O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A barata que se tornou primeiro-ministro - Ian McEwan (OESP)

A BARATA DEFENSORA DO BREXIT

Ian McEwan
Em ‘A Barata’, McEwan transforma um inseto no primeiro-ministro do Reino Unido.
O Estado de S. Paulo, 22/12/2020
Uma barata desperta dentro do corpo de um homem que, não por acaso, é o primeiro-ministro do Reino Unido. Seu gabinete, aliás, é formado na maioria por baratas com forma humana, insetos que semeiam a discórdia, sob pretexto de patriotismo. Esse é o ponto de partida de A Barata, romance satírico em que o escritor britânico Ian McEwan reflete sobre o Brexit, a controversa saída do Reino Unido da União Europeia. Com lançamento previsto para o final de janeiro pela Companhia das Letras, A Barata ironiza homens habituados a cortejar a insensatez. Leia, a seguir, um trecho inédito da tradução brasileira, assinada por Jorio Dauster.
“Nas suas condições incomuns, deitado numa cama nada familiar, parecia incrível que se recordasse de tais detalhes. Bom saber que seu cérebro, sua mente, não tinha se alterado em nada. Apesar de tudo, em essência ele continuava a ser o que era antes. Foi a surpreendente presença de um gato que o obrigou a correr não em direção aos rodapés, mas às escadas. Subiu três degraus e olhou para trás. O gato, com malhas brancas e marrons, não o tinha visto, porém Jim considerou perigoso descer. Por isso iniciou a longa subida. No primeiro andar havia muita gente andando de um lado para outro, entrando e saindo dos aposentos. Mais possibilidades de morrer pisoteado. Uma hora depois, quando chegou ao segundo andar, os tapetes estavam sendo vigorosamente atacados por um aspirador de pó. Conhecia muitas almas que haviam se perdido daquela forma, sugadas para um além-mundo poeirento. Nenhuma alternativa senão continuar a subir até… Mas então, repentinamente, ali no sótão, todos os seus pensamentos foram obliterados pelo tilintar ríspido de um dos telefones na mesinha de cabeceira. Muito embora ele tivesse descoberto que era capaz ao menos de mover um dos membros, o braço, decidiu não se mexer. Não confiava em sua voz. E, mesmo que confiasse, o que iria dizer? Não sou quem você pensa que eu sou? Depois de quatro toques, o telefone ficou em silêncio.
Ele se recostou e deixou que seu trepidante coração se acalmasse. Testou mexer as pernas. Pelo menos elas saíram do lugar. Mas poucos centímetros. Tentou outra vez um braço, e o ergueu até ficar bem acima da cabeça. Então, de volta à história. Ele se esforçou para vencer o derradeiro degrau e chegou sem fôlego ao último andar. Enfiou-se por baixo da porta mais próxima e entrou num pequeno apartamento. Em condições normais, iria direto para a cozinha, mas em vez disso escalou um pé da cama e, totalmente exausto, se arrastou para baixo de um travesseiro. Deve ter caído em um sono profundo por… Mas, naquele momento, que merda, ouviu sons de batidas leves e, antes que pudesse reagir, a porta do quarto estava sendo aberta. Uma mulher ainda jovem, vestida com um terninho bege, se postou na soleira e fez um aceno rápido com a cabeça antes de entrar.
“Tentei telefonar, mas achei melhor subir. Primeiro-ministro, são quase sete e meia.”
Ele não conseguia pensar no que dizer.
A mulher, sem dúvida uma espécie de assistente, entrou no quarto e pegou a garrafa vazia. O jeito dela era demasiado informal.
“Que noite, hem?”
Não seria possível permanecer em silêncio por mais tempo. Da cama, tentou emitir um som inarticulado, algo entre um gemido e um coaxar. Nada mau. Mais agudo do que desejaria, com um quê de chilreio, mas suficientemente plausível.
A assistente gesticulava em direção à mesa grande, para as pastas vermelhas. “Imagino que não tenha tido a oportunidade de…”
Ele se manteve na defensiva, emitindo o mesmo som outra vez, agora em tom mais baixo.
“Talvez, depois do café da manhã, o senhor poderia dar uma… Não custa lembrá-lo. Hoje é quarta-feira. Reunião ministerial às nove. Prioridades para o governo e PPM ao meio-dia.”
Perguntas ao primeiro-ministro. Quantas daquelas sessões ele já tinha ouvido, fascinado e agachado atrás dos lambris apodrecidos na companhia de uns poucos milhares de distintos companheiros? Conhecia perfeitamente as perguntas que o líder da oposição formulava aos gritos, as brilhantes respostas falaciosas, as vaias festivas e as imitações de balidos. Seria a realização de um sonho desempenhar o papel de primo uomo na opereta semanal. Mas estaria ele devidamente preparado? Sem dúvida não menos que qualquer outra pessoa. Sobretudo depois de dar uma olhadela nos papéis. Como muitos de sua espécie, ele saberia se mover rápido, muito embora só contasse agora com duas pernas.
No lugar onde antes exibia uma bela mandíbula, o insalubre pedaço de tecido denso se agitou e produziu a primeira palavra humana.
“Correto.”
“Vou providenciar o café lá embaixo.”
Muitas vezes ele havia bebericado café altas horas da noite no piso do salão de chá. Isso costumava fazê-lo ficar acordado durante o dia, mas ele apreciava o sabor e o preferia com leite e quatro cubinhos de açúcar. Supunha que seu pessoal soubesse disso.
Tão logo a assistente saiu do quarto, ele se livrou das cobertas e por fim conseguiu girar as pernas tubulares para pisar no tapete. Pela primeira vez se pôs de pé, oscilando um pouco ao atingir aquela altura vertiginosa, e voltou a gemer, com as mãos pálidas e macias apertadas contra a testa. Minutos depois, caminhando trôpego para o banheiro, as mesmas mãos começaram a remover o pijama com agilidade. Libertou-se dele e se postou sobre os ladrilhos agradavelmente aquecidos. Divertiu-se ao urinar de forma ensurdecedora num recipiente de cerâmica preparado especialmente para aquilo, e então se sentiu mais animado. Mas, ao se virar para confrontar o espelho acima da pia, seu estado de espírito voltou a se turvar. Repugnou-o o disco oval de um rosto com a barba por fazer, mal equilibrado em cima de um caule grosso e rosado que servia de pescoço. Os olhos pequeninos o chocaram. Enojou-o a dobra de carne mais gorda e mais escura que emoldurava uma série de dentes que nem brancos eram. Mas, como estou aqui por uma causa gloriosa, a tudo suportarei, ele se tranquilizou, enquanto observava as mãos abrirem a torneira e se dirigirem ao pincel e à espuma de barbear.

