Abertura africana e alerta a Chávez
EDITORIAL
Jornal do Brasil, 29/11/2007
Com Mario Gibson Barboza a diplomacia brasileira enterrou parte de sua história. Chanceler no governo do general Emilio Garrastazu Médici entre 1969 e 1974, comandante de seis embaixadas, foi o mentor e executor do acordo que permitiu a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Mais do que isso, anteviu a importância da aproximação com a África e redirecionou o Itamaraty para o continente.
Gibson morreu de falência múltipla dos órgãos no Rio de Janeiro, aos 89 anos, mas deixou sua marca nas relações exteriores, apesar de servir durante a era de um dos mais ranzinzas presidentes-generais. Manteve a independência na política externa sem submergir ao autoritarismo ou a ideologias.
Em Na diplomacia, o traço todo da vida, livro publicado recentemente, revê sua trajetória, desde o início, nos anos 40. Pernambucano de Olinda, filho de comerciantes, deslanchou a carreira diplomática em 1939, num país que vivia sob o jugo do Estado Novo de Getúlio Vargas e num mundo atemorizado por Adolf Hitler.
Foi vice-cônsul do Brasil em Houston, Texas, terceiro-secretário da embaixada brasileira em Washington, primeiro-secretário da representação brasileira em Bruxelas, ministro-conselheiro em Buenos Aires e junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Ascendeu a chefe-de-gabinete do ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco. Passou por Viena, Assunção e pela capital americana.
No Paraguai, revelou-se mais do que um negociador, um estrategista. Coordenou o acordo que deu ao Brasil a posse das cataratas de Sete Quedas e, quatro anos depois, acertou os detalhes da construção da Hidrelétrica de Itaipu em parceria com os vizinhos, tendo contornado a insatisfação dos argentinos.
Elevado a ministro por Médici, anunciou o plano brasileiro de combate ao terrorismo no continente, mais tarde submetido à convenção da Organização dos Estados Americanos (OEA). Assinou com Portugal um acordo de reciprocidade de direitos entre brasileiros residentes naquele país e portugueses radicados no Brasil. Transferiu a sede do Itamaraty para Brasília. E, seu feito mais significativo e duradouro: promoveu a aproximação com os países africanos, em 1972.
A agenda de interesses da chancelaria sob seu comando desagradava, como relata no livro sobre sua trajetória. Em 1971, criticado pelo então todo-poderoso Delfim Neto, reagiu com uma nota oficial. Médici o chamou ao gabinete. Repreendido, rebateu: "Olha, presidente, vamos fazer um acordo? O senhor fala com o Delfim para não se meter no Itamaraty. Ele se mete em todos os ministérios, mas no meu não".
Definido pelo chefe como um homem de sangue quente, não arrefeceu a temperatura sangüínea nem com a aposentadoria. Em fevereiro deste ano, em artigo publicado no Jornal do Brasil, atacou o "antiamericanismo de viés nitidamente ideológico" que, na sua visão, contamina o Itamaraty da Era Lula.
Sugeriu que a politização dos subordinados com a adesão ao petismo, a criação de 400 novos cargos e a "tomada de lição" em textos obrigatórios para garantir um pensamento único na chancelaria descaracterizavam a história da diplomacia brasileira. Nos últimos tempos, apontava para os perigos da aproximação incondicional com a Venezuela de Hugo Chávez e com a Bolívia de Evo Morales. Era um embaixador de visão. Seu alerta continua aceso.
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