Todos nós improvisamos, de certa maneira, pois raramente temos tempo e disposição para sentar, colocar no papel todos os elementos de uma dada questão, calcular todos os custos e alternativas e dai então, só depois de tudo isso, aí sim tomar uma decisão com base na melhor informação disponível, contando os nossos tostões (ou milhões, dependendo do caso) e aceitando os custos e benefícios da decisão adotada.
Isso, em economia, se chama custo-oportunidade, ou seja, quanto renderia aquele seu dinheiro empregado em diferentes alternativas, sendo que algumas alternativas são obrigatórias; por exemplo, ninguém pode deixar de comer, mas pode-se escolher comer caviar e foie-gras, ou ficar mesmo no feijão com arroz, dependendo da sua renda e gostos pessoais.
A prudência, a racionalidade ou o simples bom-senso nos recomendam fazer isso na maior parte das vezes, para maximizar nosso bem-estar, como dizem os economistas da escola marginalista (ou seja, empregar os seus recursos sempre limitados na maior extensão possivel).
Parece que o governo brasileiro não faz isso, mesmo dispondo de Ministério do Planejamento, IPEA e, sobretudo, uma Empresa de Planejamento Energético.
Não se trata de algo distante, pois é, simplesmente, a terceira maior hidrelétrica do mundo, depois de Três Gargantas (China) e Itaipu. Ou seja, se trata do seu, do meu, do nosso dinheiro, pois todos vamos pagar a construção, e depois a energia elétrica fornecida.
O artigo abaixo do conhecido comentarista econômico do Estadão nos comprova, mais uma vez, que este governo vive de improvisão.
Isso pode custar caro, muito caro (sem mencionar a corrupção inevitavelmente associada a todo e qualquer grande projeto público).
Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 11/04/2010
Jogo pesado
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 9 de abril de 2010
A construção da hidrelétrica do porte da Usina de Belo Monte está sendo decidida sem que antes estejam equacionados enormes conflitos de interesse. Aparentemente, o acirramento desses conflitos poderia ser evitado se o governo federal não estivesse forçando demais os resultados.
O Ministério do Meio Ambiente atrasou um ano a liberação da licença ambiental e o edital saiu apenas a 20 dias do leilão, agendado para 20 de abril.
Será a terceira hidrelétrica do mundo, com potência instalada de 11,2 mil MW, inferior apenas à de Três Gargantas (na China) e à de Itaipu (no Brasil e Paraguai). É o maior negócio no gênero do momento, orçado pelo governo em R$ 19 bilhões (US$ 10,7 bilhões), magnitude considerada baixa demais pelos concorrentes à licitação, que projetam até R$ 30 bilhões (US$ 17 bilhões).
Será construída no Rio Xingu, no município de Altamira (PA), onde não há infraestrutura. Imagine a logística necessária para instalar 18 mil funcionários; construir perto de 9 mil casas; abastecer o canteiro de obras e levar para lá máquinas, materiais de construção e 29 gigantescas turbinas previstas no empreendimento.
E lá estão em choque interesses de todo tipo: os direitos das 16 etnias indígenas e das 6 mil famílias que vivem na região; as questões ambientais que advirão da inundação de 516 quilômetros quadrados; o jogo da corporação estatal incrustada na Eletrobrás; as cartadas do governo que elegeu a licitação da obra como grande trunfo eleitoral; e os interesses locais que esperam ganhar dinheiro com o que vier junto.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), presidida por Maurício Tolmasquim, já cometeu graves erros de avaliação no passado e pode estar cometendo mais um ao subavaliar o valor da obra. Boa parte das empreiteiras vem usando e abusando das pressões por mais verba. A Odebrecht, por exemplo, é campeã nisso. Em 2007, contestou até o último instante o preço teto previsto no edital da Usina Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), mas acabou aceitando um deságio de 35%.
E o governo federal é useiro em fixar preços iniciais mais baixos destinados a facilitar a viabilidade financeira da obra, mas depois vai aceitando argumentos para engolir contas extras. Furnas, por outro lado, pode ser enfiada na história apenas para garantir a viabilidade em quaisquer condições por estar em jogo o interesse do setor estatal.
O valor compatível com o orçamento de R$ 19 bilhões puxaria uma tarifa de energia de R$ 83 por MWh, o preço máxima da licitação, mais do que o dobro pago pela energia gerada pelas atuais hidrelétricas brasileiras e que poderá saltar para muito mais se o orçamento for revisto. Mas, ainda assim, trata-se de uma energia mais barata do que a produzida por termoelétricas ou por turbinas eólicas.
Afora isso, o governo Lula escolheu o leilão como evento destinado a fazer sucesso, porque Belo Monte é a principal obra do PAC, cuja mãe é Dilma Rousseff, a candidata do governo à Presidência. E vai manobrando para que se formem consórcios fantasmas ou técnica e financeiramente incapazes de tocarem o projeto. Puxa os administradores da Eletronorte, do BNDES e dos fundos de pensão para pagarem a conta dos subsídios que fazem parte do financiamento da obra.
Difícil saber onde em todo esse emaranhado está o interesse público, que deve nortear todo empreendimento social.
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