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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Carlos Nobre: Amazonia com fundamento científico - João Lara Mesquita (OESP)

Amazônia por Carlos Nobre, bom-senso afinal

 O Estado de S. Paulo,  
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Amazônia por Carlos Nobre, o bom-senso vence as bobagens

Recentemente o cientista Carlos Nobre foi entrevistado pela GloboNews. O programa, do qual fizeram parte Heraldo Pereira, André Trigueiro, Natuza Nery, Cris Lôbo, Merval Pereira, e Gerson Camarotti, a Amazônia por Carlos Nobre, foi uma aula de bom-senso como há muito não se via. Ficou patente que nunca houve políticas públicas para a maior floresta úmida do planeta. Nobre é climatologista, pesquisador, e um grande conhecedor dos problemas da Amazônia. Como climatologista, desenvolveu estudos sobre a região há muitos anos. Há três anos lançou o conceito da terceira via amazônica que ele mesmo explica:
O elemento inovador da terceira via é propor trazer para o seio da floresta e das comunidades as modernas tecnologias que lhes propiciarão enorme poder de gerar novos conhecimentos
imagem de carlos nobre em programa sobre a Amazônia
Amazônia por Carlos Nobre.

Depois das bobagens de Bolsonaro e do ministro neófito, finalmente o bom-senso veio à tona

Nobre confirmou os recentes dados do Inpe que custaram a cabeça de seu diretor Ricardo Galvão, ‘um nome consagrado da ciência brasileira’, como disse. Como se sabe, Bolsonaro e seu fiel escudeiro, aquele que jamais pôs os pés na Amazônia até ser escalado para o ministério do Meio Ambiente, contestaram os dados sem nenhuma base científica. Apenas ‘porque não gostaram’. Os dados apontavam aumento de 88% no desmatamento da floresta Amazônica em junho, em comparação ao mesmo mês do ano anterior. O presidente, em seu estilo tosco, disse que os números estavam errados. E sugeriu que o diretor poderia estar a “serviço de alguma ONG”. Em seguida demitiu-o. Foi um quiprocó dos diabos. E, mais uma vez, mostrou o lado autoritário de Bolsonaro. Houve barulho e protestos em todo o mundo. O programa da GloboNews foi longo. Destacamos os pontos que nos parecem mais importantes.

Amazônia por Carlos Nobre: ‘existem projetos no Congresso que são muito preocupantes’

Um deles, diz Nobre, é o projeto de Lei que está no senado e acaba com a Reserva Legal. Este é um projeto de Flávio Bolsonaro…Nobre diz o óbvio: que estas medidas “passam para os agentes interessados uma mensagem de que no futuro não haverá punição”. E explica como nasceu o contestado sistema Deter. “Ele foi criado depois que explodiram os dados de desmatamento entre 2003, 2004. Foram 27 mil km2, o maior nível de desmatamento já alcançado. Naquele tempo só havia o sistema Prodes, que uma vez por ano publica seus dados . Mas aí, é tarde demais. O Prodes é um sistema pós-desmatamento. Por isso, diz, “o ministério do Meio Ambiente solicitou ao Inpe para desenvolver o sistema Deter. Ele foi criado para dar ao Ibama informações diárias”. Com estes dados, “a partir de 2005,  houve uma enorme redução do desmatamento. O Brasil tornou-se protagonista mundial da questão ambiental.”

Sobre a agricultura brasileira, nem tão tech assim…

Instado a falar sobre políticas públicas, Carlos Nobre foi enfático: “é preciso intensificar a agricultura sustentável. A média de ocupação do gado aqui é de 1,35 cabeças por hectare, um campo e futebol, isso é muito baixo. Pode-se jogar isso para três cabeças por hectare. Mesmo a soja, que nos últimos anos aumentou muito a produtividade, ainda é baixa se comparada à dos Estados Unidos. A nossa é metade da que conseguem os americanos.” Nobre falou da área da agricultura e pecuária no Brasil, de 2,6 a 2,8 milhões de km2. Com a intensificação da sustentabilidade “teríamos como diminuir a área, aumentar a produtividade, e assim reduzir a pressão do desmatamento.”

Amazônia por Carlos Nobre: “Qual o potencial econômico da biodiversidade?”

