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sábado, 28 de agosto de 2021

O fim da hegemonia americana - Francis Fukuyama

O fim da hegemonia americana

O Afeganistão não marca o fim da era americana; o desafio para sua posição global é a polarização política em casa, diz um especialista em política externa.

 Francis Fukuyama


As imagens horripilantes de afegãos desesperados tentando sair de Cabul nesta semana, após o colapso do governo apoiado pelos Estados Unidos, evocaram uma importante conjuntura na história mundial, quando a América se afastou do mundo.  A verdade é que o fim da era americana havia chegado muito antes.  As fontes de longo prazo da fraqueza e declínio americanos são mais domésticas do que internacionais.  O país continuará sendo uma grande potência por muitos anos, mas o quão influente ele será depende de sua capacidade de resolver seus problemas internos, ao invés de sua política externa.

 O período de pico da hegemonia americana durou menos de 20 anos, desde a queda do Muro de Berlim em 1989 até em torno da crise financeira em 2007-09.  O país era dominante em muitos domínios de poder na época - militar, econômico, político e cultural.  O auge da arrogância americana foi a invasão do Iraque em 2003, quando esperava poder refazer não apenas o Afeganistão (invadido dois anos antes) e o Iraque, mas todo o Oriente Médio.

 O país superestimou a eficácia do poder militar para provocar mudanças políticas fundamentais, ao mesmo tempo que subestimou o impacto de seu modelo econômico de mercado livre nas finanças globais.  A década terminou com suas tropas atoladas em duas guerras de contra-insurgência e uma crise financeira internacional que acentuou as enormes desigualdades que a globalização liderada pelos Estados Unidos trouxe.

 O grau de unipolaridade neste período tem sido relativamente raro na história, e o mundo tem voltado a um estado mais normal de multipolaridade desde então, com China, Rússia, Índia, Europa e outros centros ganhando poder em relação à América.  O efeito final do Afeganistão na geopolítica provavelmente será pequeno.  A América sobreviveu a uma derrota anterior e humilhante quando se retirou do Vietnã em 1975, mas rapidamente recuperou seu domínio em pouco mais de uma década e hoje trabalha com o Vietnã para conter o expansionismo chinês.  A América ainda tem muitas vantagens econômicas e culturais que poucos outros países podem igualar.

 O desafio muito maior para a posição global da América é doméstico: a sociedade americana é profundamente polarizada e tem dificuldade em encontrar consenso sobre praticamente qualquer coisa.  Essa polarização começou com questões convencionais de política, como impostos e aborto, mas desde então se transformou em uma luta amarga pela identidade cultural.  A demanda por reconhecimento por parte de grupos que se sentem marginalizados pelas elites foi algo que identifiquei há 30 anos como o calcanhar de Aquiles da democracia moderna.  Normalmente, uma grande ameaça externa, como uma pandemia global, deve ser a ocasião para os cidadãos se reunirem em torno de uma resposta comum;  a crise do covid-19 serviu mais para aprofundar as divisões da América, com o distanciamento social, o uso de máscaras e agora as vacinas sendo vistas não como medidas de saúde pública, mas como marcadores políticos.

 Esses conflitos se espalharam por todos os aspectos da vida, dos esportes às marcas de produtos de consumo que os americanos vermelhos e azuis compram.  A identidade cívica que se orgulhava da América como uma democracia multirracial na era pós-direitos civis foi substituída por narrativas de guerra entre 1619 e 1776 - isto é, se o país é fundado na escravidão ou na luta pela liberdade.  Esse conflito se estende às realidades separadas que cada lado acredita ver, realidades nas quais a eleição em novembro de 2020 foi uma das mais justas da história americana ou então uma fraude maciça que levou a uma presidência ilegítima.


 Ao longo da guerra fria e no início dos anos 2000, havia um forte consenso da elite na América a favor da manutenção de uma posição de liderança na política mundial.  As guerras opressivas e aparentemente intermináveis ​​no Afeganistão e no Iraque irritaram muitos americanos não apenas em lugares difíceis como o Oriente Médio, mas também no envolvimento internacional em geral.

 A polarização afetou a política externa diretamente.  Durante os anos de Obama, os republicanos assumiram uma postura agressiva e castigaram os democratas pela “reinicialização” russa e pela alegada ingenuidade em relação ao presidente Putin.  O ex-presidente Trump virou a mesa ao abraçar abertamente Putin, e hoje cerca de metade dos republicanos acredita que os democratas constituem uma ameaça maior ao modo de vida americano do que a Rússia.  Um âncora conservador de notícias de televisão, Tucker Carlson, viajou a Budapeste para celebrar o autoritário primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban;  “Possuir a liberdade” (isto é, antagonizar a esquerda, uma frase de efeito da direita) era mais importante do que defender os valores democráticos.

 Há um consenso mais aparente em relação à China: tanto os republicanos quanto os democratas concordam que ela é uma ameaça aos valores democráticos.  Mas isso só leva a América até certo ponto.  Um teste muito maior para a política externa americana do que o Afeganistão será Taiwan, se estiver sob ataque chinês direto.  Estarão os Estados Unidos dispostos a sacrificar seus filhos e filhas em nome da independência dessa ilha?  Ou, de fato, os Estados Unidos arriscariam um conflito militar com a Rússia caso esta invadisse a Ucrânia?  Essas são questões sérias sem respostas fáceis, mas um debate fundamentado sobre o interesse nacional americano provavelmente será conduzido principalmente pela lente de como isso afeta a luta partidária.

 A polarização já prejudicou a influência global da América, bem longe de testes futuros como esses.  Essa influência dependia do que Joseph Nye, um estudioso de política externa, rotulou de “soft power”, ou seja, da atratividade das instituições e da sociedade americanas para as pessoas ao redor do mundo.  Esse apelo diminuiu muito: é difícil para alguém dizer que as instituições democráticas americanas têm funcionado bem nos últimos anos ou que qualquer país deveria imitar o tribalismo político e a disfunção dos Estados Unidos.  A marca registrada de uma democracia madura é a capacidade de realizar transferências pacíficas de poder após as eleições, um teste em que o país falhou espetacularmente em 6 de janeiro.

 O maior desastre político do governo do presidente Joe Biden em seus sete meses de mandato foi o fracasso em planejar adequadamente o rápido colapso do Afeganistão.  Por mais impróprio que tenha sido, isso não mostra a sensatez da decisão subjacente de se retirar do Afeganistão, que pode, no final, ser a acertada.  Biden sugeriu que a retirada era necessária para nos concentrarmos em enfrentar os desafios maiores da Rússia e da China no futuro.  Espero que ele esteja falando sério sobre isso.  Barack Obama nunca teve sucesso em fazer um “pivô” para a Ásia porque os Estados Unidos permaneceram focados na contra-insurgência no Oriente Médio.  O atual governo precisa redistribuir recursos e a atenção dos formuladores de políticas de outros lugares para dissuadir rivais geopolíticos e se envolver com aliados.

