O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Se você votou por um governo trapalhão, está inteiramente contemplado - Carlos Brickmann, Paulo Roberto de Almeida

Aposto que ninguém previa esse tipo de confusão. Nenhum astrólogo, nenhum adivinho, nenhum analista político sério poderia sequer imaginar o que está acontecendo no Brasil.
Não que as coisas me tenham surpreendido absolutamente. Já no primeiro semestre de 2018, ao acompanhar a "irresistível ascensão de Arturo Ui" – desculpe Bertolt Brecht –, eu senti que teríamos gente medíocre no governo e, mesmo falando com a fração mais inteligente dos engajados na campanha (a equipe econômica), eu recusei absolutamente qualquer colaboração com o "exército de Brancaleone" que se estava formando – desculpe Mario Monicelli –, argumentando que já tinha candidato e que eu não era, nem pretendia ser eleitor do capitão.

Mas, desafio qualquer pessoa neste nosso planeta redondinho – os terraplanistas não contam, pois eles acreditam em qualquer estupidez – a provar que já estavam antecipando a ENORME CONFUSÃO que seria o governo do dito capitão.
Não estou falando de mediocridade, que isso eu, e dezenas de outros analistas, podíamos facilmente prever, antecipar, apostar, assegurar. Com um líder medíocre, era de se esperar um governo medíocre, com as exceções de praxe, como a dita equipe econômica (para a qual recusei minha colaboração) e mais dois ou três, no máximo.
Estou falando de CONFUSÃO, e da grossa. Essa ninguém estava esperando.
E 95% da confusão é causada pelo próprio capitão, o pior inimigo do seu governo.
Claro, existem vários outros paspalhos, que me eximo de mencionar, além do que já está explícito nesta saborosa crônica do exímio jornalista Carlos Brickmann.
Prometo escrever um ensaio, um panfleto, uma novela, um tijolão sobre as maravilhosas confusões da Bolsofamiglia e associados unidos. Claro, elas merecem um escritor do quilate de Mário Vargas Llosa, para reconstruir todo o sabor das cenas épicas a que já assistimos até aqui, qualidade de que careço para expressar em páginas imortais toda a epopeia dos Bolsonaros brancaleônicos. Mas, tenho o registro dos episódios mais memoráveis.
Carlos Brickmann oferece aqui uma síntese parcial, e preliminar, da novela das confusões.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de novembro de 2019

UM DIA, TALVEZ QUEM SABE

COLUNA CARLOS BRICKMANN


EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2019

A reforma da Previdência está aí, o megaleilão do pré-sal não foi lá essas coisas mas se realizou, discretamente há privatizações andando, a inflação está baixa, os juros (oficiais) nunca foram tão reduzidos. Há até um ou outro tímido indício de recuperação econômica – pequena, pequena, mas melhor do que zero. Cadê a avalanche de investimentos estrangeiros que, dizia o ministro Paulo Guedes, esperava ansiosa essas medidas para inundar o país?

Pelo jeito, faltou apenas uma coisinha: combinar com os investidores do Exterior. Pois, ao contrário do que se imaginava, de janeiro até agora o que houve foi desinvestimento: quase US$ 50 bilhões deixaram o Brasil. Parte pela situação internacional – para o cidadão americano de classe média baixa que aplica suas economias em fundos, Bolívia, Venezuela, Argentina, Chile e Brasil é tudo mais ou menos a mesma coisa, latinos – e crises nos países vizinhos os levam a desconfiar do Brasil. Fora isso, é mais fácil e seguro por dinheiro nos Estados Unidos, onde a economia vem crescendo.

Mas parte é culpa brasileira: essa coisa bolsonariana de crise permanente não anima os investidores, e eventos como o crescimento da área derrubada da Amazônia fazem surgir temores de represálias que podem prejudicar o agronegócio e a mineração, pontos fortes do Brasil. O investidor tem outras oportunidades. E, entre suas características, adora a tranquilidade. Como achá-la por aqui?

Pois é

A literatura econômica ensinou ao ministro Paulo Guedes que, preparado o terreno para recebê-los, os investimentos fluem. E ele acreditou.

