quinta-feira, 8 de abril de 2010

2048) CPLP (Paises de Lingua Portuguesa) - um questionario para tese

Recebi, recentemente, cópia da tese de Mariana Villares Pires Cerqueira da Mota, defendida em 2009 na USP (FFLCH-Dep. Ciência Política), sobre:

Brasil, Portugal e a CPLP: Possíveis estratégias internacionais no século XXI

Como eu tinha colaborado com sua autora respondendo a um questionário que me foi remetido em 2008, hoje quase esquecido, permito-me reproduzir aqui, por inteiro, esse questionário, com minhas respostas pessoais.

CPLP: entrevista sobre seu funcionamento

Respostas fornecidas por Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, mestre em planejamento econômico, diplomata de carreira desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília – Uniceub, (www.pralmeida.org),
a questionário submetido por:
Mariana Villares Pires - Socióloga, mestranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo.

Nota preliminar PRA: As respostas abaixo consignadas expressam um pensamento estritamente pessoal e posições próprias, baseadas muito mais no estudo acadêmico das questões referidas ou em experiência concreta de vida, do que propriamente o contato no plano profissional com os problemas abordados. Nunca trabalhei, institucionalmente, nessa área e nenhum dos argumentos ou opiniões expostos no presente questionário pode ser considerado como representando posições ou políticas das entidades às quais estou associado, em especial no que se refere ao Itamaraty.

QUESTÃO 1: Como, quando e porquê entrou na carreira diplomática?
PRA: Eu tinha 27 anos completos, quando, em 1977, decidi fazer, não um vestibular para o Curso de Preparação à Carreira Diplomática, administrado pelo Instituto Rio Branco (com duração de 2 anos), mas um concurso direto, habilitando o ingresso direto na carreira diplomática (com exigência maiores, portanto, do que o vestibular o para curso). Foram feitos concursos diretos (em caráter excepcional, portanto) durante alguns anos, depois de medidas de expansão do corpo diplomático brasileiro em meados dos anos 1970. Eu estava bem preparado para a maior parte dos exames de ingresso, uma vez que sempre fui um “rato de biblioteca”, com milhares de leituras acumuladas.
Na época, eu já tinha mestrado completo e encontrava-me em meio a um doutoramento, depois de ter passado quase sete anos na Europa, estudando, durante o período mais duro da ditadura militar no Brasil, de onde eu tinha saído no final de 1970, com 21 anos recém completados.
Na verdade, eu não tinha pensado em ser diplomata anteriormente, tanto porque nos anos anteriores estava mais ocupado tentando derrubar o governo brasileiro, como opositor de esquerda à ditadura militar que eu era (daí o exílio auto-assumido). Fiz o exame quase que por surpresa, simplesmente motivado por um anúncio de concurso direto. Uma das motivações minhas foi “testar” a minha “ficha policial”, depois de alguns anos trabalhando contra o governo brasileiro, ainda que com outros nomes: todos os candidatos a carreiras públicas tinham de ser “cleared” pelo Serviço Nacional de Informações. Passei, para surpresa minha. Outra surpresa foi simplesmente dar início a uma nova carreira, com novas perspectivas de vida, depois de uma trajetória de vida e profissional basicamente acadêmica (eu era professor universitário antes de ingressar na carreira). Em outros termos, não represento, absolutamente, o padrão do típico candidato à carreira diplomática.

QUESTÃO 2: Levando em consideração a sua experiência e conhecimentos, como podemos classificar e descrever as relações diplomáticas entre Brasil e Portugal nos últimos 50 anos? Portugal foi uma prioridade na política externa brasileira? Em que momentos?

