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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Manual de diplomacia, 1: clareza de intenções - Paulo Roberto de Almeida

Dou início aqui a uma série de onze postagens, a partir de um trabalho de natureza conceitual feito uma década atrás, mas que se mantem praticamente válido em função de sua natureza conceitual, justamente.
Não pretendo falar do Brasil, mas vários argumentos poderiam ser aplicados à diplomacia lulopetista, essa coisa bizarra que desabou sobre o Brasil entre 2003 e 2016.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de outubro de 2019

Manual de diplomacia, 1: clareza de intenções
Paulo Roberto de Almeida
Existem diversos elementos do “jogo diplomático” que devem ser considerados em qualquer política externa que se pretenda responsável. O primeiro deles é uma visão clara sobre os objetivos nacionais.  
Clareza de intenções
Representa dispor de objetivos expressamente definidos para a diplomacia nacional e, como tal, claramente descritos, não de modo vago e genérico, mas de maneira objetiva, tocando nos pontos relevantes do que se pretende fazer. Todo e qualquer governo precisa ter uma ideia clara de como o país se insere no chamado “cenário internacional”, quais são os limites impostos à ação internacional do país e quais são os seus objetivos de política externa. Conhecer os limites da ação diplomática permite quantificar os meios a serem mobilizados, o que, por sua vez, ajuda no processo de definição de um conjunto de objetivos nacionais estrategicamente viáveis.
A política externa costuma ser considerada como a expressão de sua política interna, continuada por outros meios, num sentido figurativamente “clausewitziano”; mas esse tipo de correlação “causal”, quase mecânico em sua formulação, não é necessariamente válido, pois a política externa pode estar claramente dissociada de seus fundamentos internos: um governo democrático pode perfeitamente projetar-se externamente de modo imperialista – como foi o caso, por exemplo, do sistema colonial britânico, o mais extenso territorialmente no decorrer da era moderna –, assim como uma autocracia pode conduzir uma política externa sensata, moderada e respeitadora do direito internacional – como pode ser, teoricamente, o caso da China.
Usualmente, em regimes democráticos, os objetivos diplomáticos de um determinado governo são expressos ao início de um mandato governamental e são, direta ou indiretamente, enunciados no discurso inaugural do mandatário ou em sua mensagem ao parlamento. Trata-se de um equivalente a um “manifesto ao mundo”, no qual os responsáveis pela política externa – o chefe do executivo ou o encarregado da diplomacia – expõem de modo claro o que o país (ou o seu governo) pretende fazer no plano internacional, quais são as suas prioridades no campo das relações exteriores e como eles pretendem alcançar tais objetivos (embora este aspecto, relativo a procedimentos, nem sempre é claramente expresso). 
Uma determinada política externa pode ser considerada “ativista” quando o país tenta coordenar esforços políticos, econômicos, sociais e culturais (eventualmente militares, também) para, em coordenação com outros países ou isoladamente, influenciar a composição da agenda internacional e tenta moldar, pelo menos em parte, a tomada de decisões no âmbito global. Uma política mais passiva seria refletida em esforços algo similares para apenas e tão somente preservar o status quo. Nos exemplos conhecidos de “mensagens sobre o estado da União” – como ocorre anualmente no caso dos EUA – figura sempre um capítulo importante tratando das relações exteriores do país em questão e suas prioridades diplomáticas correntes; esse capítulo pode, ou não, refletir uma atitude mais ativista ou relativamente conformista em relação aos problemas mundiais e aos desafios para o próprio pais.
Poucos governos não dispõem de um “manifesto” desse tipo, embora a clareza desses objetivos e sua adequação ao chamado interesse nacional possam variar em situações concretas, dependendo, basicamente, da qualidade cognitiva dos dirigentes, de sua percepção correta quanto ao interesse nacional percebido e, em última instância, da capacidade de fixar metas de política externa que correspondam, em grande medida, aos objetivos tidos como consensuais pela maioria dos cidadãos ou, pelo menos, por parte significativa dos tomadores de decisão. Determinados objetivos da agenda diplomática podem não ser exatamente consensuais, ou podem representar ruptura com tradições ou posições longamente mantidas pela diplomacia profissional, mas sua implementação pode ser alcançada se exposta claramente aos responsáveis pelo processo burocrático e por sua condução no plano externo, desde que guardando alguma correspondência com a capacidade real do país.
Em alguns casos, objetivos particularistas, definidos partidariamente – isto é, por uma parte, tão somente, da opinião pública nacional –, podem obscurecer a noção exata do que sejam os objetivos nacionais e, através deles, metas precisas para a política externa. Pode ocorrer também, embora seja mais raro, que os objetivos de política externa estejam em claro descompasso com as capacitações materiais e políticas do país em questão: alguns líderes de tendências caudilhistas, por exemplo, vivem de bravatas em política externa, sem condições de implementar o que prometem. Neste caso, pode ocorrer uma falta de sincronia entre o ambiente interno e o externo, o que invalida ou restringe a consecução dos objetivos nacionais no plano externo. O mais importante, porém, na construção de confiança, tanto no entorno regional como no plano do sistema internacional, é a transparência que o país consegue demonstrar por meio desses “manifestos” de intenção: ele ganha em credibilidade e reputação quando estabelece claramente objetivos e prioridades de política externa. Como parece óbvio, as ações subsequentes precisam guardar claramente relação com os objetivos declarados, sob risco de perda de credibilidade ou de prestígio no ambiente externo.
(continua...)

Brazil elections: back to populism? - Democracy Digest

Brazil: the next democracy to fall in populist wave?

Democracy Digest, October 1, 2018

Economist
This October, Brazilians will go to the polls to elect a new president, and the country could become the next democracy to fall in the populist wave that has been sweeping the globe. Jair Bolsonaro, a far-right nationalist member of Congress known for making racist and chauvinistic comments, is currently leading in many polls and may very well win a second-round runoff, according to Eduardo Mello, Assistant Professor of Politics and International Relations at Fundação Getulio Vargas, Brazil.
At first glance, it may seem strange that a country once hailed as one of the most inclusive democracies in the developing world could elect a president who has openly attacked the rights of gay people, women, and Afro-Brazilians and who has been an apologist for military dictatorship and torture. Yet Bolsonaro’s rise makes sense when one considers the backdrop of Brazil’s culture of political corruption, he writes for Foreign Affairs: 
For decades, the generation of leaders that oversaw the transition from military dictatorship dominated Brazilian politics. But the establishment of democracy was not about sweeping aside the corrupt institutional landscape that had been created by the dictatorship. Rather, it was an exercise in reconciling popular demand for political openness while upholding the benefits of vested interest groups that had flourished under military rule. Although the 1988 constitution provided for universal suffrage for the first time in Brazil’s history, it also gave politicians a way to game the system. Permissive regulations allowed incumbents to use the powers of office to raise money in corruption schemes and use the funds in lavish political campaigns and vote-buying. 
The massive corruption revealed by Brazil’s “Operation Car Wash” points to fundamental flaws in multiparty presidential systems, where presidents must find ways to build coalitions in fragmented legislatures, Mello and Matias Spektor observe in the NED’s Journal of Democracy.

