Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
terça-feira, 1 de abril de 2008
860) Despedida discreta (sem retorno, por favor)
(sem retorno, por favor)
Paulo Roberto de Almeida
Sem muito alarde, ou fanfarra, e também sem despedidas formais, como convém ao meu natural reservado, gostaria de comunicar aos amigos, conhecidos, aos colegas de trabalho, de academia, meus conhecidos em geral (e, talvez até, alguns desconhecidos), algo importante, no plano individual, mas provavelmente pouco importante no âmbito social e totalmente irrelevante no plano nacional: estou empreendendo um novo tipo de atividade, em função de acontecimento fortuito recentemente ocorrido, que implica em minha retirada completa dos circuitos até aqui freqüentados e percorridos. Ou seja: estou despedindo-me (sem tristeza, porém).
A razão é muito simples, mas em torno da qual eu pediria aos que receberem esta mensagem, absolutamente pessoal e reservada, a mais absoluta reserva: tive a sorte – que sempre me foi extremamente escassa nos meus anos bem vividos – de ter sido contemplado com um desses prêmios inesperados, em volume surpreendente para as minhas baixas expectativas em torno desse tipo de aposta, o que vai permitir-me uma retirada confortável (eu diria até luxuosa), sem qualquer tipo de preocupação financeira pelo tempo que me resta neste planeta insólito. Não apenas por isto, mas também pelo sempre acalentado desejo de dedicar-me integralmente ao que sempre gostei de fazer – ler e escrever – decidi, em família, que era chegada a hora de adotar, por uma vez, um estilo eremita e afastado (embora sempre ligado ao mundo).
Talvez não definitivamente, mas por um futuro ainda indefinível, decidi “liquidar” os poucos “negócios” que me atam à vida profissional atual, às atividades paralelas na academia, aos compromissos assumidos com instituições de ensino, de pesquisa, minha participação em pasquins de opinião, em folhas de discussão, listas de informação, grupos de debates, enfim, todos os vínculos existentes e obrigações auto-assumidas ou impostas por razoes orçamentárias, que sempre me tomaram um tempo excessivo, impedindo-me de me dedicar ao que realmente gosto: ler, refletir, escrever, eventualmente exercer alguma atividade dotada de impacto social, em geral na área da educação e da formação de jovens.
Não pretendo entrar em detalhes sobre a natureza exata desse inesperado golpe de sorte, sobre valores, ou decisões atuais e futuras, e até cogito, se me permitirem as circunstâncias e as possibilidades legais, adotar nova identidade, dando por terminada a que me acompanhou desde o berço, se ouso dizer. Será uma maneira discreta de dar partida a um novo estilo de vida, sem ter de explicar a conhecidos e outros curiosos por que, exatamente, decidi levar uma vida de usufruto discreto de uma renda mais do que razoável para os meus padrões de vida normalmente modestos. Vou partir...
Sim, vou poder fazer aquilo de que também mais gosto: viajar, conhecer outros lugares e pessoas, de preferência por terra, detendo-me onde me aprouver para usufruir de todos os benefícios que a civilização e a cultura construíram de magnífico nos últimos séculos (de fato, nos últimos dois ou três mil anos, para rendermos uma homenagem a povos da mais remota antiguidade). Viajar por onde for possível, entrar em quaisquer restaurantes e hotéis, de preferência os melhores, claro, ir a museus, entrar em livrarias, sentar em cafés, sem ter de contar os tostões, ou pensar na conta do cartão de crédito no final do mês, tudo isso representa uma felicidade imaginável para todos aqueles que apreciam o convívio com o que há de melhor na sociedade humana: não o dinheiro, não o poder, mas a cultura e a inteligência. Nem sempre é possível desfrutar desses bens normalmente escassos na vida diária, geralmente feita de trabalho rotineiro, compras regulares, pagamentos de contas, convivência social nem sempre escolhida mas determinada pelas nossas circunstâncias de trabalho, de vizinhança ou de obrigações familiares e outras chateações bem conhecidas de todos nós. Eu tive a sorte de poder, a partir de agora, determinar meu próprio destino, sem mais ter de prestar contas a ninguém, por necessidade financeira ou dever funcional.