Brigando com fatos

Diante do derrame de petróleo em costas brasileiras – a responsabilidade não é de Bolsonaro – nosso Governo correu para parecer culpado. Acusou o Greenpeace, acusou um navio grego, sem comprovar nada, exceto que não tem ideia do que houve. Aí surge um tal secretário da Pesca e diz que peixe é inteligente: foge do petróleo e não se contamina. Cresce o desmatamento na Amazônia, e o Governo põe a culpa até na Noruega. Mas, diante das palavras oficiais contra a os defesa do meio-ambiente, os delinquentes se animaram e ampliaram as atividades ilegais. Só agora o Governo promete reprimir ilegalidades. Teve de recuar. É duro brigar com fatos – eles vencem.

Escondendo o bom

Na briga com os fatos, o Governo ocultou uma boa notícia: com a redução das despesas públicas e o aumento da arrecadação, os recursos orçamentários que tinham sido bloqueados foram liberados. Ou seja, na gestão econômica, sem envolvimentos políticos, o Governo vai bem. Mas quem presta atenção em notícias como essa, quando Bolsonaro e antigos aliados trocam insultos?

Proibido para menores

O texto que se segue transcreve, sem modificações, um debate do ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelo Twitter, com gente que o criticou. Sua Excelência lembrava favoravelmente a Monarquia, e um crítico disse: “Se voltarmos à Monarquia, certamente você será nomeado bobo da corte!”. Weintraub: “Uma pena, prefiro cuidar dos estábulos, ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”. Em seguida, outra pessoa reagiu: “Andando na rua encontrei seu bom senso. Ele mandou lembranças e disse que está com saudades!” Weintraub: “Que bom, agora continue procurando pelo seu pai...”

Mais surpreendente do que ser ministro é cuidar da Educação.


terça-feira, 19 de novembro de 2019

SSRN envia o link do meu artigo sobre Brazilian Trade Policy

Recebi hoje:

Brazilian Trade Policy in Historical Perspective: Constant Features, Erratic Behavior

Revista Brasileira de Direito Internacional – Brazilian Journal of International Law (vol. 10, n. 1, 2013, número especial: Direito Internacional Econômico; p. 11-26; doi:10.5102/rdi.v10i1.2393

Paulo Roberto de Almeida

Brazilian Ministry of Foreign Relations; Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)
Date Written: May 14, 2013

Abstract

Historical essay on Brazilian trade policies since the 19th century, seen in connection with industrial and development policies that were implemented not always in a coordinated manner. Brazil was, and probably continues to be, one of the most protectionist countries in the world, at the beginning for fiscal reasons (financing of the State), then, in the 20th century, on behalf of deliberate industrializing and import substitution goals. The essay surveys the many policies followed in different phases of Brazilian economic history, including the regional integration process of Mercosur and the multilateral and hemispheric trade negotiations; it also discusses the recent re-commoditization of its foreign trade and the retrocession to a series of patently defensive policies, justified by a lack of competitiveness of its industries, by the way due to the excessive taxation and the bureaucratic entanglements set up by the very State that seeks to protect those industries from foreign competition.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3483346

Outline: 

Introduction: basic characteristics 

Historical development of Brazilian trade policies

Reform and adjustment to the multilateral trade system

Regional integration process and the Mercosur path

Real challenges and lost opportunities: Brazilian illusions and deceptions

What went wrong? Brazil retrocedes into protectionism

What lies ahead: a fortress Brazil or an opening to globalization? 

Keywords: Trade policy; Brazilian economic policy; industrialization; development; economic history
JEL Classification: N, O

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Depois da "teologia da libertação" a "teologia da prosperidade" - Bruno Reikdal Lima (GGN)

