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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Macron: hipócrita segundo brasilianista Olivier Dabene (FSP)

Macron é hipócrita e não respeita compromissos ambientais, diz cientista político

Para professor da Sciences Po, briga com Bolsonaro foi 'bálsamo fantástico' para líder francês

O presidente da França, Emmanuel Macron, resvala na hipocrisia ao atacar a política ambiental do governo Jair Bolsonaro, já que o país europeu não cumpre vários compromissos listados no Acordo de Paris sobre a mudança climática.
O cientista político Olivier Dabène, professor da Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris), diz que o embate dos últimos dias entre Paris e Brasília ofereceu um “bálsamo fantástico” ao líder francês.   
“Bolsonaro lhe foi muito útil. É um alvo fácil, tem um quê de palhaço imprevisível, é alguém que vai retrucar uma provocação com virulência, com uma provocação maior ainda”, afirma o pesquisador, que também presidente o Observatório Político da América Latina e do Caribe.
Outra prova dessa hipocrisia de Macron, diz o professor, é o fato que Paris segue distribuindo licenças para mineradoras atuarem na faixa da Amazônia situada na Guiana Francesa
Nesse sentido, prossegue Dabène, centrar fogo no presidente brasileiro permite a Macron desviar a atenção da opinião pública da França, “onde as coisas não vão exatamente bem no país”.
Para o professor, “um mínimo de respeito à soberania brasileira deveria impedir que se debatesse a internacionalização da floresta”, ainda mais considerando que Brasília não estava na lista de participantes da cúpula do G7 (clube de países ricos), em que a ideia foi aventada.
“Isso é ridículo, denota desprezo por um Estado que não seria capaz de proteger sua floresta.”  
Sim, pelo menos nas últimas décadas. Historicamente, as relações bilaterais são boas, posso até dizer ótimas. Então [a animosidade] choca um pouco. Não são dois países que tenham o hábito de se confrontar assim. Houve um estremecimento quando os franceses tentaram libertar [a então senadora e candidata à Presidência da Colômbia] Íngrid Betancourt [refém das Farc de 2002 a 2008]. Ocorreu uma violação do espaço aéreo brasileiro que suscitou uma crise curta.
Mas não devemos exagerar o alcance do embate atual. Não me parece tão grave assim. Vivemos uma época em que, inspirados por Donald Trump, os políticos deixaram de lado os discursos meramente retóricos e se divertem tentando ser “sinceros”, quando não insultando.
Trata-se então de um conflito desenhado para as câmeras e para as plateias internas de cada presidente?
Sim, ainda que haja diferenças entre as posturas dos dois. Bolsonaro é o arquétipo do dirigente que fez uma campanha populista, em cima de declarações improvisadas que viraram uma arma eleitoral bem-sucedida. Agora, leva essa franqueza populista à política externa de seu país.
Já Macron precisava de um G7 que tivesse repercussão, ainda que ninguém esperasse muita coisa dessa cúpula. A expectativa era apenas a de que os outros líderes tentassem não irritar muito Trump. Mas ele [o francês] tinha em mente uma diplomacia retumbante, feita de lances vistosos e jogadas audaciosas.
Desse ponto de vista, os incêndios na Amazônia representaram um bálsamo fantástico para Macron, e ele soube se aproveitar disso. Bolsonaro lhe foi muito útil. É um alvo fácil, tem um quê de palhaço imprevisível, é alguém que vai retrucar uma provocação com virulência, com uma provocação maior ainda...
Resta a ver o efeito disso sobre a opinião pública na França, em um momento no qual as coisas não vão exatamente bem no país.
Então Bolsonaro tem alguma razão ao dizer que Macron instrumentalizou um problema interno do Brasil, quis tirar proveito dele?
Sim, isso me parece claro. Os dois jogaram o mesmo jogo: fizeram política interna com diplomacia. É claro que o conflito não foi inventado do nada, que há um problema de fundo: o respeito a compromissos ambientais, ao Acordo de Paris sobre a mudança climática. Mas os brasileiros têm razão em dizer que os franceses não respeitam seus próprios engajamentos e que apontar o dedo para o Brasil ajuda a desviar o foco disso.
E como o sr. vê o comentário do presidente brasileiro sobre a “mentalidade colonialista” de Macron ao falar em “crise internacional” na Amazônia?
Quando Bolsonaro faz isso, rejeita novamente a linguagem moderada dos governantes. Mas não está totalmente errado. A atitude do G7 de dar lições a um país que não foi convidado à mesa de discussão é inapropriada.
A soberania e o anticolonialismo são ideias sempre associadas à floresta amazônica. Trata-se de um tema sensível, o que os franceses às vezes não percebem. Para o Brasil, falar em bem comum da humanidade [referindo-se à Amazônia] não faz sentido. Entendo o choque de algumas pessoas.
Um mínimo de respeito à soberania brasileira deveria impedir que se debatesse a internacionalização da floresta. O Brasil não é o Polo Sul; ninguém vai recortar a Amazônia em zonas pequenas controladas por países estrangeiros. Isso é ridículo, denota certo desprezo por um Estado que não seria capaz de proteger sua floresta.    
Para a França, é muito mais fácil criticar o Brasil –e ainda mais o Brasil de Bolsonaro— do que a China e os Estados Unidos. Ou mesmo a Alemanha, grande poluidora com carvão.
O fato de a Amazônia não ter sido mencionada no documento final da cúpula do G7 foi tido pelo Itamaraty como uma vitória brasileira. É possível fazer essa leitura?
Até se pode pensar assim, mas Macron também já teve uma vitória ao atrelar a Amazônia à ratificação ou não do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
Macron deveria palpitar sobre gestão florestal no Brasil quando a preservação da parte da Amazônia situada na Guiana Francesa é contestada, sobretudo devido à proliferação do garimpo ilegal?
Exato. Esse é um dos temas em que a atuação da França é muito criticável, e Macron sabe disso. Então é prático desviar a atenção para a Amazônia brasileira, enquanto ativistas protestam contra as licenças dadas a mineradoras e atividades extrativistas muito poluentes. É hipocrisia.
Passada a briga de agora, qual será o futuro das relações entre França e Brasil?
Não estamos longe de uma tempestade em copo d’água [nesse episódio da Amazônia]. Não acho que as relações serão afetadas por muito tempo. Deve haver um apaziguamento rápido.
No que diz respeito à ratificação do acordo, Macron não tem interesse em manter longamente seu veto, porque isso o isolaria na Europa, e ele tem a ambição de encarnar o futuro do continente, seu renascimento. Não acho que esteja disposto a pagar esse preço. E acho que alguns diplomatas brasileiros sabem disso.