Ian McEwan nasceu em 1948 em Aldershot, na Inglaterra. Escritor prolífico, foi inúmeras vezes indicado ao Man Booker Prize (hoje Booker Prize) e ganhou o prêmio, considerado o mais prestigioso em língua inglesa, em 1998, com Amsterdã. Seu livro Reparação foi adaptado para o cinema em 2007 e indicado ao Oscar de melhor filme. Outras novelas de sua autoria também foram adaptadas para as telas

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

OMC: o futuro incerto - Federico Steinberg (Esglobal)

Depende: el futuro de la OMC

Es Global, Enero 2, 2020

OMC_portada
La sede de la OMC en Ginebra.FABRICE COFFRINI/AFP via Getty Images

¿Tiene remedio la profunda crisis que atraviesa la Organización Mundial del Comercio?¿Cuáles son las perspectivas de futuro para el multilateralismo y la cooperación comercial?
La Organización Mundial del Comercio (OMC), creada en 1995 y continuadora del exitoso Acuerdo General sobre Aranceles y Comercio (GATT), que ha sido el pilar central del multilateralismo y la cooperación en materia comercial desde la Segunda Guerra Mundial, está en una profunda crisis. Estados Unidos se salta sus normas cuando lo considera conveniente y establece aranceles unilaterales al tiempo que bloquea el funcionamiento de su mecanismo de solución de disputas. China, sin saltarse la letra de la normativa, viola su espíritu y despliega un amplio abanico de prácticas que suponen una competencia desleal frente a las empresas de sus competidores. Y la Unión Europea, gran defensora del multilateralismo y las normas para la globalización, intenta sin éxito impulsar su reforma.

