Transcrevo mais um artigo que me parece relevante sobre a política de cotas que se está implementando em diversas universidades públicas.
Por trás das boas intenções
Mauad João Luiz
O Globo, 4 de junho de 2009
As ações afirmativas são normalmente explicadas ao público como medidas temporárias, que visam a compensar certas debilidades impostas pela opressão racista ou pela desvantagem social. O problema é que o discurso não espelha a realidade, em que elas, longe de redimir desigualdades, são um instrumento poderoso da divisão da sociedade em classes e da concessão de privilégios, os quais, no lugar de remediar injustiças, tornam-se matéria-prima na produção de preconceitos.
A discriminação contra pessoas por razões de classe, gênero, cor da pele, orientação sexual, credo religioso, etc. é absolutamente real, inquestionável. Todos os dias, presenciamos com imenso pesar as suas inúmeras manifestações, graças a Deus menos ostensivas e mais encabuladas hoje do que eram no passado. Porém, esta verdadeira chaga, há muito fincada na dignidade humana, não será removida por atitudes hipócritas, oportunistas e contrárias ao Estado de Direito.
Nas sociedades livres, vigora o princípio universal de que “todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”, estampado no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793. Nossa constituição de 1988 acolheu este preceito em seu artigo quinto, que textualmente estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Mas os constituintes de então não pararam por aí. No Artigo 19º, nossa Lei Maior proclama ainda que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
Não por acaso, nos Estados Unidos, onde a malfadada idéia já foi motivo de intenso debate, por decisão da Suprema Corte as políticas de cotas são proibidas desde 1978. Outras formas de incentivo, como bolsas de estudo e financiamentos a custo reduzido para pessoas de baixa renda são permitidas, mas nada parecido com cotas raciais, pelo simples fato de que ferem o princípio consagrado da isonomia.
Peguemos, por exemplo, a instituição de cotas nas universidades públicas. Além de francamente inconstitucional, como visto acima, a proposta demonstra, por outro lado, a mais absoluta incapacidade dos governos para o exercício de suas funções. Malgrado a imensa arrecadação tributária, próxima a 40% do PIB, os agentes públicos, em seus diversos níveis, não conseguem prover um ensino básico minimamente decente, como claramente demonstrado pelos últimos resultados do ENEM Brasil afora. Pretendem então operar, pela via legal, a mágica de garantir o acesso às universidades, independentemente do mérito ou das qualificações, daqueles cuja boa educação foi impedida pela incompetência do próprio governo.
Essas propostas são usadas para passar a imagem de que os nossos valentes e dedicados políticos estão muito preocupados com a questão. Porém, são políticas que só maquiam o problema, pois passam ao largo do fato primordial, que é a má qualidade do ensino público fundamental. Como iniciativas desse tipo não produzem aumento de vagas nas universidades, no fim das contas alguns serão beneficiados às custas de outros. Os jovens brancos da classe média baixa serão provavelmente os mais prejudicados.
Se, por um lado, o remédio das ações afirmativas deixa clara a incompetência dos governos, ele também encobre uma ferrenha cruzada ideológica. Por trás das boas intenções, redentoras e politicamente corretas, não raro esconde-se a velhaca pretensão marxista de divisão da sociedade em classes. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos informem a “raça” de seu portador, visando a futuro benefício, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial, se está, na prática, institucionalizando a segregação racial. Onde quer que isso tenha sido feito antes, ainda que com fundadas justificativas, os resultados foram os piores possíveis, como muito bem documentado pelo brilhante Thomas Sowell (ele mesmo um negro), pesquisador da Universidade de Stanford, no ótimo livro “Ações afirmativas ao redor do mundo: um estudo empírico”.
Capacidade intelectual e cognitiva independem da cor da pele ou da condição social. Tratar negros, índios e pobres como se fossem menos capazes do que os demais é, acima de tudo, uma grande humilhação. Definitivamente, não dá para fazer demagogia com um assunto sério como esse.
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Para um versão completa deste artigo, ver a revista Banco de Ideias, do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (n. 46, mar-abr-maio 2009), neste link: http://www.scribd.com/doc/13134374/Banco-de-Ideias-n-46-MarAbrMai-2009?autodown=pdf
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