 É improvável que os Estados Unidos recuperem seu status hegemônico anterior, nem deveriam aspirar a isso.  O que ela pode esperar é sustentar, com países com ideias semelhantes, uma ordem mundial favorável aos valores democráticos.  Se conseguirá fazer isso, não dependerá de ações de curto prazo em Cabul, mas da recuperação de um senso de identidade nacional e propósito em casa.

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 Francis Fukuyama é pesquisador sênior do Instituto Freeman Spogli de Estudos Internacionais de Stanford e diretor Mosbacher do Centro de Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

200 Anos de Independência do Brasil: A revolução do Porto (1820) e Deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa (1821) - Exposição virtual na CD


 Duas publicações digitais: 

Catálogo 1: Memória da Exposição: A Revolução do Porto, 1820

https://pt.calameo.com/read/006654907d2490491bba0 

e  

Catálogo 2: Os deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa, 1821

https://pt.calameo.com/read/00665490727a79c00db84


Exposição virtual: “Ocupação Portinari – Drummond”, em Itabira, por Afonso Borges: não percam



O amigo Afonso Borges, inexcedível promotor cultural, me envia esta excelente notícia sobre a maravilhosa exposição da qual ele é o curador, que acabo de visitar virtualmente, no seguinte link: 

https://flitabira.com.br/tour360/ 


Gente, quero contar uma coisa muito importante para vocês. Apresentamos aqui o fruto de um trabalho imenso, no sentido de democratizar o acesso à cultura e mandar para o mundo a “Ocupação Portinari – Drummond”, instalada na Praça do Areião, na cidade mineira de Itabira. Com o “Tour 360” qualquer pessoa pode visitar a exposição sem sair de casa. Além do mais, contém o Educativo, para alunos (Prêmio de Redação) e professores (Aulas Livres). Importante: feito por Esdras Vinícius, dono de uma empresa de soluções em tecnologia da própria cidade de Itabira. O meu melhor agradecimento ao Instituto Cultural Vale, por acreditar. O Flitabira vai acontecer entre 26 e 31 de outubro. Grato, Afonso Borges.
 
 
 

 
© 2021 Associação Cultural Sempre um Papo
 






Percival Puggina é desonesto: acha que a culpa do fracasso do governo Bolsonaro é dos outros; Ricardo Bergamini contesta corretamente; eu também

Percival Puggina é um conservador. Isso todo mundo sabe, e ninguém lhe contesta esse direito. Mas, mesmo sendo conservador, ou até reacionário e bolsonarista fundamentalista, poderia ao menos se ater à verdade dos fatos.

O fracasso retumbante do governo Bolsonaro não cabe apenas, ou essencialmente, aos outros, a todos os outros, menos a ele próprio. As oposições fazem o seu dever, em qualquer governo: ser oposição. Dizer que elas se opõem, ou que se opuseram ao governo Bolsonaro, é chover no molhado.

Agora, dizer que o Centrão é oposição ao governo Bolsonaro é de uma falta de caráter tremenda, pois este Centrão, como qualquer Centrão, em qualquer governo, está sempre com o governo, com qualquer governo, mas basicamente consigo mesmo, o que também é evidente.

Falar em ministério "técnico" é apenas uma meia verdade, e mesmo os "técnicos" deveriam ter vergonha de servir a um governo negacionista, a um chefe de governo psicopata perverso, como revelado nos números de vítimas da pandemia, aspecto que Percival Puggina NUNCA comenta. Ou ele aprova soluções anti-ciência, como o degenerado pratica? Se sim, é mais falta de caráter.

Dizer, por fim, que o presidente propõe, encomenda, mas que não entrega, porque não lhe deixam, é também falta de caráter tremenda. Basta ver tudo o que propôs e andou para a frente: o presidente propôs armamentismo e foi cumprido. Quis flexibilizar regras de trânsito e se fez. Propôs destruir a natureza, ignorar o destino dos indígenas e foi cumprido. Quis desmantelar a política externa e conseguiu. Propôs o fim da luta contra a corrupção – que atinge GRAVEMENTE a si e sua inteira família, todas elas – e foi mais do que cumprido, abundantemente cumprido por um Congresso que esperava isso mesmo dele, inclusive os petistas. Propôs, implicitamente, imunidade de rebanho e foi cumprido, com quase 600 mil mortos até aqui. Propôs acabar com a cultura e teve resultados tremendos, na educação e nas verbas para C&T também, tremendamente. Tudo isso ele fez, quase sem oposição, e até com o apoio das oposições, nas matérias mais escabrosas para a moralidade e a ética públicas.

Percival Puggina tem váriasescolhas: ou escolhe ser CEGO, ou ser INGÊNUO, ser MENTIROSO, ou ter FALTA DE CARÁTER, ou então todas as opções.

O que não cabe, a esta altura do desgoverno Bolsonaro é ficar defendendo o degenerado e seu fracasso, como ainda fazem certos representantes do NOVO.

Eu nunca tive problemas em dizer o que penso. Sempre faço isso.

Paulo Roberto de Almeida


ENCOMENDOU, PAGOU E NÃO RECEBEU.

 

Percival Puggina

26/08/21

 

Nos primeiros dois anos de governo, o presidente da República compôs um ministério técnico. Alimentou a ilusão de que sua impactante vitória eleitoral acabaria reconhecida como fato político suficiente para certificar ante os demais poderes da República as legítimas expectativas da sociedade.

 

A opinião expressa nas urnas costuma ser levada a sério nas democracias.

 

Mas na prática, a teoria é outra. Combatidos pela mídia militante, os projetos do governo batiam nas traves do Congresso, ou eram obstados pela ampla bancada oposicionista no STF, onde o governo não tinha e não tem a menor chance. As realizações do governo só eram informadas nas redes sociais.

 

A pandemia entrou na cena sanitária e política nacional no início de 2020 e as posições do governante (tido por autoritário, mas sempre em favor da liberdade), lhe complicaram ainda mais a vida. O Brasil tornou-se o único país do mundo onde as pessoas não eram vitimadas pela Covid-19, mas pelo presidente. As manifestações populares minguaram pelo receio da contaminação.

 

Quando interpelado sobre suas sucessivas derrotas no Congresso, atribuídas à “falta de capacidade de negociação”, o presidente respondia que seu papel era o de propor, cabendo ao Legislativo decidir. No Congresso havia três grupos – a oposição, o centrão e a minguada base de apoio ao governo. O centrão sabia que, cedo ou tarde, o poder cairia nas suas malhas e a vida voltaria à normalidade. O dinheiro público voltaria a circular e, com ele, a "prosperidade econômica" da política.

 

Bolsonaro, então, tratou de se entender com o centrão. Foi o sinal para que os críticos da “incapacidade de negociação” passassem a atacar o governo por... negociar com quem estava disponível, ou seja, com o centrão.

 

Estabelecido o entendimento, o governo, como é normal nas democracias, apoiou a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, redistribuiu cargos e mexeu no ministério para nomear ministros do bloco. Porém (ah, porém!) como cantaria Paulinho da Viola, estavam canceladas as práticas irregulares de que se abastecia a corrupção imprescindível ao funcionamento dos acordos políticos.

