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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Desmatamento: Brasil quebra todos os recordes no governo Bolsonaro

 OPINIÃO

 
DESMATAMENTO

Salles é preservado enquanto desmate acelera em direção ao ponto de não retorno

Ministro, que coleciona desgastes, estava ausente em anúncio de desmatamento no Inpe

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SÃO PAULO

​A única preservação garantida pelo governo federal durante o anúncio da taxa anual de desmatamento na Amazônia é a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ausente na cerimônia que contou com o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e o vice-presidente Hamilton Mourão.

A alta seguida no desmatamento seria mais um momento de exposição negativa para a imagem do ministro, que já coleciona desgastes. Seu poder no comando da pasta, no entanto, continua intacto e, ainda, protegido pelo papel de relações públicas de Mourão, à frente do Conselho da Amazônia.

O vice-presidente reconheceu, em coletiva de imprensa durante o anúncio, que as Forças Armadas não têm papel de fiscalizar, mas de dar apoio logístico aos agentes do Ibama e do ICMBio —órgãos que seguem sob o comando de Salles.

Desde que assumiu o papel de porta-voz para a Amazônia, no início do ano, Mourão tenta transmitir tranquilidade ao anunciar altas em taxas que já eram recorde.

O atual aumento de 9,5% no desmate anual da Amazônia se sobrepõe a uma alta recorde no período anterior, que disparou 34% na transição dos governos Temer e Bolsonaro —o salto superou as oscilações de taxas de desmatamento dos anos 1990, período anterior aos investimentos em políticas de controle ambiental.

Os avanços nas políticas de controle ambiental atravessaram governos FHC, Lula, Dilma e Temer, de modo que desde 2008 o país mantinha as taxas de desmatamento da Amazônia abaixo dos 10 mil km2.

O que acontece agora —com a taxa atual de 11.088 kmde desmatamento, seguida dos 10.129 km2 no ano anterior —é um retorno acelerado na direção do descontrole ambiental.

No entanto, não podemos voltar no tempo. Existe um outro número que não oscila, mas apenas acumula e marca um limite natural: o desmatamento acumulado desde que o monitoramento foi iniciado, em 1989, chega a 814.025 km2, e ultrapassa 20% do total do território amazônico.

Embora a conta não registre eventuais áreas recuperadas, ela inexoravelmente nos posiciona à beira do abismo, ou exatamente em cima do ponto de não retorno calculado pela teoria de savanização da Amazônia.

Segundo o climatologista Carlos Nobre, a resiliência e a capacidade de regeneração natural da floresta amazônica fica ameaçada a partir da devastação de 20% a 25% do seu território, iniciando um caminho —já reforçado pelas mudanças climáticas — de savanização, quando a Amazônia perde suas características e passa a se parecer mais com o cerrado, com alterações em seu regime de chuvas, no clima, no abastecimento hídrico e também na economia agrícola no restante do país.

Vivemos uma aproximação dos limites planetários em 2020, quando as mudanças climáticas já se impõem como um fator presente e não mais uma projeção, e esse contexto também eleva a preocupação internacional sobre a proteção da maior floresta tropical do mundo.

O recado dado por embaixadores de países europeus, por investidores estrangeiros e até por empresários brasileiros, em diversas reuniões com Mourão ao longo deste ano, foi claro: a taxa de desmatamento precisa cair.

Por mais que os discursos sejam promissores e outros projetos sejam também importantes, o governo sempre será medido e cobrado pelo controle do desmatamento. No Brasil, este é o sinal mínimo de comprometimento com uma política ambiental.

Embora não dialoguem com a sociedade civil organizada, Salles e Mourão ainda terão que explicar aos seus interlocutores do mercado e das relações internacionais como o discurso ao longo de 2020 resultou em uma alta em cima de uma taxa que já era recorde.

A Justiça também aguarda explicações. Além de diversas ações contra a gestão de Ricardo Salles nos tribunais, boa parte iniciada pelo Ministério Público, uma ação no Tribunal de Contas da União também pede investigação sobre a destinação de R$ 60 milhões mensais do Exército para fiscalização ambiental enquanto o orçamento anual do Ibama é de R$ 70 milhões.

Como um aumento exponencial do investimento em fiscalização com a divulgada Operação Verde Brasil 2 resulta em nova alta no desmatamento? Folha havia revelado em maio que a primeira missão comandada por Mourão mobilizou 97 agentes, dois helicópteros e dezenas de viaturas em Mato Grosso para uma operação que terminou sem multas, prisões ou apreensões.

