atualmente causada por uma inflação renitente em 6%:
- A demanda por indexação cristalizada em 6% é muito grande, formal e informal. O aumento real do salário mínimo tem como contrapartida a inflação de serviços, que está comendo parte do ganho.
O professor da USP Heron de Carmo teme esse repasse da inflação passada aos preços de hoje. Para ele, o governo errou ao não reduzir para 3% a meta de inflação quando as taxas estavam perto de 4%, entre 2006 e 2007:
- A inflação começou a subir com os choques. Agora, vivemos administrando choques. Ainda temos o custo da taxa de juros entre as mais altas do mundo.
Há de se ter cuidado com as comparações, afirma Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, diante de estágios diferentes de desenvolvimento entre os países. Ela cita o exemplo da China, que deu um impulso no crescimento com a migração da população rural para as cidades, elevando a produtividade e o crescimento. O Brasil viveu este fenômeno com mais intensidade nas décadas de 1960 e 1970. A economista considera boa a média de 3% de crescimento anual, mas chama a atenção para o fato de esta performance ter piorado nos últimos anos. Para 2014, o Relatório de Inflação do Banco Central, divulgado semana passada, já prevê expansão da economia de apenas 1,6%. Mas a avaliação da economista não se repete para as taxas de inflação:
- Ficamos mal na foto na inflação. É alta a média de 7,2%. Muito longe da meta de 4,5%. Tem havido um enfraquecimento institucional no Brasil. Isso fica claro com a inflação muito alta. Se alguns preços não estivessem represados, poderia estar até acima de 7,2%. Deveríamos estar hoje bem abaixo desta média de 20 anos.
Cunha lembra que mesmo países que sofreram com inflação alta não tinham a tradição de indexação do Brasil, citando a quantidade de índices de preços aqui, com os da FGV, da Fipe e do IBGE.
Mônica afirma que Colômbia, Chile e Peru não tiveram o problema inflacionário do Brasil, mas conseguiram adotar políticas de abertura comercial e fazer reformas como a tributária e trabalhista:
- Quando se faz reforma estrutural, ganha-se eficiência. O crescimento sobe, e a inflação cai.
Para Lia Valls, especialista em América Latina da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil se saiu bem, na medida do possível, principalmente baixando o patamar da inflação:
- Dentro do possível, a gente se saiu bem. Conseguimos, principalmente, sair da âncora cambial de uma forma que não causou muito trauma na economia. Conseguimos fazer isso de uma maneira que não a inflação não acelerou. Depois se criou um consenso de que a inflação é algo que a gente não deve aceitar.
Cunha afirma que o sucesso do real veio da falta de surpresas. Num artigo em dezembro de 1993, o professor da PUC explica cada passo do plano, com base na divulgação oficial, ao contrário de planos anteriores, que a população só sabia o que ia acontecer na hora.
Na avaliação do diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, Francisco Lopreato, foi a renegociação da dívida externa que viabilizou o sucesso do Plano Real. Segundo ele, a experiência brasileira seguiu a de outros países da América Latina, que conseguiram se livrar da hiperinflação após reestruturar a dívida dos países.
- Não é coincidência que o Plano Real só tenha ocorrido depois da renegociação. Sem querer tirar o mérito do real, que foi um plano inteligente, o acordo da dívida retomou o acesso ao crédito internacional, o que tornou viável o plano.


O Globo – 'Não tinha medo da inflação. Tinha receio de uma crise de confiança' / Entrevista / Pedro Malan

Pedro Malan, ex-ministro da fazenda, temia que país fosse visto como outros em turbulência
Cássia Almeida, Maria Fernanda Delmas e Maiá Menezes

