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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 24 de janeiro de 2015

Petrolao petista: o segundo chefe da quadrilha recebe como consultor...- Veja

Tudo o que disser, ou escrever, considere que é exatamente o contrário...
Assim é que são as coisas na República Mafiosa dos Petralhas.
Paulo Roberto de Almeida

Lava Jato

Elo de Dirceu com Lava Jato surgiu em varredura contra crimes tributários

Empresa JD Assessoria, de José Dirceu, recebeu “expressivos valores” das empreiteiras Galvão Engenharia, OAS e UTC, segundo investigação

Laryssa Borges, de Brasília
O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu,  condenado no processo do mensalão
O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu,  condenado no processo do mensalão (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
A quebra dos sigilos fiscal e bancário do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, revelada nesta quinta-feira pelo Jornal Nacional, da TV Globo, foi autorizada pela Justiça Federal após o Ministério Público, em parceria com a Receita Federal, ter feito uma varredura nas empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato em busca de possíveis crimes tributários praticados pelos administradores da OAS, Camargo Correa, UTC/Constran, Galvão Engenharia, Mendes Junior, Engevix e Odebrecht. Os investigadores já haviam concluído que as empreiteiras, que unidas em um cartel fraudaram contratos para a obtenção de obras da Petrobras, utilizavam empresas de fachada para dar ares de veracidade à movimentação milionária de recursos ilegais. Mas foi ao se debruçar sobre os lançamentos contábeis das empreiteiras, entre 2009 e 2013, que o Fisco encontrou o nome da consultoria de José Dirceu como destinatária de “expressivos valores” das empreiteiras Galvão Engenharia, OAS e UTC.
“Havendo suspeita nas transações efetuadas pelos investigados, é evidentemente necessária a quebra do sigilo”, disse a juíza Gabriela Hardt, que autorizou o acesso aos dados bancários e fiscais de Dirceu e de sua consultoria, a JD Assessoria.
Agora, as investigações vão se concentrar na hipótese de a empresa JD Assessoria e Consultoria, que tem Dirceu oficialmente com 40% da sociedade, ter funcionado como laranja para justificar a movimentação financeira de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Em nota, o ex-ministro, condenado por corrupção no julgamento do mensalão, negou irregularidades e disse que “a relação comercial com as empresas não guarda qualquer relação com contratos na Petrobras sob investigação na Operação Lava Jato”.
Na triangulação sobre o esquema do petrolão, o pagamento de propina em contratos com a Petrobras passava por empresas de fachada do doleiro Alberto Youssef, como a MO Consultoria e a GFD Investimentos. Na distribuição de propina ao lobista Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no esquema criminoso, por exemplo, Youssef viabilizou os recursos por meio de contratos simulados de investimentos entre as empresas Auguri, Treviso e Piemonte com a empresa de fachada GFD.
Dirceu – Entre julho de 2009 e dezembro de 2011, a JD Assessoria, de José Dirceu, recebeu 725.000 reais a título de “consultoria” da Galvão Engenharia. Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2011, os pagamentos ficaram a cargo da construtora OAS, que desembolsou 720.000 reais. A UTC, por sua vez, fez pagamentos 2.316.000 reais à empresa de Dirceu entre 2012 e 2013.
Em decisão assinada no dia 9 de janeiro, a juíza Gabriela Hardt, que autorizou a quebra de sigilo de José Dirceu e de sua empresa de consultoria, diz ser “imprescindível” o rastreamento patrimonial como método eficaz para investigar suspeitas de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. “O objetivo da quebra é verificar se os sócios eventualmente receberam recursos das empreiteiras investigadas e se tais recursos possuem causa (i)lícita”, disse em seu despacho.
“Há causa provável para a quebra de sigilo fiscal e bancário requerida pela autoridade policial, uma vez que necessária para verificar se os investigados foram ou não beneficiários do esquema de distribuição de recursos desviados da Petrobras”, completou ela ao determinar o acesso aos dados fiscais e bancários da JD Consultoria um dia antes, em 8 de janeiro.

Petrolao petista: encostando no chefe da quadrilha - Veja

Quem mais poderia ser? Nunca imaginei que pudesse ser um outro alguém...
Parece até uma letra desses boleros bregas...
Enfim, compatível com os personagens.
Paulo Roberto de Almeida

Em VEJA desta semana

Amigo íntimo de Lula é peça-chave do Petrolão

Surgem indicios do envolvimento profundo do empresario José Carlos Bumlai com o escândalo que sangrou a Petrobras. Ele tinha acesso livre ao Palácio do Planalto na gestão de Lula e até hoje resolve problemas de sua família