É possível uma Teologia da Libertação evangélica?, por Bruno Reikdal Lima

É possível uma Teologia da Libertação evangélica?, por Bruno Reikdal Lima

Há um desafio posto para movimentos de esquerda na América Latina, sejam eles progressistas ou revolucionários: o que fazer com os evangélicos? Uma religião popular, de massas, espalhada em todo o continente, seja em grandes templos nos centros urbanos, em garagens feitas lugar de culto no fundão das periferias ou mesmo em casebres nos rincões, capaz de mobilizar multidões, garantir coesão social e apoio a projetos políticos de lideranças. Uma potência social transformadora alinhada, hoje, majoritariamente com programas reacionários, conservadores e por vezes fascistas. E mesmo que normalmente não se tenha o hábito de discutir religião em nossos círculos de debates e organizações partidárias ao se planejar um projeto político, reformas ou mesmo ambições revolucionárias, não se tem um programa popular sem o povo; e este é cada vez mais evangélico.
Entre as décadas de 1960 e 1980, um fenômeno religioso sui generis e propriamente latino-americano animou populações do Terceiro Mundo: a Teologia da Libertação. Como Michael Löwy mostra em seu Cristianismo delibertação, lançado em edição revisada pela Expressão Popular Junto, não tem como pensar e compreender os movimentos sociais e revolucionários da América Latina apoiados e aglutinadores de grandes massas, sem levar em conta esse movimento católico de padres e freiras que assumiram uma prática religiosa e uma teoria crítica muito peculiar, conciliando a missão evangelizadora da igreja em abertura à sociedade moderna com a Teoria Marxista da Dependência. A capilaridade da igreja católica por meio da rede de comunidades e fiéis que foi constituída desde os primeiros anos da colonização ibérica em 1492, garantia uma circulação gigantesca de materiais e conteúdos compartilhados entre lideranças e membros, discussões que cruzavam fronteiras, além de por vezes garantias de proteção e apoio por meio de solidariedade do clero nacional e internacional.
Foi um fenômeno, com grandes impactos e também com limites. Mas que por sua atuação mobilizou e tornou possível ligas campesinas, movimentos de lutas por direitos sociais e partidos políticos (no Brasil, o MST e o próprio PT são exemplo disso). Contudo, o continente ainda católico em um espaço de 30 anos se tornou 1/3 evangélico – e com perspectivas de ter sua população majoritariamente convertida a essa “nova” religião nos próximos anos. Outro fenômeno. Que por uma série de razões históricas que podemos destacar em outro momento, apesar de suas raízes periféricas e em disputas sociais, está em completo descompasso com o que fora a experiência da Teologia da Libertação e seus desdobramentos. Na verdade, um movimento que se desenvolve exatamente no oposto: em rejeição ao que apareça como moderno, no sentido de se portar como conservador, e a tudo o que pareça ser “marxista”.
Bem, a pergunta para a qual gostaria que nos voltássemos é: existe alguma viabilidade de termos uma Teologia da Libertação evangélica? Para tal, gostaria de fazer um rápido comparativo histórico e, por fim, indicar alguns desafios e algumas perspectivas sobre essa questão.
A Teologia da Libertação tem sua primeira raiz nas missões católicas europeias dos períodos entre as Grandes Guerras e no pós-Guerra. Jovens padres europeus são desafiados na primeira metade do século XX a modernizar a igreja, conciliando os avanços nas ciências modernas (sejam elas físicas, biológicas ou sociais) com a tradição. Era a abertura para o “mundo moderno”. A igreja católica europeia assumia frente ao processo histórico acelerado que vivia e às pressões sociais de fiéis e das relações políticas e econômicas com os Estados europeus, que a modernidade era inevitável, que traria melhorias na qualidade de vida das pessoas, mas que no processo de modernização, existiriam muitos flagelados, que ainda levariam um tempo para serem incluídos no “novo mundo”. Seu papel como Igreja, portanto, era de acolher os pobres e cuidar dos excluídos durante a modernização, em passo com ela, cumprindo sua missão.
Padres missionários passam a ser formados, então, para cuidar dos temporariamente pobres e excluídos que, no curso da história, seriam inseridos na marcha do progresso. Parte dessa leva de clérigos tem como destino o continente latino-americano. Entretanto, ao chegarem aos rincões dessa terra, encontram uma situação limite: os processos de modernização reproduzem grandes massas de pobres e excluídos, em uma miserabilidade não imaginável nos centros de onde vieram. Percebem com o passar dos anos que a para cuidarem dos pobres e dos excluídos de modo efetivo, não bastaria acolhe-los temporariamente, mas interromper o motor da exclusão: a própria modernização. Essa interpretação fica clara apenas ao final de 1960, quando alguns padres vindos das missões da Ação Católica e alguns discípulos, formados em solo ameríndio, tomam contato com a Teoria da Dependência e conseguem explicitar teoricamente por meio dos instrumentos teóricos dessa teoria científica moderna o que haviam descoberto nas missões: a pobreza e a exclusão não são uma etapa da modernização, mas seu fundamento. Assim em 1968 se tem a Conferência de Medellín, e em 1972 a publicação da primeira sistematização, Teología de la liberación, de Gustavo Gutiérrez.
Desse modo, de um processo de contradição entre a abertura da Igreja nos países centrais e a realidade enfrentada na periferia, a Teologia da Libertação é um efeito não-intencional e “negativo” da modernização da Igreja. Ademais, também se trata de um grupo de padres com escolarização e preparação missiológica formal, que saem de uma condição social privilegiada para situações e contextos de extrema pobreza, que se valem de uma instituição centralizada e forte, com redes já constituídas e longa tradição. Completamente diferente do processo histórico da religião evangélica no continente: que cresce particularmente, em uma primeira onda, com comunidades pentecostais que são periféricas, pequenas, sem poder centralizado e organização rígida. São, na verdade, um movimento carismático, muito mais dependente de uma liderança com seu nome e dons, do que de uma coordenação institucionalizada das ações das comunidades. Cada uma com seu líder e seus projetos, mesmo que partilhem de usos, costumes e ritos.
