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terça-feira, 29 de junho de 2021

O melhor da Brasiliana ao alcance das novas gerações - Paulo Kramer (Congresso em Foco)

 Uma matéria do início de 2019, mas da qual tomei conhecimento apenas agora, e que transcrevo com o prazer que me dá toda reportagem falando de livros, de conhecimento, de história.

Paulo Roberto de Almeida

O melhor da Brasiliana ao alcance das novas gerações

"A crise da República Velha foi caracterizada por agitações político-militares. Tamanha fermentação de ideias ensejou o surgimento daquela que até hoje é a mais importante iniciativa editorial na área de estudos brasileiros, a coleção Brasiliana-Bibliotheca Pedagógica Brasileira"

A crise da república oligárquica – 1889/1930, período conhecido como República Velha – caracterizou-se por agitações político-militares, cujo maior exemplo foi o Tenentismo, até desembocar na Revolução de outubro/novembro daquele último ano. A intelectualidade de então não passaria incólume por essa conjuntura, com a multiplicação de obras literárias, artísticas (Semana de Arte Moderna, 1922), históricas etc, cada uma traduzindo ao seu modo verdadeira sede de redescoberta do Brasil, em busca das raízes do nosso atraso e dos caminhos para a sua superação.

Tamanha fermentação de ideias ensejou o surgimento daquela que até hoje é a mais importante iniciativa editorial na área dos estudos brasileiros: a coleção Brasiliana-Bibliotheca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora Nacional (São Paulo), significativamente iniciada naquele mesmo ano de 1930. A editora tinha sido fundada em 1925 pelo escritor e homem público Monteiro Lobato (1882/1948), para quem um "país se faz com homens e livros", e por seu sócio e continuador no empreendimento, Octalles Marcondes Ferreira (1901/1973). Como editores, a coleção teve dois homens de saber – primeiramente, o sociólogo e educafor Fernando de Azevedo (1894/1974), seguido, a partir de 1956, pelo historiador Américo Jacobina Lacombe (1909/1993). Foram, ao todo, 387 volumes, mais 26 da série Brasiliana-Grande Formato, reunindo relatos de viajantes, naturalistas e etnólogos estrangeiros que percorreram o Brasil dos séculos 16 a 19;  biografias; tratados de geografia física e humana, economia, monografias regionais, obras sobre os Brasis-Colônia, Império e República. (Na senda aberta por essa Brasiliana, viriam depois outras duas preciosas coleções: Documentos Brasileiros, da editora carioca José Olympio, e Reconquista do Brasil, da mineira Itatiaia.)

Pois bem, agora na virada de 2018 para 2019, as edições do Senado Federal (CEDIT@senado.leg.br, ou http://www.senado.leg.br/publicacoes/conselho), sob o comando desse incansável amigo dos bons livros que é Joaquim Campelo Marques, nos brindam com dois grandes lançamentos. O primeiro deles é a coleção Brasiliana Breve, com 20 volumes, a qual  coloca ao alcance dos leitores de hoje   títulos consagrados  da original, tais como como o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, escrito em 1587, pioneiro estudo sistemático da terra e das gentes; a História geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen (1816/1878), o visconde Porto Seguro, diplomata e fundador do estudo 'científico' da nossa história; Formação da sociedade brasileira/Populações meridionais do Brasil, do sociólogo e jurista fluminense Oliveira Viana (1883/1951); Descobrimento do Brasil e povoamento -- mais uma 'seleta' --, do cearense Capistrano de Abreu (1853/1927), outro eminente precursor da historiografia nacional; História das bandeiras paulistas, de Afonso d'Escragnolle Taunay (1876/1958);  e Através da Bahia, excertos da Viagem ao Brasil, 1817/1820, dos naturalistas bávaros Carl Friedrich Philipp von Martius  (botánico e antropólogo, 1794/1868) e Johann Baptist von Spix (zoólogo, 1781/1826), membros da missão científica e artística austro-alemã que acompanhou a arquiduquesa d'Áustria, dona Maria Leopoldina (1797/1826), futura imperatriz-consorte do Brasil, para onde viera a fim de se casar com o princípe-herdeiro, depois imperador dom Pedro I (1798/1834). Incorpora, também, estudos recentes,  que não constam da relação original, mas ajudam a iluminar, sistematizar e compreender episódios e figuras marcantes do multissecular painel histórico traçado pela Brasiliana, prolongando-se até a atualidade; são eles: Atuação da Inquisição no Brasil, organizado pelo historiador e filósofo Antonio Paim; Nossa primeira experiência de governo representativo. idem; Personalidades políticas (Independência e Império, verbetes), idem; Castilhismo: uma filosofia da República, do historiador das ideias políticas Ricardo Vélez Rodríguez, atual ministro da Educação; Primórdios da questão social no Brasil e A Frente Liberal e a democracia no Brasil, ambos do advogado e educador Arsênio Eduardo Correia; O estoque brasileiro de capital segundo sua origem, do jornalista e economista Gilberto Paim (1919/2013); e Síntese da trajetória institucional da República brasileira, de Antonio Paim, Ricardo Vélez Rodríguez e Leonardo Prota (1930/2016) – este último, sacerdote católico, estudioso das filosofias nacionais em perspectiva comparada e antigo professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Antonio Paim, pensador liberal baiano admiravelmente produtivo nos seus 92 anos de idade, não apenas coordenou a presente seleção da Brasiliana como produziu o segundo “presente” da editora do Senado aos amantes da cultura brasileira: o guia de leitura Brasiliana Breve: uma coleção para difundir a historiografia nacional. Em pouco mias de 100 páginas, ao inacreditável preço de R$ 8,00, ele mobiliza a sua notável erudição, aliada ao talento jornalístico para se comunicar com leitores de qualquer grau de instrução, para esclarecer resumidamente o sentido da nova coleção e os  principais aspectos das 20 obras selecionadas. Achei extremamente úteis, por exemplo, sua explanação de como Varnhagen se valeu de relatos de viajantes e outras fontes coloniais para o seu modelo pioneiro da historiografia brasileira (capítulos II e III); e também o primor de síntese que é o capítulo IV, breve roteiro da evolução política e cultural dopaís desde a Colônia até hoje.