Perguntado sobre ‘qual a estratégia do governo para a Amazônia? A aula que já era boa, ficou ainda melhor. “Falta, a este governo, e aos anteriores, nós, os brasileiros, nos enxergarmos como o País da maior biodiversidade do planeta. Qual o potencial econômico da biodiversidade? Este potencial é pouquíssimo explorado em todas as florestas tropicais. O potencial é muito superior a pecuária e aos grãos, mas muito mais superior. Pegue o exemplo do…

“O exemplo do açaí que gera um bilhão de dólares para a Amazônia”

“O açaí já gera mais de um bilhão de dólares para a Amazônia. Na economia mundial, muito mais. O açaí está sendo industrializado. Os produtos da fruta foram desenvolvidos no Vale do Silício, na Califórnia. Porque lá tem ciência, tem tecnologia que transforma em produtos que todos querem consumir. É um belíssimo exemplo do caminho futuro para a Amazônia. Nós nunca tivemos esta visão. A culpa não é só deste governo. Mas o grande potencial econômico que nós temos é a biodiversidade.”

“Primeira grande potência da biodiversidade”, ou a Amazônia por Carlos Nobre

Um parêntesis. Com o caso do açaí, fica claro que nenhum governo, recente ou não, criou o que se chama de políticas públicas para a Amazônia. O que fizeram os militares? ‘Integrar para não entregar’, era este o lema da época. E resultou em enormes estradas, muitas vezes sem sentido, que apenas contribuíram para o desmatamento que hoje se vê. Depois deles, os civis não foram além de tentar brecar o desmatamento com maior ou menor sucesso. Mas nenhum estudou e implementou políticas públicas que ajudem a desenvolver a região, tirando da pobreza os cerca de 20 milhões de brasileiros que vivem no que conhecemos como Amazônia Legal. E mantendo a floresta de pé. Carlos Nobre começa a sugerir o que falta: explorar o que temos de sobra, a biodiversidade.

“Qual o futuro do Brasil?”

Para Carlos Nobre,”falta industrializar a biodiversidade. E o que fizemos? Nós nos desindustrializamos nos últimos 30 anos Existem mais de 400 produtos da Amazônia com algum uso, mas em muito pequena escala. No entanto, o açaí atingiu escala mundial. Este é o grande futuro. Sistemas florestais com açaí rendem entre US$ 200,00 e US$ 1.500,00 dólares de lucro por ano por hectare. O gado na Amazônia mais lucrativo rende US$ 100,00 por hectare.” E conclui: “estamos indo para um caminho econômico que não faz sentido. Precisamos é de indústria, ciência e tecnologia que desenvolvam este potencial.” Ou seja, o cientista está falando de políticas públicas coerentes para a região. Hoje, tudo que se houve é sobre o avanço da agricultura e pecuária na Amazônia, com aval presidencial.

Aquecimento global

O professor foi provocado pelos entrevistadores sobre o ceticismo de nosso chanceler, Ernesto Araújo, que não acredita no aquecimento global. Ele é seguido pelo presidente, e pelo neófito ministro, na  tese. Nobre, com extrema elegância, e esbanjando conhecimento, demonstrou o contrário.”A ciência climática é muito bem estabelecida, a razão das mudanças climáticas são antropogênicas, ou seja, nós. “Milhares de artigos científicos sobre o clima dizem que a razão é antropogênica. Só 0,7% deles são de pesquisadores que negam a tese.” Em seguida comparou estes textos com outros, do final dos anos 60 quando médicos, a soldo dos fabricantes, negavam o perigo de câncer para fumantes.”O que a gente vê nestes céticos do clima, nos Estados Unidos é muito comum, é que estão a serviço da indústria petrolífera.”

Cumpriremos nossa parte no Acordo de Paris?

“Se o País quiser, sim.” Em seguida, Carlos Nobre falou da imensa possibilidade do Brasil voltar a ser a liderança nas questões do clima, até que Bolsonaro foi eleito. E voltou a ironizar os ‘negacionistas’. “Não ver o aquecimento é fazer como o avestruz. Enfiar  a cabeça no chão.” E lembrou o físico sueco, “Arrhenius, (Svante August Arrhenius, Nobel de Química de 1903) que mostrou o aquecimento global em razão do gás carbônico, em 1896. Isso é algo que a ciência domina há mais de um século.”