Vinte anos depois do lançamento da moeda brasileira, o real, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan revelou suas memórias sobre o momento crucial da economia, quando a inflação anual estava em quase 5.000%, em junho de 1994, e comentou a situação do país hoje, após duas décadas de estabilização. Um dos artífices do Plano Real avalia que as taxas de inflação "são civilizadas à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos". A crise de confiança, que abalou o país entre 1998 e 1999, após o colapso dos Tigres Asiáticos, em 1997, e a moratória da Rússia, em 1998, levando o dólar a custar R$ 2 e as reservas internacionais a se esvaírem, foi um dos momentos mais difíceis para o economista. A crise levou o Brasil a mudar o regime cambial de bandas para flutuante em janeiro de 1999.
- Não tinha medo de inflação. Tinha receio de uma crise de confiança grande. (...) Havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. A confiança foi recuperada, com custo obviamente (o PIB ficou estagnado nos dois anos da crise e o rendimento do trabalho caiu 7% em 1999), mas depois do início de 1999, conseguimos recuperar isso, após a turbulência.
Malan, que ficou no governo de maio de 1991 a dezembro de 2002, como negociador da dívida externa brasileira, na presidência do Banco Central (BC) e no Ministério da Fazenda, não vê descontrole na inflação atualmente:
- É importante que, passados 20 anos, as taxas de inflação sejam relativamente civilizadas.
Indagado sobre o que faria de diferente em relação à montagem e administração do Plano Real, fez piada:
- Presumo que eu não possa dizer não ter aceitado o Banco Central e o Ministério da Fazenda. Isso não vale como resposta (risos).
Para o ex-ministro, é natural a preocupação com a alta de preços, traduzida no movimento Rio $urreal, mas diz que "aquele tipo de inflação não volta".

1 - Brasil, recordista de inflação em três décadas
"As pessoas com menos de 40 anos não têm nenhuma experiência vivida da marcha de insensatez que foi a evolução da inflação no Brasil nas décadas que antecederam o lançamento do Real. O Brasil foi o recordista mundial de inflação do início do anos 1960 ao início dos anos 90. Entre 1980 e 1993, a inflação média foi superior a 600% ao ano, 100% na virada dos 1970 para 1980, 200% em 1985, 1.000% em 1988/1989 e 2.500% em 1993. Isso, felizmente, ficou para trás. É importante que, passados 20 anos, as taxas de inflação sejam relativamente civilizadas. São civilizadas à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam ainda um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos."

2 - Aprendizado com outros planos de estabilização
"Aprendemos com a experiência do Cruzado, em 1986, com Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1988, Collor 1 em 1990, Collor 2 em 1991. Tanto é que na equipe básica, sem a qual o Real não teria sido concebido e implementado, havia três veteranos do Cruzado, pessoas-chave: Pérsio (Arida), André (Lara Resende) e Edmar (Bacha), aos quais se juntou Gustavo Franco em 1993."

3 - O plano foi rapidamente aceito pela população
"Fernando Henrique conseguiu reunir pessoas que já o conheciam há muito tempo, que se respeitavam. Nenhuma estava disputando poder. Quando anunciamos, em 7 de dezembro de 1993, a direção que iríamos tomar, foi uma coisa importante, que diferenciou o Real de outras experiências. Não foi algo que surgiu após um fim de semana, um feriado bancário e que pegou a população de surpresa com tablitas e taxas de conversão, congelamentos, bloqueio de poupança. Lembro-me de uma pergunta de jornalista: 'O que vai acontecer amanhã ou na semana que vem com o câmbio?'. Falei: nada de diferente do que vocês estão vendo aqui. Foi uma das razões da aceitação do êxito, fundamentais naqueles quatro meses de recontratação em URV."

4 - Hiperinflação não volta mais
"A agenda para o Brasil pós-Real se confundia com a agenda do desenvolvimento econômico, social, político e institucional do Brasil. Ela envolvia não só a área fiscal, do regime monetário, cambial, mas mudanças para que o país pudesse, após aquela experiência histórica de convivência com a inflação alta, crônica e crescente, conviver com taxas de inflação civilizadas. Quando se olham os últimos 20 anos em perspectiva, isso aconteceu. Na experiência dos 50 anos anteriores é um sucesso, mas isso não quer dizer que a inflação baixa, sob controle, está definitivamente incorporada ao DNA da sociedade brasileira, que não é preciso mais preocupação. Tenho certeza absoluta de que ela não volta, a (inflação) passada. Espero que a população considere a responsabilidade de qualquer governo, qualquer que seja sua coloração político-partidária, preservar a inflação sob controle. Isso é o grande legado do Real. Não vejo o Brasil tendo aquele processo de inflação em que ela subia de 40% para 100% e para 1.000%."