But the crisis also represents an opportunity for reformers to promote a positive agenda, based on strengthening democratic institutions and promoting accountability, Mello suggests. RTWT

Walter Laqueur: um grande intelectual da Europa humanista: RIP (1921-2018)

Walter Laqueur, ‘ingenious autodidact’ who dissected 20th century, dies at 97

Walter Laqueur, a German Jew who fled Hitler and became one of the preeminent intellectuals of his generation with seminal books dissecting events that shaped the 20th century as well as his own life, died Sept. 30 at his home in Washington. He was 97, The Washington Post’s Emily Langer writes:
His wife, Susi Laqueur, confirmed the death and said she did not yet know the cause. Mr. Laqueur, who wrote about Nazi Europe, the Soviet Union, Israel and the history of terrorism, was a former professor at Georgetown University and chairman of the International Research Council of the Center for Strategic and International Studies in Washington. In prolific writings on Russia, Mr. Laqueur predicted the brand of authoritarianism that Vladi­mir Putin would bring to the country, where other Kremlin-watchers had harbored hopes for democracy after the collapse of the Soviet Union.
An “ingenious autodidact, journalist, historian, intellectual, liberal-conservative activist, sharp-tongued champion, and brilliant analyst, Laqueur heard the grass grow before it had been planted,” Malte Lehming writes for Tagesspiegel. “His antennae made him sensitive to developments that were distressing to lazy minds.”
Bruce Hoffman, a terrorism specialist and colleague of Mr. Laqueur’s at Georgetown, credited Mr. Laqueur with turning an “enormously inquiring and skeptical mind” to the watersheds of modern history, Langer adds:
As a Holocaust survivor, Hoffman said, Mr. Laqueur experienced the “worst and the best of mankind.” Although he nurtured an “abiding faith in the power of democracy,” Hoffman observed, he was primed to see “emerging threats to civil society and to the liberal democratic state,” particularly where Europe was concerned.

Laqueur could be described as a participant-observer of the Cold War, according to University of Maryland professor Jeffrey Herf. In his memoir Best of Times, Worst of Times, he offers a spirited defense of the Congress for Cultural Freedom, the association of intellectuals who waged a political battle against communism in Europe, he wrote for The New Republic.

He recalls the journals Encounter and Der Monat, and the efforts of Raymond Aron, Daniel Bell, Arthur Koestler, Melvin Lasky, Edward Shils and Ignazio Silone, among others, to offer a centrist and center-left ideological challenge to the communists. Laqueur celebrates the CCF for being right about the key issues regarding Soviet totalitarianism and aggression, and cites George Kennan’s comment about CIA funding for the Congress as a “flap” that was “quite unwarranted.” Instead, Laqueur looks back on the CCF as a superb example of what we now extol as “soft power.” 

Laqueur suggests in his book “Putinism” that the Russian leader can be understood by looking at the history of ideas, notably Alexander Dugin and Ivan Ilyin, wrote Daniel Treisman, a professor of political science at the University of California, Los Angeles, and director of the Russian Political Insight project.
In the afterglow of the seizure of Crimea and the intimidation of Ukraine, there was a significant change in the mood of the country, Laqueur observed. According to opinion polls, most Russians are in a triumphalist mood and think of their country as a superpower and the West as isolated and in retreat, he wrote for World Affairs.

O que teremos pela frente? Mais do mesmo... - Veja, Antagonista


Palocci: propina para campanha de Dilma foi acertada por Lula em reunião
Em trecho de delação que teve sigilo retirado por Sergio Moro nesta segunda-feira, ex-ministro volta a citar encontro no Palácio da Alvorada, em 2010
Veja, 1 out 2018, 17h45 - Publicado em 1 out 2018, 15h43



No trecho da delação premiada de Antonio Palocci que teve o sigilo retirado pelo juiz federal Sergio Moro nesta segunda-feira, 1º, o ex-ministro cita a suposta reunião no Palácio da Alvorada, em 2010, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria pedido ao então presidente da Petrobras que encomendasse a construção de 40 sondas de exploração de petróleo para arrecadar propina à campanha de Dilma Rousseff à Presidência naquele ano. Ele já havia relatado a reunião em depoimento a Moro na Operação Lava Jato.
“Que, inclusive, pode afirmar que participou de reunião, no início de 2010, na biblioteca do Palácio do Alvorada, com a presença também de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, e José Sérgio Gabrielli, na qual o então Presidente da República foi expresso ao solicitar do então presidente da Petrobras que encomendasse a construção de 40 sondas para garantir o futuro político do país e do Partido dos Trabalhadores com a eleição de Dilma Rousseff, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava”, contou o ex-ministro.
Ainda na reunião, conforme o relato de Antonio Palocci à Polícia Federal, Lula lhe pediu que gerenciasse o dinheiro ilícito arrecadado a partir da corrupção nos contratos das sondas “e o seu devido emprego na campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República”.
“Que isso se dava, segundo Lula relatou e conforme narra o colaborador, para garantir que o projeto seria efetivamente desenvolvido por Gabrielli; que esta foi a primeira reunião realizada por Luiz Inácio Lula da Silva em que explicitamente tratou da arrecadação de valores a partir de grandes contratos da Petrobras”, diz Antonio Palocci.
Embora Palocci diga que essa foi a primeira vez em que Lula tratou de propina abertamente, o ex-ministro afirma que o ex-presidente sabia da corrupção na estatal, na atuação de ex-diretores como Renato Duque, indicado pelo PT à Diretoria de Serviços, e Paulo Roberto Costa, indicado pelo PP à Diretoria de Abastecimento. Segundo Antonio Palocci, era comum, “em ambientes restritos”, Lula “reclamar e até esbravejar sobre assuntos ilícitos que chegavam a ele e que tinham ocorrido por sua decisão”.
Palocci já havia relatado a reunião no Alvorada em depoimento a Moro em setembro de 2017, no processo da Lava Jato que tem ele e Lula como réus e apura suposta propina de 12,9 milhões de reais ao ex-presidente por meio das compras de um terreno que abrigaria o Instituto Lula, em São Paulo, e de uma cobertura vizinha à do petista em São Bernardo do Campo.
Diante do magistrado, Antonio Palocci afirmou que “ele [Lula] falou: ‘olha eu chamei vocês aqui porque o pré-sal é o passaporte do Brasil para o futuro, é o que vai nos dar combustível para um projeto político de longo prazo no Brasil, ele vai pagar as contas nacionais, vai ser o grande financiador das contas nacionais, dos grandes projetos do Brasil, e eu quero que o Gabrielli faça as sondas pensando neste grande projeto para o Brasil. Mas o Palocci está aqui, Gabrielli, porque ele vai lhe acompanhar nesse projeto para que ele tenha total sucesso e para que ele garanta que uma parcela desses projetos financie a campanha dessa companheira aqui, Dilma Rousseff, que eu quero ver eleita presidente do Brasil'”.
Propina em medidas provisórias
No trecho da delação de Antonio Palocci divulgado hoje por Sergio Moro, o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil narra sete modalidades de cobrança de propina, enumeradas de A a G. Um dos tópicos trata de “venda de emendas legislativas”, no qual ele estima que “das mil medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT, em pelo menos novecentas houve tradução de emendas exóticas em propina”.
“A prática de venda de emendas se tornou corriqueira, particularmente na venda de emendas parlamentares para medidas provisórias vindas dos governos, casos em que algumas MPs já contam com algum tipo de vício destinado a atender financiadores específicos e saem do Congresso Nacional com a extensão do benefício ilícito a diversos outros grupos privados; Que em outras oportunidades a MP que não possui vício algum e ao tramitar pelo Congresso Nacional é acrescida de dispositivos que visam beneficiar financiadores”, afirmou Palocci.
Leia aqui o termo da delação premiada de Palocci divulgado por Sergio Moro.