“Área agrícola está diminuindo no mundo. Só nos trópicos ela aumenta…”

Esta foi a grande revelação do programa. Mostrar que há enorme potencial na Amazônia, desde que se invista em ciência e pesquisa. Carlos Nobre voltou ao tema várias vezes durante a entrevista. E mostrou que a área agrícola está diminuindo nos Estados Unidos, Europa no Japão, e até na China. “Ela só está aumentando nos trópicos”. E por que? Porque nestes países há grande produtividade. No Brasil, menos. Para ele há dois caminhos: explorar o potencial da biodiversidade junto com a intensificação sustentável da agricultura. O aumento da produção nos trópicos acontece menos pela tecnologia, e mais pela expansão  da área, disse. E voltou a lembrar o caso do açaí,levado para os Estados Unidos nos anos 90 por dois surfistas que gostaram da fruta. Então, no Vale do Silício aconteceu a transformação.

Mineração em área indígena

Mais uma tese estapafúrdia de Bolsonaro. “O modelo de exploração de garimpo, não a mineração industrial, historicamente tem sido muito destrutiva na Amazônia. Quase tudo é ilegal, a atividade não gera riqueza, o fluxo de garimpeiros gera violência, e historicamente tem trazido uma série de doenças para a Amazônia que dizimam populações indígenas”. E foi além, “a gente vê alguma explorações de minérios na Amazônia, mas o índice de desenvolvimento destas regiões não aumenta, ou aumenta muito pouco.” E, mais uma vez, volta ao tema: “mineração associada com industrialização, intensificação sustentável da agricultura associado com industrialização dos produtos agrícolas, não só vender a maior parte dos grãos in natura. Esta industrialização, até de minérios, pode sim, ser positiva. Mas não tem sido a história. Precisamos de um novo modelo.”

Ligações durante o programa

Foi interessante perceber que o neófito ministro assistia ao programa. Às tantas Natuza Nery, em vez de pergunta, diz a Carlos Nobre que ‘acabara de receber mensagem de zap de Ricardo Salles’, que este percebera bom-senso em suas respostas e queria um encontro. Carlos Nobre acedeu.

O acaso terá salvado Ricardo Salles?

É incrível que um rapaz de 45 anos, colocado de repente como ministro, e ignorante na área, não tenha tomado a iniciativa de procurar aqueles que passaram suas vidas estudando a matéria que desconhece. Até agora o ministro só espezinhou a categoria. Faz questão de se indispor. Ataca e desqualifica qualquer um que não pense como ele. Não importa se são técnicos do Ibama e ICMBio, ou expoentes da academia como o recém demitido Ricardo Galvão. No tempo que sobra, ou agride parceiros que investem na Amazônia como Noruega e Alemanha, ou desmonta o sistema de conservação, com falhas sim, mas a duras penas construído. Será que finalmente a ficha caiu?

Assista a íntegra da entrevista

Instituto Oceanográfico da USP cria PreAMar, conheça

domingo, 11 de agosto de 2019

Uma visão acadêmica sobre a política externa brasileira - Carlos Milani

A política externa brasileira no divã

Governo Bolsonaro implementou políticas de conservadorismo moral para recuperar o senso de autoridade política