A taxa de 11.088 km2 de desmatamento anunciada nesta segunda-feira se refere ao período de agosto de 2019 a julho deste ano, abarcando o pico de desmatamento ocorrido entre agosto e setembro do último ano.

O período contou com episódios organizados como o Dia do Fogo, no Pará, e gerou uma crise política de proporções internacionais, cujos embaraços são colhidos até hoje pelo país em forma de cobranças diplomáticas e ameaças de boicotes de produtos brasileiros ligados a desmatamento.

No entanto, a conta assumida por Mourão neste ano não contou com nenhum alívio. Tão logo o bioma voltou ao período seco, em maio, os alertas de desmatamento voltaram a se aproximar dos números do ano passado, com "leves altas" em cima de taxas que já eram recorde.

Ou seja, o resultado no acumulado do ano não representava novidade ou surpresa de última hora para o governo, que já vinha lidando com constrangimentos gerados no início do período calculado pelo Prodes.

Enquanto o vice-presidente Mourão insiste no malabarismo de controlar a imagem internacional do Brasil sem exercer o controle ambiental na Amazônia, o projeto antiambiental do governo Bolsonaro segue sem ressalvas. À beira do ponto de não retorno, aceleramos.

Aventuras de banqueiros ingleses na AL independente: Barings

 O próprio presidente argentino desconfiava da solidez dos títulos soberanos emitidos por seu país:

 from The Sixth Great Power: A History of One of the Greatest of All Banking Families, The House of Barings, 1762-1929 by Philip Ziegler.

 The Baring Brothers, England’s most prestigious and prominent banking firm in the early 1800s, came close to failing due to large investments in Argentina and Mexico in the 1820s:

"The investors’ skepticism [of investing in Argentina] was soon justified. Things went merrily for two or three years. [Baring agent] Robertson reporting from Buenos Aires in 1825: ‘Nothing can be more satisfying than to observe the rapid strides which the Country makes in every branch of public and domestic economy. But war with Brazil changed all that, draining the National Bank and making the currency worthless. Buenos Aires has been gradually sinking into a state of Poverty and Disorganization, from which it will require many years for her to emerge,' Robertson wrote gloomily at the end of 1827.

 The hero of the Liberation, San Martin himself, provided an ironic commentary on the prospects for his continent. He came to London with money to invest and called at Bishopsgate to seek advice. Barings offered him a tempting range of Latin American stocks, including the 1824 Argentine loan, which was now at so much of a discount as to be yielding a return of nearly 9 per cent. 

He rejected them all in favour of British 3 per cent Consols. He was proved right in January 1828 when the Argentine government defaulted on its interest payments. For Barings this was the most painful of the many shocks they had suffered in the previous two years.

"They had already had a nasty fright in Mexico. Apart from Brazil, Mexico, with its long-established and profitable export of silver, was economically the strongest country in Latin America. Barings were interested in the possibilities of increased trade and perhaps even some investment. In 1825 Francis Baring, Alexander's second son, was sent out on a fact-finding mission.

"His first reactions were of dismay. 'This country is a desert,' he told Humphrey Mildmay. He urgently requested six boxes of Seidlitz powders and 'a stoutish hunting crop with bronze handle, the dogs are wolves, and one's legs are always in danger'. The country could be prosperous if properly run, but 'I do not see any material in this country out of which they could form a good set of ministers, and even were such treasures to be found, there is not public spirit or intelligence sufficient to support them in their measures'. Mexico would go on borrowing so long as England would lend, 'and they will end up by a complete break up or bankruptcy'.

"What happened next is hard to establish with any exactness, but it effectively ended his career in banking. He found the climate oppressive, took to drink, and was still further borne down by a shooting accident, in which he contrived to kill an English friend, Augustus Waldegrave. Then he fell among thieves, in particular one Robert Staples who had previously been British Consul in Mex­ico City. Egged on by these new acquaintances, he concluded that Mexico was the country of the future -- 'When I was in Mexico,' he wrote long afterwards, 'I believed -- God help me! in Mexican stabil­ity.' He began to invest largely in mining shares and miscellaneous bonds. His crowning folly came when he bought for 800,000 pesos (about £160,000) 9 million acres of the Parral estate in northern Mexico from the creditors of the Marques de San Miguel de Aguallo. 'I mention for the information of the gentlemen of your house,' he wrote proudly to Le Roy Bayard in New York, ' ... that I have lately made an extensive purchase of land here in conjunction with Mr Staples's house, and that I have great confidence in the soundness of the operation.