Ser livre, finalmente, é isto: poder dispor de autonomia no emprego do tempo pessoal, decidir mudar de roteiro e de atividade quantas vezes se desejar, passar dias sem fazer absolutamente nada, a não ser aquilo que se escolhe fazer, sem maiores limitações do que aquelas impostas pela estúpida soberania dos Estados, que limitam a liberdade de locomoção e de estada de indivíduos livres, como agora passo a ser. Tudo isso, claro, só é possível quando se dispõe de franquias financeiras não disponíveis à maior parte dos indivíduos de minha condição, mas que doravante passa a ser minha condição “normal” em virtude dessa volta inesperada da “fortuna”.
Meu único desejo, agora expressamente formulado, seria o de não ter de me explicar, de responder a mensagens, de ter de atender a despedidas formais, enfim de voltar a me comunicar com todos aqueles que agora me lêem e que me conhecem, pessoalmente ou por este meio eletrônico tão corriqueiro. Não voltarei a comunicar-me com ninguém, como tampouco darei notícias unilaterais. Estarei bem, muito bem, melhor do que a maioria dos nossos concidadãos e até indivíduos mais abastados, com disposição para enfrentar minha nova profissão de “eremita da cultura” por muitos anos à frente. Eventualmente darei notícias, em algum momento indefinível do futuro, quando resolver adotar um outro estilo de vida do que aquele agora permitido pela minha repentina virada de sorte.
Levarei comigo poucos pertences: uma pequena mala de roupas, escova de dentes, um bom laptop para continuar lendo meus jornais preferidos, mas deixarei “congelados” meus meios de comunicação e penso até em cancelar a maior parte dos meus muitos endereços eletrônicos. Afinal de contas, não se imagina um “eremita” se comunicando com alguém, pelo menos não no sentido usual da palavra. Com o novo estilo de vida, talvez eu consiga ler pelo menos uma parte da imensa lista de livros que me aguardam silenciosamente em algum canto de minha biblioteca imaginária.
Fico por aqui, do contrário já falharei de partida na mudança prometida de estilo de vida, deixando de romper com um dos meus vícios mais notórios, que é o de escrever demais e prolixamente, defeito que só perde para outro, igualmente irritante, o de sempre estar lendo, em qualquer circunstância e lugar.
Mil perdões àqueles que vão se decepcionar com meu gesto inesperado, com essa retirada não prevista e unilateral, com este desaparecimento repentino, sem qualquer possibilidade de retorno e de resposta. Guardo boas lembranças de todos aqueles que comigo partilharam bons momentos de intercâmbio intelectual e de todos reterei gestos de carinho e de atenção que muito me confortaram e animaram, numa vida de ordinário solitária e voltada para os livros.
Je n’ai pas de regrets, como diria um poeta francês: não lamento nada do que fiz ou deixei de fazer. Acredito ter sido correto com todos aqueles que comigo se relacionaram e ter exercido minha proverbial honestidade intelectual em todas as atividades em que me engajei. Continuarei exercendo essas poucas qualidades no que me restar de tempo útil (e até inútil). Parto para a montanha do saber, com a vantagem de ser ela absolutamente móvel e múltipla, aonde me levar minha curiosidade e meu desejo de saber. Grato a todos pela consideração, uma última desculpa pela despedida sem retorno e meus bons votos a todos os que continuam sua caminhada em direção da felicidade. Creio que estarei “presente”, mesmo ausente...
Vale!
3 comentários:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
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Boa Sorte em sua nova jornada!
ResponderExcluirSentirei falta de suas palavras.
Tive o prazer de ter sua presença na mesa de um evento que ajudei a organizar na faculdade (Relações Intenacionais - USP). Além de ter acompanhado parte do que foi postado nesse blog.
Engajo-me, agora, em um intento que o senhor já logrou, tornar-me diplomata. Sinto muito que, pelo visto, não serei seu aluno.
Entendo, porém, suas nobres motivações, e lhe desejo êxito!
Se algum dia sentir saudades da vida velha, das publicações e, mesmo, de postar no blog, será muito bem-vindo.
Deus esteja contigo!
foi um breve, mas imenso prazer.
ResponderExcluirboa sorte.
:)))))))))
ResponderExcluirPOISSON D'AVRIL!!!! E ainda há pessoas que caem nessa ! O senhor é muito criativo !
Max