Outro lado

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, afirma, por meio de nota, que a conduta de Moro “apenas reforça o caráter político dos processos e da condenação injusta imposta ao ex-presidente Lula”.
“Moro juntou ao processo, por iniciativa própria (“de ofício”), depoimento prestado pelo Sr. Antônio Palocci na condição de delator com o nítido objetivo de tentar causar efeitos políticos para Lula e seus aliados, até porque o próprio juiz reconhece que não poderá levar tal depoimento em consideração no julgamento da ação penal. Soma-se a isso o fato de que a delação foi recusada pelo Ministério Público. Além disso, a hipótese acusatória foi destruída pelas provas constituídas nos autos, inclusive por laudos periciais”.
Sobre os relatos de Palocci, o defensor diz que o ex-ministro “mentiu mais uma vez, sem apresentar nenhuma prova, sobre Lula para obter generosos benefícios que vão da redução substancial de sua pena – 2/3 com a possibilidade de ‘perdão judicial’ – e da manutenção de parte substancial dos valores encontrados em suas contas bancárias”.

Veja também
            
            

O quadro político no Brasil pós-eleições de 7 de outubro - previsões e artigo Paulo Roberto de Almeida

O quadro político-partidário apresenta-se algo confuso no Brasil pós eleições de 7 de outubro, prevendo-se uma redução da representação partidária, mas uma possível destruição do PSDB como opção credível de oposição, uma situação que eu já previa desde 2011, quando redigi um artigo a pedido do editor da revista Interesse Nacional, que transcrevo novamente abaixo. Nele eu já previa a predominância do PT no sistema político.
Antes as previsões da representação na Câmara, tal como anunciado agora pelo Antagonista: 

O tamanho de cada bancada na Câmara dos Deputados, a partir de 2019:
PT: 50
PP: 50
PSDB: 45
PSD: 45
PR: 45
MDB: 40
DEM: 36
PRB: 36
PDT: 29
PSB: 25
PSL: 18
PTB: 17
Solidariedade: 11
PROS: 10
Podemos: 10
PCdoB: 10
PSOL: 10
PPS: 8
PV: 6
Rede: 6
Novo: 6

Eis o meu artigo sobre a miséria da oposição representada pelo PSDB, tal como eu via em 2011.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de outubro de 2018

Miséria da “oposição” no Brasil 
Da falta de um projeto de poder à irrelevância política?

Paulo Roberto de Almeida *
revistaInteresse Nacional(n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; ISSN: 1982-8497).