Na psicanálise, o divã serve para que o paciente pense sua identidade, trabalhe as imagens que deseja projetar, mude os papéis que quer desempenhar no mundo e amadureça como pessoa adulta. O sofá conecta o eu do paciente e, da psicanálise aos assuntos internacionais, serve para compreender a identidade e os papéis que a pessoa desempenha nas relações políticas, econômicas, socioculturais e geoestratégicas mundiais.
Este não é um artigo teórico, mas uma tentativa de me concentrar na conjuntura crítica que um paciente específico vive: o Brasil. Mesmo assim, devo declarar que me baseio principalmente na suposição de que as elites têm um papel essencial no pensar sobre esse paciente que é o Estado e sua política externa.
E essas elites como constituintes do sujeito podem orientar sua ação na direção de uma vida adulta de relativa autonomia, ou em lugar disso a uma relação infantilizada de dependência para com um tutor perene. Por isso, a construção de consensos entre os membros da elite é uma condição fundamental para a projeção de poder internacional.
Qual foi a imagem do Brasil nos últimos anos e como ela mudou desde o julgamento político de Dilma Rousseff? Sob os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), o Brasil liderou a criação de novas instituições de integração regional, defendeu as relações sul-sul, fomentou iniciativas multilaterais e coalizões internacionais como o Fórum IBSA e o grupo BRICS, assim como as conferências de cúpula entre a África e a América do Sul e entre os países árabes e a América do Sul.
A identidade que o Brasil projetava se baseava em três pilares: o foco na América do Sul, sem descuidar da solidariedade para com outros países em desenvolvimento; o bom desempenho econômico e uma ambição política de se adaptar à governança mundial; e a construção de uma democracia relacionada à inclusão social e reconhecimento dos direitos das minorias.
Uma social-democracia do sul, consagrada aos princípios da constituição de 1988. No que tange à política externa, o Brasil desempenhou papel chave na conexão da política interna com a ambição de se inserir no contexto mundial, no qual sua imagem se beneficiou graças a melhoras sociais, políticas, institucionais e econômicas.
Quando o vice-presidente Michel Temer assumiu, depois de um controvertido impeachment de Rousseff, a identidade do país começou a mudar. O novo ministério foi o primeiro totalmente branco, rico e masculino desde a redemocratização.
As prioridades da política externa se concentraram em novos acordos comerciais bilaterais, no realinhamento do Brasil com o Ocidente (Estados Unidos e Europa), na abertura do Mercosul e no isolamento da Venezuela. A oitava conferência de cúpula do grupo BRICS terminou sem resultados relevantes para o Brasil.
Na ONU, o país ratificou o Acordo de Paris em 2016 e o Pacto Mundial sobre Migração em 2018; ainda assim, ao solicitar admissão pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil se desviou da solidariedade sul-sul e do multilateralismo internacionalista que mantinha anteriormente.
Durante o governo Temer, muitas das decisões foram prejudicadas pela instabilidade política, escândalos de corrupção ininterruptos, baixos índices de crescimento, alta do desemprego, tensões interestatais, a prisão de Lula e o ressurgimento da violência no campo e nas cidades, que caracterizaram a crise institucional e política do país sob o governo dele.
Em outubro de 2018, o candidato de extrema direita venceu as eleições. Paradoxalmente, Jair Bolsonaro se apresentou como político antissistema na tentativa de se distanciar da política tradicional, apesar de sua longa carreira política. Sua campanha mobilizou as redes sociais de maneira inovadora e explorou o uso intenso de notícias falsas. 
Mas na porção já decorrida de seu mandato surgiram tensões dentro da coalizão formada por militares, segmentos do sistema judicial, igrejas neopentecostais e extremistas de direita. Estes defenderam prioridades estratégicas divergentes no desenvolvimento da infraestrutura, integração econômica, previdência social e reforma das aposentadorias, política externa, transparência e políticas de combate à corrupção.
Além disso, foram implementadas formalmente políticas de conservadorismo moral a fim de recuperar o senso de autoridade política, para limpar a esfera pública dentro de uma narrativa que tende a solapar os direitos das minorias e a visão pluralista da democracia. Os adversários políticos (especialmente os esquerdistas e intelectuais) são representados como o inimigo.
Como se pode interpretar uma transformação tão profunda da política externa? Hoje em dia, a identidade internacional do Brasil e os papéis projetados nos assuntos internacionais podem estar sofrendo uma mudança radical que os afasta do que foi uma democracia participativa.