Rodrigo Rangel e Adriano Ceolin
SUPERCREDENCIAL - José Carlos Bumlai, amigo íntimo do presidente Lula, estava autorizado a entrar quando quisesse, na hora em que bem entendesse
SUPERCREDENCIAL - José Carlos Bumlai, amigo íntimo do presidente Lula, estava autorizado a entrar quando quisesse, na hora em que bem entendesse      (Cristiano Mariz/VEJA)
Um dos grandes pecuaristas do país, José Carlos Bumlai conta que visualizou em sonho sua aproximação com Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele era apenas aspirante à Presidência. Com a ajuda de um amigo comum, Bumlai conheceu o petista e o sonho se realizou. O pecuarista tornou-se íntimo de Lula. O sonho embutia uma profecia que ele só confidenciou a poucos: a aproximação renderia excelentes resultados para ambos. Assim foi. Lula chegou ao Planalto, e Bumlai, bom de negócios, bem-sucedido e rico, tornou-se fiel seguidor do presidente, resolvedor de problemas de toda espécie e, claro, receptador de dividendos que uma ligação tão estreita com o poder sempre proporciona. No governo, só duas pessoas entravam no gabinete presidencial sem bater na porta. Bumlai era uma delas. A outra, Marisa Letícia, mulher de Lula.
Desde 2005, sabia-se em Brasília que Bumlai também tinha delegação para tratar de interesses que envolvessem a Petrobras. Foi ele, por exemplo, um dos responsáveis por chancelar o nome do hoje notório Nestor Cerveró, um desconhecido funcionário da estatal, para o posto de diretor internacional da empresa. Em sua missão de conjugar interesses públicos e privados, Bumlai tinha seus parceiros diletos, aos quais dedicava atenção especial. Não demorou para que começassem a chegar ao governo queixas de empresários descontentes com “privilégios incompreensíveis” concedidos aos amigos do amigo do presidente.
Uma das reclamações mais frequentes envolvia justamente a Petrobras e uma empreiteira pouco conhecida até então, a UTC, que de repente passou a assinar contratos milionários com a estatal, ao mesmo tempo em que surgia como uma grande doadora de campanhas, principalmente as do PT. Gigantes da construção civil apontavam Bumlai como responsável pelos “privilégios” que a UTC estava recebendo da Petrobras. Hoje, a escalada dos negócios da UTC é uma peça importante da Operação Lava-Jato, que está desvendando o ultrajante esquema de corrupção montado no coração da estatal para abastecer as contas bancárias de políticos e partidos. A cada depoimento, a cada busca, a cada prova que se encontra, aos poucos as peças vão se encaixando. A última revelação pode ser a chave do quebra-cabeça. Bumlai, o amigo íntimo do ex-presidente que tinha entrada livre ao Palácio do Planalto, está envolvido até o pescoço no escândalo de corrupção montado na Petrobras durante o governo petista.
Para ler a continuação dessa reportagem compre a edição desta semana de VEJA no tablet, no iPhone ou nas bancas. Tenha acesso a todas as edições de VEJA Digital por 1 mês grátis no iba clube.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Mais um pouco de desPikettyzacao - Juan Ramon Rallo (Mises)


Os três principais erros de Piketty
por , quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

 

56760fbe-d54b-11e3-_695776c.jpgSem dúvidas, o economista francês Thomas Piketty foi a revelação de 2014 no âmbito das ciências sociais.  Seu aclamado livro O Capital no Século XXIse converteu em uma obra de referência para a esquerda e para a direita, chegando ao ponto de se transformar em um livro que é comprado mas não é lido.  E, quando é lido, raramente é lido de maneira crítica.  

Isso explica por que os incondicionais seguidores de Piketty se limitam apenas a utilizar trechos de suas entrevistas e não de seu livro.  E explica também por que os entrevistadores de Piketty se rebaixam ao papel de apenas lhe estender um tapete vermelho para que ele lhes desfile suas platitudes em vez de fazerem qualquer pergunta desafiadora a respeito dos problemas básicos encontrados em seu livro.  

E tais problemas existem e deveriam ser evidentes para aqueles que se dispõem a analisar seu livro com um mínimo de cuidado.

Primeiro problema

O fundamento teórico do livro não é correto.  Segundo Piketty, os ricos se tornam cada vez mais ricos porque os capitalistas são capazes de obter, automaticamente, uma taxa de retorno sobre seu capital investido maior que a taxa de crescimento de todo o conjunto da economia.  Isso significa, portanto, que os ricos vão abocanhando uma fatia cada vez maior do bolo.

A realidade, no entanto, é que a minha riqueza atual não depende essencialmente do passado, mas sim do futuro: eu não sou rico porque meus pais fizeram bons investimentos; eu sou rico porque sou capaz de continuar investindo sabiamente as propriedades que meus pais me legaram.  Se meus pais me legarem uma fortuna, mas eu não souber administrá-la corretamente, poderei ficar pobre em pouco tempo.  Não há nada de automático ou de garantido na perpetuação de minha riqueza.

Ao contrário do que afirma Piketty, nenhum ativo — real ou financeiro — possui uma rentabilidade automática ou garantida (nem mesmo títulos da dívida do governo).  Ser rico hoje não é garantia de continuar sendo rico no futuro.  Mais ainda: ser rico hoje não é garantia nenhuma de que você será ainda mais rico no futuro.  Que o digam os ricaços da década de 1980: todos eles perderam mais de 50% do seu patrimônio desde então.

O fato é que, quanto mais capital você possui, menor é a sua capacidade de torná-lo rentável: a capacidade de investi-lo bem, de evitar erros e de encontrar oportunidades lucrativas de investimento que ninguém mais conseguiu encontrar é tanto menor quanto maior a quantidade de fundos que você tem de gerenciar.

Segundo problema

A análise histórica do livro é equivocada.  Segundo Piketty, deveríamos estar vivenciando no Ocidente um aumento extremo da desigualdade provocado pela crescente concentração de capital.  No entanto, a evidência empírica que Piketty utiliza em seu livro é exatamente oposta — e não irei aqui abordar as várias críticas feitas a Piketty pelo fato de ele haver manipulado seus dados (ver aqui e aqui) com o claro objetivo de fazer com que eles se encaixassem em sua teoria.

Em primeiro lugar, a maior parte da desigualdade observada no Ocidente durante as três últimas décadas não adveio da rentabilidade do capital, mas sim das rendas salariais.  Mais especificamente, a maior parte da desigualdade foi originada pelo surgimento dos super-salários pagos às pessoas mais altamente qualificadas de uma economia.  (Todos os dados e detalhes aqui).