As igrejas evangélicas chamadas “tradicionais” também crescem, mas precisaram se transformar diante desse novo fenômeno místico. De todo modo, apesar de serem mais organizadas institucionalmente, também giram, em geral, em torno de lideranças fortes, por vezes famílias tradicionais nas comunidades, que formam pequenos grupos tomadores de decisões. Comumente, suas origens não são tão periféricas quanto as pentecostais, mas inicialmente, sempre, nos centros urbanos. Por outro lado, assim como com as igrejas pentecostais, os evangélicos tradicionais passam a vivenciar divisões e rachas internos, entre lideranças ou grupos de lideranças, fazendo nascer igrejas que procuram ser “independentes” de convenções e outros tipos de coordenações institucionais, todavia, sempre em torno de uma nova liderança. Ou seja: não há centralidade de Igreja, como se vivencia com a católica. São grupos que se unem em torno de temas, rituais comuns ou mesmo interesses, mas dispersos e relativamente autônomos uns dos outros.
As igrejas evangélicas estão espalhadas e contam com uma capilaridade imensa. Mas fragmentada. Talvez aqui encontremos um primeiro desafio: como coordenar uma ação contra-hegemônica em um grupo que é, desde sua origem, internamente rachado e já aguardando a próxima divisão? A Teologia da Libertação contava com uma instituição fortalecida, com mecanismos explícitos, hierarquia bem definida e proximidade entre os atores, que regularmente acabavam tendo que se reunir de alguma maneira. As igrejas evangélicas não tem nem padrão comum na formação de suas lideranças – aliás, por vezes, sem qualquer formação. Temos mais um ponto: a disparidade de acesso a educação formal, recursos formativos ou mesmo algum padrão de preparação de lideranças entre pastores e pastoras (nas comunidades em que existam mulheres com esse cargo). Sem centralidade institucional, sem organização na formação das lideranças – que operam, em geral, por sua capacidade de exercer carisma, ou seja, uma relação ainda mais orgânica.
Isto posto, comparando essas trajetórias, dos muitos apontamentos possíveis, gostaria de destacar dois desafios e duas perspectivas:
O primeiro desafio é como coordenar e aglutinar pessoas que dentro das comunidades evangélicas pretendam se posicionar ou já estejam posicionadas em outra chave que não a reacionária e conservadora atual. A primeira saída pensada poderia ser a de abrir uma nova instituição, para que essas pessoas se reúnam. Contudo, seria a repetição de mais um padrão comum da formação de comunidades evangélicas, em mais uma subdivisão que não necessariamente ganha visibilidade ou tenha a capacidade de aglutinar distintos indivíduos de tradições e comunidades distintas de lugares sociais e territoriais completamente diferentes. Uma nova igreja acrescentaria apenas mais uma pequena comunidade evangélica no meio de outras;
O segundo desafio é pensar como superar a relação carismática de dependência de uma liderança. Não que não se deva ter lideranças. Pelo contrário, não existiu nenhum processo histórico transformador ou revolucionário que não tenha se firmado na figura de uma ou duas grandes lideranças. A questão é que a individualização do processo repete mais um padrão da formação institucional fragmentária. Líderes que se pretendam lançar novas comunidades as fazem não sob uma coordenação institucional e minimamente sistematizada de um coletivo, mas no dom de trabalhar, no caso hipotético, questões progressistas que atendam um novo nicho de fieis. Como sistematizar um conteúdo comum com lideranças fragmentadas?
Com isso quero destacar que existiam estruturas mínimas para que a Teologia da Libertação produzisse efeitos e conteúdos que não se reduziam a uma ou outra liderança, uma ou outra comunidade, mas a um coletivo e organização institucional que não apagou as individualidades, e sim as posicionou a partir de uma perspectiva e projeto comum: a própria Teologia da Libertação.
Todavia, há uma brecha para uma produção teológica vanguardista no meio evangélico. Ao passo que a falta de centralidade impede maior atuação coordenada sob um projeto político comum, ela revela uma maior fragilidade do controle dessas instituições com respeito à flutuação de seus membros: eles optam por “mudar de igreja”. Isso indica, na verdade, que o sujeito tem maior autonomia para procurar uma comunidade que atenda melhor suas necessidades ou demandas em determinado tempo. Em torno de parte dessas necessidades que os rachas internos se instauram e aglutinam novos grupos religiosos, atendendo demandas que a anterior não cumpria. Há, na verdade, circulação de membros, que alternam as comunidades que frequentam de tempos em tempos. No hiato entre o que a comunidade oferece e o papel que ela não tem cumprido, existe uma possibilidade de denúncia interna, de crítica, que pode dispor de uma necessidade que exija mudanças religiosas.
A segunda brecha é a origem popular e periférica das comunidades evangélicas, em especial as pentecostais. Diferentemente da Igreja católica que na Teologia da Libertação teve de enfrentar sua opulência e os privilégios do clero para se aproximar da realidade do povo latino-americano, as igrejas evangélicas nascem na realidade popular e se mantém, nas periferias e rincões do país, organizada e coordenadas por pessoas da classe trabalhadora, muitas vezes empobrecidas, batalhadoras comuns. É uma organização propriamente popular, que se encontra regularmente, produtora de laços sociais e muitas vezes o único “serviço” público próximo às casas das pessoas socialmente excluídas – capaz de garantir algum apoio financeiro, mantimentos e encaminhamentos para algum auxílio social, mesmo que voluntário e amador.
De todo modo, pensar a história de uma experiência social exitosa permite que procuremos elementos que nos auxiliem em nossas ações, tomadas de decisão e organizações sociais. A Teologia da Libertação, no caso, disputou um território conservador, constituidor do próprio status quo de seu tempo, e foi capaz de produzir um fenômeno social com efeitos duradouros. As igrejas evangélicas também são territórios de disputa, e se temos o intuito de desenvolver um projeto popular, temos que estar com o povo e partir dele. E ele é cada vez mais evangélico.