Com base na ênfase em uma política externa que rompe com o conceito de inserção internacional autônoma, até agora o governo representou a continuidade do golpe institucional de 2016 e intensificou o retorno dos militares a posições chave na administração; o alinhamento com Washington e outros governos de direita na Colômbia, Hungria, Israel e Itália; o abandono de uma política externa autônoma na América do Sul; a opção por narrativas religiosas e mitológicas para interpretar os problemas internacionais contemporâneos como a mudança do clima, a migração, a intervenção militar e o papel da ONU; e a construção de um regime democrático somente nas telas dos televisores. 
Para compreender essa mudança, introduzi o conceito de "dilema de graduação". (Carlos R. S. Milani, Leticia Pinheiro e Maria Regina Soares de Lima, 2017). As potências de segundo nível e não nucleares (como o Brasil) enfrentam um dilema a cada vez que suas elites têm que escolher entre um desenvolvimento autônomo ou dependente; em termos de segurança, entre adesão automática e balanço; quando se cria uma política multilateral, entre alianças tradicionais e coalizões inovadoras e flexíveis (como o Fórum IBSA e o grupo BRICS); em termos geopolíticos e no campo da cooperação para o desenvolvimento, entre a ênfase em norte-sul ou as relações sul-sul. Para isso, é preciso assumir variáveis como as percepções, interpretações e enquadramentos do internacional por parte das elites, que não necessariamente convergem com os papéis nacionais e ambições internacionais.
A coesão entre governo e elites (grupos empresariais, sindicatos, meios de comunicação, a academia e os movimentos sociais) é condição sine qua non para um processo de graduação bem sucedido. Uma das grandes falhas dos governos do PT foi descuidar dessa dimensão.
Por exemplo, o Brasil deveria insistir no relacionamento sul-sul e em uma ordem mundial multipolar (anos PT), ou apostar em uma aproximação com o Ocidente sob a hegemonia dos Estados Unidos (política atual)? A opinião pública geral e a maioria das elites tendem a favorecer mais a segunda opção. Por que o Brasil deveria cooperar com o Haiti e a Guiné-Bissau quando ainda há tantas necessidades em nível nacional? Quais são os benefícios de uma política externa de solidariedade sul-sul?
Desde o surgimento da república, em 1889, os brasileiros estão expostos a uma tradição autoritária e a uma política externa centrada na cooperação com os países ocidentais. Depois do final da Segunda Guerra Mundial, a democracia prosperou até que, em 1964, foi interrompida por um golpe militar.
Tanto em 1964 quanto em 2016, as elites puseram em risco a democracia para evitar lidar com reformas estruturais, políticas sociais e os níveis dramáticos de desigualdade. Vincular as variáveis domésticas aos desafios regionais e mundiais é uma ferramenta analítica chave para abordar o "dilema da graduação" como uma contribuição conceitual para compreender o que o Brasil está passando.
Qual é a relação entre o dilema da graduação e o divã? O golpe vem sendo historicamente a alternativa escolhida pelas elites para evitar os dilemas que o sofá pode provocar na graduação do paciente. O dilema no caso do Brasil está vinculado a uma crise de identidade e parece que as elites temem os possíveis efeitos transformadores do sofá.
Quando os brasileiros brancos se veem no exterior e alguém lhes pergunta sobre sua origem, costumam responder "sou de origem alemã", ou italiana, japonesa, eslava, espanhola ou portuguesa. Essa é uma das marcas da identidade brasileira, ainda que geneticamente quase todos sejam africanos ou ameríndios.
Outra autoimagem reconstruída através do sofá implicaria aceitar o Brasil como nação "arco-íris", e assim renunciar ao poder que nega o pluralismo na sociedade. Ainda assim, o cenário atual mostra que a riqueza histórica, cultural e religiosa de séculos de formação nacional deve dar lugar a um projeto neoconservador cuja viabilidade dependerá tanto de apoio nacional quanto de apoio internacional.
Diante da rejeição a enfrentar os desafio do sofá, um cenário possível seria a necessidade de o Brasil redefinir sua participação no grupo BRICS. O Brasil vai se retirar do BRICS ao suspender sua participação na Unasur? Alguns ministros de Bolsonaro já declararam que o BRICS deve se distanciar da geopolítica e se concentrar no investimento e comércio, mas como isso afetará o grupo? Como China e Rússia avaliarão essa mudança? Outro cenário seria mudar o BRICS. Se o Brasil já não se encaixa, a Turquia poderia transformar o BRICS em TRICS? No futuro próximo, veremos se finalmente se confirmam essas transformações na geopolítica e na economia política do planeta.