É claro que selecionar sempre implica excluir. Assim, as escolhas, seus critérios e resultados seriam, certamente, tão numerosos e variados quantos porventura fossem os estudiosos encarregados de desenvolver, em separado, diferentes versões da Brasiliana Breve ( ** ). Decerto, todo fá da coleção original tem seus volumes prediletos, e, no meu caso, nenhum deles foi contemplado, a saber: o volume 243, de José Antonio Soares de Sousa, A vida do visconde do Uruguai, 1807/1866, biografia de Paulino José Soares de Sousa, diplomata, membro do Conselho de Estado, senador do Império, autor de seminal Ensaio sobre o Direito Administrativo, a quem Paim considera um dos estruturadores do sistema representativo brasileiro do século 19, cuja evolução gradual no sentido de um lento aperfeiçoamento e uma progressiva ampliação do eleitorado, no marco da monarquia constitucional, viria a ser interrompida com o advento da República. Ou então o volume 340, do historiador mineiro João Camillo de Oliveira Torres (1915/1973), Os construtores do Império: ideais e lutas do Partido Conservador brasileiro. Ou ainda o volume 136, biografia do político e escritor alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos (Tavares Bastos, 1839/1875), adversário liberal do conservador Paulino, escrita pelo seu conterrâneo Carlos Pontes. Da série Grande Formato, sou particularmente afeiçoado aos volumes 6 -- Tomas Ender, pintor austríaco na corte de d. João VI no Rio de Janeiro: um episódio da formação da classe dirigente brasileira, 1817/1818, de J. F. de Almeida Prado -- e 11, de José Honório Rodrigues (1913/1987), brilhante herdeiro de Varnhagen, Teoria da história do Brasil (5ª edição, 1978).

Mas, o importante, mesmo, é que os 20 tomos da Brasiliana Breve, acompanhados do precioso trabalho introdutório de Antonio Paim, possibilitarão que novas gerações de leitores tomem posse desse monumento à nossa memória histórica e cultural, instigando a sua curiosidade para conhecer os demais itens da coleção, hoje felizmente digitalizados e, portanto, ao alcance dos internautas, graças à  iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional, no sítio eletrônico www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao.

Este artigo também será publicado na revista Boa Vontade, da LBV, onde Paulo Kramer mantém a coluna Congresso em Pauta


segunda-feira, 28 de junho de 2021

Crônica de um futuro imaginado: por um país desenvolvido - Paulo Roberto de Almeida, entrevista para a TCV-Leg-MG

Meu mais recente "trabalho" publicado:  

1410. “Por um país desenvolvido”, entrevista gravada em 1/06/2021 com o jornalista Brune Montalvão, da TV Legislativa da Assembleia de MG, na série "Crônica de um futuro imaginado”, transmitida em 28/06/2021, no canal YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=Ko0xV4aYuNk). Relação de Originais n. 3920.