Em segundo lugar, a desigualdade gerada pela propriedade do capital está hoje em mínimos históricos: segundo os dados do próprio Piketty, a desigualdade gerada pela propriedade do capital é hoje inferior a todas já registradas em qualquer outro período de nossa história anterior a 1970.  Essa redução histórica na desigualdade sobre o capital adveio, segundo o próprio Piketty, de uma das façanhas mais relevantes do século XXI: o surgimento de uma classe média que se tornou proprietária de suas próprias moradias, o que aumentou sobremaneira seu patrimônio.

Em terceiro lugar, Pikkety não inclui no seu cômputo aquele outro grande investimento feito pelas classes médias: o investimento em educação (capital humano).  Se ele houvesse feito isso, a desigualdade na propriedade do capital seria ainda menor.

Terceiro problema

As propostas políticas do livro são erradas.  Segundo Piketty, a desigualdade deve ser combatida punindo os ricos com impostos mais altos.  Especificamente, tributos com alíquotas de 80 a 90% sobre as rendas mais altas, e taxas de 10% sobre o patrimônio.

Ao sugerir isso, Piketty demonstra ignorar que a única forma de fazer com que cada vez mais pessoas vivam melhor não é punindo a geração de riqueza, mas sim permitindo que todos sejam livres para enriquecer.  Se os últimos 40 anos podem ser caracterizados como o período mais igualitário em termos de distribuição do capital em toda a história da humanidade não foi porque os ricos foram arruinados, mas sim porque as classes médias começaram a acumular algum patrimônio. 

O segredo para se ter uma sociedade com menos disparidades na propriedade do capital é justamente permitir que os cidadãos comuns tenham acesso ao capital: ao capital real, ao capital financeiro e ao capital humano.  Punir os ricos não fará com que os mais pobres tenham mais capital real, mais capital financeiro e mais capital humano.  

[Nota do IMB: estimular o empreendedorismo desregulamentado todos os setores da economia, desburocratizando, desestatizando, permitindo importações baratas e tendo uma moeda forte é a única maneira de permitir que os mais pobres possam empreender, possam adquirir produtos baratos até então acessível apenas os mais ricos, e com isso ter capital sobrando para formar algum patrimônio]

Até mesmo aqueles estados interventores tidos como bem-sucedidos na redução das desigualdades — os estados nórdicos — não se caracterizam por uma agressiva e progressiva tributação sobre os ricos, mas sim por uma economia razoavelmente desregulamentada e desburocratizada e pelo acesso universal a um capital humano de qualidade. 

[Nota do IMB: acesso "gratuito" à educação é algo que o Brasil tem desde há muito, do ensino básico à universidade.  Portanto, assim como os nórdicos, temos "educação gratuita"; mas ao contrário dos nórdicos, não temos uma economia livre e desburocratizada.  

Segundo o site Doing Business, nas economias escandinavas,você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130 no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média (7,9% no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem fazendas e a justiça os convida para um cafezinho); e o mercado de trabalho é extremamente desregulamentado.  Não apenas pode-se contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer justificativa e sem qualquer custo.  E tudo com o apoio dos sindicatos, pois eles sabem que tal política reduz o desemprego.  Não há uma CLT (inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio Vargas) nos países nórdicos.]

Consequentemente, nem mesmo dentro de uma retórica estatizante as políticas propostas por Piketty parecer ter alguma justificativa — como, aliás, acabam de nos recordar seus próprios conterrâneos franceses.

Conclusão

Em suma, Piketty erra em seu modelo teórico, em sua análise histórica e em suas propostas políticas.  Mas nada disso fará com que ele deixe de ser venerado como uma invencível referência intelectual em cada um desses três campos, especialmente por aqueles que nem sequer se dignaram a ao menos lê-lo.

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Leia também:

Algumas frases aterradoras contidas no livro de Thomas Piketty

Thomas Piketty e seus dados improváveis

O que houve com os ricaços da década de 1980?

As "descobertas" de Piketty estão invertidas

A moral de Piketty - por alguém que realmente leu todo o livro 


Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Liberalismo, breve sintese - Carlos Alberto Montaner

Lib

Autor Carlos Alberto Montaner

Carlos Alberto Montaner nasceu em Havana, Cuba. É professor universitário, jornalista e autor de vários ensaios e obras.
Montaner