O cenário político brasileiro: a deterioração democrática
Um observador medianamente informado sobre a cena política brasileira da última década seria capaz de reconhecer a conjuntura histórica de transformação que ocorre nas forças dominantes no sistema político. Trata-se de uma evolução gradual, que um analista trabalhando com as categorias gramscianas provavelmente consideraria tratar-se da emergência de um novo “bloco dominante”, tendente à hegemonia política e social. Essas novas forças estão identificadas com o PT e os partidos e movimentos a ele associados, que passaram de uma longa trajetória (1980-2002) de oposição ao sistema de poder anteriormente dominante, e que mantém, desde 2003, sua bem sucedida consolidação majoritária. Os recursos – políticos, financeiros, humanos – para essa ascensão vieram em primeiro lugar dos sindicatos e dos movimentos sociais vinculados ao partido hegemônico nesse bloco e, depois de 2003, do próprio Estado e de uma miríade de entidades dominadas ou influenciadas por ele (empresas estatais, fundos de pensão, empresários “amigos” e os próprios militantes encastelados numa infinidade de cargos públicos).
O mesmo observador tampouco deixaria de reconhecer a oposição atual como uma oposição “miserável”, ou seja, incapaz de assumir as responsabilidades de sua condição. Com efeito, ele não teria dificuldades em constatar a gradual diluição da “oposição”, das mesmas forças que ocuparam o poder entre meados dos anos 1990 e início da década seguinte, mas que foram batidas três vezes desde então (2002, 2006 e 2010) e que arriscam serem vencidas novamente em 2014. O que surpreende no processo político brasileiro não é tanto a capacidade do governo em alinhar em torno de suas posições as forças políticas dos mais variados horizontes, sobretudo no Congresso; a surpresa é constituída, antes, pela debilidade da “oposição”, derrotada, mas ainda não destruída, e sua incapacidade em reorganizar suas tropas, em redefinir suas bandeiras de luta e em exercer sua função institucional de oferecer uma alternativa às políticas do bloco no poder. 
O termo “oposição” figura, na maior parte deste ensaio, entre aspas, pois o que se apresenta hoje, fora do arco governamental, não merece, legitimamente, essa designação, seja por deficiências intrínsecas, seja por fatores objetivos vinculados ao quadro político-eleitoral do Brasil. As aspas, justamente, não se devem às derrotas, esperadas ou previsíveis, da “oposição”, mas à sua incapacidade em ser aquilo que o processo político a relegou temporariamente: uma oposição, na plena acepção da palavra. Se, e quando, ela assumir seu papel, será eximida da presença das aspas.
Se o mesmo observador, especulando por antecipação, fosse convidado a traçar um prognóstico sobre o futuro do sistema político brasileiro e se, no mesmo movimento, ele se dedicasse a divagar sobre a trajetória provável da “oposição” nos anos à frente, talvez ele não hesitasse muito em prever um destino melancólico, quando não trágico, para as forças que passam por oposição ao governo do PT. Estaria ela, de fato, condenada a desaparecer do cenário político, como força alternativa viável ao atual bloco hegemônico? Teriam os supremos estrategistas petistas – muitos mais por instinto do que por estratégias bem calculadas – conseguido realizar aquilo que Gramsci pregou no cárcere mussoliniano, sem que ele ou o partido que recuperou sua herança intelectual jamais tivessem conseguido materializar na prática? Estaríamos em face de um “bloco histórico” destinado a manter hegemonia sobre o sistema político pelo futuro previsível? Se isso ocorrer, seria o mais próximo que o Brasil já chegou daquilo que muitos representantes desse bloco chamam de “pensamento único”, embora eles mesmos apliquem o termo a uma inexistente ou rarefeita tribo de “neoliberais”.
Este texto não aspira responder a todas as questões relevantes para o futuro da democracia no Brasil. Não é nosso objetivo analisar todos os componentes de um sistema político relativamente complexo em suas diferentes vertentes organizacionais e forças atuantes, mas relativamente simples quanto às linhas principais de seu ordenamento. De um lado, temos o poder econômico incontrastável de quem detém o poder – e pode, assim, “comprar”, literalmente, os apoios de que necessita para se perpetuar no poder; de outro, forças dispersas e desorganizadas que sequer se entendem sobre um diagnóstico da situação, para planejar um contra-ataque que estaria na lógica de todos os sistemas políticos democráticos: a alternância no comando do Estado. Uma constatação de ordem geral não pode, contudo, deixar de ser feita inicialmente: o sistema democrático brasileiro, que já era de baixa qualidade antes de 2003, tornou-se ainda mais deplorável no plano de seu funcionamento e no de sua responsabilidade para com os eleitores, uma vez que o bloco petista se encarregou de deteriorar ainda mais a qualidade da democracia brasileira, realizando um amálgama de todas as forças políticas oportunistas, fisiológicas e rentistas que sempre se aproximaram do centro do poder, qualquer poder.
Mas o presente texto não pretende analisar o cenário político brasileiro como um todo; ele trata apenas da trajetória recente da atual “oposição” ao governo do PT, supostamente empenhada, desde 2003, em criar as condições para reconquistar seu eleitorado e se configurar como alternativa viável de governo, no seguimento de uma hipotética vitória eleitoral em 2014. Ele estabelece primeiro um diagnóstico da situação política na presente conjuntura, para examinar em seguida as tarefas da oposição num sistema político democrático. Ele passa, então, a analisar as principais deficiências da “oposição” brasileira, para depois formular uma série de considerações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder pela “oposição”, visando convertê-la em oposição, simplesmente, credível e com chances de chegar ao poder. O texto conclui afirmando que o eventual sucesso de qualquer estratégia de ação da atual “oposição” depende, em grande medida, de lideranças esclarecidas, o que não parece ser o caso, atualmente, com o simulacro de “oposição” existente. 
Outra constatação inicial, que o mesmo observador político referido ao início deste ensaio poderia fazer, é que essa “oposição” presumida deixou ao relento, de fato órfão, metade do eleitorado brasileiro, a julgar pelas evidências da mais recente campanha presidencial, ao faltar com suas responsabilidades de verdadeira oposição e ao não oferecer respostas compatíveis com as demandas desses eleitores. Mas essa constatação é um desdobramento lógico da análise que agora passa ser feita.

O diagnóstico da situação política na presente conjuntura
É evidente que o atual bloco no poder – dominado majoritariamente pelo PT – conquistou legitimamente sua hegemonia política ao longo dos três últimos embates eleitorais. Ele o fez com base em hábil propaganda política, com extenso recurso à manipulação das comunicações, mas também com o apoio de uma boa organização partidária (e corporativa), ainda que recorrendo diligentemente à propaganda enganosa, eventualmente a fraudes processuais (quando não a crimes eleitorais, apenas parcialmente sancionados pela justiça do mesmo nome). Essencialmente, porém, a razão maior do sucesso foi, de forma muito explícita, o carisma político-eleitoral de sua principal liderança e figura de grande relevo no cenário político. É também evidente que essa mesma personalidade e o seu partido domesticado – mesmo se fracionado internamente – pretendem preservar a atual hegemonia pelo futuro previsível, com base nos mesmos elementos políticos, aplicando de maneira diligente as mesmas receitas que os habilitaram a dirigir o país nos últimos oito anos.
Ainda mais evidente, e visível, nesse período, foi o desaparecimento gradual e a virtual inoperância daquilo que se poderia chamar, com extrema generosidade, de “oposição”; na verdade, um conglomerado de tênues lideranças políticas, fragmentado em projetos pessoais ou regionais, e totalmente incapaz de oferecer alternativas credíveis ao eleitorado que não comunga das mesmas concepções de política, de economia e de sociedade do bloco no poder. Nunca se percebeu, desde 2003, um discurso coerente da “oposição”, alternativo e em oposição ao do bloco no poder. Este tampouco tinha um discurso coerente, mas soube implementar medidas de clara receptividade popular, sobretudo nas áreas sociais, com um enorme reforço de propaganda nas supostas virtudes do governo e apoiado no evidente carisma do seu líder político. Com base em virtudes próprias e nesse grande empenho publicitário, o líder em questão praticamente deixou a condição de carisma para firmar-se como novo mito do cenário político brasileiro, provando, mais uma vez, que mentiras bem articuladas podem, sim, criar fatos políticos dotados de boa impregnação popular. 
Caso a evolução dos próximos anos confirme esse mesmo cenário, pode-se ter o afastamento da “oposição” – ou o que passa por ela – do governo durante mais de duas décadas, frustrando possivelmente metade do eleitorado brasileiro – das regiões mais desenvolvidas e majoritariamente de estratos mais esclarecidos – que não se reconhece no, e até recusa o, projeto de poder do bloco petista atualmente hegemônico. A percepção que emerge da atual situação brasileira é a de que a maior parte da população – embora não suas correntes mais esclarecidas – partilha das concepções econômicas, políticas e culturais do atual bloco no poder, que demonstrou ter praticado um “gramscismo” adaptado às condições de educação política do Brasil, configurando um cenário político que apresenta desafios para a consolidação de um sistema democrático no país, na medida em que as práticas políticas mobilizadas por esse bloco representam de fato um atraso relativo do ponto de vista da ética cidadã.
Não é surpreendente que o governo mantenha a capacidade de iniciativa e a ofensiva política – por todos os meios ao seu alcance – ou que até procure dominar – igualmente por todos os meios disponíveis, inclusive alguns pouco recomendáveis – o poder legislativo, colocado como nunca antes – salvo nos períodos ditatoriais – em situação de subordinação e de dependência em relação às verbas e diretivas do Executivo.  Não se pode tampouco esquecer os movimentos ditos “sociais” (a maioria na folha de pagamentos do executivo) e suas correias de transmissão nos mais diversos setores, com destaque para o sindical (não só de trabalhadores, mas igualmente patronais), que desempenham um papel importante na estratégia gramsciana de ocupação de espaços. A rigor, trata-se de uma “ditadura do Executivo”, no sentido em que este passa a determinar o voto dos parlamentares e as ações do que passa por uma “sociedade civil organizada” – manipulada, seria o termo mais exato – na direção que mais interessa ao primeiro, embora à custa de nacos do orçamento e de farta distribuição de cargos e comissões nas mais diversas prebendas estatais (na verdade, em todos os entes dominados ou influenciados pela vontade daquele poder). 
O que é surpreendente é a “oposição” colocar-se totalmente a reboque da agenda governamental, deixar-se pautar pela propaganda oficial e descurar completamente da construção de uma pauta própria de críticas e de reivindicações independentes, em nome da sociedade e dos eleitores de oposição que ela deveria supostamente representar. O que surpreende, de fato, é essa renúncia a ser oposição, ou a forma confusa, errática e até patética com que a “oposição” se desempenhou nesses anos de “travessia do deserto”. O parlamento é, evidentemente, o ponto fulcral das articulações políticas. Mas se a oposição revelou-se totalmente ineficiente, e até irrelevante, na suposta “casa das leis”, ela era inexistente, literalmente, na esfera da própria sociedade, cujos espaços de manifestações e de expressão de opiniões – inclusive nos meios acadêmicos e da imprensa – estavam totalmente ocupados por adesistas, por militantes da causa ou por serviçais do bloco no poder.