OLIVIER DABÈNE, 60
Professor de ciência política na Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) preside, na mesma instituição, o Observatório Político da América Latina e do Caribe. Autor de Atlas du Brésil (2013), já foi pesquisador visitante na USP, na Universidade Oxford e na Universidade do Texas, entre outras 

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Author

José Truda Palazzo Jr.José Truda Palazzo Jr is an environmental activist, writer and explorer who has dedicated himself to the environmental cause continuously for almost forty years. In the 1970´s, when Brazil was still under a military dictatorship, he became one of Brazil’s leading voices against Japanese whaling in its waters and led a research and conservation project which ensured the recovery of a breeding population of Southern Right Whales in Southern Brazil.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Bolsokid vai mais uma vez prestar submissão a Trump

Poucas vezes, acho que nenhuma, na diplomacia brasileira um ser tão desqualificado foi cogitado para ser embaixador do Brasil. Pode ser para qualquer país, o mais poderoso ou o mais miserável do planeta, não importa: ser embaixador compreende, implica, subentende, exige, requer, pede certa capacidade para o cargo, experiência, savoir-faire, conhecimento de línguas, mas sobretudo, SOBRETUDO, uma atitude DIGNA, de representar o BRASIL e seus interesses nacionais.
Esse sujeito que está sendo cogitado para ser embaixador em Washington – mas poderia ser o embaixador em BRUZUNDANGAS – não possui nenhuma qualificação para o cargo, como todos sabem.
A razão principal de sua INCOMPATIBILIDADE com a missão se deve, SOBRETUDO, ao fato de que, de acordo com a diplomacia atual, ele está SENDO INDICADO porque já prestou SUBMISSÃO A TRUMP, o que é uma VERGONHA para o Brasil e os brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida

Bolsonaro anuncia que filho irá aos EUA se reunir com Trump

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira que seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), viajará aos Estados Unidos para um encontro com o presidente norte-americano, Donald Trump. 
De acordo com o próprio Eduardo, ele --que será indicado para ser o próximo embaixador do Brasil nos EUA-- e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, embarcam na noite desta quinta para Washington e terão um encontro na sexta com Trump. 
"Vamos tratar ali dentro dos assuntos da Amazônia e do G7. O presidente Trump dá muita abertura. Assim como o presidente Bolsonaro, ele é uma pessoa muito simples, muito informal. Então certamente vamos entrar nesses assuntos", disse Eduardo. 
Segundo o deputado, ele vai agradecer ao presidente norte-americano pela defesa que fez do Brasil durante a reunião do G7 e contra a posição do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a elevação dos incêndios florestais na Amazônia. 
Ao anunciar a viagem durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que seu filho iria aos Estados Unidos, mas não chegou a citar inicialmente que seu ministro iria também. Eduardo, ao contrário, fez questão de dizer que a viagem estava sendo organizada por Araújo e ele apenas fazia parte da comitiva. 
Perguntado se trataria também da sua indicação para a embaixada e se o encontro com Trump ajudaria na sua aprovação pelo Senado, o deputado lembrou que os EUA já deram o agrément, o documento de aceite da indicação, e ressaltou que agora precisa conversar com os senadores. 
"Já é um fato notório essa boa relação com a Casa Branca", disse o deputado. 
Apesar de já ter recebido o agrément, a indicação de Eduardo ainda não foi enviada pelo presidente ao Senado, onde o deputado terá que passar por sabatina e pela votação na Comissão de Relações Exteriores e em plenário. 
O Planalto ainda não tem certeza de que tem votos suficientes para aprovar seu nome, já que a votação é secreta e há resistência à vontade do presidente de nomear seu filho para um dos principais pontos da diplomacia brasileira.

Bicentenário da Independência - Benoni Belli (OESP)

Bicentenário da Independência: Diplomacia e Sentimento Nacional no Brasil
A diplomacia foi instrumento privilegiado para negociar com Portugal 
os termos da Independência, obter o reconhecimento de outros países 
e superar definitivamente as controvérsias territoriais

por Benoni Belli
Estado da Arte
O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 2019

Em 2022, comemoraremos o bicentenário da Independência. Ao contrário do que aprendemos na escola, a Independência não se esgotou no grito do Ipiranga, nos idos de 1822. Aquele foi o ponto de partida de um processo que se estende até nossos dias e se projeta no futuro. Foi o momento inaugural, a certidão de nascimento do país, um evento cuja importância ninguém discute, mas uma gesta que tem sido e deve continuar sendo afirmada e reafirmada continuamente ao longo do tempo, seja simbolicamente, seja por meio da luta constante pela criação e manutenção das condições que permitam ao país seguir se fortalecendo. A independência é sinônimo da construção de um país soberano, que busca o desenvolvimento e o bem-estar de seu povo, capaz de projetar na região e no mundo seus valores e interesses, animado por um sentimento comum de união na pluralidade.