Minha mensagem at urbi et orbi - Paulo Roberto de Almeida

Minha mensagem at urbi et orbi

Atuar para fazer do mundo futuro um lugar melhor do que aquele que se encontrou ao nele chegar.
Defender a dignidade da palavra dada, a honestidade nos procedimentos, a busca da verdade, a elevação intelectual de todos aqueles que não tiveram a mesma chance de estudar e ascender no plano do conforto material.
Confrontar sempre as mentiras dos poderosos, denunciar as injustiças, buscar antes de tudo a redução da pobreza, bem mais do que o ilusório atingimento da igualdade, respeito e tolerância com as diferenças, aceitação das opiniões alheias, compreensão pelas deficiências involuntárias, rejeição absoluta do racismo, do sectarismo, dos preconceitos de quaisquer tipos, da arrogância de quem se julga melhor do que os comuns dos mortais.
Distribuir bondade e carinho...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de novembro de 2019

Comunismo e nazismo: irmãos siameses - Resolução do Parlamento Europeu

Guia de leitura para os novos simpatizantes do comunismo
Comunismo e fascismo são os rostos da subjugação dos indivíduos a ideais destruidores da condição humana. Não reconhecer isso é criminoso mas, mais do que tudo, é um atestado de ignorância histórica. Artigo de Luís Rosa, publicado pelo Observador:


1. Portugal é hoje um país estranho. Muito estranho mesmo. Não falo da estagnação económica, do silêncio oportunista dos indignados de outrora do PCP e do Bloco de Esquerda (BE). Tal como não falo do controlo suave da RTP por parte do Governo e de alguns bots chamados comentadores políticos que repetem elogios em loop ao suposto génio político de António Costa.

Falo de como a Assembleia da República fez questão em não se associar de forma integral à importante e histórica resolução do Parlamento Europeu que equiparou o comunismo ao nazismo e que se intitula “Importância da memória europeia para o futuro da Europa” (que pode ler aqui).

Provou-se, assim, que além de ser incapaz de condenar expressamente o comunismo como uma ideologia totalitária que promoveu regimes tão hediondos e destruidores como o nazismo, a Assembleia da República vive mais do que nunca sequestrada pela extrema-esquerda do PCP e do BE. E logo com o beneplácito do Partido Socialista de Mário Soares, o homem que lutou em 1974/75 contra o PCP e as forças que deram origem ao Bloco para evitar a implementação de uma nova ditadura no nosso país.