 

Cargos, sem grana, são apenas trabalho e responsabilidade! E quem quer apenas trabalho e responsabilidade?

 

Cargo sem grana não é o objetivo sonhado pelos acordos que organizam maiorias parlamentares em nosso presidencialismo de cooptação rentista.

 

Assim, o presidente encomendou, cumpriu sua parte, e não recebeu o que encomendou. Na vida real, ele só tem, por si, a parcela do povo que quer preservar sua liberdade, seus princípios e seus valores num país próspero. Tais anseios serão expressos nas gigantescas manifestações democráticas do dia 7 de setembro, contra as ações – estas sim, antidemocráticas – do Congresso Nacional e do STF.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


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Bolsonaro culpa o fracasso do seu governo aos seguintes inimigos: forças armadas, imprensa, legislativo, judiciário, esquerda, governadores, prefeitos, COVID-19, mercado, cartéis, e ao resto do mundo (Ricardo Bergamini).

 

Querido amigo Puggina

 

Em sua opinião, o Brasil não merece a pureza e a santidade do mestre, ídolo, líder e mito Bolsonaro, mas poderia, pelo menos, ter vendido 141 lixeiras de estatais federais, que não se enquadram nos argumentos de defesa do seu  artigo. Como se explica?

 

Quando pediu demissão da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (sem partido), em 11 de agosto de 2020, Salim Mattar deixou claro que estava insatisfeito com o ritmo das privatizações. Agora, o ex-secretário especial de Desestatização e Privatização diz que o presidente abandonou a agenda liberal de olho na reeleição e que o ministro da Economia e seu ex-chefe, Paulo Guedes, está sendo "tolhido" por militares e outros ministros.

 

Se ele [Jair Bolsonaro] quisesse, podia privatizar 141 estatais que não precisam [de aprovação] do Congresso. Depende só dele, [mas] falta vontade. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.


Fábio Giambiagi publicou um livro que precisa ser lido pelo Paulo Guedes, o inimigo do IBGE - prefácio de Felipe Salto

Tudo Sobre O Déficit Público: Um Guia Sobre o Maior Desafio do País Para a Década de 2020

Estatísticas: longa viagem

Há 24 anos não conseguíamos entender o que acontecera com a despesa; hoje tudo pode ser escrutinado.

FABIO GIAMBIAGI

O Estado de S. Paulo, 27/08/2021

Corria o ano de 1997, e o gasto público estava "correndo solto". A despesa do governo federal, excluídas as transferências a Estados e municípios, tem três grandes rubricas: gasto com pessoal, benefícios do INSS e as "outras despesas". Naquele ano, este terceiro grande agregado passou de 3,6% para 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Um plus de 1,2% do PIB... em apenas um ano! Um salto triplo, na linguagem do atletismo. Eu conversava muito com jornalistas na época, e aqueles que cobriam a parte fiscal me ligavam para saber o que estava acontecendo. "Não sei", era o que eu respondia. Meu papel é analisar números. E os números â desagregados â na época não existiam...

Temos certa mania nacional de achar que tudo, no Brasil, é de "Terceiro Mundo". Não é. A rigor, temos algumas coisas de excelência. Uma delas â espantosamente, sob críticas â é a urna eletrônica, uma maravilha autenticamente brasileira, que permite saber o resultado da eleição, de um país de mais de 210 milhões de habitantes, em poucas horas. Outra é representada pelas nossas estatísticas fiscais. As atuais, não as de 1997...

Eu me formei em Economia em 1983 e, no começo de 1987, comecei a trabalhar com temas de política fiscal. Sou testemunha dos avanços que o País fez na matéria. A caminho do final de 2021, considerando, então, a totalidade dos anos extremos deste período 1987/2021, terão sido 35 anos de "militância" no tema. Alguns dos colegas que conheci neste longo percurso já se foram, e outros estão aposentados. Decidi, então, compartilhar com os leitores o que eu aprendi na matéria, no livro Tudo sobre o déficit público â O Brasil na encruzilhada fiscal, que acaba de ser lançado pela Editora Alta Books.

Ali o leitor interessado encontrará um exame detalhado das contas públicas desde 1991, quando passamos a ter estatísticas mais ou menos compatíveis com as atuais.

Olhando as tabelas que acompanham o livro, o leitor poderá ver uma "granularização" cada vez maior das estatísticas da despesa. Aquela conta de 1997 da qual, na época, só se sabia o valor do grande agregado foi sendo sucessivamente aberta, e hoje se conhece com luxo de detalhes cada abertura e decomposição de cada uma das contas e subcontas que compõem essa rubrica: seguro-desemprego; gastos com Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública; Loas; subsídios; Fundeb; sentenças judiciais; créditos extraordinários; financiamento de campanhas eleitorais; Fies; Bolsa Família; despesas por Ministério, etc.

É uma miríade de itens, todos religiosamente divulgados com o valor da despesa, mês após mês, nas fontes oficiais. Vinte e quatro anos atrás, não conseguíamos entender o que acontecera com a despesa. Hoje, 30 dias depois de o gasto ser feito, sabemos que item pressionou as contas e em que valor. Tudo pode ser escrutinado com lupa, mês a mês.

Infelizmente, houve também, durante o período, uma degradação fenomenal da qualidade da nossa liderança.

Na década de 1990, os debates sobre o Orçamento eram feitos no Congresso Nacional por políticos do quilate de um Roberto Campos, Francisco Dornelles, Delfim Netto, César Maia, José Serra, etc. O contraste com o panorama atual é devastador. Se a liderança política deste nosso (cada vez mais) triste país estivesse à altura da qualidade de nossas estatísticas, porém, o Brasil poderia ser outro.

O livro é dedicado a um conjunto de pessoas que, desde os já longínquos anos 1980, participaram da construção deste robusto arsenal de informações fiscais. Esta coluna é dedicada ao grupo de funcionários anônimos que, ao longo de mais de três décadas, nos permitiu sair da idade da pedra em matéria de estatísticas fiscais e termos o sistema confiável de dados que temos hoje, passando pelos mais diferentes governos.

Definitivamente, num contexto em que a institucionalidade é abalroada a cada dia, o Banco Central e a Secretaria do Tesouro Nacional são dois dos bons órgãos de Estado com os quais o País conta.

 ECONOMISTA

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Prefácio para o livro 

Tudo sobre o déficit público: o Brasil na encruzilhada 
fiscal

de Fabio Giambiagi 

(Editora Alta Books. 2021)1 

Felipe Salto, economista, diretor IFI (Senado Federal) 

Mário Covas governou São Paulo de 1995 a 2001. Político experiente, executou um dos programas de ajuste fiscal mais expressivos de que se tem notícia. Recebeu o estado quebrado e, por meio de medidas supostamente impopulares, o reergueu. Covas, que foi reeleito, costumava dizer: “O povo nunca erra. Ele apenas precisa ter todas as informações.” 