«La OMC ha fracasado»
OMC_futuro
Un conferencia sobre el papel de la OMC en el siglo XXI, París, 2018. ERIC PIERMONT/AFP via Getty Images
No, pero a día de hoy, ya no es capaz de gobernar el comercio del siglo XXI. Aunque en retrospectiva se puede afirmar que el GATT, primero, y posteriormente la OMC, han sido una excelente forma de eliminar la protección arancelaria vinculada al comercio de bienes, lo cierto es que la institución no ha sabido dar respuesta ni a la nueva y cada vez más compleja realidad comercial ni al encaje de una economía como la de China, que juega con reglas diferentes a las de Occidente. Hoy, los retos de la regulación del comercio ya no tienen que ver con la bajada de aranceles y el acceso a los mercados para bienes industriales, sino con el creciente comercio de servicios, la regulación sobre las inversiones, las nuevas formas sofisticadas de protección (subvenciones y obstáculos técnicos al comercio) o los nuevos temas vinculados al comercio (propiedad intelectual, desarrollo, estándares laborales o medioambientales). También, y esto seguramente es lo más complicado, necesita ser capaz de gestionar los conflictos comerciales en un mundo cada vez más multipolar y con modelos económicos divergentes entre Occidente y Asia.
Por lo tanto, aunque han sido muchos los logros y los avances, no se puede decir que la adaptación de la OMC haya sido demasiado exitosa. La organización no ha sido capaz de acabar la Ronda de Doha iniciada en 2001, sólo ha cerrado un mínimo acuerdo multilateral en 2013 sobre facilitación del comercio y hoy se ve incapaz tanto de avanzar en la regulación de la nueva agenda comercial como de preservar el propio sistema multilateral de reglas y evitar la guerra comercial que Estados Unidos ha iniciado como respuesta a las prácticas comerciales de Pekín.
En el fondo, la crisis de la OMC no es más que el reflejo de la dificultad de hacer funcionar organismos multilaterales cuyas decisiones se adoptan por unanimidad en sistemas económicos cada vez más complejos, multipolares, con intereses estratégicos contrapuestos y con un comercio y un proteccionismo más sofisticado.
«Es urgente desbloquear el mecanismo de resolución de disputas»
Sí porque es la joya de la corona de la institución y sin su correcto funcionamiento la OMC pierde toda credibilidad. Tener reglas para la globalización comercial es importante porque sustituye la ley del más fuerte por el Derecho internacional. Pero igual de importante es tener un tribunal que dirima conflictos comerciales mediante la aplicación de las normas, ya que las disputas siempre se producirán, haya o no reglas. Es poco habitual que los Estados acepten la jurisdicción de un tribunal supranacional que pueda decirles lo que tienen que hacer en contra de sus intereses de corto plazo. Además, algunos de los tribunales existentes, como el del CIADI del Banco Mundial – cuya labor es dirimir conflictos relativos a las inversiones– tienen una limitada capacidad para asegurar el cumplimiento de sus decisiones. Asimismo, muchas de las resoluciones de las organizaciones internacionales, especialmente de las que tienen que ver con el sistema de Naciones Unidas, simplemente no se cumplen porque carecen de mecanismos que impongan su aplicación. Por eso suele decirse que estas instituciones “ladran, pero no muerden”.
Trump_multilateralismo
Figura que representa Donald Trump jugando al golf con pelotas que simbolizan las organizaciones internacionales, entre ellas la OMC, Berlín,2019. OLIVER BERG/DPA/AFP via Getty Images
Cuando se creó la OMC, se acordó crear un mecanismo de resolución de diferencias con un órgano de apelación que se encargara de dirimir conflictos y de aprobar sanciones en el caso de que un Estado o empresa sufriera un daño económico por la violación de las normas de la OMC por parte de otro país o compañía. Y, como estas sanciones sí hacen daño porque generan pérdidas económicas, el tribunal de la OMC se erigió en el mecanismo más potente del sistema internacional para dirimir conflictos económicos y hacer cumplir las reglas (el GATT no tenía nada similar). De hecho, como ante la amenaza de sanciones los Estados están dispuestos a cambiar sus prácticas comerciales, pero sin sanciones no, cada vez hay más voces que abogan por introducir bajo el paraguas de la normativa OMC temas no estrictamente vinculados al comercio, desde los climáticos hasta los de derechos humanos, con el fin de asegurar su complimiento.
Todo funcionaba más o menos bien hasta que llegó Donald Trump. Las decisiones del tribunal de la OMC se respetaban, se cumplían y se consideraban aceptables por los miembros de la organización. Pero la Administración estadounidense insiste en que el tribunal está extralimitándose (creando jurisprudencia al interpretar la normativa más allá de la aplicación de las reglas), que no sirve para cambiar las prácticas comerciales de China y que falla sistemáticamente en contra de EE UU al aplicar un criterio para calcular el redondeo de precios en los procedimientos antidumping que no le convence. Por todo ello, a medida que han ido expirando los mandatos de los jueces que tienen que formar los paneles del mecanismo de apelación del sistema de resolución de diferencias, ha vetado las nominaciones de todos los nuevos candidatos. Esto supone que en diciembre de 2019 el mecanismo de apelación no podrá tomar decisiones para dirimir conflictos por carecer de jueces para formar los paneles. Y si el tribunal no puede operar, qué incentivo hay para cumplir las reglas.