5 - Custo político das medidas depois do plano
"O Real permitiu que pudéssemos começar a encarar questões que estavam mascaradas pela poeirada da inflação alta. Tínhamos 28, 29 bancos comerciais e estaduais que faziam empréstimos a seus governos e às empresas de seus governos, que representavam uma parcela grande de seus ativos. Hoje, devemos ter meia dúzia de bancos comerciais e estaduais, e todos sabem que estão sujeitos à fiscalização do BC, podem ser liquidados. Tivemos que intervir em grandes bancos, como Econômico, Nacional, Bamerindus, porque a inflação baixa faz com que problemas apareçam, problemas de geração de caixa vis-à-vis custos operacionais, o imposto inflacionário. Houve enorme dispêndio do capital político do governo Fernando Henrique Cardoso para lidar com problemas de banco. A dívida foi reestruturada em 30 anos. Reestruturamos as dívidas de 180 municípios. Outro exemplo foi a privatização. O que nos levou, não por qualquer consideração de natureza política ou ideológica, a mudar os capítulos da ordem econômica da Constituição. Houve interrupção (nas privatizações) por um período longo, mas está sendo retomado agora, com atraso. São evidentes as deficiências na infraestrutura, mas elas sinalizam oportunidades de investimento. É possível ter um processo de investimentos na área de infraestrutura que ajude a retomada do crescimento."

6 - Riscos para a estabilização
"A inflação exige cuidados. Não tem risco de descontrole, não vejo nenhum desastre no front da inflação, mas é importante manter as expectativas quanto ao curso futuro dos preços ancoradas num nível que seja percebido como não induzindo demandas por indexação. Quando as pessoas acham que a inflação está numa trajetória, ainda que muito lenta, mas ascendente ou que ela mudou de patamar, é natural que queiram se precaver nos dissídios, nas correções de preços. Isso pode virar algo que se alimenta mutuamente e leva à pressão. Exige atenção e não só da parte do BC. Após certo ponto, exige ação do governo no seu conjunto. Exige percepção de quão importante é aquilo para o conjunto da população."

7 - Renegociação da dívida externa
"Larry Summers (secretário do Tesouro americano na época) sempre me disse que se não tivesse acordo com o FMI não haveria emissão de títulos de 30 anos que os EUA emitiam para garantia. Iríamos pagar só juros durante 30 anos. Amortização do principal só em 2023. A garantia eram títulos de 30 anos que faziam numa edição especial, fizeram para México, Argentina. Sabia que era muito difícil ter um acordo com o fundo com inflação de 30% ao mês. Tínhamos um bônus internacional, cujo título era bônus de interesse devido e não pago. Era nosso interesse eliminar esse bônus. Fomos comprando discretamente títulos do Tesouro americano para não depender da emissão especial. Éramos vistos como um país meio bêbado, um adolescente meio destrambelhado no caminhar. O Real e a negociação da dívida se reforçaram na percepção por parte do resto do mundo sobre o país."

8 - Os bastidores da crise de 1998
"Foi a primeira vez que um presidente americano, Bill Clinton, pediu para ter uma conversa com alguns ministros da Fazenda e presidentes de Banco Central na reunião anual do FMI em Washington, em setembro de 1998. A decisão de criar o G-20 surgiu aí. Havia o receio de que pudesse ser uma crise mais sistêmica. Eu não tinha medo de inflação. Tinha receio de uma crise de confiança grande. Foi o que nos levou a buscar um apoio, que obtivemos: um programa de organizações multilaterais, BID, Banco Mundial, FMI e bancos centrais, o que foi uma expressão de confiança no Brasil. Confiança exige ação doméstica. Havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. Todos os países asiáticos estavam em grande crise. Estávamos saindo da resolução do problema bancário, tentando resolver problemas fiscais, a privatização ainda não havia levado a seus efeitos e tínhamos acabado de mudar a Lei do Petróleo em 1997. A confiança foi recuperada, com custo obviamente, mas depois do início de 1999, conseguimos recuperar isso, após a turbulência."