O liberalismo é um modo de entender a natureza humana e uma proposta destinada a possibilitar que todos alcancem o mais alto nível de prosperidade de acordo com seu potencial (em razão de seus valores, atividades e conhecimentos), com o maior grau de liberdade possível, em uma sociedade que reduza ao mínimo os inevitáveis conflitos sociais. Ao mesmo tempo, o liberalismo se apóia em dois aspectos vitais que dão forma a seu perfil: a tolerância e a confiança na força da razão.
Em quais ideias se baseia o liberalismo?
O liberalismo se baseia em quatro simples premissas básicas:
– Os liberais acreditam que o Estado foi criado para servir ao indivíduo, e não o contrário. Os liberais consideram o exercício da liberdade individual como algo intrinsecamente bom, como uma condição insubstituível para alcançar níveis ótimos de progresso. Dentre outras, a liberdade de possuir bens (o direito à propriedade privada) parece-lhes fundamental, já que sem ela o indivíduo se encontra permanentemente à mercê do Estado.
– Portanto, os liberais também acreditam na responsabilidade individual. Não pode haver liberdade sem responsabilidade. Os indivíduos são (ou deveriam ser) responsáveis por seus atos, tendo o dever deconsiderar as conseqüências de suas decisões e os direitos dos demais indivíduos.
– Justamente para regular os direitos e deveres do indivíduo em relação a terceiros, os liberais acreditam no Estado de direito. Isto é, crêem em uma sociedade governada por leis neutras, que não favoreçam pessoas, partido ou grupo algum, e que evitem de modo enérgico os privilégios.
– Os liberais também acreditam que a sociedade deve controlar rigorosamente as atividades dos governos e o funcionamento das instituições do Estado.
O liberalismo é uma ideologia?
Não. Os liberais têm certas idéias – ratificadas pela experiência – sobre como e por que alguns povos alcançam maior grau de eficiência e desenvolvimento, ou a melhor harmonia social, mas a essência desse modo de encarar a política e a economia repousa no fato de não planejar de antemão a trajetória da sociedade, mas em liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam espontaneamente o curso da história. Os liberais não têm um plano que determine o destino da sociedade, e até lhes parece perigoso que outros tenham tais planos e se arroguem o direito de decidir o caminho que todos devemos seguir.
Quais são as idéias econômicas em que se baseiam os liberais?
A idéia mais marcante é a que defende o livre mercado, em lugar da planificação estatal. Já na década de 20 o filósofo liberal austríaco Ludwig von Mises demonstrou que, nas sociedades complexas, não seria possível planejar de modo centralizado o desenvolvimento, já que o cálculo econômico seria impossível. Mises afirmou com muita precisão (contrariando as correntes socialistas e populistas da época) que qualquer tentativa de fixar artificialmente a quantidade de bens e serviços a serem produzidos, assim como os preços correspondentes, conduziria ao desabastecimento e à pobreza.
Von Mises demonstrou que o mercado (a livre concorrência nas atividades econômicas por parte de milhões de pessoas que tomam constantemente milhões de decisões voltadas à satisfação de suas necessidades da melhor maneira possível) gerava uma ordem natural espontânea infinitamente mais harmoniosa e criadora de riquezas que a ordem artificial daqueles que pretendiam planificar e dirigir a atividades econômica. Obviamente, daí se depreende que os liberais, em linhas gerais, não acreditam em controle de preços e salários, nem em subsídios que privilegiam uma atividade em detrimento das demais.
O mercado, em sua livre concorrência, não conduziria à pobreza de uns em benefício de outros?
Absolutamente não. Quando as pessoas, atuando dentro das regras do jogo, buscam seu próprio bem-estar costumam beneficiar a coletividade. Outro grande filósofo liberal, Joseph Schumpeter, também austríaco, estabeleceu que não há estímulo mais positivo para a economia do que a atividade incessante dos empresários e industriais que seguem o impulso de suas próprias urgência psicológicas e emocionais. Os benefícios coletivos que derivam da ambição pessoal superam em muito o fato, também indubitável, de que surgem diferenças no grau de acúmulo de riquezas entre os diferentes membros de uma comunidade. Porém, quem melhor resumiu tal situação foi um dos líderes chineses da era pós-maoísta ao reconhecer, melancolicamente, que “ao impedir que uns poucos chineses andassem de Rolls Royce, condenamos centenas de milhões de pessoas a utilizar bicicletas para sempre”.
Se o papel do Estado não é planejar a economia nem construir uma sociedade igualitária, qual seria sua principal função de acordo com os liberais?
Essencialmente, a principal função do Estado deve ser a de manter a ordem e garantir que as leis sejam cumpridas. A igualdade que os liberais almejam não é a utopia de que todos obtenham os mesmos resultados, e sim a de que todos tenham as mesmas possibilidades de lutar para conseguir os melhores resultados. Nesse sentido, uma boa educação e uma boa saúde devem ser os pontos de partida para uma vida melhor.
Como deve ser o Estado idealizado pelos liberais?
Assim como os liberais têm suas próprias idéias sobre a economia, também possuem sua visão particular do Estado: os liberais são inequivocamente democratas, acreditando no governo eleito pela maioria dentro de parâmetros jurídicos que respeitem os direitos inalienáveis das minorias. Tal democracia, para que faça jus ao nome, deve ser multipartidária e organizar-se de acordo com o princípio da divisão de poderes.
Embora esta não seja uma condição indispensável, os liberais preferem o sistema parlamentar de governo porque este reflete melhor a diversidade da sociedade e é mais flexível no que se refere à possibilidade de mudanças de governo quando a opinião publica assim o exigir.
Por outro lado, o liberalismo contemporâneo tem gerado fecundas reflexões sobre como devem ser as constituições. Friedrich von Hayek, Prêmio Nobel de economia, produziu obras muito esclarecedoras a esse respeito. Mais recentemente, Ronald Coase, também agraciado com o Prêmio Nobel (1991), tratou em seus trabalhos da relação entre a lei, a propriedade intelectual e o desenvolvimento econômico.