«Nadie sabe cómo reformar la organización»
No es así. Sabemos qué hay que reformar, pero no nos ponemos de acuerdo en los detalles. De hecho, el diagnóstico sobre las áreas que necesitan reforma está bastante claro y no hay ningún país que niegue la necesidad de tener unas reglas consensuadas y legítimas para gestionar los intercambios comerciales. El problema es que, en este momento, las posiciones están demasiado enfrentadas, y mientras China y EE UU no pongan fin a su guerra comercial, será muy difícil alcanzar un acuerdo.
La reforma de la OMC debería centrarse en las normativas de subsidios (en particular en el sector industrial), propiedad intelectual y transferencia de tecnología, tratamiento de empresas públicas, tasas a la exportación, defensa de la competencia en materia comercial internacional, las reglamentaciones sobre servicios o la facilitación de la inversión. Asimismo, es importante mejorar la transparencia (por ejemplo, en notificaciones), la efectividad de los comités, así como replantearse de una vez aspectos institucionales cruciales como la paralizante regla del consenso, el absurdo trato preferencial a países que se autodenominan en desarrollo –en vez de caso por caso– o clarificar definitivamente la peligrosa cláusula de seguridad nacional (de cuyo uso Estados Unidos está abusando), así como la interpretación de la normativa en el mecanismo de apelación del sistema de resolución de conflictos en términos más generales. Por último, dada la creciente necesidad de afrontar el problema del cambio climático, desde distintos ámbitos está abogándose por incorporar a la OMC normativas que fijen unos estándares medioambientales mínimos en la producción de bienes destinados a las exportaciones, sobre todo en los países en desarrollo.
«La reforma es políticamente inviable»
OMC_sede
Delegados entran en la sede de la OMC en Ginebra. FABRICE COFFRINI/AFP via Getty Images
Falso, es posible una reforma de mínimos que salve la institución. Dada la coyuntura actual, en vez de hablar de una refundación de la institución, que seguramente llevaría a la frustración, lo más efectivo sería que un grupo reducido de grandes potencias comerciales liderara un acuerdo al que posteriormente se pudieran adherir todos. La UE, en colaboración con Japón, Canadá, Corea del Sur y Australia, parece hoy la única potencia capaz de encabezar la reforma, que pasaría por buscar acuerdos de mínimos que tanto EE UU como China pudieran aceptar. Pekín se ha mostrado dispuesta a ceder siempre que se preserve el carácter liberal y abierto de régimen comercial multilateral del que tanto se ha beneficiado, la clave es hasta qué punto está dispuesta a modificar sus prácticas nocivas de forma que se garantice un campo de juego equilibrado sin actores que jueguen con ventaja. Estados Unidos, por su parte, más allá de las bravuconadas de Trump, también parece comprender que un marco mínimo de reglas multilaterales es necesario, por lo que podría estar dispuesto a aceptar ciertas reformas, más allá de que seguramente intentará continuar con su aislamiento económico progresivo, pero sin por ello desmantelar la globalización. El objetivo sería que abandonara las prácticas más nocivas para el orden multilateral, como el unilateralismo agresivo, el bloqueo del mecanismo de apelación de la OMC o el uso de las sanciones económicas para obtener objetivos geopolíticos. No se trata de lograr un acuerdo ideal que resuelva la tensión geoestratégica entre China y EE UU. Eso es imposible. Se trata de alcanzar un marco de reglas que sean aceptables por todos y den estabilidad a las relaciones económicas internacionales durante algunas décadas.