Aliás, a posição do Partido Socialista é duplamente vergonhosa. Não só porque comete uma traição histórica ao papel de Soares na luta contra a extrema-esquerda, como foi capaz de trair a sua eurodeputada Isabel Santos — uma das quatro proponentes do grupo Socialistas & Democratas (o grupo parlamentar europeu do qual o PS faz parte) da resolução que veio a ser aprovada.

Tudo começou com a resolução do Parlamento Europeu aprovada a 19 de setembro. Note-se que a resolução foi largamente ignorada pela comunicação social portuguesa, sendo que mesmo os poucos media nacionais que têm correspondentes em Bruxelas também nada noticiaram. Só após o Observador ter citado no dia 15 de outubro uma notícia do jornal espanhol ABC é que o assunto começou a ser debatido na opinião pública portuguesa. Registe-se só este dado sobre a notícia do Observador para percebermos o impacto do tema: 63.944 partilhas. Um número claramente fora do comum para uma notícia deste género.

À luz da unanimidade da historiografia europeia, a resolução nada tem de polémico. Por alguma razão foi proposta pelos três maiores grupos parlamentares: o Partido Popular Europeu (do qual fazem parte o PSD e o CDS), Socialistas & Democratas (o grupo do PS), Renovar a Europa (da qual faz parte a Iniciativa Liberal) e Reformistas e Conservadores Europeus. Foram 535 deputados que votaram a favor, 66 que votaram conta e 52 abstenções. Isto é, mais de 80% dos votantes aprovaram a moção.

O texto do Parlamento Europeu, e ao contrário do que o PS, PCP e Bloco de Esquerda tentaram fazer crer no debate em Portugal, é claramente agregador. Tenta unir a Europa contra o totalitarismo, a ditadura, o fanatismo, o racismo e a xenofobia. Como? Denunciando e censurando a barbárie nazi que culminou com a II Guerra Mundial e a ditadura comunista da União Soviética que dividiu a Europa com a Cortina de Ferro.

Quem se tenha dado ao trabalho de lera resolução do Parlamento Europeu percebe claramente que o texto é um exercício claro de união entre o Ocidente e o Leste — uma questão relevante quando as instituições europeias têm censurado com cada vez mais intensidade as derivas autoritárias de Viktor Orban na Hungria e dos neo-conservadores da Lei e Ordem na Polónia. E, principalmente, quando Vladimir Putin tenta branquear os crimes do comunismo soviético para reforçar o nacionalismo russo. Não é por acaso que a resolução foi apresentada por uma esmagadora maioria de eurodeputados dos países do leste — precisamente aqueles que mais sofreram com o nazismo durante a II Guerra Mundial e com o comunismo durante quase 40 anos de ditaduras pró-soviéticas e que mais se opõem a uma nova expansão russa.

Não é por acaso, aliás, que a resolução do Parlamento Europeu foi enviada à Duma (Parlamento russo).

2. Ora tudo isto foi ignorado pela Assembleia da República. Muitas vezes ouvimos os políticos portugueses se queixarem do facto de Portugal ser um país periférico. Mas o que ouvimos na passada sexta-feira foi mesmo um atestado de ignorância histórica, de pequenez política e de total ausência de pensamento estratégico de qual é o posicionamento de Portugal face à Rússia de Putin dado de viva voz pelos deputados Constança Urbano de Sousa (PS) mas também por João Oliveira (PCP).

Não causou surpresa que Oliveira tenha puxado do património do PCP como único partido que lutou de forma organizada contra a ditadura salazarista. A sociedade portuguesa continua a olhar para os comunistas portugueses de forma benevolente por causa desse papel — que existiu e que é relevante. Mas o que não podemos ignorar é que os comunistas o fizeram para impor outra ditadura.

Tal como não podemos esquecer o autismo político-ideológico dos comunistas portugueses que os impediram de constatar a ditadura, a perseguição, a fome e a miséria que se viveu durante muitos anos na Polónia, Hungria, Checolosváquia, Jugoslávia, Roménia e Bulgária. E tudo enquanto viviam em exílios dourados entre 1945 e 1974 sob a proteção e financiamento da União Soviética.

O mais surpreendente, contudo, foi ouvir a representante socialista Constança Urbano de Sousa afirmar, num tipo de semântica política habitualmente utilizada pelo PCP, que a resolução do Parlamento Europeu promoveu “equiparações simplistas” e, pior, conduziu a um “revisionismo histórico e ao branqueamento do nazismo.”