"His confidence was not shared by his partners in London. He had committed Baring Brothers to pay 25 per cent of the purchase price immediately and this obligation was duly honoured, but enough was enough. Alexander Baring wrote in outrage to his errant son:

Our position with respect to your operation is the most per­plexing possible. After repeated readings of your letter I can­not make out what you have been doing .... If you have been buying a large tract of land, with herds of oxen, sheep and all the appendages of farming, I have only to say that however the world may consider your bargain, I have no doubt that it would prove ruinous to you if for your own account, and that for us it is totally unsuited. We are a house of trade, and have no business with any adventure of the kind, to say nothing of one out of all proportion to the extent of our capital. ... You may conceive the surprise and uneasi­ness which your letters and projects have created, and being quite unable to reconcile them to my opinion of your con­duct and judgment, I live in hope that I have not properly understood you, and that on further reflection you will have been able to back out, and remit your money home in safe bills before you leave Mexico ....

Mr Holland and I have work'd hard for our fortunes and do not wish to risk them. Humphrey, just beginning to get on his legs, cannot afford such risk, and I know pretty well what your position requires .... One of your bad qualities, my dear Francis, and I do not attribute many to you, is that you are a bad taker of advice, but if, on this occasion, I administer mine rather harshly, it is because I have no time for circumlocution and because you are entitled to have from me my unequivocal sentiments. At all events, what I must insist on is, that if you have made any landed or mining adventure for us to the extent of £40 or 50,000, you do not leave the country until you have placed it in good hands and that you in any case come straight to me.

"There was no escape for Barings from the portfolio of dubious investments with which Francis had endowed them, but from the contract to buy the Parral estate at least they were able to extricate themselves with no more than the loss of their original £40,000. Nationalist sentiment in Mexico had always been hostile to the own­ership of land by foreigners, and it did not take more than lobbying and a few small but judiciously apportioned bribes to contrive that the Chamber of Deputies passed a bill retrospectively forbidding foreigners to buy country property."

The Sixth Great Power: A History of One of the Greatest of All Banking Families, The House of Barings, 1762-1929
 
author: Philip Ziegler 
title: The Sixth Great Power: A History of One of the Greatest of All Banking Families, The House of Barings, 1762-1929 
publisher: Borzoi Boo published by Alfred A Knopf, Inc 
date: Copyright 1988 by Barings Brothers & Co. Ltd and P.S. & M. C. Ziegler & Co. 
page(s): 103-105


Os bastidores de um desequilibrado: Trump vaga como um fantasma na Casa Branca (Estadão)

 Bastidores da teimosia de Donald Trump

O Estado de S. Paulo, 30/11/2020

Os fatos eram indiscutíveis: o presidente Donald Trump havia perdido. Mas Trump se recusou a ver dessa forma. Isolado na Casa Branca e ruminando longe da vista do público após sua derrota nas eleições, furioso e às vezes delirante em uma torrente de conversas privadas, Trump estava, conforme relata um conselheiro próximo, como “George, o rei louco, resmungando, ‘Eu venci. Eu venci. Eu venci.’” Por mais alertas que os assessores de Trump possam ter dado sobre sua derrota para o presidente eleito Joe Biden, muitos deles o encorajaram a continuar lutando com processos judiciais. Eles ficaram “felizes em alimentar essa coceira”, disse um conselheiro ouvido pelo Washington Post. “Se ele pensa que ganhou, é como,‘ Shh. . . não vamos contar a ele.’” 

O Washington Post entrevistou 32 altos funcionários do governo Trump, assessores de campanha e outros assessores do presidente, bem como outras figuras-chave em sua batalha jurídica, muitos das quais falaram sob condição de anonimato. O relato dos 20 dias entre a eleição de 3 de novembro e o sinal verde da transição de Biden exemplificam algumas das marcas da vida na Casa Branca na era Trump: um governo paralisado pelo frágil estado emocional do presidente; conselheiros alimentando suas fábulas; brigas carregadas de palavrões entre facções de assessores e conselheiros; e uma perniciosa mistura de verdade e fantasia. O resultado foi um período pós-eleitoral sem precedentes na história dos EUA. Com sua negação do resultado, apesar de uma série de derrotas em tribunais pelo país, Trump colocou em risco a democracia dos EUA, ameaçou minar a segurança nacional e a saúde pública e enganou milhões de seus apoiadores ao fazê-los acreditar, talvez permanentemente, que Biden foi eleito de forma ilegítima.