Politica externa discreta e diplomacia barulhenta - Elio Gaspari

De R.Guerreiro@org para Dilma@gov
Elio Gaspari
Folha de S. Paulo e O Globo, 30/06/2014

A senhora não lembra de mim, pois ninguém lembra do Ramiro Guerreiro, prova de que fui um bom chanceler

Excelência,
Houve no Itamaraty um embaixador muito inteligente e engraçado, o Araújo Castro. Celebrizou-se pelas piadas com que feria os colegas e fez uma terrível comigo: "O Guerreiro é a única pessoa capaz de dormir durante o próprio discurso". Quando escrevi minhas memórias intitulei-as "Lembranças de um empregado do Itamaraty". Parece que o livro é muito chato. Eu diria que sou monótono.
Escrevo-lhe para dizer que esse funcionário que está hoje na chefia do ministério, o Luiz Alberto Figueiredo, foi um presente que a vida lhe deu. Em 1979, quando assumi o Ministério das Relações Exteriores, ele acabara de sair do Instituto Rio Branco. Era um terceiro-secretário, e foi cuidar de irrelevâncias como meio ambiente.
Outro dia a Corte Suprema dos Estados Unidos recusou-se a apreciar um recurso da Argentina contra uma sentença de um juiz federal que mandava pagar, ao par, aos atuais detentores de títulos caloteados em 2001 que não concordaram com a renegociação feita anos depois. Equivalem a 8% do papelório. A decisão da primeira instância é insana e poderá provocar uma moratória e travar as negociações em futuras e inevitáveis crises de crédito. Tanto é assim que o governo americano advertiu a corte para os riscos resultantes da decisão. Um pedaço da banca e o FMI também pisaram no freio. Ademais, em 1933 os Estados Unidos calotearam a conversibilidade de sua dívida em ouro. Fizeram isso com um voto do Congresso, ratificado na Corte Suprema por maioria de 5 x 4.
Até agora, o Brasil alinhou-se juridicamente com a Argentina, sem barulho. Seu governo fez isso dando voz ao embaixador nas Nações Unidas. O que me levou a escrever-lhe foi a discrição da sua diplomacia. Política externa sem charanga é tudo o que precisamos. A senhora já ouviu falar que em 1983 o presidente Reagan queria invadir o Suriname, estava com tudo pronto e mandou o diretor da CIA a Brasília para pedir apoio? Dissuadimo-lo, ajudamos a resolver a encrenca e não dissemos uma palavra. Imagine a manchete: "Brasil nega a Reagan apoio para invadir o Suriname". E depois: "Reagan cede ao Brasil e não invade Paramaribo".
A senhora imagine que, em 1982, um general megalomaníaco, apreciador de destilados, decidiu invadir as ilhas Malvinas. Nós não podíamos nos meter naquela aventura, mas também não podíamos negar solidariedade à nação amiga. (O Roberto Campos, embaixador em Londres, achava que a primeira-ministra Margaret Thatcher ia amarelar.) Sabíamos que os generais argentinos seriam postos para correr, pois só eram valentes com estudantes amarrados. Tratava-se de tirar a meia sem descalçar o sapato. Conseguimos, porque trabalhamos sem charanga.
A presidente argentina chama os fundos que compraram papéis da velha dívida de "abutres". Por muitos motivos, estamos com ela, mas não precisamos entrar nesse bate-boca. Brigar com a Argentina, só no futebol, se for inevitável.
A senhora conseguiu fazer o certo, sem pirotecnia. O Araújo Castro, incorrigível, chama os especialistas em lances diplomáticos barulhentos de "papagaios de crises". Ele lista todos os nomes. Eu não os menciono.
Respeitosamente, saúdo-a.