Acresce que a resolução proposta pelo PS, e aprovada com os votos do Bloco, PAN, PSD, CDS e Iniciativa Liberal, condena as “atrocidades perpetradas no continente Europeu ao longo do século XX”, “reafirma a sua condenação de todos os regimes totalitários” e manifesta “o mais profundo respeito por todas as vítimas de regimes totalitários”. Mas nunca refere expressamente ao condenação dos regimes comunistas, o que deveria ter levado a direita parlamentar a votar contra este texto, até porque apresentou textos em que essa censura ficava clara.

Já la vai o tempo em que Mário Soares acusava Álvaro Cunhal de querer “instituir uma ditadura em Portugal”, ao que o líder comunista respondiacom um sonso “olhe que não, olhe que não”.

3. Como Hanna Arendt defendeu em 1958 na sua obra “As Origens do Totalitarismo”, os regimes nazi e soviético eram ambos totalitários e tinham muito mais parecenças do que diferenças. Se os nazis queriam atingir a pureza da raça através dos vários genocídios que implementaram, os comunistas soviéticos queria construir um homem novo e uma sociedade sem classes igualmente pela força, pelos assassínios em massa e por igual perseguição a grupos étnicos e a toda e qualquer oposição.

Independente dos seus objetivos, os nazis e os comunistas tinham o mesmo objetivo: impor uma Ditadura em que o Estado era dono e senhor da vontade dos indivíduos e das comunidades. Mussolini cunhou o conceito do totalitarismo: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado”. Mas este foi praticado praticado tanto por fascistas como Hitler ou Franco, como por comunistas como Lenine, Estaline, Khruchov, Brejnev e tantos outros.

Comunismo e fascismo são os rostos da subjugação dos indivíduos a ideais destruidores da condição humana. Não reconhecer isso é criminoso mas, mais do que tudo, é um atestado de ignorância histórica do Parlamento português.

Como o PS aconselha, na sua resolução, que o “conhecimento do passado” deve ser feito com base em “trabalhos historiográficos objetivos e neutros, que permitam a contextualização de cada realidade nacional”, termino com um pequeno guia de leituras diversificadas para os senhores deputados que desejarem sair do estado de ignorância em que vivem mas, sobretudo, para os leitores mais jovens que pensam que o comunismo não é sinónimo de ditadura — pois a minha fé na juventude é incomensuravelmente superior à que deposito nos parlamentares mais periféricos da Europa.

Leiam e aprendam. Foi o que eu fiz.

“Gulag – A History” – Anne Applebaum (Faber & Faber, 2004)
“Iron Curtain – The Crushing of Eastern Europeu” – Anne Applebaum (Faber & Faber, 2013)
“Pós-Guerra – História da Europa desde 1945” – Tony Judt (Edições 70, 2009)
“Estaline – A Corte do Czar Vermelho” – Simon Sebag Montefiore (Aletheia Editores, 2007)
“Lenine, O Ditador – Um Retrato Íntimo” – Victor Sebestyen” (Objetiva Editores, 2017)
“The Berlin Wall” – Frederick Taylor (Bloomsbury, 2006)
“The File – A Personal History” – Timothy Garton Ash (Atlantic Books, 2009)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Deus, Pátria e Família: onde o Brasil vai chegar? - Paulo Roberto de Almeida

Antes de qualquer processo de declínio econômico e de decadência institucional sempre existe uma etapa de retrocesso mental nos dirigentes políticos, que curiosamente conseguem reagrupar o imenso contingente de ignorantes frustrados do país, no meio dos quais se encontram idiotas agressivos, trogloditas políticos, loucos de vários matizes que estavam justamente aguardando um idiota que possam chamar de seu para se reagrupar. Os bucéfalos saíram do armário e vão continuar se espalhando pelo país. Podem até dar as assinaturas para a criação do partido proto-fascista pretendido pela Bolsofamiglia.

Pessoas sensatas, como as que me leem, todas instruídas e bem informadas, são propensas a acreditar que certas coisas horríveis que já acometeram outros povos e nações não têm chance de acontecer por aqui. Isso é porque desconhecem a força avassaladora de massas ignorantes ou desesperadas capturadas por um psicopta que lhes oferece a via salvadora de sua misérias cotidianas e frustrações pessoais.
A Alemanha também era uma sociedade culta e avançada, dotada de elites refinadas, até se descobrir refém de autoritários alucinados.

Não digam que não pode acontecer por aqui. O ovo da serpente já está sendo chocado...