A “tarefa pendente” apresentada no primeiro capítulo deste livro — fio condutor de todo o volume — requer convencimento. Só se faz ajuste fiscal, isto é, corte de gastos, aumento de impostos, redução de benefícios e incentivos fiscais, mobilizando, informando e educando. É muito mais fácil e sedutor prometer aumento de despesas públicas, daí a importância de disseminar informação de boa qualidade. 

É preciso forjar lideranças pelo “lado da demanda”, por assim dizer. A conscientização da população a respeito do descalabro fiscal é o primeiro passo. É necessário esclarecer os riscos e as vicissitudes de se ter dívida pública elevada, sistema tributário regressivo e complexo, orçamento engessado e inercial e gastos mal-ajambrados. Além disso, deve-se mostrar o que virá depois. Ajuste fiscal não é um fim em si mesmo, mas o meio para se alcançar um crescimento econômico perene, mantendo a dívida pública em trajetória sustentável. 

No livro Austerity, Alberto Alesina, Carlo Favero e Francesco Giavazzi mostram que o corte de despesas é o caminho menos custoso para conter o aumento da dívida pública. Em um contexto de crise pandêmica, o desafio é muito maior. 

O Brasil, corretamente, respondeu à crise da covid-19 com um forte aumento de despesas, tanto na área da saúde como na forma de auxílio às empresas, transferências diretas de renda e destinação de recursos para os governos estaduais e municipais. No pós-crise, será preciso retomar uma agenda de austeridade, respeitando-se o princípio da responsabilidade fiscal: só se pode criar gasto novo com indicação de fonte de financiamento ou corte de outras despesas. 

Como o país tem um teto de gastos a ser observado, essa equação torna-se ainda mais intrincada. Eis o contexto em que se apresenta este livro. Escrito por um dos maiores conhecedores das entranhas das finanças públicas brasileiras — o economista Fabio Giambiagi —, trata-se de um trabalho seminal. Sim, porque dará frutos não apenas entre especialistas — já naturalmente motivados —, mas também entre jornalistas, formadores de opinião, políticos e cidadãos em geral. 
Giambiagi tempera a apresentação limpa e direta do vasto conjunto de dados fiscais e econômicos — preparados por ele a partir das principais bases disponíveis e de estudos próprios — com história, política e literatura. A leitura é escorreita, agradável e, por isso, cativante. O leitor perceberá, da apresentação até o último capítulo, que o livro está organizado de uma maneira lógica e didática. 

A meta do livro não é apenas dar suporte técnico ao ajuste fiscal. Ao contrário, o autor amplia o escopo dessa batalha ao compartilhar seu conhecimento sobre o assunto de maneira generosa. É pouco dizer que se tornará leitura referencial obrigatória para o público em geral e para aqueles que estão na vida pública. Analisam-se as receitas e as despesas públicas federais e suas principais segregações, a dívida pública, o deficit primário e a conta de juros. Todos os indicadores fiscais são explorados no livro, mas sob um fio condutor: o de convencer o maior número de pessoas a respeito da importância de se ter contas públicas equilibradas para alcançar melhores níveis de desenvolvimento econômico e social. 

No Capítulo 2, o leitor aprenderá que não importa apenas o tamanho da dívida, mas seu movimento no tempo, denominado pelos economistas de “dinâmica da dívida pública”. As condições de sustentabilidade fiscal estão diretamente atreladas ao tamanho e ao crescimento da economia e à taxa de juros. Entenderá, a propósito, no Capítulo 3, que as despesas com juros não são fruto do desejo do governante, do Congresso ou do Banco Central. Esse gasto é muito peculiar, justamente por ser uma espécie de efeito colateral da política monetária. É arguta a forma como o autor derruba a tese simplista do chamado “rentismo”. 

A situação econômica do país requer “agir com mais sabedoria e dar conta dos desafios sociais de forma compatível com a sustentabilidade fiscal”, nas palavras do autor. Os objetivos fiscais, econômicos e sociais têm de estar intimamente relacionados e devem ser planejados e executados com habilidade política e capacidade técnica. 
No Capítulo 5, Fabio Giambiagi mostra que o gasto cresce, continuamente, desde meados dos anos 1980. Contudo, a qualidade e a quantidade de bens e serviços públicos ofertados não evoluiu de acordo — ao menos não no ritmo desejado pela sociedade. A verdade é que as políticas públicas precisam estar alicerçadas naquilo que a literatura internacional convencionou chamar de “medium term expenditure framework” ou, simplesmente plano fiscal de médio prazo. É preciso, ainda, avaliar os programas orçamentários para poder cortá-los, mantê-los ou ampliá-los, na linha das chamadas “spending reviews”. Só assim se abrirá espaço para uma atuação mais arrojada do Estado. 

A beleza do presente trabalho está em juntar diagnóstico e propostas concretas de solução, que poderiam compor um verdadeiro plano de voo na área fiscal. Nos Capítulos 6 e 14, por exemplo, discutem-se meios muito concretos para executar a “tarefa pendente” do ajuste fiscal. Todas, é claro, com custo político. E é aí que reside a diferença entre o “ajuste em tese” e o “ajuste na prática”. Não basta defender que se diminuam os gastos. É preciso mostrar como, em que proporções, quais as rubricas a serem cortadas e em que prazo. 

Destaco algumas: a) criar novos planos de carreira no serviço público, com salários iniciais mais baixos; b) reduzir as chamadas desonerações tributárias; c) cortar gastos classificados como “passíveis de eliminação” ou de “redução”, a exemplo da compensação ao INSS pela desoneração da folha; d) aumentar as faixas do imposto de renda; e e) reajustar os salários dos servidores abaixo da inflação. 

O livro ainda discute as razões pelas quais será preciso revisitar o tema da previdência em alguns poucos anos — provavelmente, em 2027. O fato é que a idade média da população está aumentando. As políticas públicas de previdência e de saúde sofrerão as consequências. Resta preparar as contas e a economia para isso. Por exemplo, a reforma de 2019 terá de ser revista para que se mantenha o mesmo efeito fiscal no longo prazo. 

A descrição detida de todas as rubricas do gasto federal é espantosa. O leitor tem em mãos um guia prático, além de tudo, cujo título não poderia ser mais fiel ao conteúdo: Tudo sobre o déficit público

Há diversos capítulos dedicados a explicar, uma a uma, as despesas que compõem o orçamento público federal. Sem um diagnóstico como esse, vale dizer, será impossível programar e executar um programa sério de ajuste fiscal. E o ajuste tem de ser pensado à luz das regras fiscais — instituições, normas e leis que balizam o comportamento das contas públicas. A propósito, o capítulo sobre o teto de gastos públicos é realista a respeito das limitações dessa regra constitucional criada em 2016, mas aponta saídas. Como costumo dizer, o teto foi uma espécie de “tapa na mesa” para sinalizar com clareza ao mercado e à sociedade uma nova prioridade: a contenção do gasto público. 