Essa é a idéia sucinta de Estado liberal; mas como os liberais vêem o governo, ou seja, aquele grupo de pessoas selecionadas para administrar o Estado?
Os liberais acreditam que o governo deve ser reduzido, porque a experiência lhes ensinou que as burocracias estatais tendem a crescer parasitariamente, ou passam a abusar dos poderes que lhes são conferidos e empregam mal os recursos da sociedade.
Porém, o fato de que o governo tenha tamanho reduzido não quer dizer que ele deva ser débil. Pelo contrário, deve ser forte para fazer cumprir a lei, manter a paz e a concórdia entre os cidadãos e proteger a nação de ameaças externas.
Um governo com essas características não estaria abdicando da função que lhe foi atribuída, de redistribuir as riquezas, eliminar as injustiças e de ser o motor da economia?
Os liberais consideram que, na prática, infelizmente os governos não costumam representar os interesses de toda a sociedade, e sim que se habituam a privilegiar seus eleitores ou determinados grupos de pressão. Os liberais, de certa forma, suspeitam das intenções da classe política e não têm muitas ilusões a respeito da eficiência dos governos. Por isso o liberalismo sempre se coloca na posição de crítico permanente das funções dos servidores públicos, razão pela qual vê com grande ceticismo essa função do governo de redistribuidor da renda, eliminador de injustiças ou “motor da economia”.
Outro grande pensador liberal, James Buchanan, Prêmio Nobel de economia e membro da escola da Public Choice (Escolha Pública), originária de sua cátedra na Universidade de Virgínia, EUA, desenvolveu esse tema mais profundamente. Resumindo suas idéias sobre o assunto, qualquer decisão do governo acarreta um custo perfeitamente quantificável, e os cidadãos têm o dever e o direito de exigir que os gastos públicos revertam em benefício da sociedade como um todo, e não dos interesses dos políticos.
Isso quer dizer que os liberais não atribuem ao governo a responsabilidade de lutar pela justiça social?
Os liberais preferem que essa responsabilidade repouse nos ombros da sociedade civil e se canalize por intermédio da iniciativa privada, e não por meio de governos perdulários e incompetentes, que não sofrem as conseqüências da freqüente irresponsabilidade dos burocratas ou de políticos eleitos menos cuidadosos.
Finalmente, não há nenhuma razão especial que justifique que os governos se dediquem obrigatoriamente a tarefas como transportar pessoas pelas estradas, limpar as ruas ou vacinar contra o tifo. Tais atividades devem ser bem executadas e ao menor custo possível, mas seguramente esse tipo de trabalho é feito com muito mais eficiência pelo setor privado. Quando os liberais defendem a primazia da propriedade não o fazem por ambição, mas pela convicção de que é infinitamente melhor para os indivíduos e para o conjunto da sociedade.
Em inglês a palavra liberal tem aparentemente um significado diverso do que aqui se descreve. Em que se diferencia o liberalismo norte-americano daquilo que na Europa ou na América Latina se chama de liberalismo?
O idioma inglês se apropriou da palavra liberal do espanhol e lhe deu um significado diferente. Em l inhas gerais, pode-se dizer que em matéria de economia o liberalismo europeu ou latino-americano é muito diferente do liberalismo norte-americano. Isto é, o liberal norte-americano costuma tirar a responsabilidade dos indivíduos e passá-la ao Estado. Daí o conceito de estado de bem-estar social ou “welfare state”, que redistribui por meio de pressões fiscais as riquezas geradas pela sociedade. Para os liberais latino-americanos e europeus, como se viu antes, esta não é uma função primordial do Estado, pois o que se consegue por essa via não é um maior grau de justiça social, mas apenas níveis geralmente insuportáveis de corrupção, ineficiência e mau uso de verbas públicas, o que acaba por empobrecer o conjunto da população.
De qualquer forma, o pensamento dos liberais europeus e latino-americanos coincide com o dos liberais norte-americanos em matéria jurídica e em certos temas sociais. Para os liberais norte-americanos, europeus e latino-americanos o respeito das garantias individuais e a defesa do constitucionalismo são conquistas irrenunciáveis da humanidade.
Qual a diferença entre o liberalismo e a social-democracia?
A social-democracia realça a busca de uma sociedade igualitária, e costuma identificar os interesses do Estado com os dos setores proletários ou assalariados. O liberalismo, por seu turno, não é classista e sobrepõe a seus objetivos e valores a busca da liberdade individual.
Em que se diferenciam os liberais dos conservadores?
Embora haja uma certa coincidência entre liberais e conservadores no que se refere à análise econômica, as duas correntes se separam no campo das liberdades individuais. Para os conservadores o mais importante é a ordem; já os liberais estão dispostos a conviver com aquilo de que não gostam e são sempre capazes de tolerar respeitosamente os comportamentos sociais que se afastam dos padrões das maiorias. Para os liberais, a tolerância é a chave da convivência, e a persuasão é o elemento básico para o estabelecimento das hierarquias. Essa visão nem sempre prevalece entre os conservadores.
Em que se diferenciam os liberais dos democrata-cristãos?
Mesmo quando a democracia cristã moderna não é confessional, uma certa concepção transcendental dos seres humanos aparece entre suas premissas básicas. Os liberais, por sua vez, são totalmente laicos e não julgam as crenças religiosas das pessoas. Pode-se perfeitamente ser liberal e crente, liberal e agnóstico ou liberal e ateu. A religião simplesmente não pertence ao mundo das preocupações liberais (ao menos em nossos dias), embora seja essencial para o liberal respeitar profundamente esse aspecto da natureza humana. Por outro lado, os liberais não compartilham com a democracia cristã (ou, pelo menos, com algumas das tendências que se abrigam sob esse nome) um certo dirigismo econômico que normalmente é chamado de social-cristianismo.
Este texto, publicado em português pelo ¿Que és el liberalismo?, originalmente publicado em Centro de Estudios Economicos-Sociales.
Matéria extraída do website Ordem Livre