Elaborei, antes da entrevista, algumas notas para o tema que me tinha sido indicado como prioritário, o 'nacionalismo". Acabou sendo sobre temas completamente diferentes.

Em todo caso, aqui figuram partes de minhas notas preliminares; 

3920. “Crônica de um futuro imaginado: nacionalismo”, Brasília, 30 maio 2021, 5 p. Notas para uma entrevista gravado com o jornalista Brune Montalvão, da TV Legislativa da Assembleia de MG; gravada em 1/06/2021, 15hs. Relação de entrevistas já publicadas (link: https://www.youtube.com/playlist?list=PLUCq_zFD6m5pGLAxIe0CUCmsgPD0Xh7F8). Exibido, sob o título de “Paulo R. de Almeida; por um país desenvolvido”, no site da TV Leg-MG (28/06/2021; link: https://www.youtube.com/watch?v=Ko0xV4aYuNk). Texto adaptado com o título de “Nacionalismo, passado e presente”, para o Boletim de Conjuntura (BOCA; 2 junho 2021, Boa Vista, v. 6, n. 18, p. 35–39, 2021; ISSN: 2675-1488 DOI: 10.5281/zenodo.4891020; link: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/352), da Editora Ioles (http://revista.ioles.com.br/boca/). Relação de Publicados n. 1404.


Paulo R. de Almeida: por um país desenvolvido

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28 de jun. de 2021


 A tragédia brasileira é a não educação". Para o diplomata Paulo Roberto de Almeida, entre outros aspectos, essa condição impede o desenvolvimento econômico e social do país. No episódio que encerra a terceira temporada de "Crônica para um futuro imaginado", o doutor em Ciências Sociais apresenta um apanhado da trajetória econômica do país e reflete outros motivos que impedem o Brasil de se integrar ao mercado internacional, tarefa que ele considera necessária para a superação dos nossos problemas. Almeida ainda analisa "discursos contra a globalização" e sugere o que é preciso ser feito para o país recuperar o caminho do desenvolvimento.

Sobre a série "Crônica para um futuro imaginado" é uma série da TV Assembleia de Minas, com depoimentos de acadêmicos, pensadores e atores sociais sobre a realidade política, social e cultural do Brasil e uma reflexão sobre os caminhos e tarefas para um país melhor. Na primeira temporada, o enfoque foi os impactos da pandemia do coronavírus na vida brasileira. Participaram os economistas Monica de Bolle e Flávio Comim, os filósofos Vladimir Safatle e Francisco Razzo, as jornalistas Eliane Brum e Cecília Olliveira, o editor do Estado da Arte, Gilberto Morbach, a atriz Yara de Novaes, o teólogo Ed René Kivitiz e o cientista político Fernando Schüler. Na segunda temporada, as análises incorporaram as expectativas sobre as eleições municipais e como o pleito poderia sinalizar e afetar o futuro do país. Os entrevistados: a psicanalista Maria Homem; o escritor e analista político Pedro Doria; o economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca; o presidente da Cufa (Central Única das Favelas), Preto Zezé; a antropóloga Isabela Kalil, a jornalista Flavia Lima, ombudsman da Folha de São Paulo; o professor de Direito Constitucional Conrado Hübner; a economista Elena Landau; e o neurocientista Sidarta Ribeiro. Nesta terceira temporada, a série propõe uma reflexão sobre os impasses políticos e sociais no Brasil, com depoimentos de Christian Dunker, Lênio Streck, Élida Graziane, André Singer, Paulo Cruz, Marcia Tiburi, entre outros. Confira todos os episódios aqui: 

"Crônica para um futuro imaginado" é uma série da TV Assembleia, com depoimentos de acadêmicos, pensadores e atores sociais sobre a realidade política, social e cultural do Brasil e uma reflexão sobre os caminhos e tarefas para um país melhor. Na terceira temporada, a série propõe uma reflexão sobre os impasses políticos e sociais no Brasil. Afinal, estamos ou não numa normalidade democrática? Como chegamos ao atual cenário? E o que é preciso fazer para superar os atuais impasses sociais? Na primeira temporada, o enfoque foi os impactos da pandemia do coronavírus na vida brasileira. Na segunda temporada, as análises incorporam as expectativas sobre as eleições municipais de 2020 e como o pleito poderia sinalizar e afetar o futuro do país.