Ramiro Saraiva Guerreiro

Relacoes Brasil-Estados Unidos: FHC e Lula aplainaram diferencas - O Globo

Lula e FH cooperaram para mudar visão americana sobre PT 
Sigla, junto com PSDB, dialogou com EUA antes da posse, aponta livro
Alexandre Rodrigues
O Globo, 30/06/2014

Quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu a primeira eleição para a Presidência da República, em 2002, deputados americanos do Partido Republicano alertaram o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Temiam a formação de um "eixo do mal" na América Latina, com a combinação de Lula com o venezuelano Hugo Chávez e o cubano Fidel Castro. Os argumentos alimentavam especulações de calote no mercado financeiro. Assim que as urnas foram apuradas no Brasil, a futura relação de Lula e Bush foi desenganada por políticos, analistas e a imprensa internacional diante de perfis políticos tão distintos: um ex-sindicalista e um conservador. Os anos seguintes mostraram o contrário: os dois conduziram o melhor momento das relações entre os dois países. Os Estados Unidos mudaram o status da sua relação com o Brasil, passando a reconhecê-lo como uma potência emergente.
Essa inversão de expectativas só foi possível por causa de 18 dias intensos de uma ofensiva diplomática comandada, sem alarde, por Lula e pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) nos bastidores da transição entre os dois governos. A inusitada cooperação entre tucanos e petistas, sob a liderança de dois presidentes, é contada no livro "18 Dias", de Matias Spektor, que será lançado nos próximos dias pela Objetiva.
Doutor em Relações Internacionais por Oxford (Inglaterra) e professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, Spektor pesquisou arquivos como os do Itamaraty e do Departamento de Estado americano por quatro anos para reconstituir os passos da força-tarefa entre o telefonema que Lula recebeu de Bush no dia seguinte à sua eleição e o convite oficial para uma visita à Casa Branca, que aconteceu em 10 de dezembro de 2012.
Spektor também entrevistou diplomatas e altos funcionários dos dois países, além de Lula e FH. Ele ouviu ainda a ex-secretária de Estado americana Condoleezza Rice, que na época era assessora de segurança nacional de Bush.
Faltavam na Casa Branca especialistas sobre o Brasil para preparar Bush para lidar com Lula. A equipe de Condoleezza então aplicou para o país o mesmo modelo que havia acabado de montar para uma nova relação com a Índia, cujo diálogo com os Estados Unidos também era considerado problemático. A partir dessa analogia, conta Spektor, o Brasil passou a ser visto pelos americanos como um aliado preferencial, um país-chave do mundo emergente, ainda antes da institucionalização dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Lula foi considerado ousado pelos diplomatas dos dois países ao pedir diretamente a Bush, ao telefone, um encontro ainda antes da posse. Ele tinha pressa em convencer que não era o bicho-papão pintado pelos republicanos. O desafio era atrair a atenção de Bush, mais envolvido com o terrorismo e as ações militares no Oriente Médio, para reduzir as desconfianças do mercado, que apostava forte contra a moeda brasileira. A desvalorização do real ameaçava o legado que Fernando Henrique tinha a deixar para Lula e sua biografia. O tucano colocou seus ministros e embaixadores para abrir caminho para os petistas no governo americano. Foi o medo de uma crise econômica mais grave que uniu os dois rivais em torno de um objetivo comum: mudar radicalmente a visão dos Estados Unidos sobre Lula. Deu certo.

'Bush facilitou a ascensão brasileira'
Entrevista / Matias Spektor
O Globo, 30/06/2014

Para especialista da FGV, petista foi o presidente que mais se aproximou dos Estados Unidos; já Dilma acumula dificuldades com Barack Obama
Seu livro mostra Lula e FH trabalhando juntos para mudar a percepção dos EUA sobre o PT. No que essa união beneficiou a política externa brasileira?

Eles tiveram êxito ao mudar a percepção negativa dos EUA sobre Lula. Bush apostou no novo governo brasileiro, acalmou o mercado e espalhou a imagem de Lula como reformista moderado. Tucanos e petistas não gostam de ouvir isso, mas Lula se aproximou dos Estados Unidos mais do que qualquer outro presidente, inclusive FH. Bush queria interlocução na região e encontrou em Lula o melhor companheiro.