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Venezuela: uma tragedia previsivel, mas nao menos tragica... - The Economist

The government offers no solutions to a mounting economic crisis
 The Economist, January 21, 2015

THE queue is perhaps a thousand people long. It snakes around the dusty, rubbish-strewn back lot of a giant supermarket in the heart of Caracas, Venezuela’s capital. The store is the flagship of the government-run Bicentenario chain, part of a project started by President Hugo Chávez, who died in 2013, and continued by his successor, Nicolás Maduro, to seize control of the production, import and distribution of food. Never again, they swore, would opponents of the government be able to limit access to food, as they did during a business-led strike in 2002-03. Instead, it is the regime’s hare-brained policies that are plucking food from citizens’ mouths.
“I came here for milk,” says a young mother from El Valle, a working-class district a few kilometres to the south-west. “In El Valle, there’s nothing.” She is carrying a tiny baby, while her four-year-old daughter helps with the modest purchases she has managed to make. Today the Bicentenario has sugar, maize flour, chicken and toilet paper at giveaway, government-controlled prices—but no milk. It is 9.30am and customers who began queuing at six o’clock are just emerging. Hundreds more wait outside a narrow gate in the 3-metre-high railings around the lot. Uniformed police keep order; most customers seem resigned rather than belligerent.
But the shortages are undermining support for the autocratic regime’s “21st-century socialist” experiment, especially among the poor, its intended beneficiaries. As queues lengthen across the country, there have been protests and some looting and violence. Fights break out, the strong snatch shopping from the weak and shots have reportedly been fired on occasion. Supermarkets have banned customers from photographing empty shelves, presumably under government pressure. Police have arrested journalists and charged them with disturbing the peace as they tried to report on food shortages. Several state governors have forbidden queuing overnight, perhaps sensing that it looks more shameful than when it happens during daylight. Government stores limit customers to shopping one day a week, assigning the day according to the last number of their identity cards.
The government insists it is the victim of “economic warfare” waged by the opposition. According to one official, the children of the rich are “infiltrating people into the queues” to cause trouble. The real source of trouble, private-sector economists agree, is price and exchange controls imposed by the government, along with nationalisations of food processing and farmland. The diving price of oil, virtually Venezuela’s only export, means that the government can no longer import its way out of trouble. Earnings of foreign exchange are expected to drop by $35 billion this year, from $65 billion in 2014.
With opinion polls indicating that more than 80% of Venezuelans blame the president for the situation, the opposition Democratic Unity (MUD) alliance senses an opportunity. Last year its former presidential candidate, Henrique Capriles, opposed street protests led by a rival MUD faction, which left 43 people dead. He argued for waiting until the full effects of the crisis were felt by the poorest communities, where support for the government has been strongest.
On January 14th Mr Capriles called a press conference to say that these differences had been overcome. On January 24th the MUD will stage a mass “empty pots” rally against the government. Divisions within the opposition are one reason why Venezuela’s “Bolivarian” regime has held on to power since 1999. The signs of greater unity suggest that the opposition may begin to pose a more serious challenge, starting with legislative elections this year.
After spending much of January on a trip to China, Russia and the Middle East, Mr Maduro has returned defiant. Despite having failed to persuade OPEC leaders to act in support of the oil price, and with little or no fresh money from China to pay the bills, the president insists that the solution is more revolution. He announced that food distributors would be given an ultimatum: fix the supply problem or face “the full weight of the law”. For the umpteenth time he promised to announce economic measures to alleviate the crisis. His annual speech before the National Assembly on January 21st (a day later than planned) was characteristically long on rhetoric and short on specifics.
The hardships of daily life are fraying Venezuelans’ patience. Catholic bishops, never friendly to the regime, published an unusually hard-hitting pastoral letter this month that laid the blame for the crisis squarely on the “totalitarian and centralist system”. Its architects may be powerless to prevent its collapse.

A grande fragmentacao da América Latina: globalizados, reticentes, bolivarianos - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente artigo publicado:

“A grande fragmentação na América Latina: globalizados, reticentes e bolivarianos”,  
Carta Internacional (Associação Brasileira de Relações Internacionais-ABRI, email: cartainternacional@abri.org.br; site: http://www.cartainternacional.abri.org.br/index.php/Carta
vol. 9, n. 1, 2014, p. 79-93; link  para o número completo da revista: http://www.cartainternacional.abri.org.br/index.php/Carta/issue/view/10; link para  o artigo em pdf: http://www.cartainternacional.abri.org.br/index.php/Carta/article/view/86/79).  
Relação de originais n. 2574; relação de publicados n. 1159.

A grande fragmentação na América Latina: globalizados, reticentes e bolivarianos

Paulo Roberto Almeida

Resumo


Vários países latino-americanos tiveram, em termos de crescimento econômico e de desenvolvimento social, um desempenho decepcionante ao longo das últimas décadas, comparativamente, por exemplo, aos emergentes asiáticos. O ensaio fornece explicações para o atraso relativo de alguns dos países da região nesses quesitos, apoiando-se em fatores macroestruturais, examinando as políticas econômicas seguidas no continente e os resultados de longo prazo. A inflação, as inconsistências fiscais e a introversão econômica são em grande medida responsáveis pelas desigualdades e pelo modesto crescimento da América Latina. Nem todos eles recuaram, todavia, podendo ser identificados três tipos de países: (a) os globalizados, que são os que empreenderam reformas estruturais; (b) reticentes, que ficaram na metade do caminho dos ajustes necessários à sua integração internacional; e (c) bolivarianos, termo genérico aplicado àqueles que pretendem operar um retorno aos tempos de intervenções estatais na economia e de redistribuição de renda por meio de mecanismos compulsórios. São finalmente apresentados os elementos de política econômica e social que poderiam sustentar um processo de crescimento durável com transformação produtiva e redistribuição da renda, cuja primeira condição é o aumento da produtividade, por sua vez fundamentado sobre a boa qualidade da educação e das instituições de governança.