Paulo Roberto de Almeida


in 

A serviço de uma camarilha autoritária, dinheirista e familista


Primoroso o artigo do Vinícius Torres Freire na Folha de hoje (17/11/2019). Caracteriza perfeitamente o tipo de gente que se juntou a Bolsonaro. Traça um perfil da escória bolsonarista comandada por uma camarilha autoritária, dinheirista e familista.

Bolsonaro quer dar futuro ao reacionarismo

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo(17/11/2019)
Isolamento político e situação socioeconômica ruim podem dificultar ascensão da APB
A ideia de restauração de uma identidade conservadora do Brasil foi uma fantasia do bolsonarismo desde seu início.
Parecia tão caricata quanto um dia foi a candidatura de Jair Bolsonaro, que chegou ao Palácio do Planalto, no entanto. O presidente improvável quer agora criar o partido da sua revolução reacionária, a Aliança pelo Brasil (APB). O que pode sair daí?
A APB é um expurgo sectário no governismo e um movimento que isola ainda mais Bolsonaro no Congresso e na política partidária em geral. A arenga autoritária da família e de sua seita antiestablishment o afasta do Supremo, que, de resto, acaba de soltar Lula e retira paulatinamente o apoio ao lava-jatismo, uma seiva do bolsonarismo.
Que tipo de ambiente socioeconômico pode favorecer o movimento reacionário da APB? Trata-se de uma economia que apenas em 2024 deve voltar a ter a renda (PIB) per capita de 2013. Que deve ter uma taxa de desemprego além de 10% ainda na eleição de 2022. Que até então terá passado anos sem aumento do salário mínimo ou melhoria notável de serviços públicos, para nem mencionar o efeito do desmonte legal e estrutural do mundo do trabalho como o conhecemos.
O bolsonarismo também foi um meio para que certos grupos sociais pela primeira vez reivindicassem posições centrais de poder, mesmo que já tivessem participação política relevante. Por exemplo, fundamentalistas cristãos e o universo social e regional do agronegócio. Servidores públicos armados e os adeptos de suas ideias de segurança pública. Novas classes médias altas (em termos estatísticos, quem ganha além de R$ 5.000) e individualistas obsessivos de teologias e paganismos da prosperidade.
Os militantes enfáticos desses grupos chegaram ao centro e ao topo com Bolsonaro, não como aliados menores. Suas falanges radicais serão representativas de sua base social? Sem melhoras socioeconômicas mais notáveis, apelando à radicalização e ao isolamento político, exclusivista e sectário, a APB pode dar organicidade ao bolsonarismo e ainda crescer?
No seu núcleo central e puro, a APB tenta combinar o fundamentalismo religioso desconfiado ou enojado da ciência, um nacionalismo de torcida de futebol submisso à internacional reacionária e aquele conservadorismo de costumes das personagens carolas e taradas de Nelson Rodrigues.
Esse é um lado da moeda, o da propaganda do bem-pensante reacionário, digamos, que à primeira necessidade rasga essa fantasia, porém. O núcleo do movimento é autoritário, dinheirista e familista. Explode em violência em nome do interesse particular mais mesquinho e viveu pendurado no Estado.
Os modos “família” logo se dissolvem na cafajestagem sexista, na conversa recheada de palavrões e expletivos grosseiros, obcecada com sexo.
São escassamente letrados. São adeptos do “trezoitão” como mediador de conflitos e da dialética da briga de trânsito ou de torcidas organizadas. Não têm sentimento ou ideia de nação que não seja a de contraposição a inimigos internos ou externos, tanto faz se imaginários ou não (comunistas, globalistas, esquerdistas, feministas, isentões, cientistas etc.).
A APB vai conseguir passar verniz bastante de “Deus, Pátria, Família” nesse seu cerne bruto? Uma parte significativa do país vai se engajar nesse projeto de controle autoritário da educação e da cultura, de desmoralização da ciência, de diplomacia conflituosa, de desbaste de direitos civis e sociais?
Cabe acrescentar, como lembrou hoje Bernardo Mello Franco, em O Globo, que “Deus, Pátria e Família era o lema do integralismo, movimento de inspiração fascista fundado por Plínio Salgado em 1932. Deus, Pátria e Família é o lema da Aliança pelo Brasil, partido lançado pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019. Os dois grupos de ultradireita são separados por 87 anos e duas ditaduras. Unem-se no apelo à fé, ao nacionalismo e ao anticomunismo para mobilizar seguidores e disputar o poder”.