O governo Lula soube aproveitar essa situação?
No início, sim. Graças ao apoio americano, Lula conseguiu elevar o poder, o prestígio e a influência do Brasil no mundo. Bush facilitou a ascensão brasileira. Mas o esquema durou pouco, porque dependia das personalidades dos dois presidentes.

Hoje, o diálogo entre Dilma e Obama está abalado pelas denúncias de espionagem. Ela pode abrir mão dessa relação?
Uma diferença brutal é que, em 2002, Bush estava fortalecido pela vitória nas eleições parlamentares. O PT entendeu e se adaptou às condições com destreza. Hoje, a Casa Branca não tem tração porque Obama é um "pato manco". Quem tem coragem de patrocinar uma aproximação para valer (com ele)?

Como avalia a política externa de Dilma, que teve uma transição de continuidade em 2010?

Em política externa, Dilma não representa continuidade em relação a Lula. Seu governo marca o fim de um ciclo. Pela primeira vez em 20 anos, a trajetória diplomática não é ascendente. Isso não é culpa exclusiva do Planalto, apesar dos vários equívocos. O mundo ficou menos maleável, e o Brasil atravessou mudanças que nem o governo entendeu direito. A partir de 2015, precisaremos de um projeto de inserção internacional que leve em conta esta nova realidade, com uma vitória da oposição ou de Dilma. Ela tem dado todos os sinais de que pretende restaurar a relação com os EUA. O desafio agora é achar uma maneira de fazê-lo superando a crise da espionagem.

Politicas racialistas alimentam o racismo no Brasil - Editorial O Globo

Doutrina racialista: a grande vitoriosa nos 12 anos de lulopetismo.

via Blog do Orlando Tambosi, 30/06/2014

O escabroso racialismo - na verdade, uma versão pretensamente abrandada de racismo - passou para trás outros "movimentos sociais", consolidando-se em todas as instâncias. Estupidamente, divide o Brasil em "raças": a negra e as outras. Racismo se combate com leis, não com quotas e privilégios. Editorial do jornal o Globo:

O grupo político de pressão dos racialistas, um dos que chegaram a Brasília em 2003 na caravana vitoriosa do PT, deve ser o que mais obteve vitórias nestes 12 anos de poder, na constelação de agrupamentos aliados a esse partido. Mais, por exemplo, que os sem-terra, mesmo que o MST e satélites tenham podido aparelhar órgãos como o Incra e até o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Já os racialistas ganharam um ministério próprio, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Também com representantes no Congresso e tendo obtido a simpatia do Judiciário — o Supremo terminou por avalizar as cotas como constitucionais —, os racialistas tiveram, infelizmente, êxito na construção de um política de discriminação pela cor da pele no acesso ao ensino superior público e, agora, na obtenção de emprego na máquina burocrática. Nesta batida, um dos próximos passos será a imposição de cotas às empresas privadas.

Este modelo de política afirmativa foi importado dos Estados Unidos — sociedade que se constituiu em cima do conceito de “raças” — para um país, o Brasil, no qual o colonizador português, o negro e o índio se miscigenaram. A cor não tinha o mesmo caráter discriminador existente nos Estados Unidos, a ponto de haver registro de negros senhores de escravo. É indiscutível que, abolida a escravidão, faltaram políticas de integração do negro à cidadania, por meio da educação, a melhor rota para a ascensão social.

Hoje se vê que o neglicenciamento com o nível de qualificação da população é a causa básica da chamada dívida social —com os pobres de qualquer cor de pele. E como a obtenção de resultados neste tipo de investimento é lenta, grupos organizados buscam ganhar tempo por meio de políticas afirmativas, principalmente cotas. Por se constituir, por definição, uma ação discriminatória a favor de algum grupo, outros serão prejudicados. Caso dos brancos pobres.

É ilusório achar que não existe discriminação racial no Brasil. Há, mas não se equaciona o problema por meio de cotas. Ao contrário, pode agravá-lo. Discriminação e racismo se combatem com leis e sua aplicação. Como as já existentes no Brasil.