Depoimento (comovente) do jornalista Gilberto Dimenstein, que renasceu...

“Aquele Gilberto Dimenstein de antes do câncer morreu”. Depoimento à Ana Estela de Sousa Pinto

Aquele Gilberto Dimenstein de antes do câncer morreu

Para jornalista, diagnosticado neste ano, ver o limite da vida pode ser dádiva

Ana Estela de Sousa Pinto
Chumbo Gordo, 1/01/2020
Resultado de imagem para gilberto dimenstein"

Depoimento do jornalista Gilberto Dimenstein à Ana Estela de Sousa Pinto 
- Publicado originalmente na Folha de S. Paulo,edição de 30 de dezembro de 2019

O jornalista Gilberto Dimenstein, 63, descobriu neste ano um câncer de pâncreas, com metástase no fígado. Ele conta sobre a doença, o tratamento e as mudanças em sua forma de enxergar a vida e as relações humanas.
Sonhei com uma mulher dizendo que eu estava com câncer. Sou super-racional, acredito na ciência, na lógica. Mas foi um sonho tão claro que fiquei encasquetado.
Fui aos médicos, fiz colonoscopia, endoscopia, ultrassonografia, não achavam nada, mas eu continuava impressionado. Um gastroenterologista pediu uma tomografia, “só para tirar a dúvida”.
Fui às 22h, o resultado começou a demorar. Veio um enfermeiro e perguntou se não sentia muita dor, porque tinha pancreatite, mas eu não sentia nada. Não sentia nada. Procurei na internet: pancreatite dá em quem bebe —sou abstêmio há seis anos— e em quem tem vesícula —que eu já tinha tirado. Era câncer.
No dia seguinte, já estava no hospital. Tirei o tumor bem no comecinho, o que aparentemente era boa notícia.
Mas, passadas três semanas, ele estava no fígado. Fizemos quimioterapia para operar, mas, em vez de parar, o tumor cresceu. Passei quatro meses de tantas más notícias… muita febre todo dia, comecei a já me preparar para a despedida. Foi o meu período pessimista.
Hoje —é até difícil falar ​isso— estou vivendo o momento mais feliz da minha vida. Aquele Gilberto Dimenstein antes do câncer morreu. Nasceu outro.
Câncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da vida. Não queria ter ido embora sem essa experiência.
Grande parte da minha vida foi marcada pelo culto a bobagens: ganhar prêmio, assinar matéria na capa, o tempo todo pensando no próximo furo. É como se estivesse passando por um lugar lindo num trem em alta velocidade, vendo tudo borrado.
Quando você tem um câncer (ainda mais como o meu, de metástase e de pâncreas, um tipo muito agressivo), não há alternativa. Ou vive o presente ou sua vida vira um inferno.
…Tudo isso poderia fazer um cara superinfeliz. Mas as relações emocionais se sofisticam. Descobri só agora a profundidade da relação homem-mulher. Você está com enjoos, dores não apenas físicas, e a pessoa do seu lado o tempo todo. Não conhecia essa cumplicidade nesse nível…
E aí começam a aparecer coisas incríveis. Gosto de andar de bicicleta, e comecei a sentir o vento no rosto, como se estivesse sendo beijado. Você vê seu neto deitado com você [Dimenstein tem um neto de dois anos e espera o segundo para daqui a seis meses]. Acorda com os bem-te-vis e escuta os bem-te-vis.
Falar em sentidos é importante, porque meu tratamento tira o gosto, até a água fica ruim. Com o tratamento, também acaba a vida sexual; você fica impotente.
É uma fase de muitos pesadelos, que melhoram com o canabidiol [composto químico derivado da maconha, liberado para uso medicinal].
Tudo isso poderia fazer um cara superinfeliz. Mas as relações emocionais se sofisticam. Descobri só agora a profundidade da relação homem-mulher. Você está com enjoos, dores não apenas físicas, e a pessoa do seu lado o tempo todo. Não conhecia essa cumplicidade nesse nível.
Nós vivemos nos meios digitais a era da indelicadeza, 500 mil pessoas criticando. Eu acabei entrando no mundo das gentilezas. Cada pessoa tem uma palavra, um chá, uma dica de oração, um olhar gentil. O outro mundo vai ficando ridículo.