As alegações de Trump e a hostilidade de sua retórica – e seu poder singular de persuadir e galvanizar seus seguidores – geraram uma pressão extraordinária sobre os funcionários eleitorais estaduais e locais para lidar com suas alegações de fraude e tomar medidas para bloquear a certificação dos resultados da eleição. Quando alguns deles se recusaram, tiveram de receber reforço de segurança para proteção contra as ameaças que estavam recebendo. “Foi como um rastilho de pólvora”, disse o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger. Apesar de ser um republicano que votou em Trump, Raffensperger disse que recusou as repetidas tentativas dos aliados de Trump de fazê-lo cruzar os limites éticos. “Eu não acho que tive escolha. Meu trabalho é seguir a lei. Não vamos ser empurrados para fora dela fazendo isso. Integridade ainda é importante.” Ao mesmo tempo, Trump abdicou amplamente das responsabilidades do seu trabalho, o principal deles gerenciar uma pandemia de coronavírus enquanto o número de infecções e mortes disparava em todo o país. Em uma reviravolta irônica, o conselheiro de Trump escolhido para coordenar a campanha legal e de comunicações pós-eleitoral, David Bossie, testou positivo para o vírus e foi afastado.
Reversão. Apenas em 23 de novembro Trump, relutantemente, concordou em iniciar uma transferência pacífica de poder, permitindo que o governo federal começasse oficialmente a transição de Biden – ainda assim, ele protestou dizendo que era o verdadeiro vencedor. Embora Trump tenha falhado em sua tentativa de roubar a eleição, sua batalha de semanas conseguiu minar a fé nas eleições e a legitimidade da vitória de Biden.
Nos dias após a votação, enquanto Trump lutava para escapar da realidade, o presidente praticamente ignorou sua equipe de campanha e os advogados que o orientaram durante o julgamento de impeachment, bem como o seu exército original de advogados. Em vez disso, Trump empoderou os seus leais escudeiros, que estavam dispostos a dizer o que ele queria ouvir: que teria uma vitória esmagadora se a eleição não tivesse sido fraudada e roubada. E então sacrificar suas reputações travando uma campanha nos tribunais e na mídia para convencer o público dessa ilusão. O esforço culminou em 19 de novembro, quando os advogados Rudolph Giuliani, Jenna Ellis e Sidney Powell falaram em nome do presidente na sede do Comitê Nacional Republicano para alegar uma “conspiração de longo alcance e coordenada para roubar a eleição” para Joe Biden. Não havia nenhuma evidência para apoiar qualquer uma dessas alegações. “Não apenas nossas instituições se mantiveram intactas, mas o esforço de um presidente para reverter o veredicto do povo na história americana realmente não levou a lugar nenhum”, disse William Galston, presidente do programa de estudos de governança do Brookings Institution. “Não é que ficou aquém. Não chegou a lugar nenhum. Isso, para mim, é notável.”
A transformação de Trump em um presidente que estimulou a descrença nos resultados começou na noite da eleição na Casa Branca, onde se juntou ao gerente de campanha Bill Stepien, aos conselheiros Jared Kushner e Jason Miller e a outros assessores importantes em uma “sala de guerra” improvisada para monitorar os retornos da eleição. Seis meses antes da eleição, Trump lançou as bases para acusar a eleição de ter sido “fraudada”, como costumava chamá-la, alertando sobre uma fraude generalizada. Em junho, durante uma reunião no Salão Oval com conselheiros políticos e consultores externos, Trump levantou a possibilidade de processar os governos estaduais pela forma como administram as eleições e disse que não podia acreditar que eles tinham permissão para mudar as regras. Todos os Estados, disse ele, devem seguir as mesmas regras. Assessores disseram que ele não iria querer que o governo federal comandasse as eleições. “Você realmente tem que entender a psicologia de Trump”, disse Anthony Scaramucci, um antigo aliado dele e ex-diretor de comunicações da Casa Branca que se afastou do presidente. “Os sintomas clássicos de alguém como ele é que tem de haver uma conspiração. Não são minhas deficiências, mas há uma cabala contra mim. É por isso que ele é afeito a essas teorias da conspiração”.