Carlos R. S. Milani, professor associado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Especializado em cooperação internacional para o desenvolvimento como agenda de política externa; agentes e agendas da política externa brasileira; política externa em perspectiva comparada; etc. 

Latinoamerica21, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.
Tradução de Paulo Migliacci

O alinhamento voluntário com os EUA: Hussein Kalout (OESP)

'Relação com EUA Não requer alinhamento'

Paulo Beraldo
O Estado de São Paulo, 11/08/2019

As relações entre Brasil e Estados Unidos devem ser estratégicas e complementares, com benefícios para as áreas de comércio, tecnologia, segurança e defesa, sem alinhamentos ou subordinação, afirmou ao Estado o cientista político Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e ex-secretário de assuntos estratégicos da Presidência da República . "O Brasil não deve se permitir ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países", disse. 
Nesta entrevista, Kalout também fala sobre a possibilidade de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, assumir o posto de embaixador em Washington e da política externa do governo brasileiro. A seguir os principais trechos:
INDICAÇÃO DE EDUARDO COMO EMBAIXADOR
Os questionamentos postos à baila nos meios político e diplomático consistem em dois aspectos: dúvidas quanto à capacidade do indicado de exercer uma complexa função de Estado e o aspecto legal e moral da indicação. Não há decisão judicial que limite a prerrogativa do presidente nesse sentido. Portanto, é legal. Pode, talvez, ser vista como amoral. A diplomacia tem uma gramática própria e não se aprende o seu ofício de um dia para outro. Mas, se o futuro embaixador tiver disciplina para aprender, temperança para operar o complexo mundo de Washington e disposição para ouvir os seus auxiliares, acredito que os riscos se minimizam.
AS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE BRASIL E EUA
É fundamental alçar as relações bilaterais Brasil e Estados Unidos ao patamar de uma parceria estratégica e elevar a complementaridade entre os dois países em matéria comercial, tecnológica, securitária e de defesa. Uma relação produtiva com os Estados Unidos não requer alinhamentos de lado a lado e tampouco subordinação de interesses. O que um país da latitude do Brasil não deve se permitir é ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países. 
ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO COM OS EUA
Isso dependerá de algumas variáveis. Donald Trump precisa de um mandato negociador do Senado americano para iniciar quaisquer tratativas. Não sei se há tempo suficiente antes da eleição. Do lado do Brasil, não podemos negociar acordos comerciais à margem do Mercosul e de forma unilateral. Precisamos convencer os demais parceiros. Se um acordo impulsionar a nossa produtividade, competitividade e promover um salto tecnológico, então é importante. 
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NOS EUA EM NOVEMBRO
É importante não escolher lado na eleição dos Estados Unidos. Vai ser preciso dialogar com os dois espectros da política americana e construir pontes com os mais variados setores. No longo prazo, temos interesses a defender e eles são diversificados. 
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Sem o predomínio de um firme projeto nacional e de uma calibrada estratégia de Estado na modulação da política externa, o Brasil continuará sem avançar em variados tabuleiros e seguirá desperdiçando seu imenso potencial de se tornar mais próspero e desenvolvido.
PAPEL DO BRASIL NO MUNDO
Nossa estratégia precisa se organizar sobre o conjunto de elementos objetivos que delimitam a latitude e a influência de uma nação no mundo, como o seu poder econômico-comercial, político, militar, de inteligência e científico-tecnológico. Sem esses elementos bem alinhados entre si, será difícil elevar ao máximo os interesses do Estado brasileiro no mundo. No caso brasileiro, esses elementos de poder encontram-se assimétricos entre si. O nosso poder nas esferas militar, científico-tecnológico ou de inteligência não é correspondente ao de um país que está entre as dez maiores potências econômicas do mundo.
AMÉRICA DO SUL
Nossa política exterior deve se concentrar na consecução de um projeto estratégico para a América do Sul e focar na materialização dos interesses econômico-comerciais do País nos principais mercados e cadeias de valor. Além disso, deve desenvolver uma política específica para lidar com as grandes potências - nisso se incluem EUA e China - e impulsionar a capacidade de nosso desenvolvimento científico e tecnológico. É importante ter clareza que liderança tem custo e gera obrigações. Antes de se lançar em qualquer arena, se não projetarmos o nosso poder no nosso entorno regional, não iremos liderar nada em lugar algum. 
EQUILÍBRIO ENTRE MEIO AMBIENTE E AGRONEGÓCIO
O Brasil é uma potência ambiental e agrícola. Temos sido bem sucedidos em conjugar esses instrumentos, ganhando mercados e liderando discussões da agenda internacional sobre o desenvolvimento sustentável. O Brasil se tornou um ator incontornável em ambos os temas. A quebra desse equilíbrio só tende a prejudicar os nossos interesses. 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Política externa: "Falta de inteligência" - Merval Pereira (Globo)

Falta de inteligência é uma redundância em certas circunstâncias...
Merval Pereira já reflete alguns dos argumentos de meu mais recente livro...
Paulo Roberto de Almeida