Com ou sem câncer vamos todos morrer, e se pudermos antecipar essa sensação, vamos evitar várias bobagens. A clareza maior da morte é uma dádiva. Não é o fim, mas um começo.
Pode ser o começo de um belo fim de vida, viver esses momentos com a família, ou um pit stop para voltar melhor. O cara tem que ser muito, muito, muito idiota para não voltar melhor.
Não é que eu ache que morrer é bom, mas você começa a questionar por que existe, e a conclusão é que, se não podemos escolher como entramos na vida, podemos decidir como sair dela.
Quando o médico me disse que eu estava com câncer, passou um dia, dois, três, e não tive medo. Só temia o impacto da minha morte nos outros. Não me senti desesperado. Nada, nada, nada. Até me espantei comigo mesmo.
Em inglês se chama “surrender” [render-se]. Você não está mais no comando, e isso é motivo de alívio. De felicidade, até.
Descobri que meu pavor era passar a vida sem propósito. Olhei para trás, e, apesar de todas as minhas delinquências —que não foram poucas—, acho que fiz mais bem que mal. Mudei minha carreira para fazer um jornalismo que não é de filantropia nem altruísmo, mas de empoderamento, de usar a comunicação para promover causas.
Não inventei nada, o comunicador não faz o vinho. Mas tira a rolha.
Acabei sendo obrigado a deixar de ser aquele jornalista racional, imparcial. Deixei de ser um espectador e passei a ser torcedor. Você vira um eunuco como jornalista, porque passa a querer dar só boa notícia.
Já antes do câncer tinha começado minha “quimioterapia social”, na Orquestra Sinfônica de Heliópolis [de cujo conselho Dimenstein é presidente], que esteve perto de fechar. Em nenhum momento neste ano parei de trabalhar, arrecadar fundos, promover esse e outros projetos que acompanho. Não é bondade, é conexão com a vida.
O evangelho segundo são João diz “No princípio era o verbo”. É a palavra que gera o poder, e nós, comunicadores, trabalhamos com isso, podemos fazer as pessoas poderosas trabalharem juntas.
Hoje há um enorme desperdício. Há um ditado árabe maravilhoso, “gavião não voa em bando”, ainda mais perfeito em inglês, “eagles don’t fly together” —eagles tem o mesmo som de egos. Cada um quer ter seu legado, sua placa, seu projeto. Um secretário não trabalha com outro, a prefeitura não trabalha com o estado, um dinheiro enorme sai pelo ralo, sem meta, sem avaliação, sem trabalho articulado, uma catástrofe.
O mundo é como um corpo humano. Há pessoas que espalham infecções, se xingam, se odeiam. [O presidente dos EUA, Donald] Trump e [o presidente brasileiro, Jair] Bolsonaro não criaram isso, mas sintetizam essa cultura da infecção, do ódio, do confronto. E há os glóbulos brancos, as pessoas que não deixam o mundo acabar, que inventaram a anestesia, o antibiótico, descobriram a hélice dupla do DNA.
Meu tumor passou por análise genética —recebi o resultado ontem [sexta, 27]—, e sou um caso de 1% cuja mutação talvez tenha um tratamento promissor. Em ratos, eliminaram o câncer de pâncreas, e estão começando a testar em humanos, procurando a dose certa. Já me dispus a fazer parte dos testes no Brasil.
É até meio canalha, mas penso “será que eu vou ajudar a encontrar a cura?”. Para um jornalista que gosta de furos, você se transformar num furo de si mesmo é incrível, né? Mas para ajudar os outros.
Voltei a ficar otimista. Ganhei da minha mulher dois ingressos para ver o [músico] Bobby McFerrin nos EUA, em maio. Já estou com planos para o ano que vem. Você volta a ter projetos, é a vida voltando a circular. Eu acho que tenho muita chance, muita chance.
Vida após a morte? Se for igual a esta, prefiro que não exista. Se eu acordasse e estivessem lá Trump, Bolsonaro, [primeiro-ministro da Hungria, Viktor] Orbán, não sei se queria, não [risos].
_________________________________________________
Resultado de imagem para gilberto dimenstein"
Gilberto Dimenstein –  escritor e jornalista. Criador do portal Catraca Livre. Foi comentarista da Rádio CBN e colunista da Folha de S.Paulo por 28 anos

