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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
1678) EUA observam o Brasil - Council on Foreign Relations
Cristiano Romero
Valor Econômico, 13/01/2010, pág. A2
Centro de estudos sobre assuntos internacionais mais influente dos Estados Unidos, o "Council on Foreign Relations (CFR)" decidiu criar uma força-tarefa para estudar o Brasil. O grupo começa a trabalhar em março e terá duração de nove meses. O objetivo é produzir um relatório com recomendações, ao governo Obama, sobre como lidar com o Brasil, em particular com o Brasil que está emergindo no cenário mundial. O contexto é a sucessão presidencial brasileira. Por isso, o CFR planeja entregar o documento à Casa Branca no fim do ano, às vésperas da mudança de governo por aqui.
Não é a primeira vez que o conselho chama a atenção de autoridades americanas para o Brasil. Em 2001, uma outra força-tarefa apresentou relatório ao então presidente George W. Bush, recém-empossado, mostrando a importância do país e sugerindo que o governo americano o tratasse como uma prioridade da política externa. Bush ignorou o documento. Em 2008, num documento mais amplo, que tratava de toda a América Latina (AL), o CFR propôs a Obama que aprofundasse as relações dos EUA com o México e o Brasil.
Os dois documentos diziam que era preciso prestar mais atenção no Brasil por se tratar de um ator relevante para questões regionais e internacionais de interesse dos americanos. Possivelmente, o próximo relatório não perderá tempo falando da relevância do país. "Não é mais necessário justificar a importância do Brasil. Entretanto, não há atenção nem conhecimento sobre o país, então, o que deve prevalecer é a ideia de que 'não podemos errar novamente ao não interpretar o Brasil; precisamos gerar capacidade em Washington de interpretar o que os brasileiros estão fazendo'", diz o professor Matias Spektor, coordenador do Centro de Estudos sobre Relações Internacionais da FGV e estudioso das relações Brasil-EUA - no ano passado, ele publicou o livro "Kissinger e o Brasil" (Zahar), resultado de uma pesquisa monumental.
Em dezembro, a FGV e o CFR promoveram, no Rio, seminário sobre o "rising Brazil" (Brasil emergente) e suas implicações para a ordem mundial e as instituições internacionais. A realização do evento já foi uma prova de que o país voltou a figurar no radar dos americanos. Coincidentemente, as discussões ocorreram em meio à crise de Honduras e às repercussões da visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, a Brasília. "Foi uma sorte histórica o seminário ter acontecido nesse contexto. Aqui, são duas instâncias em que o governo americano não consegue entender qual é a lógica que governa o processo decisório brasileiro. Para eles, não é óbvio o que a gente faz", observa Spektor.
A pouca compreensão está refletida na diatribe de Susan Purcell, diretora do Centro de Política Hemisférica da Universidade de Miami. Na semana passada, ela publicou artigo sobre o "curso independente" adotado pelo Brasil. No texto, confirma a percepção de que o país é visto hoje como um ator mais relevante no cenário global. Ao mesmo tempo, lança dúvidas sobre sua confiabilidade como parceiro dos EUA.
O tema é quente. No seminário FGV-CFR, prevaleceram três conjuntos de argumentos. O primeiro diz respeito ao papel do Brasil na América do Sul e, no limite, na AL. Há muito tempo existe nos EUA a expectativa de que o Brasil se comporte como uma potência regional. Por isso, aplaudiu-se a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa. Os americanos não entendem, no entanto, por que o país não tem uma política assertiva em relação às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). "O seminário avançou bastante ao mostrar aos americanos qual é a lógica de o Brasil não adotar uma política de potência regional tradicional. Essa expectativa vem de longe e continua presente. Kissinger, nos anos 70, avisou aos brasileiros que, 'à medida que vocês ficarem mais fortes, vão sentir aquilo que nós, americanos, sentimos: vão ser mais respeitados, mas menos queridos.'"
Um segundo argumento debatido no seminário trata do Brasil como parte dos Brics. Na concepção americana, ser um Bric significa participar dos tabuleiros centrais para a manutenção da ordem mundial. Para os EUA, o Brasil já está lá porque é um ator importante em temas como sistema financeiro internacional, mudança do clima, comércio mundial, não proliferação nuclear, democracia. "Para os americanos, se você é um Bric, está disposto a ser alicerce dessa ordem internacional, ou seja, a pagar os custos de manter a ordem. É por isso que eles não conseguem entender por que o Brasil não tem uma postura de condenação do programa nuclear iraniano", diz Spektor.