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1


7:51TOCANDO AGORA

 

Paulo R. de Almeida: por um país desenvolvido

Assembleia de Minas Gerais

2


8:18TOCANDO AGORA

 

Paulo Cruz: por uma cultura de diálogo

Assembleia de Minas Gerais

3


7:46TOCANDO AGORA

 

Andre Singer: em defesa da Democracia

Assembleia de Minas Gerais

4


7:20TOCANDO AGORA

 

Marcus Melo: o risco da ruína institucional

Assembleia de Minas Gerais

5


8:03TOCANDO AGORA

 

Marcia Tiburi: pela igualdade social

Assembleia de Minas Gerais

6


8:14TOCANDO AGORA

 

Élida Graziane: em defesa do pacto social

Assembleia de Minas Gerais

7


7:30TOCANDO AGORA

 

Lenio Streck: Direito a favor da democracia

Assembleia de Minas Gerais

8


7:16TOCANDO AGORA

 

Pablo Ortellado: contra a degradação política

Assembleia de Minas Gerais

9


7:27TOCANDO AGORA

 

Christian Dunker: pela superação da "cultura de condomínio"

Assembleia de Minas Gerais

10


7:33TOCANDO AGORA

 

Sidarta Ribeiro: por um país que sonhe

Assembleia de Minas Gerais

11


7:24TOCANDO AGORA

 

Elena Landau: o poder do cidadão

Assembleia de Minas Gerais

12


7:57TOCANDO AGORA

 

Conrado Hübner Mendes: por uma democracia nota 10

Assembleia de Minas Gerais

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7:32TOCANDO AGORA

 

Isabela Kalil: por um país unido na diversidade

Assembleia de Minas Gerais

14


7:33TOCANDO AGORA

 

Flavia Lima: a política é a solução

Assembleia de Minas Gerais

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7:43TOCANDO AGORA

 

Pedro Doria: um país em transformação

Assembleia de Minas Gerais

16


7:53TOCANDO AGORA

 

Preto Zezé: pelo povo no poder

Assembleia de Minas Gerais

17


7:34TOCANDO AGORA

 

Joel Pinheiro da Fonseca: por um país sustentável

Assembleia de Minas Gerais

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8:29TOCANDO AGORA

 

Maria Homem: o remédio para um país doente

Assembleia de Minas Gerais

19


7:38TOCANDO AGORA

 

Yara de Novaes: A arte incomoda

Assembleia de Minas Gerais

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8:06TOCANDO AGORA

 

Gilberto Morbach: Covid-19 e as respostas fáceis

Assembleia de Minas Gerais

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8:22TOCANDO AGORA

 

Eliane Brum: segredo revelado

Assembleia de Minas Gerais

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8:56TOCANDO AGORA

 

Fernando Schüller: pandemia evidencia as nossas fragilidades

Assembleia de Minas Gerais

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8:57TOCANDO AGORA

 

Ed René Kivitz: tempo de valorizar os afetos

Assembleia de Minas Gerais

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7:36TOCANDO AGORA

 

Cecília Oliveira

Assembleia de Minas Gerais

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7:56TOCANDO AGORA

 

Vladimir Safatle

Assembleia de Minas Gerais

26


7:52TOCANDO AGORA

 

Flávio Comim

Assembleia de Minas Gerais

27


8:04TOCANDO AGORA

 

Mônica De Bolle

Assembleia de Minas Gerais

28


TOCANDO AGORA

 

Francisco Razzo

Assembleia de Minas Gerais


Sobre os 100 anos do Partido Comunista da China, 1921-2021 - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre os 100 anos do Partido Comunista da China, 1921-2021 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoregistrar um artigo de opiniãofinalidadeinformação pública]

  

O PCC, ao chegar aos 100 anos, se sente orgulhoso por tudo o que fez de progressos materiais na China atual. Esquece as horas mais sombrias do maoísmo demencial, com o sacrifício de dezenas de milhões de chineses, e a sempre persistente ditadura, nos últimos 4 mil anos na verdade, para ressaltar os sucessos do presente.

De fato, fez muito, nos últimos 30 ou 40 anos, em termos de progressos materiais e de realizações sociais, arrancando centenas de milhões de chineses, sobretudo rurícolas (80% da população até os anos 1980), de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável e, agora, para modestos patamares de bem-estar social (com milhares de milionários e dezenas de bilionários e grande concentração de renda, mas progressos em todas as faixas). 