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Trajetória do pensamento brasileiro: duzentos anos de produção intelectual - um livro ainda em preparação - Paulo Roberto de Almeida

Acabo de terminar o rascunho de um livro, mas já me dou por insatisfeito com ele. Por uma razão muito simples: deixei muita gente de fora, e pretendo incluir. 
Se tudo der certo, terei terminado antes de completarmos dois séculos de Estado-nação independente, do contrário, será com quem couber na minha carruagem histórica.
Primeiro, mostro o índice do rascunho desse livro, tal como elaborei no segundo semestre de 2019.
Mais abaixo, um possível novo sumário incorporando outras personalidades. Estão faltando mulheres e provavelmente outros pensadores que ficaram de fora, mas preciso ter bons motivos para incluir cada novo nome. 
O critério é simples: pensadores que fizeram propostas para melhorar o Brasil, tenham sido ou não bem sucedidos em suas proposições. Se repararmos bem, a maior parte foi derrotada nessa nobre e difícil missão de melhorar o Brasil, uma sociedade escravocrata, oligárquica, sempre patrimonialista, não capitalista, desigual, injusta, corrupta, disfuncional, mas que apesar de todos esses defeitos conseguiu construir um país razoável nos trópicos, ainda que preservando o monumental atraso educacional das grandes massas, nossa praga principal.
Critério simples parece uma contradição nos termos. Mas vamos ver o que consigo fazer...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1o. de janeiro de 2020
Trajetória do pensamento brasileiro:
dois séculos de produção intelectual 
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais.
Mestre em economia internacional.
Diplomata.
Edição do Autor – 2019