Recebido em: 13 mar. 2014
Aprovado em: 27 out. 2014

Palavras-chave


América Latina; fragmentação; políticas macroeconômicas; divergência

Referências

BARRO, R.; SALA-I-MARTIN, X. 1995. Economic Growth. 2a.ed.; Cambridge, Mas.: The MIT Press.
BAUER, P. 1957. The Economics of Under-developed Countries. Cambridge: Cambridge University Press.
BEATTIE, A. 2010. False Economy: a surprising economic history of the world. New York: Riverhead.
EASTERLY, W. 2006. The White Man’s Burden: Why the West’s Efforts to Aid the Rest Have Done So Much Ill and So Little Good. Nova York: Penguin Books.
MADDISON, A: 2001. The World Economy: a millenial perspective. Paris: OECD.
MYRDAL, G. 1970. The Challenge of World Poverty: A World Anti-Poverty Program in Outline. New York: Pantheon Books.
MYRDAL, G. 1968. Asian Drama: An Inquiry into the Poverty of Nation. Londres: Allen Lane: The Penguin Press.
Texto completo: PDF

Itamaraty: fim de festa para a diplomacia ativa e universal? (de festa?) - FSP

Festa nunca foi, inclusive porque os novos postos criados impensadamente nos anos gloriosos do Nunca Antes não eram exatamente em lugares sedutores; ao contrário, estavam mais para Indiana Jones do que para antigo circuito Elizabeth Arden (embora hoje em dia eles estejam até no interior da China e em alguns cantos recuados da África).
Mas cabe insistir no refrão: Nunca Antes na história do serviço exterior brasileiro tantos passaram tantas necessidades em tantos (provavelmente excessivos) postos no exterior, com tão poucos recursos para a manutenção normal do serviço.
Seria o caso de mandar aquelas rações de combate, e kits sobrevivência na selva?
Paulo Roberto de Almeida

 Faltam luz e água em embaixadas brasileiras, dizem diplomatas
PATRÍCIA CAMPOS MELLO -  DE SÃO PAULO
 Folha Online - 21/01/2015 18h17

 Diplomatas brasileiros em Tóquio, Lisboa, na Guiana, Estados Unidos e no Benin, na África, enviaram telegramas ao Itamaraty nos últimos dias advertindo para o estado de penúria em que se encontram as representações do Brasil no exterior, que estão prestes a sofrer corte de energia por atrasos no pagamento, além de estarem sem dinheiro para comprar papel para impressora, pagar a conta do aquecimento, internet e outros.
 Sem receber nenhum recurso do governo brasileiro há 50 dias, a embaixada do Brasil no Benin (oeste da África) está com apenas US$ 83 (R$ 215) em caixa e chegou a ter o fornecimento de energia cortado e o gerador desligado.
 Na residência, o diplomata responsável está apelando para velas e lanternas, porque falta dinheiro para comprar combustível do gerador. Às vezes toma banho de caneca, pois a bomba de água quebrou e não há recursos no momento para o conserto. Ele teve de pagar a conta de telefone e de energia, que estavam atrasadas, do próprio bolso. 
Essas reclamações constam de um telegrama enviado na terça (20) pelo encarregado de negócios da embaixada em Cotonou (a maior cidade do Benin), João Carlos Falzeta Zanini, ao Itamaraty, que vazou na internet. Parte do teor foi divulgado pelo sindicato do servidores do Itamaraty.
 "Vivemos uma situação financeira muito difícil, é impossível para o Itamaraty manter os postos atuais com os cortes sucessivos que o governo vem fazendo no orçamento do ministério", disse à Folha.
 "Ficamos de mãos atadas, sem poder exercer a política externa e a assistência aos brasileiros como seria ideal." A participação do ministério no Orçamento da União foi reduzida à metade entre 2003 e 2013.
Zanini, que é o único diplomata da embaixada, tem capitaneado à distância a assistência aos 33 brasileiros que vivem no vizinho Níger e estão sob ameaça. Nos últimos dias, duas igrejas e uma escola de brasileiros foram destruídas por manifestantes muçulmanos, em reação à capa do jornal francês "Charlie Hebdo" que traz o profeta do islamismo, Maomé. Ele está em contato constante com os brasileiros e tem ajudado a desenhar os planos de contingência caso a situação piore.
"Após interrupção no fornecimento de energia da embaixada, paguei, com recursos pessoais, a fatura do mês de novembro; já tinha me valido dessa alternativa para pagar a fatura de telefone que também estava atrasada; ante a perspectiva de corte do serviço de internet no próximo dia 24 de janeiro, entendo que deverei também adiantar o pagamento", escreveu ele no telegrama enviado a Brasília.
No texto, ele informa que o gasto semanal para o abastecimento dos geradores da Chancelaria e da Residência está estimado em aproximadamente US$ 180. A conta do posto reúne, no momento, o equivalente a U$$ 83.
No telegrama, ele aponta também para o risco de malária. "Em cidade onde a malária é endêmica, o ar-condicionado serve de poderoso inibidor da proliferação do mosquito. Quando o fornecimento de energia é interrompido e os aparelhos de ar-condicionado desligados, utilizo inseticidas para amenizar o problema." Nos últimos anos, pelo menos dois diplomatas brasileiros morreram de malária na África.

OUTRAS EMBAIXADAS
A penúria no Itamaraty não se restringe à embaixada no Benin.

