Aniversário do plano
Quinze anos depois do Real, crédito, carga tributária e gastos públicos são os novos desafios
Nice de Paula
O Globo, 01/07/2009
RIO - Custo de crédito, carga tributária elevada, gastos públicos e eficácia da política monetária. Quinze anos depois do lançamento do bem-sucedido Plano Real, esses são os principais desafios do país na visão de economistas de diferentes áreas. A inflação, que era o grande terror até 1º de julho de 1994, já não assusta tanto.
- A inflação já foi derrubada, é um problema que o Brasil já superou há muito tempo. Mas a rigidez da política monetária permanece, encarece o consumo e a produção, porque o custo de financiar é muito elevado - diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
" É necessário avançar na sofisticação do sistema de metas, olhando as variáveis condicionantes para dar mais dinamismo à política monetária "
Na avaliação de Agostini, o sistema de metas de inflação - que dá ao Banco Central a tarefa de utilizar a taxa de juros para manter a economia em patamares pré-determinados - é perfeito, mas depois de quase dez anos em vigor, é tempo de ser aperfeiçoado. Nesta terça-feira, o Conselho Monetário Nacional fixou em 4,5% a meta de inflação para 2010 e 2011.
- É necessário avançar na sofisticação do sistema de metas, olhando as variáveis condicionantes. Por exemplo, a estrutura de formação de tarifas remete à década de 90, quando o cenário era outro e foi preciso indexar preços para garantir investimentos no setor de serviços. Isso trouxe um problema, porque hoje um terço da inflação é rígida, contratada, imune à ação dos juros. É um exemplo do que precisa ser revisto para dar maior dinamismo à política monetária - diz Agostini.
" Passados 15 anos do lançamento do Plano Real, o que falta para o país é combater os custos elevados da economia, os spreads bancários e a tributação elevada. "
Para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, o principal desafio do país é garantir crescimento e baixar as taxas de juros reais (descontada a inflação), que, a seu ver, ainda estão muito altas.
- Já melhorou muito, mas juro real de 5% ao ano ainda é muito alto, precisa baixar para 3%. E não adianta só cortar a Selic, é preciso haver uma queda nos spreads bancários (diferença entre a taxa que o banco paga para captar dinheiro e aquela que cobra quando vai emprestar ao consumidor), o que pode acontecer por meio de aumento da concorrência e da liberação dos compulsórios - diz ele, referindo-se aos recursos que os bancos são obrigados a deixar depositados no BC, sem rentabilidade.
Os spreads bancários também estão entre os principais desafios do país, na visão de Miguel Ribeiro de Oliveira, economista que acompanha com rigor microscópico o impacto das medidas econômicas na vida prática das pessoas.
" O grande desafio no Brasil é se livrar do mito que a solução para os problemas está sempre em aumentar o gasto público "
- Passados 15 anos do lançamento do Plano Real, o que falta para o país é combater os custos elevados da economia, os spreads bancários e a tributação elevada. É o custo do crédito e a carga tributária - diz.
Raul Velloso, especialista em contas públicas, acredita que o desafio do país daqui para frente é conseguir recuperar os investimentos. Velloso ficou muito preocupado com as recentes afirmações do presidente Lula de que preferia dar o dinheiro aos pobres a aliviar a carga tributária das empresas.
- Se optar por deixar de usar recursos para estimular investimentos e dar para o pobre gastar, essa pessoa vai consumir, mas se a indústria não tiver o que entregar, não adianta, não move a economia. O grande desafio no Brasil é se livrar do mito de que a solução para os problemas está sempre em aumentar o gasto público - diz.
Estudioso de inflação, Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ, diz que o cenário atual incerto torna muito difícil prever como será o mundo nos próximos três ou quatro anos, mas também destaca a questão dos gastos públicos.
- Há uma preocupação latente no mundo inteiro com o risco de que o excesso de gastos públicos vá gerar inflação lá na frente, por isso é necessário uma certa cautela, porque um endividamento público brutal vai gerar problemas.
Sistema financeiro teve que se reestruturar.