Falta de inteligência

O alinhamento total de nossa política externa com os Estados Unidos do governo Trump já está rendendo consequências negativas para o Estado brasileiro. Depois de diversas polêmicas provocadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Alemanha começou a retirada de seu apoio a ações de proteção da região amazônica. 
Salles começou querendo assumir a gestão do Fundo Amazônia, mudando as diretrizes que os doadores consideravam ajustadas ao objetivo do projeto. Durante a renegociação, com a negativa dos dois países europeus de aceitarem os novos critérios do governo brasileiro, Salles chegou a acusar a exploração do petróleo na região ártica pela Noruega de provocar danos ambientais. 
A Noruega reagiu, afirmando que sua atividade petrolífera no Ártico é a mais limpa possível, obedecendo às normas de preservação da natureza. A irritação do governo brasileiro com o que considera “intromissão” de países europeus nos negócios internos foi revelada em diversas ocasiões, de maneira pouco diplomática. 
O próprio presidente Bolsonaro recentemente fez ironia com os encontros que já teve com o presidente da França Emanuel Mácron e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel: “Vocês imaginam como eu gostei de conversar com os dois”, disse a jornalistas. 
O vice-presidente Hamilton Mourão pegou carona na zombaria e comentou os acessos de calafrio que a chanceler alemã andou tendo em público. Para ele, Merkel tremeu depois de uma “encarada” de Trump, a quem chamou de “nosso presidente”.
O descontentamento do presidente Bolsonaro com as atitudes da França em relação à nossa política ambiental foi de demonstrado de maneira grosseira no cancelamento de uma audiência que teria com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean Yves Lê Drian.
Bolsonaro soube pela imprensa que ele se reunira um dia antes com representantes de ONGs e ambientalistas, e considerou uma desfeita. Em entrevista ao jornal Tagesspiegel, a ministra do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, informou neste fim de semana que o país vai suspender o financiamento de projetos para a proteção da Amazônia, financiados pelo fundo internacional que já existe há três anos e já investiu cerca de R$ 3 bilhões em diversos projetos de preservação. 
A decisão do governo, segundo a ministra, foi tomada porque “a política do governo brasileiro na região amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consequente das taxas de desmatamento”. Num primeiro momento serão suspensos projetos no valor de 35 milhões de euros. 
Também o governo francês tem dúvidas sobre o compromisso do novo governo brasileiro de manter uma política de preservação ambiental, por isso já declarou que só assinará o acordo da União Europeia com o Mercosul se o Brasil se comprometer com uma política ambiental sustentável. 
O fato é que, para o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, a Europa representa a decadência do Ocidente, enquanto os Estados Unidos e o deus de Trump são a salvação. Assim como nos governo petistas, a política Sul-Sul desvalorizava os postos nos Estados Unidos, e apontava os países da América Latina e África como o futuro da nossa diplomacia, agora vai-se para o extremo oposto. 
Os EUA constituem agora um departamento exclusivo, mas a Europa encontra-se relegada à vala comum da África e do Oriente Médio, já que ela seria um “vazio cultural”. É o que aponta o diplomata Paulo Roberto Almeida, exonerado, no início do ano do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty. Punido por ter publicado em seu blog pessoal textos críticos à nova política externa brasileira, seus e de outros, como o diplomata Rubens Ricupero e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 
No livro recém-lançado A destruição da inteligência no Itamaraty, Paulo Roberto Almeida pergunta: (...) onde está a política externa do Brasil? Nos ridículos destemperos olavistas contra o globalismo? Na luta contra o marxismo cultural? Numa aliança com todos os regimes direitistas e xenófobos da Europa e com Trump?
Na denúncia do Pacto Global das Migrações, quando o Brasil justamente possui dez ou vinte vezes mais emigrantes do que imigrantes e esse instrumento não afeta em nada nossa soberania?”

Governo Bolsonaro é um ''show de besteiras'', diz general Santos Cruz (via Ricardo Bergamini)

Não surpreende que o general Santos Cruz tenha sido ingloriosamente demitido pela tropa da Bolsofamiglia (pois se tratou de um assunto de família, como todos devem saber): ele contemplou não apenas besteiras, mas irregularidades graves, sobretudo no uso de verbas públicas para propaganda e ação "influenciadora", ao contrário do que havia anunciado o candidato durante a campanha eleitoral. 
Não apenas besteiras, que poderiam ser apenas o fruto de ingenuidade e de inconsciência. 
É muito pior do que isso: é uma mistura de ignorância quadrúpede com os piores instintos animais, pois a Bolsofamiglia tem um projeto de poder, atuando sem restrições por quaisquer meios à disposição.
Desde o início do governo, os melhores quadros do governo – ops, nem todos o eram – têm sido defenestrados pelo bando de aloprados que controla o governo...
Paulo Roberto de Almeida

Governo Bolsonaro é um ''show de besteiras'', diz general Santos Cruz

[Ricardo Bergamini escreve:] 
Prezados Senhores
Apesar do meu irrestrito apoio ao seu legítimo direito de pensar e falar o que desejar: o que tem haver essas opiniões pessoais de cosméticas e perfumarias com o cargo de  presidente da república , que tem um “pepino”, conforme o abaixo colocado para resolver ,e que não dependem das  reformas?
No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, registrou-se déficit fiscal primário de R$ 108,3 bilhões (1,57% do PIB), No acumulado em doze meses até junho de 2019 registrou-se déficit fiscal primário da ordem de R$ 99,6 bilhões (1,42% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 9,55%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018. Nesse ritmo o Brasil vai levar, no mínimo, mais 4,7 anos para atingir resultado fiscal primário “zero”. 