As tarefas da oposição num sistema político democrático
Em situações democráticas “normais” – isto é, com possibilidades reais de alternância no poder entre duas, ou mais, correntes majoritárias –, o grupo que perdeu as eleições em um dado país se recompõe politicamente – eventualmente mudando seus líderes – e se dedica a uma séria preparação para os novos embates eleitorais mais à frente. Nas democracias modernas, o poder costuma ser alternativamente investido por três grandes grupos políticos – geralmente um de tendência social-democrata, ou socialista, outro bloco centrista ou reformista moderado, e, não raro, também, um setor conservador – que vão sendo guindados ao comando do Estado ou dele afastados em função da conjuntura econômica e dos benefícios sociais que eles possam trazer à maioria da população: desemprego, inflação, segurança (imigração, por exemplo), ou até questões morais (corrupção, mentiras e fraudes políticas, etc.).
A primeira tarefa, quando um grupo ou partido é “empurrado” para a oposição, é a de elaborar um diagnóstico – se possível consensual – sobre as razões da derrota: os líderes se dedicam, então, a analisar os fatores principais do insucesso para daí retirar as lições que se impõem, no que pode ser um simples episódio eleitoral momentâneo. Se a derrota é, porém, recorrente, ao longo de dois ou mais embates eleitorais, ou mesmo “estrondosa”, o diagnóstico teria de ser amplo, alcançando inclusive as bases programáticas do partido (sua “carta” aos eleitores). Nos casos menos graves, se deveria atuar sobre os fatores de oportunidade, de mensagem política e de apresentação de propostas ao público eleitor. Feito o diagnóstico, retiradas as lições, deve-se preparar o terreno para as novas etapas que se apresentarão inevitavelmente à oposição. Nos regimes presidencialistas, as eleições sempre têm datas marcadas; nos parlamentaristas, elas podem se apresentar a intervalos variados.
Normalmente, uma oposição organizada tem, entre seus membros mais relevantes e também no staffpartidário, especialistas nas diversas políticas macroeconômicas e setoriais que devem compor a mensagem do partido para o seu eleitorado, tradicional e flutuante (pois a intenção é sempre a de conquistar maior apoio entre os eleitores). Esses especialistas devem fazer o seguimento das políticas correspondentes do bloco no poder, discutir suas implicações para o país e tentar oferecer suas propostas alternativas de políticas, que contemplem as expectativas de seu eleitorado e de franjas mais amplas da população. 
Normalmente esse trabalho é conduzido no parlamento, mas o partido também pode ter apoios extensivos na sociedade, como são aqueles vinculados a movimentos sindicais e de interesses setoriais. Na tradição inglesa, se tem a prática do “shadow cabinet”, ou seja, um “ministério” alternativo que faz o acompanhamento das políticas em curso, elabora a crítica das medidas implementadas e faz um oferecimento público de suas próprias alternativas de políticas. Não é preciso ser britânico, contudo, para exercer o saudável hábito do gabinete-espelho, ou melhor, de um governo paralelo: basta organizar seus especialistas e colaboradores voluntários para lançar o debate com a sociedade. Mais até do que oferecer soluções prontas e completas, a oposição tem de saber questionar os fundamentos de cada medida governamental, refazendo os cálculos de custo-benefício, alertando para os trade-offse os side-effects– eles sempre existem – e antecipando consequências indesejadas e o custo-oportunidade da “receita” oficial. Este é, aliás, o principal dever da oposição: ela deve estar sempre pronta a oferecer soluções alternativas, ainda que parciais, ao quinto ou mesmo ao terço da população eleitoral não suficientemente identificada a uma das forças políticas nacionais dominantes (eventualmente no poder). É essa fração do eleitorado inconstante em suas escolhas – e volúvel, portanto – que pode fazer pender a balança para um lado ou para o outro, em função de considerações de curto prazo ou ligadas à conjuntura econômica do momento.
Na prática, as coisas são mais complicadas, pois mesmo nos partidos mais modernos e institucionalizados, muito depende dos líderes do momento, do carisma e da atração que estes possam exercer sobre o eleitorado, e também das disputas entre as lideranças desse partido; estas últimas sempre podem eventualmente descambar para o regionalismo ou o caciquismo, em ambos os casos com consequências nefastas para a imagem da oposição. Mais grave ainda é quando essa oposição perde o contato com a realidade e com as expectativas de seu próprio eleitorado, para não dizer da maioria da nação. Surgem, nesse caso, dissidências que vão para outros partidos ou constituem os seus próprios. A experiência brasileira é extremamente pródiga nesses tipos de eventos, sendo conhecida pela anarquia partidária, pela dança de partidos por parte de políticos profissionais e pela criação de partidos de aluguel ou de fachada.
Em qualquer hipótese, qualquer governo – de esquerda, de direita ou de centro – suporta o inevitável desgaste da governança, já que políticas “antipopulares” sempre precisam ser implementadas em algum momento, seja para corrigir exageros de tipo social-democrático (distributivismo fiscalmente irresponsável, déficits orçamentários, desalinhamentos cambiais, etc.), seja na vertente oposta (percepções de que os centristas ou conservadores se ocupam mais dos ricos do que dos pobres), ou por razões diversas (problemas de segurança, desemprego, etc.). A própria dinâmica econômica e conjunturas adversas impõem limites a quem exerce o poder. 
Assim, quando o eleitorado decidir tentar outros caminhos, outras soluções, a oposição, qualquer que seja ela, precisa estar pronta para oferecer suas receitas e propor seus remédios. A oposição precisa ter um programa de governo. Para isso ela precisa ter um projeto de poder, ou seja, ter consciência do quê, exatamente, precisa ser feito, dizer como pretende fazer, e demonstrar credibilidade no empreendimento. O eleitorado brasileiro, pelo menos parte dele, tentou encontrar outra via, pelo menos em duas oportunidades: a “oposição” o abandonou miseravelmente. Ela não tinha soluções e sequer um discurso a apresentar. É o que discutiremos agora.