Plano Real: estabilidade impôs profunda reestruturação ao sistema financeiro
Ronaldo D'Ercole
SÃO PAULO - A estabilidade monetária que se seguiu à implantação do real, em julho de 1994, impôs ao sistema financeiro brasileiro uma profunda reestruturação. A face mais visível desse processo foi o encolhimento do número de bancos em operação no país: de 245 para 156. Com o fim da ciranda inflacionária, um grande número de bancos viu cessar abruptamente sua principal fonte de receitas - a aplicação do dinheiro que os correntistas deixavam em suas contas para compra e venda diária de títulos públicos, o que gerou uma onda de insolvência. Situação que foi agravada pelo aumento brusco da inadimplência de correntistas, que correram para o consumo na esteira da estabilização dos preços.
No primeiro ano do Plano Real, até junho de 1995, o governo já havia gastado R$ 14 bilhões em ajuda a instituições privadas, que continuavam apresentando problemas. Isso levou o Banco Central a criar, em novembro do mesmo ano, o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer).
- Quando assumi a presidência do BC, em maio de 1995, uma série de bancos já estava sob o Regime Especial de Administração Temporária (Raet), e havia muitos outros com problemas - lembra Gustavo Loyola, que estava à frente do BC no lançamento do Proer.
O Proer foi utilizado principalmente para evitar a quebra de grandes bancos, como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus, que além de prejuízos a milhões de correntistas colocariam em risco a confiança em todo o sistema bancário nacional.
- A ideia não era recolocar esses bancos em pé, premiando seus acionistas, mas sim proteger seus clientes - diz Loyola.
Estima-se que o Proer tenha injetado cerca de R$ 30 bilhões para a venda dos ativos saudáveis (inclusive os clientes) desses bancos a outras instituições.
- O Proer teve papel fundamental no processo de saneamento dos bancos, evitando um crise sistêmica - observa Otto Nogami, economista do Insp (ex-Ibmec-SP).
Logo em seguida à entrada do real em circulação, o BC já havia editado a Resolução 2.099, que introduziu "espírito de Basileia" no país, estipulando exigências mínimas de capital (patrimônio líquido) para a exposição dos bancos nos diferentes tipos de operação.
- Desde o início, estava clara a ideia de que o plano teria efeitos sobre o sistema - lembra Loyola.
Um outro problema, ainda mais grave, teve que ser enfrentado: a precária situação dos bancos estaduais que, insolventes, para financiar os governos locais passsaram a fazer saques a descoberto das reservas do BC. Além de constranger o BC em sua função fiscalizadora junto aos bancos privados, tal prática comprometia a estabilidade monetária do Plano Real. A saída foi criar o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes), destinado a sanear os bancos estaduais.
No âmbito do Proer, ainda, foi criado o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), constituído por recursos dos próprios bancos, que no caso de quebra ou liquidação de uma instituição garantia aos correntistas recuperar até R$ 20 mil dos seus recursos. Esse valor hoje é de R$ 60 mil.
Tanto quanto preservar os clientes das instituições, Loyola lembra que por trás de todo esse processso buscava-se construir um sistema capaz de evitar problemas daquele tipo no futuro.
- Foi uma aprendizagem, um trabalho construído ao longo do tempo, por várias gerações de funcionários do BC - diz Loyola.
Os avanços alcançados ao longo dos primeiros anos do Real foram postos à prova na crise cambial de 1999, que apesar da gravidade, observa Loyola, não redundou numa crise bancária.
Alberto Borges Matias, professor de finanças da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, avalia que as crises têm função importantes para os avanços do sistema financeiro nacional. E reconhece que o sistema, leia-se bancos e mercado de capitais, desfruta de uma condição saudável por causa da regulação e da estrutura criada a partir da estabilização. Mas lembra que o fato de ser ainda pequeno - as operações de crédito no país representam 42% do PIB, muito menor que a de países desenvolvidos , e pouco exposto internacionalmente, tem preservado o sistema de crises como a atual.
- O Brasil tem um sistema financeiro sofisticado hoje, mas os valores operados aqui ainda são muito baixos - diz, notando que a recente liberação de parte dos elevados compulsórios recolhidos pelos bancos no BC apontam mais avanços no sistema adiante.
- O Brasil não é grande planejador. O Brasil age movido por crises, e age bem nas crises. Agora estamos em um novo momento. A crise foi ótima para o país.
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