Em vez de se adotar a melhor das políticas afirmativas — elevar para valer a qualidade do ensino público, a fim de beneficiar alunos de qualquer cor —, o Estado, sob influência racialista, optou pelo populismo e imediatismo das cotas raciais. Teria sido melhor usar o critério social, do nível de renda.

Mesmo que o erro da importação do racialismo já tenha sido cometido, o debate precisa continuar. Até que a sociedade se convença de que há mais pretos pobres não por serem pretos, mas por terem nível de instrução mais baixa, por serem pobres. A cota apenas mascara a questão. É uma anestesia, e com vários efeitos colaterais maléficos. Mesmo nos Estados Unidos, com décadas de vigência de políticas afirmativas, a Supremas Corte acaba de permitir que estados decidam revogar programas de cotas. E alguns o fazem. Têm motivos para tal.

Salvando a Mona Lisa e outras obras de arte durante a Segunda Guerra - Delanceyplace

Today's selection -- from Saving Mona Lisa by Gerri Chanel.  After World War I, the staff of the Louvre became keenly aware of the vulnerability of its treasures. During the ten years before World War II, they developed a detailed plan on how to evacuate and store the art of the Louvre should the need arise. On August 25, 1939, after Great Britain and Poland had concluded a pact of mutual assistance, war became imminent. That evening, the packing began:

"From all corners of the museum, workers removed the top priority movable paintings, antiquities, and objets d'art -- from religious relics to furniture to the crown jewels -- from walls, pedestals and cases. As paintings were removed, first from the walls and then from their frames, workers marked the empty spaces with chalk to note their location to facilitate rehanging upon their return. 


"Workers took items along the carefully -- planned routes to designated triage areas where others wrapped and crated them, then nailed the crates shut, sealed them and applied more colored priority stickers. The tasks were all the more difficult after dark since workers had only the dim light of small portable lamps, a precaution in case of a bombing raid. 

"By 1 a.m., all fifty or so of the most prestigious paintings considered readily movable had been moved to the triage areas. Workers then rushed back to the galleries to begin the next round. The atmosphere was frenzied, but the packing went smoothly; every part of the endeavor had been analyzed again and again over multiple years and then rehearsed.

"With the military draft underway, it had been a mad scramble ... to assemble the small army of people needed for the massive operation. ... Among those helping out were dozens of men on loan from several of the big Parisian department stores, including the Samaritaine, whose owner, Gabriel Cognacq, was vice president of the National Museum Council. At one point, young staff member Magdeleine Hours walked into a gallery to find men from one of the department stores packing up fourteenth -- and fifteenth-century paintings. like the other workers, they were dressed in long work smocks, but they also wore mauve tights and striped caps. Hours was stupefied; they looked to her just like characters in the medieval works they were packing. 

"In the triage areas, antiquities were packed in protective material. Smaller paintings were wrapped first in fire-resistant paper, then in leatherette to resist humidity: fiber spacers separated multiple paintings packed in a single crate. Dust swirled in the air and hammers clattered as typists furiously tapped out quintuplicate lists of the contents of each crate. To disguise the contents of crates, they bore only three markings: the initials 'MN,' the department initials and a crate number; the anonymity was intended to discourage theft and to frustrate searches by Germans. Moreover, to keep unauthorized individuals from knowing where the items were going, all shipping labels said Chambord, even though many items had already been assigned to other final destinations in the Loire Valley.  ...

"[A]fter two days of around-the-clock packing ... empty trucks began rolling into the courtyard. ... At 6 a.m. on August 28, 1939, the first convoy of eight trucks, loaded with the Mona Lisa, the Seated Scribe, the crown jewels, and 225 other crates of some of the world's most precious art and antiquities rolled slowly away from Paris towards the French countryside. "

Saving Mona Lisa: The Battle to Protect the Louvre and its Treasures During World War II
Author: Gerri Chanel
Publisher: Heliopa Press
Copyright 2014 by Gerri Chanel
Pages: 43-46 


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