O terceiro grupo de argumentos diz respeito aos obstáculos à melhora das relações entre Brasil e EUA. Há muitos ruídos na comunicação, embora ela esteja, na avaliação do professor da FGV, num momento historicamente inigualável. "De fato, nunca o diálogo foi tão fluido como agora. O Brasil é bem recebido tanto no Departamento de Estado quanto na Casa Branca, há um genuíno interesse americano em ouvir o que o Brasil tem a dizer, mas há conflitos de interesse reais", pondera Spektor.
Na questão da não proliferação nuclear, os dois países não conseguem concordar, por exemplo, sobre os limites do programa nuclear iraniano. A defesa brasileira se ampara no TNP, o tratado de não proliferação que prevê, em uma de suas cláusulas, licença para o desenvolvimento tecnológico. Os EUA alegam que o Irã já deu provas de que esconde parte do jogo. A réplica do Brasil é que, nesse caso, deve-se lidar com a questão da confiança sem impedir que o governo iraniano, um membro do TNP, tenha acesso à tecnologia. A preocupação é com o precedente: o Brasil se espelha no Irã. Os americanos acham essa argumentação hipócrita.
"Mesmo que os dois sejam a favor da não proliferação, a maneira como interpretam a letra e o espírito do acordo é muito diferente", diz Spektor. O mesmo ocorre com o tema da democracia. Tanto o Brasil quanto os EUA são firmemente pró-democracia. Na visão americana, porém, a Venezuela está longe de ser uma democracia e, na brasileira, como disse o presidente Lula, há "excesso de democracia" no país vizinho.
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
E-mail cristiano.romero@valor.com.br
5 comentários:
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Paulo,
ResponderExcluirTu já leste o livro "Kissinger e o Brasil" mencionado nesse texto? Se afirmativo, o que achaste?
Um forte abraço,
Vinicius,
ResponderExcluirAinda nao tive a oportunidade de ler. Acredito que seja o retrato de uma época: algumas coisas mudaram, e os EUA nos veem de modo menos paternalistico, outras coisas nao mudaram: continuamos de certa forma "anti-imperialistas".
Paranoias e esquizofrenias, dos dois lados...
Paulo R. Almeida
Professor, se posso dar um palpite, li e recomendo. Pesquisa séria e sem tropeços ideológicos gratuitos de lado nenhum, coisa que raramente se faz no Brasil (incidentalmente, o livro é uma versão para leigos da tese de doutorado do autor, feita em Oxford sob a direção do sempre arguto Andrew Hurrell). Ajuda o fato de que a obra trata de uma época já não tão próxima; mesmo assim, sabemos bem de nossas dificuldades acadêmicas em olhar o passado sem as lentes na próxima eleição. Impressionante como as linhas de força da relação Brasil-EUA, entra governo sai governo, estão todas ali. Um abraço!
ResponderExcluirMuito grato pelo comentário Glaucia, e pela recomendação. Certamente estaria na minha lista de "a ler imediatamente" se a minha mesa (e o chão, já sem lugar nas estantes) não estivessem cedendo sob o peso dos livros a "serem lidos agora".
ResponderExcluirMas conheço o autor e sei da sua seriedade como pesquisador.
Estou esperando alguém me dar o livro, ou eu tropeçar com ele em alguma livraria: aí seria difícil resistir...
Tenho resistido ir a livrarias, pois já não tenho mais onde colocar os livros...
Paulo Roberto de Almeida
Glaucia,
ResponderExcluirConfio no teu julgamento sobre o livro e pretendo adquiri-lo assim que me for possível. Ando me contendo quanto a minhas compras, visto que compro numa taxa maior do que a que consigo ler. Assim, estou com muitos livros comprados há alguns anos ainda por serem lidos. Ademais, se não me controlo, é muito "capital imobilizado" nisso. Sem contar que já há quem ache patalógico o quanto leio. Todavia, espero ler este trabalho o mais rápido possível.
Um grande abraço a todos,