Em nossa trajetória como país, a diplomacia foi fundamental desde os primórdios. Bem antes da ruptura protagonizada pelo príncipe-regente, a diplomacia desempenhou papel de destaque por meio da figura de Alexandre de Gusmão, que teve, como secretário particular de Dom João V, atuação crucial na negociação do Tratado de Madri de 1750, garantindo o território então ocupado pelos súditos do Império português. A diplomacia foi instrumento privilegiado para negociar com Portugal os termos da separação (ainda que tenha exigido também derramamento de sangue), obter o reconhecimento de outros países – a começar pela hegemônica Inglaterra – e, mais tarde, superar definitivamente as controvérsias territoriais. Já no início do Século XX, graças à diplomacia, o país consolidava seu território. Desde então, a diplomacia tem sido também veículo para buscar a inserção soberana na região e no mundo.
A atuação da diplomacia no processo de Independência respondeu ao sentimento de nacionalidade em formação. Um sentimento que surgiu inicialmente da percepção das elites locais das contradições entre seus interesses e os da metrópole e espraiou-se pouco a pouco, produzindo a convicção de que o Brasil independente estaria destinado a percorrer uma trilha que o levaria a espelhar a exuberância de sua própria natureza. Joaquim Nabuco captura esse sentimento uma conferência proferida em 1908: “O Brasil sempre teve consciência do seu tamanho e tem sido governado por um sentimento profético de seu futuro”. Há um certo determinismo saudável nesse sentimento quando se toma o cuidado de não descambar para o ufanismo, empregando-o na dose certa para estimular a coesão social e a unidade de propósito na busca de um país mais próspero e justo. 
Esse futuro que habita o referido sentimento profético, contudo, não será alcançado inevitavelmente por mandamento divino. Essa noção de futuro só faz sentido como um objetivo a ser construído laboriosamente, fazendo nosso dever de casa internamente e negociando nossa interação com o mundo exterior com o objetivo de minimizar riscos e buscar influenciar processos negociadores em um sentido que nos favoreça. A concepção de Independência como um processo traz embutida a insatisfação com o que logramos em comparação com o que desejamos alcançar. Desde que não perca de vista os êxitos e sirva para superar as injustiças e iniquidades, esse é um sentimento positivo. Queremos celebrar avanços cumulativos, que cada geração vai agregando, mas tendo presente que a realização progressiva do ideal compartilhado de país demanda esforço contínuo. É uma obra aberta.
O sentimento nacional, nesse diapasão, não se confunde com o chauvinismo, fenômeno que se manifestou em diferentes contextos e países. Tampouco deve minimizar o sacrifício dos povos indígenas e a experiência da escravidão, que deixaram feridas ainda não totalmente cicatrizadas no nosso tecido social. Deve ancorar-se numa identidade construída ao longo de séculos em torno da nossa terra e cultura, que aprendemos a amar, e que plasma o modo de ser e sentir propriamente brasileiro, sem abrir mão da visão crítica de uma sociedade ainda profundamente injusta. Um nacionalismo aberto e destemido, que tem todo o direito de orgulhar-se de nossa contribuição à cultura universal, sem escorregar para a crença deletéria em uma essência imutável, atemporal e unívoca de brasilidade cuja existência mítica deve ser celebrada por meio de ritos que cristalizam uma memória coletiva edulcorada.
O nacionalismo, para ser uma força positiva, deve valorizar a força de nossa cultura e nossas tradições como ferramentas para construção de um país mais equilibrado e generoso, em um contexto de liberdade e respeito aos direitos de todos. Sabemos que o nacionalismo já se prestou a justificar o injustificável, inclusive limpezas étnicas e atrocidades mundo afora. Por isso, é preciso combinar nacionalismo com tolerância à diversidade e respeito à diferença. Por essa mesma razão, o sentimento de brasilidade, ao evitar idealizações nocivas – da “democracia racial” à ideia de povos indígenas assimilados romanticamente à sociedade branca e portuguesa hegemônica –, precisa manter-se alerta para que o sentimento de pertencimento à Nação não leve à diluição das contradições que precisam ser reconhecidas e devidamente tratadas para que todos, sem exceção, possam auferir os benefícios da cidadania.
O nacionalismo que interessa ao Brasil deve ser compatível com as liberdades, percebendo a Nação como uma comunidade em que a identidade comum é motivo de orgulho porque compatível com o pluralismo. Essa “comunidade imaginada” – para usar a noção de Benedict Anderson – é também uma poderosa ideia que move as pessoas, que lhes dá a segurança de pertencer a um grupo distinto, mas sem necessariamente diminuir ou depreciar os vizinhos e os estrangeiros. O fato de termos expandido e consolidado o “corpo da Pátria” por meio, sobretudo, da negociação, ao contrário de outros países que empregaram a guerra de conquista e a aquisição forçada de territórios como métodos predominantes, conferiu ao nosso sentimento de nacionalidade uma marca de origem, em que a solução pacífica de controvérsias e a preferência pelo direito e pelas regras negociadas ajudaram a moldar a identidade nacional e sua projeção externa. 