Bolsonaro ataca de ideologia de gênero a radares diante de evangélicos
Em discurso na Marcha para Jesus em Brasília, presidente também disse que leis existem para proteger as maiorias
Por Da Redação/VEJA

10 ago 2019, 15h34 - Publicado em 10 ago 2019, 12h45
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou neste sábado 10, na Marcha para Jesus em Brasília, que as leis devem proteger as maiorias e defendeu acabar com os radares. Ele também atacou a ideologia de gênero e pediu ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que não introduza temas relacionados ao assunto nas escolas. “Ideologia de gênero é coisa do capeta”, disparou, diante do público evangélico.

Referindo-se às políticas de apoio aos homossexuais, Bolsonaro reputou aos governos anteriores terem “acolhido esse tipo de coisa”. “Se querem que eu acolha isso, apresentem uma emenda à Constituição e mudem o artigo. Como não tem como emendar a Bíblia, vou continuar acreditando nisso. Família é homem e mulher.” O evento reuniu 15 mil pessoas, segundo a organização.
Apesar do discurso, Bolsonaro garantiu não haver discriminação em seu governo. “Não discriminamos ninguém. Não temos preconceito. As leis existem para defender as maiorias.” O presidente agradeceu o apoio dos evangélicos ao seu governo. “Além do milagre da minha vida, temos o milagre da minha eleição. O apoio dos evangélicos foi decisivo”, avaliou.
Em discurso inflamado, disse ainda que travará na Justiça uma batalha contra os radares de velocidade no trânsito. “Estou numa luta para acabar com essa roubalheira. Tenho certeza que o governador do Distrito Federal também vai comprar essa briga aqui.”
Há duas semanas, a juíza Diana Wanderley da Silva, da 5ª Vara Federal de Brasília, homologou um acordo para a instalação de 1.140 radares em rodovias federais. Os aparelhos serão instalados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para cobertura de 2.278 faixas de rodovia que são consideradas mais críticas, em que trafegam um maior número de pessoas.

Entre as partes da ação estão o Ministério Público Federal (MPF), a União, o DNIT e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). No processo, todos “ratificaram que as empresas de radares não ganham em função das multas aplicadas por infrações no trânsito”. No texto, a juíza destaca o que técnicos em engenharia de trânsito e a maioria da sociedade reconhecem a importância dos radares “como um dos principais instrumentos de controle de velocidade a salvar vidas, diante da grande imprudência de muitos motoristas no Brasil, e da falta de respeito às velocidades impostas”.

Ricardo Bergamini

"Lançamento" de "Miséria da diplomacia" na Livraria Tapera-Taperá - Paulo Roberto de Almeida

O "lançamento" está entre aspas porque era impossível lançar algo que não existe materialmente: o livro está disponível digitalmente, como já informei neste blog:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/07/miseria-da-diplomacia-em-edicao-de.html

O vídeo da palestra está disponível neste link:
https://youtu.be/RhjPCoG9uRM

Para ter uma ideia das referências que fiz na apresentação, pode-se apelar ao PowerPoint que eu tinha preparado para a ocasião:

plataformas Academia.edu: https://www.academia.edu/40001948/Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_inteligencia_no_Itamaraty_-_PowerPoint
e Research Gate:
https://www.researchgate.net/publication/334935220_Miseria_da_Diplomacia_-_Apresentacao_Paulo_R_Almeida 
DOI: 10.13140/RG.2.2.23836.44169

Preciso corrigir certos defeitos de expressão, como essa mania de "paulista", ou de paulistano, que sou, de recorrer continuamente ao "né?", ou "não é?"

No mais, foi divertido, sobretudo rever velhos amigos, como os embaixadores Rubens Ricupero, Rubens Barbosa, Synesio Sampaio Goes e Osmar Chohfi, e fazer alguns novos, como o próprio diplomata-livreiro Antonio Freitas.

Paulo Roberto de Almeida
Catalão (GO), 11/08/2019