A importância de amainar a alta do gasto não mudou de lá para cá. A essência do teto, se abandonada, levaria o país a amargar uma piora das avaliações de risco, com apreensão do mercado e precificação, nos juros da dívida, de todo esse receio e incerteza. Nas palavras do autor deste livro: “No Brasil, tudo acaba na Constituição.” Ela é tão detalhada e abrangente, que o teto de gastos precisou também se encaixar ali. Giambiagi argumenta que será difícil manter o teto até o décimo ano, como previsto na Emenda Constitucional nº 95, de 2016, porque as despesas discricionárias estão caindo rapidamente — notadamente os investimentos. Os subsídios também diminuíram muito no último triênio até 2019, mas daqui em diante há pouco espaço fiscal para ajustar a despesa sem mexer no grupo de gastos obrigatórios. 

Assim, o livro nos leva à reflexão de que o teto deverá ser aprimorado. Ainda, há que evitar o “teto fake”, como classifica Giambiagi. Isto é, a exclusão arbitrária de itens da despesa sujeita ao teto, a criação de subterfúgios e a adoção de regras ad hoc para atender a anseios por gastos maiores. Seria uma nova versão do velho expediente da contabilidade criativa, que tanto mal fez ao país no período de 2009 a 2014, distorcendo a lógica das metas de superavit primário. 

Não bastasse essa análise completa do âmbito federal, o livro ainda avança sobre as finanças dos governos subnacionais, fonte de grande preocupação, sobretudo no pós-crise da covid-19. Os estados e municípios têm despesas de pessoal (com ativos e inativos) altas e crescentes. Muitos já romperam os limites legais e não adotaram medidas suficientes para amenizar ou resolver o problema. A recomendação de Guilherme Tinoco, especialista que participa do livro no Capítulo 13, é o bom e velho “feijão com arroz”. Tão distante da realidade de muitos municípios e alguns estados, consiste em: a) controlar salários e quantitativo de servidores; b) melhorar a arrecadação; e c) atrair investimento privado, já que haverá pouco (ou nenhum) espaço para aumento de investimento público. 

Por fim, executar a “tarefa pendente” do ajuste fiscal, como indicam os Capítulos 14 e 15, requererá a eleição de governantes eficientes e ciosos da responsabilidade fiscal. Por isso, é preciso franquear aos eleitores informações fidedignas sobre o quadro das contas públicas. Esclarecida, a população cobrará mais e não será enlevada por propostas populistas, que ignorem a restrição orçamentária. É preciso ter claro: a lassidão fiscal é tóxica para o desenvolvimento econômico e social. 

Tudo sobre o déficit público é um livro que deveria estar nas cabeceiras de todas as famílias do país, nas escolas e nas universidades. É escrito por quem tem espírito público e conhecimento prático e teórico profundos. Fabio Giambiagi já é uma referência maior no tema. Com este livro, coroa uma carreira inigualável no escrutínio cuidadoso das contas do país. Chegou a hora de mudar. E, sob a democracia, a mudança é um processo incremental, fruto de trabalho educativo permanente. 

Boa leitura! 

 

Felipe Salto 

 

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Renata Lo Prete, Âncora do Jornal da Globo.

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Este livro defende o equilíbrio orçamentário como condição indispensável ao crescimento econômico e à justiça social. Fabio Giambiagi, um dos principais economistas dedicados às finanças públicas, descreve de maneira simples as receitas e as despesas governamentais e a forma como estas têm se comportado no Brasil. A evolução de nossas contas públicas não é matéria exclusiva dos economistas. Ao contrário, reflete escolhas políticas e hábitos culturais. Fabio lembra que é a sociedade quem sempre paga a conta das ilusões geradas por despesas descontroladas, seja na precarização dos serviços públicos, seja na falta de dinamismo econômico – problemas que afetam, em maior intensidade, as camadas mais pobres. Nossa dívida pública, após a pandemia, precisará ser administrada com rígido controle das despesas com pessoal e avaliação da eficácia das políticas, com vistas a recuperar a confiança nos governos. Sem dúvida, essa estratégia é a melhor alternativa para proporcionar a atração de investimentos privados e a abertura de espaço para a simplificação da tributação. Comunicar com clareza e transparência é tarefa fundamental nessa luta pela conciliação dos objetivos fiscais, econômicos e sociais ― e essa é a principal contribuição deste livro. De um lado, instrumentaliza os cidadãos com informações que lhes permitem cobrar dos governantes as diretrizes do equilíbrio fiscal. De outro, inspira líderes políticos com capacidade de articulação a enfrentar os desgastes em nome de um futuro melhor para todos. Por conta do ofício, o jornalista transita por uma gama variada de temas. Para compreender cada um deles a ponto de informar com propriedade, ele recorre a quem se dedica a um assunto pela vida inteira: o especialista. O jornalista precisa fazer as perguntas certas, o que é meio caminho andado. A outra metade depende de quem responde. Ouvir quem domina um tema é um prazer, que se duplica quando a pessoa tem a capacidade de comunicar o que sabe de maneira acessível. Assim é com Giambiagi. Estudioso das finanças públicas há mais de três décadas, ele sempre demonstrou disposição para dialogar e convencer pelo argumento. Mais especificamente, convencer acerca do imperativo de controlar a trajetória da dívida pública. As duas características ― riqueza de informação e capacidade de persuasão ― estão presentes neste livro. Para quem foi exposto ao tema em termos binários ― furar ou não o teto de gastos, estabelecer se é ou não sustentável ―, eis uma oportunidade de entender como se formou essa dívida. Oportunidade também para descartar a ideia de que estaríamos fadados ao fracasso na matéria. Entre 1985 e 2010, o Brasil foi capaz de restabelecer a democracia, controlar a inflação e obter avanços sociais. Equacionar a dívida ― defende o autor ― é a “tarefa pendente” do país. Porque, sem isso, não haverá crescimento, emprego e distribuição de renda. A discussão sobre a saída da crise é algo valioso quando se sabe da aversão dos Poderes ao desafio fiscal e quando muitos atores se empenham em interditar debates de substância. O autor não tem problema em remar contra a maré. Seu livro traz diagnóstico e carta de navegação. Foi feito para iluminar lideranças ― legisladores, técnicos da máquina, pesquisadores ― e convidar a refletir sobre um assunto que nada tem de etéreo, pois afeta a vida de todos. ― Renata Lo Prete, Âncora do Jornal da Globo.


A demolição do Direito Internacional sob o bolsolavismo diplomático, 2018-2021 - Paulo Roberto de Almeida, Matheus Atalanio

 Nesta sexta-feira, 27/08/2021, participo, com o advogado Matheus Atalanio, do 19. Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Escolhi falar sobre o tema título, mas ainda não terminamos de escrever o paper, que na verdade só vai ser publicado mais tarde. Mas antes de abordar o tema principal, resolvi fazer uma longa digressão sobre o papel do Direito Internacional na diplomacia brasileira, que transcrevo abaixo. A segunda parte virá oportunamente.