Ao refletir sobre nossa trajetória, é preciso não esquecer que muitos países cresceram, atingiram altos patamares de poder para depois tomar uma trajetória de decadência, seja por erros internos, seja por conta da hubris em suas aventuras internacionais. No nosso caso, o futuro desejado existe claramente como potencial muito mais alcançável do que para outros, já que nosso país é dotado de tantos recursos, resolveu seus problemas territoriais definitivamente no início do século XX e consolidou um patrimônio diplomático baseado na solução pacífica das controvérsias e no respeito ao direito internacional. Temos uma sociedade injusta, é verdade, mas que exige cada vez mais igualdade de oportunidades, e contamos com imensa diversidade que é fonte de criatividade para superar os desafios na busca do desenvolvimento e do bem-estar.
Saberemos fazer bom uso dos recursos humanos e materiais do país para realizar plenamente nosso potencial? A história brasileira demonstra que, apesar de oportunidades perdidas ao longo do processo, é possível dizer que nossa trajetória tem sido, em grande medida, positiva. As condições internas e internacionais mudam sem cessar, então esse esforço precisa ser atualizado continuamente, de modo a lidar com novos fatores e riscos. O sentimento de nacionalidade que nos anima não deve turvar a visão dos desafios que devemos enfrentar, mas funcionar como um estímulo para que realizemos nosso potencial e para que o Brasil não seja sempre o país do futuro. Tampouco deve se traduzir em palavras de ordem e códigos de conduta automáticos, que sufocam o pensamento crítico. Ao contrário, o sentimento de nacionalidade deve liberar o espírito para enfrentar uma realidade ainda longe do ideal cantado em prosa e verso.
Ainda que a política externa dependa de nossa capacidade de fabricar soluções para problemas internos que nos afligem, não há dúvida que a interação com o mundo pode ajudar na busca dos objetivos nacionais. Entender as grandes tendências e interesses em jogo no ambiente internacional é condição para utilizar nossas relações exteriores como instrumento de desenvolvimento. Não há nenhuma prioridade nacional que não tenha uma faceta internacional e que, portanto, esteja imune à influência de decisões tomadas em outros países ou a regras adotadas em instâncias internacionais. Daí a importância de uma diplomacia que saiba mover-se em um mundo que hoje é de transição para uma ordem internacional em que a competição entre grandes potências tende a acirrar-se, o que requer estratégia de inserção internacional com clareza de prioridades e definição dos meios para persegui-las.
A nossa diplomacia tem hoje, como teve no passado, papel de grande importância na consolidação da Independência, entendida como um processo contínuo de afirmação e projeção de nossos interesses no mundo. O legítimo sentimento de nacionalidade que deve nos animar precisa estar calcado na combinação de confiança em nossa potencialidade e orgulho diante dos avanços logrados com uma boa dose de autocrítica, fundamental para identificar os erros históricos e as injustiças, como por exemplo a discriminação contra grupos vulneráveis e o patrimonialismo de nossas elites. Sem menosprezar o país que já construímos – uma das maiores economias mundiais, sede de empresas de sucesso, dotado de agronegócio pujante e recursos humanos de alta qualidade, além de uma cultura vibrante e uma sociedade dinâmica e criativa –, a atitude diante do Bicentenário da nossa Independência deve ser de reflexão.
É chegada a hora de realizar um balanço dos erros e acertos, de modo a injetar no sentimento de nacionalidade o ímpeto necessário e a coesão que permitem traçar o caminho do futuro. Ao caminhar na direção do Bicentenário, seria útil investigar também as condições atuais para assegurar uma ordem internacional que seja propícia à ascensão do Brasil e à projeção de seus interesses e realização de suas aspirações. Nesse sentido, a diplomacia deverá seguir sendo, tal como foi nos primórdios de nossa vida independente, importante instrumento para a construção do país que o povo brasileiro, especialmente os segmentos mais humildes, vulneráveis e sofridos, deseja e merece. Uma diplomacia que reflita os valores nacionais e os traduza em relações proveitosas com o mundo, mantendo-se assim à altura das expectativas do povo brasileiro.
Ao iniciarmos a contagem regressiva para o Bicentenário, o principal desafio talvez resida em utilizar o sentimento positivo de nacionalidade que une os brasileiros para superar polarizações estéreis, sem abrir mão do debate plural sobre o que ainda devemos fazer para trilhar o caminho do desenvolvimento. Tudo isso com a consciência de que não estamos sozinhos no mundo, de que temos uma responsabilidade de criar condições internacionais de estabilidade e prosperidade, negociando com vizinhos e demais parceiros soluções para desafios comuns. Essa tarefa hercúlea não deve ser subestimada, mas o importante é não fugir à luta, não esmorecer na defesa de um país acolhedor, generoso, aberto, tolerante e democrático, no qual cada brasileiro possa realizar seu potencial e seja parte integrante e beneficiário da construção diária, contínua e necessária da Independência.

Benoni Belli é diplomata de carreira. 
Este artigo foi escrito a título pessoal, não refletindo posições oficiais do Ministério das Relações Exteriores.