PRA: Os últimos 50 anos representam, portanto, de 1958 até aqui. 1958, salvo engano de minha parte, foi justamente o ano da visita do presidente Craveiro Lopes ao Brasil, uma viagem de muito simbolismo e de tentativa de reforço da “aliança especial” entre os dois países num momento em que as demais potências coloniais européias já estavam preparando a descolonização, a que se opôs, teimosamente, Portugal, com o apoio do Brasil, nesses primeiros anos. A comunidade portuguesa no Brasil, em especial no RJ, era especialmente ativa em cooptar autoridades políticas, judiciárias, militares e até diplomáticas para esse apoio político e diplomático no âmbito dos processos de descolonização. Ocorreram algumas rusgas no início dos anos 1960, quando todas essas questões foram votadas na ONU, e a despeito da postura pró-independência de muitos diplomatas, o Brasil acabou se solidarizando com Portugal (ou se abstendo nas votações) basicamente em nome do anti-comunismo e da Guerra Fria. Foi possível levar essa ficção durante alguns anos, mas a revisão da política externa brasileira conduzida pelo presidente Geisel (1974-1979) teria levado inevitavelmente à retirada do apoio a Portugal, mesmo na ausência da Revolução dos Cravos. Naquele momento, de ditadura no Brasil, o esforço foi feito no sentido contrário: tentar conter os exilados brasileiros refugiados em Portugal, que se opunham ao regime militar brasileiro.
As relações bilaterais, durante todos esses anos (anos 50 aos 80), foram basicamente provinciais, no sentido de se buscar preservar os interesses da comunidade portuguesa no Brasil, já que a presença brasileira em Portugal era praticamente inexistente, com exceção desse curto verão “bolchevique” em Portugal (1974-1979). Os momentos relevantes da agenda bilateral foram basicamente negativos.
A partir dos anos 1980, mudam as perspectivas, em vista do ingresso de Portugal na CE, e portanto, da adoção de um conjunto de políticas comunitárias que podem ter alterado as perspectivas dos investidores e agentes econômicos envolvidos nas transações biletarais. Durante algum tempo se acreditou na ilusão de que Portugal serviria de “porta de entrada” para o Brasil na CE-UE, o que é praticamente ilusório. Mas, quando da abertura econômica do Brasil, e das privatizações de concessionárias públicas, Portugal, já devidamente reforçado economicamente, passou a participar ativamente dos leilões de privatização, com algum sucesso em certas áreas. Os investimentos recíprocos cresceram muito nos anos 1990, inclusive a ponto de provocar problemas fiscais (muitas empresas brasileiras estabeleceram holdings na Ilha da Madeira, para se beneficiar da legislação off shore dessa ilha, o que levou a Receita brasileira a denunciar o acordo de bitributação).
Mais recentemente, Portugal se converteu em “recipiendário” involuntário de imensos contingentes de emigrados econômicos brasileiros, em busca de melhores oportunidades de emprego e de vida, em face da crise persistente que dominou a vida brasileira desde os anos 1980. Os residentes ilegais brasileiros constituem um problema na agenda bilateral, suscitando, legitimamente, preocupações portuguesas e reações defensivas por parte do Brasil.
Em termos gerais, a despeito de toda a retórica política dos respectivos governantes, nem Portugal foi relevante na política externa brasileira – a não ser pelo lado dos fluxos humanos – nem o Brasil foi importante na política externa portuguesa, que esteve concentrada basicamente na construção de seu membership comunitário. Mais recentemente, houve essa iniciativa da CPLP que assumiu contornos relevantes (ainda que pouco importantes em si) por razões puramente circunstanciais e de conveniência política. Mas, se trata de uma agenda impulsionada pelas chancelarias, que não parece corresponder aos intercâmbios voluntários estabelecidos no setor privado.

QUESTÃO 3: Na sua opinião, quais as vantagens de uma união de forças entre Portugal e Brasil no cenário da globalização?
PRA: Confesso que, além do lado afetivo e sentimental, não vejo grandes vantagens, a não ser a facilidades dos contatos humanos e, portanto, comerciais, pela existência de uma língua (quase) comum. Trata-se de uma mini-mini-globalização, que pode interessar, se tanto, algumas empresas e indivíduos, mas que não deveria, normalmente, estar no centro das políticas pró-globalização de cada um dos países, uma vez que estas políticas devem necessariamente responder a critérios absolutamente nacionais de competitividade nos mercados internacionais. No plano microeconômico (isto é, das empresas) essa suposta união pode ser relevante para a realização de negócios entre parceiros específicos (geralmente pequenas e médias empresas), pois os grandes atores econômicos devem se guiar por outros critérios que não a língua ou a tradição para conduzir seus negócios no plano global.
Portugal e Brasil por vezes se unem, em determinadas organizações, para lutar pela defesa da língua portuguesa no âmbito internacional, mas a meu ver se trata de uma agenda pobre de conteúdo, uma vez que a globalização se processa basicamente em inglês. No plano dos fluxos de pessoas, Portugal tem oferecido, de modo totalmente involuntário, uma boa plataforma para emigrados brasileiros, o que de certa forma ajuda a intensificar as relações econômicas num sentido amplo (as “diásporas” sempre foram relevantes na intensificação de laços econômicos e até políticos). Algo disso poderá ser “aproveitado” nas inserções respectivas de cada país no processo de globalização, mas acredito que seu peso é menor nos requisitos mais importantes desse processo.