A demolição do Direito Internacional sob o bolsolavismo diplomático, 2018-2021

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

Matheus Atalanio; advogado, membro da Comissão de Direito Internacional da OAB

Notas para palestra no 19º. Congresso da ABDI (27/08/2021; 16:00, sala: 3)

Primeiro rascunho de artigo para publicação nos anais do Congresso

 

 

A tradição brasileira em direito internacional em perspectiva histórica

A América Latina tem, reconhecidamente, uma longa tradição em matéria de Direito Internacional. Mesmo os não especialistas saberiam reconhecer a importância da contribuição continental nesse terreno bastando, por exemplo, fazer referência ao princípio do uti possidetis, à cláusula Calvo, à doutrina Drago, ao instituto do asilo diplomático ou ao conceito de mar patrimonial. O Brasil, por sua vez, possui longa prática diplomática, alicerçada em sólida e igualmente longa tradição jurídico-legal, o que tornou sua política externa respeitada internacionalmente e merecedora da confiança dos demais membros do sistema interestatal contemporâneo. 

Muitos dos “pais fundadores” da nação, antes, durante e no processo de construção do Estado independente, tinham formação jurídica, a maior parte realizada em Coimbra, sendo que no decorrer do Império dezenas de dirigentes, ademais obviamente dos magistrados, frequentaram os dois principais cursos jurídicos criados no país em 1827, em São Paulo e no Recife. Um dos líderes dos Conservadores, ou do chamado Regresso, Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, ministro dos negócios estrangeiros em duas ocasiões, deixou sua marca na literatura, com obras dedicadas à organização do Estado e ao funcionamento da administração pública: Ensaio sobre o Direito Administrativo(1862) e Estudos práticos sobre a administração das províncias (1865). 

José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, a despeito de não ter formação na área – era matemático e professor na Escola de Guerra Naval –, também se exerceu como chanceler, tendo criado, em 1859, o cargo de Consultor Jurídico na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, função que ele próprio exerceu durante certo tempo. O cargo foi depois extinto, mas recriado por seu filho Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, quando ocupou por sua vez o Itamaraty na República. Muitas das negociações diplomáticas conduzidas pela chancelaria, pelo Barão do Rio Branco pessoalmente, em especial nas questões de fronteiras e na construção das posições do Brasil no campo das relações exteriores estavam solidamente ancoradas no respeito ao direito internacional, a marca do país na sua ação diplomática. Rio Branco proclamou uma vez que “o Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a confiar acima de tudo na força do Direito”, e de fato essa postura foi rigorosamente seguida em todas as demais gestões.

Essas características foram ainda mais reforçadas por ocasião da Segunda Conferência Internacional da Paz, realizada na Haia, em 1907, na qual Rui Barbosa foi o chefe da delegação brasileira. Os temas da agenda eram os mais vastos possíveis, compreendendo a humanização da guerra (como um primeiro passo para a manutenção da paz), o primado da juridicidade nas relações internacionais, a revitalização do Direito das Gentes, o reexame dos conceitos de soberania, o arbitramento obrigatório em litígios pendentes, um tribunal de apelação em matéria de presas, a cobrança de dívidas, o estabelecimento de uma Corte Permanente de Arbitragem, assim como a composição de um Tribunal de Presas. Rui foi um resoluto defensor da igualdade soberana de todos os Estados, independentemente de seu tamanho ou poder militar, esforçando-se por estabelecer uma conceituação da soberania política em bases claras. Na conceituação de um diplomata, Rui foi um dos pioneiros na formulação doutrinária que conduziu à aceitação universal do princípio da igualdade jurídica dos Estados, pedra basilar do multilateralismo contemporâneo.[1]

Desde essa época, a construção dos valores e princípios da diplomacia brasileira sempre se fez pela via da adesão irrestrita às grandes cláusulas do direito internacional, o que aliás vinha reforçado pela presença de grandes juristas em sua Consultoria Jurídica. Segundo a definição constante do antigo Regimento da chancelaria do Império, a Consultoria Jurídica estava encarregada de “dar parecer sobre as negociações de quaisquer ajustes internacionais, os atos internacionais submetidos à aprovação ou ratificação, a inteligência e execução de quaisquer obrigações internacionais, as indenizações reclamadas por via diplomática, as contestações de Direito Internacional Público ou Privado e as propostas legislativas e regulamentos apresentados ou expedidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros”.[2]

Renovada pelo Barão, a Consultoria Jurídica foi imediatamente ocupada por Carlos Augusto de Carvalho, ex-chanceler na década anterior (presidência Floriano Peixoto), mas ele não ocupou o cargo senão por dois meses. O segundo Consultor Jurídico do Itamaraty foi Amaro Cavalcanti Soares de Brito, fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, que também permaneceu pouco tempo no cargo por ter sido nomeado para o Supremo Tribunal Federal em maio de 1906. O terceiro, e provavelmente mais longevo, consultor jurídico do Itamaraty foi Clóvis Beviláqua que, nomeado em 1906, permaneceu no cargo até 1934, quando foi aposentado compulsoriamente, por disposição constitucional, tendo sido sucedido pelo jurista Gilberto Amado. Beviláqua é talvez mais conhecido como o autor, em 1916, do Código Civil brasileiro, que na verdade tinha sido iniciado por Epitácio Pessoa. 

Quase dez anos depois de ter defendido, em nome do Brasil, a igualdade soberana das nações na conferência da paz da Haia, Rui Barbosa, designado embaixador especial do Brasil nas comemorações do primeiro centenário da independência da Argentina, pronunciou, em 14 de julho de 1916, na Faculdade de Direito e Ciências Sociais, na qual recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um longo discurso entremeando história argentina e os problemas do momento, vale dizer, a Grande Guerra. Sua conferência, “Los Conceptos Modernos del Derecho Internacional”, abordou não apenas o patrimônio jurídico e político do país platino, mas também os problemas causados pela invasão da Bélgica pela Alemanha, em total desrespeito aos princípios da neutralidade. A conferência – que ficou mais conhecida como “O dever dos neutros” – teve enorme impacto, tanto na Argentina quanto no Brasil, e os “conceitos modernos” enunciados por Rui também conheceram repercussão fora dos dois países, alcançando prestígio internacional, e passando, de certa forma, a integrar o patrimônio jurídico e doutrinário da diplomacia brasileira.[3]

Esse exato discurso de Rui Barbosa em Buenos Aires foi relembrado pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, quando o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o Brasil, a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e dos valores da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, quando jovem estudante no Rio de Janeiro, no memento em que o jurista desembarcava triunfalmente na volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinal iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.