A “oposição” brasileira e suas principais deficiências
Não é preciso ser um analista político de qualquer envergadura para constatar que a “oposição” brasileira – que, apenas para relembrar, vinha de oito anos, ou mais, de exercício do poder – falhou miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta, ineficiente, incompetente, patética, seria até ser generoso com as principais forças que foram agrupadas nessa classificação de “oposição”. Basta dizer que, simplesmente, não existiu uma oposição de verdade durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam, ser oposição, simplesmente se auto-anularam para um exercício que é uma das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos. 
Em sua defesa, pode-se dizer que os petistas, seu líder em especial, foram extremamente competentes – descontando-se, claro, as mistificações criadas para tal efeito – na construção de uma versão peculiar do processo político, da própria história recente do Brasil, o que deixou as forças potencialmente oposicionistas num estado psicologicamente defensivo, até de “vergonha assumida”, por supostos erros e injustiças cometidas ao longo do chamado neoliberalismo do “tucanato”. As campanhas eleitorais de 2002, de 2006 e de 2010 foram construídas com base em deformações grosseiras das políticas conduzidas sob os governos anteriores, desde as simplificações enganosas sobre as privatizações, até as patriotadas sobre a soberania retórica e a submissão ao FMI, passando pelo monopólio da “bondade social”, como se tudo tivesse tido início em 2003. Poucas vezes, no cenário político brasileiro, a versão deformada da história, em vários aspectos até mentirosa, conseguiu tal impregnação no imaginário popular, a ponto de anular discursos e ações daquelas mesmas forças que deram início à estabilização econômica e criaram as condições para a fase de crescimento com distribuição e prosperidade.
Muito se deve, obviamente, às qualidades de “ilusionista” político do presidente popular, suas mistificações propagandistas, mas também às boas condições da economia internacional, durante a maior parte de seus dois mandatos, e a uma gestão razoavelmente responsável na frente econômica. Mas deve-se reconhecer, também, que a “oposição” se auto-anulou durante todo esse tempo, jamais tendo conseguido articular um discurso coerente, sequer esclarecedor, sobre o cenário de mentiras criado pelo bloco no poder. Quais as razões desse suicídio político?
Todo e qualquer ato político é encarnado por personagens políticos, príncipes e conselheiros do príncipe, que se conjugam na missão de conduzir homens e partidos ao pináculo do poder, ao comando do Estado. Devemos então concluir que à “oposição” brasileira faltaram as virtudes e as qualidades que, segundo Maquiavel, devem estar presentes nas pessoas que pretendem deter esse comando. Não que o presidente do bloco no poder fosse um estadista, mas certamente se tratava de um “animal político” extremamente competente. Pode-se dizer, nesse sentido, que à “oposição” – ou o que passa por ela – faltaram “animais políticos” de verdade, pessoas que tivessem as virtudes ou a fortuna – para permanecer nos termos do florentino – para representar uma pequena chance de alternância na disputa de poder. 
Por certo que se trata de uma incapacidade de se organizar, com bases reais na sociedade, para, a partir daí, conceber e exibir um discurso coerente, compatível com as aspirações de largos estratos sociais, sobretudo nas classes médias. Mais grave ainda: pode-se dizer que à “oposição” brasileira faltaram, sobretudo, ideias claras sobre como apresentar e “vender” seu programa, se é presumível que, de fato, ela pudesse ter algo assimilável a um programa para oferecer à metade da população – na verdade estratos cambiantes – que não aceita e nunca aceitou a propaganda política que lhe foi servida sob disfarce de “política nacional” pelo bloco no poder. Sem conseguir ver claro no cenário político, dividida pelo caciquismo de seus líderes regionais, a “oposição” não soube sequer explorar as inconsistências e mazelas do bloco no poder, tão evidentes aos olhos de estratos médios de eleitores basicamente comprometidos com a ética e a moralidade no trato da coisa pública. 
Pode-se aventar a hipótese de que a qualidade dos homens públicos que se colocam numa oposição de princípio ao bloco no poder – não por razões puramente instrumentais, de conquista do poder pelo poder, mas quer se acreditar que por razões de filosofia política – precisaria melhorar dramaticamente para que eles possam integrar algo suscetível de ser chamado de oposição. Talvez sejam necessárias, inclusive, novas lideranças políticas, que obviamente tenham “princípios” compatíveis com uma oposição digna desse nome.  Tal “reinvenção” depende de vários fatores dentro os quais podem ser citados: a reeducação dos próprios integrantes do que é hoje uma oposição de araque; a reorganização de suas bases partidárias; a revisão do seu modo de “funcionamento” no Congresso; mudanças nos parâmetros mentais que orientam o discurso político e que comandam suas ações no plano prático; transparência aos olhos dos eleitores e, sobretudo, distinção clara com “tudo isso que está aí”, atualmente, e que visivelmente não agrada ao eleitorado instruído. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir. Vejamos como.