QUESTÃO 4: Mesmo não sendo diretamente da sua área de trabalho, poderá dizer-nos como vê a atuação da CPLP nestes 12 anos de existência? Podemos considerá-la como um importante mecanismo de incentivo ao diálogo Sul-Sul, ou não?
PRA: Pessoalmente, considero a CPLP como um mecanismo de captação de ajuda e assistência bilateral (mas multilateralizada) em favor dos países menos desenvolvidos, prestada por Portugal e Brasil, que disso retiram algumas oportunidades de negócios. Mas tudo isso é alimentado um pouco artificialmente, sob fortes incentivos (e subsídios) públicos, e só existe praticamente no plano diplomático (ou seja, na ausência desses estímulos oficiais não existiriam os poucos fluxos criados por essas oportunidades). Uma possível diferença seriam as relações Brasil-Angola, já relevantes na era colonial (mas restrita ao fornecimento de escravos) e que se tornaram mais e mais importantes depois do apoio brasileiro ao governo do MPLA a partir de 1975, o que motivou negócios rendosos para parceiros privados e públicos desde então. O Brasil também se tornou uma espécie de “refúgio econômico” para muitos angolanos, vários, aliás, envolvidos em atividades ilegais no Brasil e em direção de seu país natal.
A CPLP parece exibir uma importante agenda de cooperação, mas ela é, de certa forma, a reprodução do que já ocorre em outras comunidades pós-coloniais, como no caso da Inglaterra e da França, com menos recursos do que estas, obviamente. Se Portugal e o Brasil podem fazer alguma diferença para a capacitação educacional e acadêmica de muitos jovens africanos dos Palops, então já terá sido positivo, mas isso poderia ser feito em bases bilaterais, sem necessariamente requerer uma organização específica. Como toda organização burocrática, ela irá criar sua própria razão de existir, gastando recursos apenas com os meios, não com os fins.
Resumindo, mais do que um mecanismo de cooperação Sul-Sul, considero a CPLP um mecanismo tradicional Norte-Sul, colocando-se o Brasil ao lado de Portugal como prestador de cooperação técnica tradicional. Ou seja, não há muita originalidade no trabalho da CPLP, a não ser o fato de envolver países teoricamente lusófonos. Digo teoricamente, porque Moçambique é praticamente um país anglófono, tendo muito mais a fazer (e receber) no âmbito de sua cooperação com a África do Sul e o Commonwealth do que com a CPLP.

QUESTÃO 5: No que diz respeito às negociações na OMC, como vê a posição do Brasil e como é que essa relação poderá ser benéfica na redução de barreiras e na liberalização do comércio entre os países da CPLP e o resto do mundo?
PRA: Políticas comerciais são definidas basicamente no âmbito nacional ou, quando existem, no âmbito de uma ZLC ou UA, como seria o caso da UE para Portugal e do Mercosul para o Brasil. Não existe rigorosamente nada em matéria de coordenação de políticas comerciais entre esses dois, ou entre eles e os demais países lusófonos. Eles podem, se desejarem, ampliar suas relações comerciais recíprocas, mas não definir regras e formatos de posições negociadoras na OMC, que não são determinados nacionalmente na existência de uma “camisa de força” comunitária ou aduaneira para alguns deles.
A CPLP não pode ter uma política negociadora comum pelas suas alianças nacionais respectivas, e portanto não tem nenhum papel nesse particular. Portugal segue as regras comunitárias e o Brasil as do Mercosul (quando existem). Alguns dos Palops pertencem a outros esquemas comerciais ou mantêm regimes preferenciais com parceiros externos à CPLP.

QUESTÃO 6: Existe uma grande disparidade de desenvolvimento nos diversos países membros da CPLP, especialmente quando nos referimos aos PALOP’s, tanto no que diz respeito aos índices econômicos, como a índices sociais e tecnológicos. Para além da língua com fator vantajoso na coalizão da CPLP, concomitantemente à expansão e uso nos foros internacionais, que outros itens em termos de vantagens comparativas, custos e benefícios para os países membros da CPLP podemos referir?