O Brasil foi a princípio neutro no conflito, sendo que o Consultor Jurídico nessa época, James Darcy, usou argumentos de seu antecessor Clóvis Beviláqua para examinar princípios e regras da guerra no direito público internacional, aplicáveis em caso de beligerância: bloqueio, busca e captura, respeito aos territórios e águas neutros. Depois de relembrar que o Brasil já era parte da Convenção relativa ao rompimento de hostilidades, aprovada na conferência da Haia de 1907, na qual se previa a notificação da beligerância às “potências neutras”, o Consultor recomendava, para o caso de guerra internacional envolvendo o Brasil, a adoção dos princípios formulados no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa.[4]

No imediato pós-guerra, assume a Consultoria Jurídica Levi Carneiro, que assina inúmeros pareceres nos quais ainda dominam vários problemas decorrentes da guerra. Um dos seus últimos pareceres, assinado em 5/12/1951, já tratava da criação de uma Corte Criminal Internacional: uma comissão de 15 países reuniu-se em Genebra, em agosto desse ano, sendo o Brasil representado por Gilberto Amado, antigo Consultor do Itamaraty em meados dos anos 1930, depois membro da Comissão de Direito Internacional. Amado dedicou-se, segundo ele, a fazer prevalecer o “bom senso”, eliminando, por exemplo, a competência da proposta corte para julgar “criminosos internacionais”.[5]

A década de 1950 pertence inteiramente, por assim dizer, ao eminente jurista Hildebrando Accioly, autor de um alentado Tratado de Direito Internacional Público que serviu a diversas gerações de diplomatas, e candidatos a tal, e não só no Brasil. Accioly, que ingressou na carreira diplomática em 1916, assinou, com o também diplomata e historiador Heitor Lyra, textos introdutórios aos Arquivos Diplomáticos da Independência, publicados por ocasião do primeiro centenário da autonomia nacional.[6] Tendo chegado a embaixador em 1938, exerceu diversos cargos no Itamaraty, entre eles Secretário-Geral, Ministro de Estado interino e dirigiu o Instituto Rio Branco nos seus primeiros dois anos de existência. 

Os inúmeros pareceres de Hildebrando Accioly cobrem todos os temas de que se ocupou a chancelaria brasileira nos anos 1950 e 60: declaração sobre direitos e deveres dos Estados, reservas a tratados internacionais (1952), projeto de Convenção da ONU sobre nacionalidade (1953), fundamentos jurídicos da extradição, projeto da Comissão de Direito Internacional sobre processo arbitral, convenção internacional sobre um estatuto para os apátridas, Corte Interamericana para a proteção de direitos humanos (1954), problemas jurídicos da aplicação do Tratado Interamericano de 1947 de Assistência Recíproca (TIAR), projeto de convenção sobre execução de sentenças arbitrais internacionais (1955), asilo diplomático, acordo de assistência militar Brasil-Estados Unidos (1956), disposições da Constituição sobre atos internacionais, refugiados políticos de países vizinhos, projeto de acordo com a Bolívia sobre exploração de petróleo (1957), problemas do espaço exterior, protocolos de emenda ao Gatt (1958), projetos da Comissão de Direito Internacional sobre relações e imunidades diplomáticas (1959), acordo de comércio e pagamentos com a União Soviética e inviolabilidade do domínio reservado dos Estados (1960).

Vinte anos depois que Oswaldo Aranha recorreu ao memorável discurso de Rui em Buenos Aires para sustentar a postura do Brasil em face da guerra europeia, quando se discutia na conferência interamericana de Punta Del Este (1962) a dimensão jurídica da opção de Cuba pela sua opção de sua adesão a um regime comunista, o então chanceler San Tiago Dantas soube preservar o patrimônio jurídico da diplomacia brasileira ao defender, de maneira clara, o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos de Melo Franco, pouco depois Araújo Castro e mais adiante Celso Lafer, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi o pioneiro na defesa do direito internacional, ou foi, pelo menos, um dos grandes iniciadores e batalhadores pela afirmação dessas grandes diretrizes políticas que hoje integram plenamente o patrimônio consolidado da diplomacia brasileira.

O início dos anos 1960 foi especialmente turbulento na esfera internacional e no terreno doméstico, um momento em que a Guerra Fria chegou ao seu auge, inclusive no hemisfério, com o problema dos mísseis soviéticos em Cuba. Além desse problema, San Tiago Santas se ocupou igualmente do reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética e de outros grandes temas do momento, como a questão do desarmamento nuclear, da descolonização, das relações com os países vizinhos e com os Estados Unidos, potência com a qual ele tentaria, já como ministro da Fazenda, encontrar um alívio para a difícil situação do endividamento externo do Brasil.

Na sequência do grande teste para a diplomacia brasileira que foi o problema de Cuba, ao sustentar posturas contrárias à diplomacia truculenta dos Estados Unidos, o Itamaraty voltou a contar com grandes juristas a serviço de uma fidelidade consagrada ao Direito Internacional. Os anos 1961-71 estão identificados com o trabalho de Haroldo Valladão, professor catedrático de Direito Internacional Privado da antiga Universidade do Brasil (depois UFRJ) e que tinha como divisa, estampada em todos os seus escritos, a frase em latim: nulla dies sine linea nec schola (nenhum dia sem escrever ou lecionar), o que parece representar um magnífico programa de vida. Antes de se tornar consultor do Itamaraty, já tinha sido Consultor Geral da República (1947-50) e professor no Instituto Rio Branco. Muitos dos seus pareceres atenderam às necessidades do Itamaraty dessa época, como a adesão de novas partes contratantes ao Gatt, o estabelecimento tácito de relações diplomáticas (1961), a pesca da lagosta por barcos franceses (1962), recursos naturais da plataforma continental, entre eles a lagosta (1963), acordo de comércio e pagamentos com a Polônia (1964), mar territorial e direito de pesca, modificações constitucionais de interesse do Itamaraty (1966), Convenção da ONU sobre Direito dos Tratados (1968), projeto da convenção interamericana de direitos humanos (1969), e vários outros temas da agenda internacional daquela época. Um outro jurista, colega de carreira, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, fez uma advertência quanto à efetividade desse trabalho, no sentido de que nem sempre os argumentos e propostas formulados pelo consultor eram necessariamente seguidos pela Casa na implementação efetiva de uma dada política (dados outros elementos diplomáticos em jogo).

Em todo caso, muitos diplomatas, assim como juristas que desempenharam funções diplomáticas nessa época, entre eles San Tiago Dantas e Afonso Arinos, nunca deixaram de reconhecer, desde a famosa conferência de Rui Barbosa em Buenos Aires, a poderosa influência de seus argumentos para apoiar posições diplomáticas do Brasil nos contextos regional e internacional. Nos anos 1970, o Itamaraty se serviu de seus consultores para orientar suas posturas em relação a diferentes temas dessa época: aspectos jurídico-internacionais da demarcação do Salto de Sete Quedas e da delimitação dos rios internacionais (que depois desembocariam na solução diplomática aplicada ao caso de Itaipu, com o Paraguai), a crise entre a Argentina e o Reino Unido em torno das ilhas Malvinas e a necessidade de prévia autorização legislativa para a participação das Forças Armadas em operações militares no exterior.[7]

O primeiro Consultor Jurídico do Itamaraty na redemocratização foi o professor Antônio Augusto Cançado Trindade, já autor, a despeito de relativamente jovem, de vasta obra no campo do direito internacional. Ele foi um dos mais dinâmicos, produtivos e eficientes consultores com que o Itamaraty contou, sendo, praticamente sozinho, responsável por uma impressionante coleção de mais de duzentos circunstanciados pareceres. Sua gestão coincidiu também com o processo de reconstitucionalização do Brasil, por meio do Congresso constituinte de 1987-88, o que determinou que ele fosse ouvido nas comissões que se ocuparam dos princípios que regem as relações internacionais do país e o processo de celebração de tratados. 