0. Prefácio: dois séculos de produção intelectual no Brasil    9
1. O primeiro estadista: Hipólito José da Costa    11
2. O patriarca da nação: José Bonifácio de Andrada e Silva  29
3. O patrono da historiografia: Francisco Varnhagen   39
4. O pioneiro da industrialização: Irineu Evangelista de Souza   49
5. Um germanófilo insurreto: Tobias Barreto      57
6. Um monarquista frustrado: Joaquim Nabuco     69
7. O pai da diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco      79
8. Um historiador diplomático: Oliveira Lima   89
9. Um tribuno republicano: Ruy Barbosa    101
10. Um revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha  109
11. Um visionário do progresso: Monteiro Lobato   127
12. A luta pela educação: Fernando de Azevedo    143
13. O progresso pelas mãos do Estado: Roberto Simonsen     153
14. O Dom Quixote da economia de mercado: Eugênio Gudin    167
15. Um jurista weberiano malgré lui: Raymundo Faoro    173
16. O pensador da política: Afonso Arinos de Mello Franco  179
17. O economista desenvolvimentista: Celso Furtado   187
18. O progresso na inserção econômica global: Roberto Campos    197
19. Um estudioso da sociedade patriarcal: Gilberto Freyre   209
20. A interpretação marxista da história: Caio Prado Jr.    215
21. Um sociólogo incontornável: Florestan Fernandes    221
22. Do marxismo ao liberalismo: Antonio Paim   231
23. O enfant terrible do liberalismo: Gustavo Franco  239
24. A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero   249

Agora, o que eu poderia fazer, se conseguir reunir engenho e arte, como disse o poeta: 

Trajetória do Pensamento Brasileiro:
dois séculos de produção intelectual 
Índice (Preliminar) 

0. Prefácio: dois séculos de produção intelectual no Brasil
1.      Um Adam Smith brasileiro: José da Silva Lisboa (Cairu)
2.      O primeiro estadista de um império luso-brasileiro: Hipólito da Costa
3.      O patriarca da nação e primeiro chanceler: José Bonifácio de Andrada e Silva
4.      O construtor da administração: Paulino Soares de Sousa (Visconde de Uruguai)
5.      O patrono da historiografia conservadora: Francisco Varnhagen
6.      O pioneiro da industrialização liberal: Irineu Evangelista de Souza (Mauá)
7.      O germanófilo insurreto do direito: Tobias Barreto
8.      Um aristocrata abolicionista: Joaquim Nabuco
9.      O pai da diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco
10.   Um historiador diplomático: Manuel de Oliveira Lima
11.   O tribuno republicano do civilismo democrático: Ruy Barbosa
12.   O constitucionalista gaúcho: Joaquim Francisco de Assis Brasil
13.   O sociólogo conservador: Francisco José de Oliveira Viana
14.   Um visionário do progresso: Monteiro Lobato
15.   O estudioso da sociedade patriarcal: Gilberto Freyre
16.   A interpretação marxista da história: Caio Prado Jr.
17.   O historiador da civilização brasileira: Sérgio Buarque de Holanda
18.   O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha
19.   O progresso pelas mãos do Estado: Roberto Simonsen
20.   O Dom Quixote da economia de mercado: Eugênio Gudin
21.   A luta pela educação e cultura: Fernando de Azevedo
22.   O geógrafo da fome: Josué de Castro
23.   Um historiador engajado: José Honório Rodrigues
24.   O diplomata da esquerda positiva: San Tiago Dantas
25.   Um jurista weberiano malgré lui: Raymundo Faoro
26.   O pensador da política: Afonso Arinos de Mello Franco
27.   O economista desenvolvimentista: Celso Furtado
28.   O progresso na inserção econômica global: Roberto Campos
29.   O pioneiro da integração latino-americana: Helio Jaguaribe
30.   Um antropólogo da educação: Darcy Ribeiro
31.   Um sociólogo incontornável: Florestan Fernandes
32.   Um diplomata intelectual: José Guilherme Merquior
33.   Um liberal conservador: José Oswaldo de Meira Penna
34.   Do marxismo ao liberalismo: Antonio Paim
35.   enfant terrible do liberalismo: Gustavo Franco
36.   Um sociólogo na presidência: Fernando Henrique Cardoso
37.   A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero
38.   O pai fundador das relações internacionais no Brasil: Celso Lafer

Apêndices
39.   Livros de Paulo Roberto de Almeida
40.   Nota sobre o autor 

(Brasília, 15 de outubro de 2019)

Vale um calendário programado para cada um...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1o. de janeiro de 2020