Da travessia do deserto a... mais deserto?
A oposição a ser construída – a verdadeira, não o simulacro que hoje existe – já parte de uma formidável base real e potencial. Os dados eleitorais estão disponíveis no site do TSE, mas se podem extrair algumas conclusões adicionais a partir deles. A base total do eleitorado brasileiro situava-se, em 2010, em quase 136 milhões de pessoas, provavelmente atingindo 145 milhões em 2014. A abstenção em 2010 foi excepcional, alcançando quase 30 milhões de eleitores, aos quais se juntaram 4,6 milhões que anularam seus votos e 2,5 milhões que se abstiveram de qualquer escolha. Os “excluídos” representaram, portanto, um quarto do eleitorado; pode-se, em toda legitimidade, imaginar que eles possam ser reduzidos à metade, em condições normais de disputa política, o que, infelizmente, não ocorreu em 2010. 
Imaginamos, também, que os votos dados à “oposição”, em torno de 43 milhões, sejam realmente de oposição ao presente estado de coisas, especificamente ao “Estado do PT”. Pode-se razoavelmente conceber que uma oposição – qualquer oposição – no Brasil, possa reunir metade do eleitorado, admitindo-se, inclusive, que a educação política, de um lado, e o desgaste do poder petista, de outro, contribuam para uma pequena maioria potencial, numa situação em que o mito carismático ainda estará ativo e trabalhando para consolidar o poder petista. 
Num regime parlamentarista, é possível compor um governo com apenas 40% de apoio popular. Regimes presidencialistas do tipo brasileiro, ou americano, contudo, convivem com maiorias diferenciadas para a representação parlamentar e para a chefia do executivo, cargo este que exige a maioria absoluta do eleitorado. Na prática, não existe, a rigor e numa abordagem prosaicamente matemática, nenhuma garantia antecipada de vitória, ou certeza de derrota, para qualquer um dos lados, na medida em que, à diferença dos sistemas parlamentaristas, contendas eleitorais em sistemas fortemente marcados por disputas pessoais apresentam-se quase como uma loteria. Um dos fatores é que os eleitores “flutuantes”, os “indiferentes” e os “desalentados” são em número suficiente para alterar a balança para qualquer um dos lados.
Porém, números são um componente talvez objetivo, mas insuficiente para determinar resultados eleitorais. Mais importante é a predisposição do eleitorado para “acolher” uma definição clara quanto aos problemas mais angustiantes da conjuntura. A situação econômica pode até ser decisiva numa escolha eleitoral; mas as percepções sobre quem conduz a política econômica e sobre como ela é conduzida pelos responsáveis também são relevantes. Questões como emprego, segurança pessoal, disponibilidade de serviços públicos – saneamento, saúde e educação, etc. – e temas pontuais, de interesse setorial ou regional podem fazer pender a balança eleitoral. Em outros termos, não existe uma determinação prévia quanto aos embates eleitorais no modelo brasileiro – como em qualquer outro, aliás – e isso significa que as chances estão abertas às forças políticas que pretendam se apresentar como oposição.
Não importam quais sejam as alternativas de políticas oferecidas ao público eleitor por uma oposição efetiva e confiável. É preciso que esta seja precisamente isso: confiável. Ora, não é surpresa para nenhum eleitor medianamente bem informado que a classe política, de maneira geral, fez tudo o que era possível para se desqualificar moralmente, para se rebaixar no plano da ética, para deteriorar completamente a instituição parlamentar e outro tanto no plano dos executivos locais, estaduais e até o federal. Qualquer que seja a qualidade da nova mensagem política de oposição, se ela um dia existir, sua credibilidade, intrínseca e extrínseca, depende essencialmente da regeneração moral de suas lideranças, que deveriam operar aquilo que os italianos – escaldados por anos e anos de corrupção política – chamam de rientro morale, ou seja, uma profunda recomposição da ética na vida política do país. 
A julgar por exemplos recentes – os aumentos para os próprios parlamentares e a questão das aposentadorias escandalosas de ex-governadores são dois casos eloquentes do completo descompasso entre as expectativas da população e a atitude das “oposições” – o Brasil não está sequer próximo de uma recomposição da classe política para fora da atual degradação das instituições de representação; nisso, a suposta “oposição” não se diferencia em nada das perversões morais alimentadas pelo próprio bloco no poder. Aparentemente, a “oposição” atual ainda não está pronta a empreender essa passagem; ela não quer enfrentar sua própria regeneração moral (talvez não possa, ou não tem coragem, provavelmente não quer). 
Uma vez aceita e internalizada essa decisão pela “moralização” da oposição – que se situa no centro de toda e qualquer regeneração oposicionista, cabe lembrar – começa, então, a tarefa de organizá-la em função do objetivo da reconquista do poder. Tal tarefa implica, em primeiro lugar, uma definição clara de um programa político de escopo nacional e setorial, ou seja, uma plataforma explícita tocando em todos e cada um dos principais problemas nacionais, sobretudo na esfera institucional, no terreno econômico e nas diversas áreas de maior impacto no plano das políticas públicas (social, cultural, regional, etc.). 
Não é simples montar um programa e uma plataforma de ação com tal amplitude, o que certamente exigirá seminários e grupos de trabalho em cada uma dessas vertentes abertas à ação partidária. Mas um partido, ou uma oposição, que pretenda aspirar a ser uma real alternativa de poder não pode ser econômico nem em definições programáticas, nem em propostas político-econômicas relativamente detalhadas. Basta arregaçar as mangas e colocar o cérebro para pensar.