Tudo isso aderindo à economia de mercado, desprezada por Mao e outros marxistas ignorantes, e fazendo dos atuais membros do Partido perfeitos mandarins, ao estilo dos funcionários imperiais de um passado extremamente remoto.

Sim, a China é hoje a maior economia de mercado do mundo, possuindo estatais, planejamento setorial e monopólios — como várias democracias capitalistas —, apenas que dirigida por um Partido Comunista que detém o monopólio do poder e que pretende estar construindo um “socialismo com características chinesas”.

Não, não está: está construindo um capitalismo com características chinesas, o que significa um regime político centralizado e altamente burocratizado, talvez a “gaiola de ferro” de que falava Max Weber, que também fez as suas incursões pelo “despotismo oriental”.

A China atual não é mais despótica, mas sim autoritária, tem as suas formas internas de escolha democrática de representantes (não todos do PCC) e detesta que estrangeiros lhe venham dar lições de democracia ou de direitos humanos. Ela foi muito humilhada pelas grandes potências ocidentais, e barbaramente estraçalhada pelo Japão fascista, durante seu largo período de declínio político e econômico, e não aceita qualquer arrogância imperial, depois do término dos tratados desiguais (que no seu caso durou até 1943). 

Na verdade, foi o PCC que restabeleceu a plena soberania da China (totalmente ilusória sob Chiang Kai-shek) e construiu a vibrante economia de mercado, totalmente inserida na interdependência global. 

Ela não ameaça a paz e a segurança internacionais, embora existam pendências que ela considera como sendo de sua inteira soberania — Hong Kong, Taiwan, Tibete, Xinjiang — que potências ocidentais (que fizeram muito pior no seu passado colonialista e imperialista) pretendem sinalizar como sendo “violações do Direito Internacional”, ao lado de disputas no Mar “do Japão” e do “Sul da China”, nas quais ela assume a defesa acirrada de seus interesses, desprezando inclusive resoluções da CIJ-Haia.

Um balanço objetivo das realizações do PCC não pode deixar de reconhecer as imensas realizações alcançadas sob a sua autoridade incontrastável e ditatorial. Um regime ao estilo do Kuomintang, ou seja, uma República burguesa, corrupta e disfuncional, teria obtido os mesmos êxitos — abstraindo-se os anos tirânicos e demenciais do maoísmo — que o regime totalitário e atualmente autoritário do PCC? 

É muito improvável que o conseguisse num tempo absolutamente recorde de 30 ou 40 anos, ainda que talvez o tivesse conseguido em maior período de tempo — talvez cem anos —, com menor sacrifício das liberdades democráticas. Mas o que a China do PCC fez em matéria de progressos tecnológicos e de mudanças sociais é excepcional em toda a história da Humanidade. Muito disso não se deve exclusivamente ou essencialmente ao PCC, e sim à extraordinária energia inventiva e disposição para o trabalho do povo chinês, uma vez liberto das idiotices do maoísmo no terreno econômico. Registre-se que pelo seu atraso — temporal e estrutural — o “comunismo” chinês foi mais superficial do que o regime soviético, destruindo menos as instituições tradicionais e o substrato cultural do povo chinês do que o fez o stalinismo totalitário na Rússia.

Creio, pessoalmente, que não se deve julgar a China pelos parâmetros ocidentais no campo do poder político, seja pelo simplismo infantil dos “democratismos” dos ocidentais, seja mesmo pelas explicações mais sofisticadas à la Barrington Moore, por exemplo. 

A história é sempre única e original, e se desenvolve pelas vias mais surpreendentes, avançando com um velho carro de bois, com rodas desequilibradas por uma estrada muito esburacada, para usar uma imagem do historiador britânico Lawrence Stone.

Se tivéssemos de dar notas ao PCC pelos seus primeiros cem anos, eu arriscaria no máximo 30, na primeira metade do século XX, menos do que 20 sob o maoísmo demencial, talvez 30 sob Deng Xiaoping, mais de 40 ou mesmo 50 na direção colegiada e rotativa que se seguiu, e provavelmente 70 nos primeiros anos da era Xi Jinping, recuando sensivelmente depois que ele se tornou “imperador”. Mas aqui seria preciso distinguir entre as realizações materiais — absolutamente impressionantes, mesmo fulgurantes nos últimos anos — e o reforço do monopólio autoritário no campo político. O que não deixa de se encaixar na longa história do “despotismo oriental”, embora com progressos materiais para o seu povo que jamais existiram nos 4 mil anos de história de uma civilização extremamente sofisticada.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3938, 28 de junho de 2021