Nesta quarta (21), telegrama enviado por Marco Farani, cônsul-geral do Brasil em Tóquio, e obtido pela Folha informa: "Todas as contas de serviços e manutenção deste posto do mês de dezembro/2014 encontram-se pendentes de pagamento, o que tem gerado insistentes cobranças dos credores. Em casos mais extremos, há o risco de suspensão de serviços essenciais à Chancelaria, como internet, telefonia celular e fixa, eletricidade, serviço de franquia de correspondências e fotocópias, caso não seja possível quitar os débitos até o final de janeiro".
A embaixada em Tóquio informa que acaba de receber notificação para corte de energia, porque a conta, de US$ 3.924, não é paga desde dezembro, conforme diz o embaixador André Corrêa do Lago em telegrama de terça (20), obtido pela Folha.
Na residência do embaixador em Lisboa, Mario Vilalva, o fornecimento de energia só não foi suspenso "porque a embaixada entrou em contato direto com o gabinete do presidente da EDP [empresa de eletricidade local], conseguindo postergação do pagamento da fatura impreterivelmente até o dia 28 de janeiro", conforme informa telegrama de 14 de janeiro. A dívida é de € 1.734.
Na Guiana, o embaixador Lineu de Paula afirmava que a empresa de internet já havia prorrogado do valor devido até 18 de janeiro, mas que agora iria cortar o serviço por atraso. "Tendo em vista a possibilidade de que até o próximo fim de semana esta embaixada fique (...) eventualmente sem eletricidade e outros serviços básicos nas próximas duas semanas, muito agradeceria receber autorização para efetuar o pagamento das contas vencidas e a vencer com meus recursos para posterior reembolso."
No consulado brasileiro em Hartford, Connecticut, o cônsul-geral Cézar Amaral avisa em telegrama que "os serviços de internet, telefone, TV a cabo e alarme da residência já foram interrompidos há cerca de 40 dias, em sacrifício de minha família, que passou o Natal sem serviços e agora aguarda o fim do aquecimento".
No telegrama do dia 14 de janeiro, ele também reclamava que "o toner está no final e o papel para impressão está acabando. Por outro lado, os materiais de limpeza da copa da Chancelaria já se esgotaram."
A Folha entrou em contato com o Itamaraty, mas aguarda resposta.

Inflacao:: a grande mistificacao companheira - Alexande Schwartsman

Juras de amor e convergência
Parece incrível, mas houve quem tecesse loas ao legado de Guido Mantega no ministério da Fazenda, em especial à inflação de 6,4% no ano passado, muito embora esta tenha superado a meta em quase dois pontos percentuais, no limite máximo permitido, e mesmo assim à custa de controles de preços que desarrumaram ainda mais a economia. 

Se, porém, o elogio é pernicioso, pior é a tentativa fajuta de vender a ideia que a inflação elevada é um “problema estrutural”, sina da qual o país não pode escapar.

Segundo esta historinha, no governo Dilma a inflação ficou em 6,2% ao ano, apenas um pouco acima do observado no governo Lula, quando a média atingiu 5,8% ao ano. Assim, de alguma forma, a inflação brasileira “tenderia” a um patamar ao redor de 6% e o melhor seria se acostumar com esta ideia.

Não é preciso muito para localizar os furos do argumento. A começar pelo uso da média, conceito que, se mal utilizado, serve para revelar apenas o que se deseja, ocultando o fundamental. De fato, no governo Lula a inflação média ficou em 5,8% ao ano, mas isto esconde que no segundo mandato caiu para 5,1% ao ano, bem inferior aos 6,4% ao ano observados entre 2003 e 2006.

Aliás, mesmo este número é exagerado, pois reflete em grande medida os impactos da crise política de 2002, visíveis na elevada inflação do primeiro trimestre de 2003 (5,1%). Entre abril de 2003 e dezembro de 2006 a inflação registrou 5,4% ao ano. 

Fica claro, portanto, que a inflação veio em queda durante o governo Lula, ainda que com oscilações ao longo do processo. É no governo Dilma que a trajetória se inverte, apesar do uso generalizado do controle de preços.

Mais importante, porém, é o desvio da inflação com relação à meta, lembrando que a meta foi mais alta no período 2003-2006 do que nos anos subsequentes, quando estacionou em 4,5%. Durante os oito anos do governo Lula o desvio médio foi 0,7% por ano, praticamente igual nos dois mandatos. Já no período 2011-14 atingiu 1,7% por ano, um ponto percentual a mais do que o observado anteriormente.

Resumindo, o governo Dilma foi marcado por inflação mais alta e ainda mais distante da meta. Nenhum destes processos é consistente com a noção de uma “inflação estrutural”, contra a qual pouco se pode fazer. Pelo contrário, se a inflação subiu, isto significa necessariamente que ela já foi mais baixa e que, portanto, não há nenhum obstáculo intransponível para a obtenção de resultados melhores do que os registrados no período mais recente.

Faltou, é claro, uma atuação mais destemida do BC. Desde muito cedo o Copom deixou de perseguir a meta, fato revelado pela redução da taxa de juros mesmo em face de inflação corrente e esperada crescentes, na contramão do indicado por qualquer compêndio de política monetária.

Agora, mais uma vez, o BC promete trazer a inflação de volta à meta em 2016, devoto do “fiado só amanhã”. No entanto, ao explicar a alta inflacionária em 2014 seu presidente se apressa ao negar qualquer responsabilidade, atribuindo o problema ao encarecimento do dólar e ao aumento dos preços administrados

Deixa convenientemente de lado o represamento a que estes preços foram sujeitos em anos anteriores, assim como a pesada intervenção no mercado de câmbio. Satisfeito com isto, o BC não agiu para reduzir a inflação.

Tivesse o BC feito o que era necessário, os impactos do dólar e dos preços administrados (que devem se repetir este ano) implicariam riscos bem menores quanto ao possível “estouro” do limite superior da meta. 

O primeiro passo para recuperar a credibilidade do BC seria o reconhecimento da sua responsabilidade no processo, assim como o bom diagnóstico é base para a cura.


O histórico de inflação acima da meta já não ajuda, mas, sem o mea culpa, fica ainda mais difícil acreditar em nova jura de convergência, principalmente em face dos números que nos aguardam no começo de 2015.

Agora à vera


(Publicado 14/Jan/2015)