quarta-feira, 21 de junho de 2006

498) O Português da política externa

Não, não estou querendo contar nenhuma piada de português diplomata. O meu Português é outro, é a própria última flor do Lácio, que anda sendo maltratada por aí, em todas as partes. Já sabíamos que a língua sofre nas novelas e nas entrevistas, para não dizer nada das augustas tribunas do Congresso, onde os funcionários da taquigrafia e os encarregados da redação dos anais, depois, tentam contornar os atentados continuamente perpetrados por suas excelências e outros nobres parlamentares contra o idioma indefeso.
Mas, o que surpreende é encontrar erros primários de português em publicações oficiais, como a que acabo agora de receber, da própria Presidência da República. Chegou-me de surpresa, no dia 19 de junho, um grosso e enorme envelope pardo, da PR, que aberto revelou pelo menos dez exemplares de um “jornal oficial”: “Brasil: um país de todos, Governo Federal” (Junho/2006, Ano 4). Fui direto à p. 31, que era o que me interessava mais de perto: “Relações Exteriores”, cujo título é prometedor: “Diálogo em novo patamar”.
Nada a comentar quanto à substância, que me pareceu correta, honesta, mais para o grandiloquente do que para o objetivo, mas propaganda oficial é assim mesmo, como já sabíamos pela teoria do Ricupero (em sua encarnação de ministro da Fazenda). Há uma sucessão de sucessos, como seria de se esperar, em vários continentes e foros mundiais, sem espaço para qualquer dúvida ou contestação. Leio: “O Brasil vem apostando [só apostando?] no fortalecimento de sua soberania e afirmando o seu papel no mundo”. Tudo bem, quem pode ser contra tal programa de afirmação nacional e engrandecimento da pátria?
Mas, o que leio que me ativou a corda linguística? Esta pérola: “Nesse período, o Brasil não se descuidou dos parceiros tradicionais na Europa e Estados Unidos”. Como “se descuidou”? Tropeços com parceiros não tradicionais? Mas, segue o texto: “Em 2005, o País encaminhou delegações a visitas dos chefes de Estado dos Estados Unidos, Espanha, França, Rússia, Portugal, Itália e Inglaterra [acho que deveria ser Reino Unido, mas vá lá].” Como é que o país pode enviar delegações a visitas de chefes de Estado? Para mim este é um dos vários insondáveis mistérios linguísticos deste texto.
Mais adiante vem um conceito que eu ainda não tinha encontrado na terminologia diplomática: se diz que prosseguem as articulações “com as demais nações para tornar o Brasil um membro efetivo do Conselho de Segurança da ONU”. Como efetivo? Trata-se de uma nova categoria de membros, entre os permanentes e os temporários?
Há outros exemplos, como este aqui: “As comunidades brasileiras no exterior, que já atingem 4 milhões de pessoas...”. Como atingem? Um verbo transitivo direto? Deve ser entendido no sentido de compreender ou de alcançar?
Enfim, nada contra a política externa, mas o Português deveria ser revisto, do contrário pode virar piada...

Brasília, 21 de junho de 2006

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