O que fazer? Tudo depende de lideranças esclarecidas
Vendo o panorama da planície, isto é, do ponto de vista dos cidadãos eleitores, não parece haver dúvidas de que o Brasil não conta com uma classe política à altura de suas novas responsabilidades enquanto potência emergente, desejosa de assumir um papel relevante na cena internacional. O parlamento, em especial, mas também os partidos políticos e as forças que gravitam em torno deles parecem viver num mundo à parte, feito de partilha de despojos estatais, conquista de pedaços do orçamento e disputa por pequenas prebendas em todos os poros do imenso ogro estatal.
A discussão sobre temas internacionais no parlamento, e dentro dos partidos, é rara, superficial e geralmente equivocada. Quando ela ocorre, tende a focar falsos problemas que estariam, supostamente, na origem das dificuldades enfrentadas pelo Brasil: guerra cambial de alguns, concorrência desleal de outros, capitais especulativos de um lado, arrogância imperial de outro, ameaças imaginárias sobre a soberania brasileira, em alguma parte de seu imenso território, e sobre seus fabulosos recursos naturais. Poucos desses representantes políticos, contudo, comparam o Brasil a seus equivalentes em outras partes do mundo; poucos deles se dão conta de como o Brasil avança devagar, de como ele está de fato atrasado em relação às mudanças mais dinâmicas que estão ocorrendo um pouco em todas as partes. 
 De fato, nenhum dos problemas atuais enfrentados pelo Brasil tem a ver com impactos negativos do ambiente externo: o mundo tem sido muito “generoso” com o Brasil, oferecendo mercados e provendo investimentos de todos os tipos para sustentar seu crescimento do período recente. Todos os problemas brasileiros, sem exceção, são “made in Brazil”, têm raízes puramente internas e devem receber aqui sua solução; seu equacionamento passa por um conjunto de reformas que deveria estar no centro de qualquer programa credível de proposta política geral de um movimento oposicionista aspirando legitimamente conquistar o poder para implementar, a partir daí, essas reformas. 
A oposição não conseguirá chegar a ocupar esse espaço alternativo de candidata ao poder se não trabalhar intensamente no diagnóstico dos problemas brasileiros, no oferecimento de respostas sólidas aos mesmos problemas, e na sua própria organização interna, colocando-se numa posição de governo “virtual”, ou potencial, com base em propostas aceitáveis para uma maioria de brasileiros, sem ceder a populismos ou à demagogia habitual nesses meios. Ou seja, a oposição precisa estar pronta para oferecer outro futuro a todos os brasileiros que não acham que a esperteza política aliada ao oportunismo propagandístico representa o horizonte real de possibilidades para o país. Existe um imenso contingente de brasileiros que não se reconhece no estado de coisas vendido atualmente como a condição normal e possível para o Brasil. Como diriam alguns sonhadores, “outro Brasil é possível”; mas para isso outra oposição é necessária, uma que se apresente como alternativa credível.
Uma das condições essenciais para que essa oposição seja construída parece ser a existência de lideranças dotadas de credibilidade intrínseca e de capacidade política para, em primeiro lugar, reformar profundamente a “oposição” atual; num segundo momento, presidir à elaboração temática e organizacional de um “governo” alternativo ao atual bloco no poder. Não existe nenhum obstáculo “técnico”, nenhuma força externa à própria “oposição”, nenhum impedimento estrutural, ou nacional, de caráter político, para que essas tarefas sejam empreendidas.
Tudo depende da disposição de figuras políticas que pretendam aspirar ao papel de alternativa ao poder atual: a “fortuna” do quadro político pode ser favorável a uma oposição renovada, como observado nas eleições de 2010. Mas o fator mais importante ainda é – ele sempre é – constituído pelas “virtudes” dos condutores de cidadãos. 

 [9 de março de 2011; revisto em 10/03/2001; revisão 2]

Resumo: Ensaio analítico-opinativo sobre a inexistência de uma oposição efetiva no cenário político brasileiro atual e sobre as tarefas da oposição num moderno sistema político democrático. Discussão em torno das condições pelas quais se poderá ter a eventual reconstrução de uma oposição digna desse nome no Brasil.
Palavras-chave: Brasil. Sistema político. Oposição. Manutenção do poder.

* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e professor universitário, com diversos livros sobre a política externa e as relações internacionais do Brasil (www.pralmeida.org); não pertence, nem pretende pertencer a qualquer organização política brasileira.

Agro Global 3: diferenciacao e imagem das exportacoes brasileiras do agronegócio - Marcos Sawaya Jank

Agro Global 3: diferenciação e imagem

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 29/09/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Dentre os grandes exportadores do agro mundial, o Brasil é o menos conhecido. Diferenciação e imagem precisam ser construídas em cada país-chave.

No terceiro artigo da série sobre a inserção global do agro brasileiro vamos tratar de um desafio ainda distante: diferenciação e imagem.

Dentre os grandes exportadores do agro mundial, o Brasil é o menos conhecido. Raras são as pessoas no exterior que já ouviram falar da revolução tropical brasileira que fez com que a produtividade total da agricultura crescesse o dobro das taxas observadas na Europa, América do Norte e Oceania.

No geral, o Brasil é associado com imagens de desmatamentos, uso excessivo de insumos e conflitos sociais. As conquistas brasileiras na área da sustentabilidade não são reconhecidas —o Código Florestal, a vasta cobertura vegetal mantida em propriedades privadas, os instrumentos da agricultura de baixo carbono, a baixa pegada hídrica e a matriz energética limpa e renovável.

Apesar da reorientação da Apex-Brasil para cobrir essa lacuna nos últimos anos e da bem-vinda estratégia de internacionalização, marca institucional e promoção anunciada pelo ministro Blairo Maggi e sua equipe, as características únicas do agro brasileiro ainda são apresentadas de forma esporádica e condensada no exterior. 

Fora de eventos setoriais e missões oficiais, raras são as ocasiões em que falamos com força e propriedade no exterior.

Se na Europa o debate sobre sustentabilidade é intenso e quase sempre crítico ao Brasil, em outras regiões do planeta pecamos pela ausência de mensagens fortes. Na Ásia, por exemplo, o tema da sustentabilidade é menos relevante do que preocupações ligadas a sanidade, rastreabilidade e qualidade dos alimentos, uma área que nossos concorrentes investiram pesadamente na sua imagem. São esses os temas que mais demandam a construção de reputação e imagem do Brasil, junto com sustentabilidade.

Nosso contato no exterior se dá basicamente com tradings e importadores, e não com os demais elos da cadeia de valor: canais de distribuição, serviços de alimentação, varejo e consumidores, que no geral não conhecem a origem brasileira dos produtos que consomem. No universo do agro brasileiro, raras são as empresas brasileiras que de fato exportam. Mais raras ainda são as que têm presença, estratégias de comunicação e marcas no exterior.

A primeira condição para diferenciar nossos produtos e marcas é ampliar a presença física do setor privado brasileiro no exterior. Não podemos (nem é bom) depender unicamente da ação do governo. Ações coordenadas do Itamaraty, Mapa, MDIC e Apex são fundamentais, mas as associações e as empresas precisam estar mais presentes, entendendo a cultura e a regulamentação local, o jogo político e as percepções e exigências dos mercados e consumidores, ponto de partida para qualquer esforço de imagem.

Se não conseguimos atingir os consumidores finais, precisamos ao menos nos relacionar de forma consistente e duradoura com aliados da cadeia de valor, formadores de opinião, autoridades e com a mídia especializada em cada mercado.

Algumas lições aprendidas observando a ação dos nossos concorrentes são:
- coleta de percepções sobre os produtos no mercado destino, e não na origem;
- participação ativa em debates locais com uso de dados sólidos, em vez de apresentações unilaterais e frases de efeito;
- reconhecimento das nossas imperfeições, em vez do autoelogio ufanista;
- construção de agendas bilaterais sólidas, substituindo conversas esporádicas;
- convites para conhecer a realidade brasileira in loco.

Diferenciação e imagem são elementos a serem construídos em cada país-chave, com consistência, regularidade e estratégia de longo prazo.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.