Entre 1985 e 1990, Cançado Trindade assinou alentados pareceres, praticamente todos recheados de notas de rodapé, milhares delas, referenciando obras relevantes de cada uma das áreas examinadas especificamente, o que praticamente nunca tinha sido visto nos textos dos antigos consultores, que se contentavam em citar, no corpo do texto, um ou outro tratadista mais conhecido. Em outros termos, Cançado Trindade elevou a arte da consultoria jurídica à condição de scholarly work, de trabalho científico no pleno conceito da expressão, representando assim, uma acumulação inédita de citações eruditas nos trabalhos da chancelaria brasileira, sem esquecer suas reflexões de alto conteúdo intelectual, que honram não só a inteligência da Consultoria Jurídica como também ajudaram a construir, ou a reforçar, a própria credibilidade e reconhecida excelência do Itamaraty.

Seguiram-se a Cançado Trindade, outros eminentes juristas, como Vicente Marotta Rangel – eminente professor da Faculdade de Direito da USP, depois juiz do Tribunal Internacional sobre Direito do Mar (Hamburgo) –, João Grandino Rodas – também oriundo da São Francisco, posteriormente Diretor da Faculdade e Reitor da USP –, e imediatamente após, o professor Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros, que se desempenhou no Itamaraty desde 1998 até 2015, sucedendo a Marotta no Tribunal de Hamburgo (onde veio infelizmente a falecer precocemente). Pode-se dizer, de maneira geral, que os juristas a serviço da diplomacia brasileira construíram boa parte das doutrinas e das posições nacionais em matéria de política exterior, colaborando assim, de modo significativo, para o reforço da credibilidade, seriedade e da reputação de excelência que caracterizam, desde muito tempo, o serviço exterior brasileiro. 

As posições doutrinais e práticas da diplomacia brasileira foram sendo elaboradas progressivamente ao longo de mais de um século de construção do Estado nacional, de consolidação de sua diplomacia profissional e da lenta acumulação de valores e princípios que passaram a guiar sua política externa e sua diplomacia, sobretudo a partir do regime republicano. Desde meados do século XIX, a formulação desses princípios e valores contou com a inteligência e a ação de grandes homens públicos, diplomatas, juristas, tribunos e intelectuais de diversas orientações políticas, mas concordantes no essencial: a preservação da soberania nacional, o respeito ao direito internacional, a solução de controvérsias internacionais por meios pacíficos, a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, a defesa intransigente do caráter nacional, sobretudo apartidário da política externa (como alertou Rio Branco, logo ao início de sua gestão), a assunção de responsabilidades internacionais quanto a conflitos interestatais que possam ter repercussões globais (como no caso dos dois conflitos mundiais) e diversos outros elementos que podem ser identificados numa análise mesmo perfunctória desse processo de construção de valores e princípios da diplomacia brasileira.

Ao longo de sua história, o Brasil teve de apelar para todos os recursos do direito internacional, para as suas capacidades próprias e, algumas vezes, até para a força das suas armas, para fazer valer a sua integridade territorial, sua soberania nacional, a honra e a defesa da pátria, quando ameaçadas por algum contendor regional ou fora dela. Para tanto apoiou-se naquelas ideias, naquele conjunto de valores e princípios, eventualmente adaptados às suas necessidades específicas e às circunstâncias que presidiram a cada tomada de decisão em relação ao desafio em causa. Os desafios estiveram geralmente ligados à definição dos limites do “corpo da pátria” – sempre pelas negociações, desde a independência –, ao equilíbrio de poderes e à liberdade de acesso nas fronteiras platinas, às relações com as grandes potências europeias e, depois, com o grande poder hemisférico, à abertura de mercados para os seus produtos e o acesso às fontes de financiamento para seu desenvolvimento, à participação, em bases equitativas, nas grandes definições relativas à ordem mundial, sua manutenção e funcionamento em bases adequadas à cooperação multilateral.

As ideias e as ações foram as de seus líderes políticos, seus dirigentes estatais, seu corpo de profissionais da diplomacia, seus intelectuais e os membros da elite, de forma geral. Essas ideias e essas ações não existem, portanto, em abstrato, mas sim conectadas a pessoas que a elas aderem e que as fazem movimentar-se, em função de seu próprio substrato intelectual, de seu envolvimento com os assuntos públicos, de sua iniciativa e mobilização numa causa que ultrapassa a dimensão específica das vidas privadas e das atividades profissionais: as pessoas passam a encarnar os interesses do Estado. Os juristas a serviço do Itamaraty foram justamente alguns desses pensadores e agentes de uma diplomacia reconhecidamente competente e absolutamente sintonizada com a agenda internacional e preparada para enfrentar os desafios nela colocados.

 

A violação da tradição brasileira em direito internacional sob o governo Bolsonaro

A despeito dessa brilhante tradição jurídica acumulada ao longo do tempo, uma das maiores rupturas dos valores e princípios da diplomacia brasileira veio a ocorrer justamente no terreno do Direito, cuja responsabilidade incumbe única e exclusivamente aos amadores ineptos que passaram a guiar a política externa, e por conseguinte a diplomacia, de janeiro de 2019 até março de 2021. A rigor, os descompassos, inconsequências, desrespeito e atentados àquela tradição tiveram início ainda antes, tanto na fase da campanha presidencial de 2018, quanto imediatamente após a vitória do candidato em outubro desse ano, com os anúncios das novas orientações que seriam impostas às relações exteriores do Brasil.

(...)

[Falta completar...]


[1] Ver GARCIA, E. V. (1996). Aspectos da vertente internacional do pensamento político de Rui Barbosa. Textos de História, revista do programa de pós-graduação em História da UnB, vo. 4, n. 1, p. 103-124, cf. p. 122.

[2] Cf. CASTRO, F. M. O., História da Organização do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Editora da UnB, 1983, p. 105.

[3] BARBOSA, Rui, Os Conceitos Modernos do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Babosa, 1983.

[4] Ver Cachapuz de Medeiros, Antonio Paulo (org.), Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty, vol. III (1935-1945). Edição Fac-similar [à edição de 1961 da Imprensa Nacional]; Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000, p. 218.

[5] Cachapuz de Medeiros, op. cit., p. 590.

[6] Os Arquivos Diplomáticos da Independência foram publicados pela Imprensa Nacional, em seis volumes, entre 1922 e 1925; eles foram novamente publicados pelo Itamaraty em 1972, quando do sesquicentenário da independência, tendo sido, recentemente, objeto de republicação fac-similar da primeira edição, pela Funag, na coleção do Bicentenário da Independência.

[7] Ver AMEIDA, P. R. “A construção do direito internacional do Brasil a partir dos pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty: do Império à República”, Cadernos de Política Exterior, ano II, n. 4, 2016, p. 241-298.