PRA: A língua pode, efetivamente, ajudar no plano assistencial-educacional, ou seja, transferindo conhecimentos, know-how e outros elementos importantes para os países mais pobres, mas se trata de uma agenda tradicional Norte-Sul, de Portugal e Brasil para os demais. Os africanos representam, provavelmente, uma excelente fronteira de expansão para as empresas brasileiras e, mais exatamente, de disseminação da excelente tecnologia agrícola tropical desenvolvida no Brasil pela Embrapa, que pode ser adaptada para seu uso na África (quase as mesmas latitudes). O Brasil também se beneficiará com essas perspectiva, mas é preciso muito investimento para concretizar essa perspectiva.

QUESTÃO 7: Considera que seria importante que houvesse uma política externa comum entre os membros da CPLP? Por quê?
PRA: Considero totalmente ilusório, ainda que alguns aspectos da agenda internacional possam ser objeto de coordenação e convergência na tomada de posições. Mas isso pode ser obtido praticamente com quaisquer outros países, em questões tópicas. Política externa comum não existe nem na UE, quanto mais em comunidades incipientes como a CPLP. Não se trata de vontade política ou não, trata-se de impossibilidade estrutural, posto que as situações, os contextos regionais e as formas de inserção internacional são fundamentalmente distintos para cada um dos países.

QUESTÃO 8: Em relação ao fato do Presidente Lula ser o único Presidente dos oito Estados da CPLP que nomeou um embaixador junto à CPLP, considera que os outros deveriam ter a mesma postura ou considera um ato desnecessário?
PRA: Totalmente desnecessário, pois se trata apenas de gesto de deferência política, no limite da demagogia, pois não existe ainda densidade do relacionamento suficiente para justificar esse aparato burocrático. Se trata de mais um exemplo de dispêndio inútil.

QUESTÃO 9: Gostaria de acrescentar alguma consideração sobre a CPLP, a política externa brasileira e a relação entre Brasil, Portugal e África?
PRA: Não vou declarar o exercício como irrelevante, pois ele pode ser importante para a capacitação técnica, tecnológica e educacional dos Palops, mas o esforço de desenvolvimento deve ser, antes de tudo, um processo interno. Nenhum país se desenvolveu com base na ajuda internacional, mas os mais miseráveis podem se beneficiar temporariamente dessa ajuda. Em suma, todas essas iniciativas servem ao ego de políticos e diplomatas, que buscam depois justificar as ações como relevantes, mas o fato é que as ações mais importantes devem se situar na promoção de um bom ambiente de negócios entre TODOS os países. O resto decorre dos fluxos reais entre agentes econômicos, não o contrário.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 de setembro de 2008.

4 comentários:

  1. Professor,

    Me pergunto se o Sr tem opinião diferente a respeito do fórum de Macau. Serão os mandarins os pragmáticos a fazer algo de mais substância?

    Abraços sempre cordiais,

    Glaucia

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  2. Glaucia,
    Eu nao tenho nenhuma opinião a respeito do Forum que você menciona, posto que simplesmente eu não o conheço.
    Respondi a perguntas colocadas por uma doutoranda, precisando que eu não era especialista e que nunca havia tratado de questões da comunidade dos PALOPs.
    Se você puder ser mais explícita, eu agradeço.
    Não sei a que mandarins você se refere. Macau não os tinha, posto que se tratava de uma colônia administrada por um governador designado por Lisboa.
    Mandarins podem ter sido pragmáticos alguns séculos atrás: no final da era Qing já eram um bando de aproveitadores do Estado, um pouco como nossos funcionários de alto coturno do Estado corporativo brasileiro (pragmáticos apenas em seu próprio benefício)...
    Quando eu souber do que você está falando, exatamente, talvez eu tenha alguma opinião a respeito. No geral, costumo apoiar-me em fatos e em elementos analíticos objetivos...
    Paulo Roberto de Almeida
    Shanghai, 9.04.2010

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  3. http://forumchinaplp.org.mo/pt/noticelist.asp

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  4. Glaucia,
    Grato pelo contato do Forum, que ja pude examinar e constatar que sempre se pode fazer turismo oficial com base no dinheiro do contribuinte. Eu me pergunto que grandes beneficios à humanidade em geral, aos PALOPs em particular e aos paises envolvidos em especial, esse Forum de burocratas bem viajados pode oferecer em termos iluministas e até renascentistas. Tanta gente de boa vontade envolvida na cooperacao internacional so pode tornar o mundo melhor do que é, de fato. Se isso não ocorrer, pelo menos se pode acumular milhas aéreas com tanto esforço de cooperação.
    Eu fico sensibilizado de saber como os burocratas da cooperação sabem gastar bem o nosso dinheiro.
    Paulo Roberto de Almeida

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