sexta-feira, 11 de junho de 2010

Imposto sobre grandes Fortunas: razoes de sua ineficacia

Um especialista tratou, 4 anos atrás, do pretenso imposto.

Imposto Sobre as Grandes Fortunas
FRANCISCO DORNELLES
19 Julho 2006

A Constituição de 1988 incluiu na competência privativa da União a previsão de instituição do imposto sobre grandes fortunas. Os elementos caracterizadores desse imposto deverão ser estabelecidos em lei complementar para que, dentro dos seus limites, possa ser instituído por lei ordinária. Todos os projetos existentes, com vistas à sua instituição, determinam que a incidência se faça sobre o montante do patrimônio do contribuinte.O imposto sobre grandes fortunas com as características patrimoniais previstas nos projetos existentes não atende aos objetivos de natureza fiscal, funcional e até mesmo social que justificam a criação de um imposto.Do ponto de vista fiscal, a sua arrecadação não compensaria o elevado custo administrativo e a complexidade dos seus controles. Não pode ele incidir sobre a propriedade predial ou territorial urbana, pois essa base está reservada aos municípios; não tem sentido incidir sobre a propriedade territorial rural, pois para isso a Constituição previu um imposto específico (imposto territorial rural – ITR); e não tem como incidir eficazmente sobre títulos mobiliários, pela dificuldade de sua avaliação e pela quase impossibilidade de o fisco controlar o universo dos títulos existentes. A administração do imposto sobre grandes títulos existentes. A administração do imposto sobre grandes fortunas mediante controle severo de todos os ativos das pessoas físicas, é difícil e improfícua. Pode, inclusive, o custo de sua administração ser mais elevado que o produto da arrecadação.Do ponto de vista funcional ou econômico, o imposto sobre grandes fortunas não alcança seus objetivos. Ele não é indutor de poupança nem produtor de riqueza, não é disseminador de rendas nem redutor de pobreza. Caso seja elevado, os contribuintes abandonarão os ativos que constituem a sua base de cálculo direcionando-os para ativos poucos perceptíveis ou ocultos. Caso reduzido, sua criação será totalmente inócua.Do ponto de vista da justiça fiscal, imposto socialmente justo é aquele cobrado de pessoas com maior renda e maior patrimônio e que produz receita suficiente para aplicação em programas que beneficiem as populações mais carentes e as regiões pobres. No Brasil já existe o imposto de renda e cinco impostos sobre o patrimônio que podem ser utilizados com essa finalidade. O imposto sobre grandes fortunas, pelas suas características próprias e seus elementos constitutivos, poderá quando muito penalizar alguns ricos, mas não produzirá resultado algum para melhorar a vida dos pobres.Sobre o aspecto da isonomia pode ainda ser dito que o imposto sobre grandes fortunas atingirá, exclusivamente, os contribuintes cujo patrimônio seja ostensivo e integrado no sistema produtivo e que nada fizeram para subtraí-lo do conhecimento da sociedade ou do fisco. Não pode ser considerado justo um imposto que pretende alcançar a propriedade urbana e os campos já tributados com os impostos predial e territorial urbano e rural, os títulos representativos de empreendimentos industriais, comerciais e agrícolas e que não poderá incidir sobre os patrimônios constituídos por depósitos no exterior, pedras preciosas, ou outros bens de fácil ocultação.Não é por outra razão que os países que criaram o imposto, tal como se pretende no Brasil, dele fugiram, depois de haverem penosamente tentado construir uma estrutura de controle dos patrimônios privados e de arrecadação do imposto sobre eles incidente.Em geral, os impostos sobre o patrimônio, onde adotados são cobrados pelos governos locais. São geralmente substitutos dos nossos impostos predial, territorial urbano e rural ou do imposto sobre a transmissão, com o acréscimo de alguns outros ativos. É o caso da cidade-Estado de Luxemburgo. É o que também ocorre com os cantões da Suiça; o governo federal da Suiça não se interessa por essa incidência.Nos casos em que o imposto incide sobre base mais ampla, como ocorre na Áustria, na Espanha e nos países escandinavos, essa incidência não é relevante. Segundo estudo da Comissão de Assuntos Fiscais da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), o imposto sobre as fortunas das pessoas naturais, na década passada, contribuía com apenas maio por cento da receita tributária da Áustria, 0,41% da receita da Dinamarca, 0,31% da Noruega e o 0,39% da Suécia. Dados mais recentes, do Fundo Monetário Internacional, mostram cifras igualmente desalentadoras: na Áustria, o imposto sobre o patrimônio continua a representar apenas meio por cento da receita tributária total; na Finlândia 0,1%; na Islândia, 1,36%; na Noruega, 0,37%; na Espanha, 0,1%; na Suécia. 0,65% - em todos esses casos menos de 1%. Não são números a convidar imitações.Não possuem o imposto, porque não encontraram méritos nele, países como a Austrália, a Bélgica, o Canadé, na Itália, o Japão, a Nova Zelândia, a Inglaterra, o País de Gales, a Escócia, Hong Kong, nem os Estados Unidos. Na França, teve tão péssimos resultados tendo sido abolido em 1983. Foi restabelecido de forma atenuada pelo Governo de Mitterand somente para marcar um posicionamento ideológico e atender a exigência do Partido Socialista.O cado do Japão é didático e a menção de sua experiência é oportuna. Depois de longamente estudar a possibilidade de introduzir o imposto, a idéia foi descartada, ante as dificuldades administrativas, no campo dos controles administrativos e sobretudo no da avaliação dos bens. Se a eficiência japonesa não se mostrou suficiente para administrar o imposto, provavelmente a brasileira também não.A Irlanda, que teve o imposto por muitos anos, atraída pela facilidade da tributação da riqueza visível, melhor avaliou suas vantagens e concluiu pela necessidade de eliminá-lo: a facilidade de administrar um imposto sobre bens tangíveis mostrou ser apenas miragem, diante da dificuldade de administrar um imposto em que os intangíveis são mais relevantes.Na Austrália, em um quadro não menos didático e mais oportuno, é clássico o estudo da Comissão Asprey: tendo-se debruçado seriamente sobre o tema, durante quatro anos, concluiu pela inviabilidade da adoção do imposto, por causa de dificuldades de toda ordem. Igualmente, no Canadá, o alvitre de criar o imposto sobre a riqueza foi logo posto de lado, diante dos sérios estudos levados a cabo pela Comissão Carter (Relatório da Comissão Real sobre Questões Fiscais).O Brasil não deve ignorar a experiência de outros países que, depois de haverem adotado, rejeitaram o imposto ou que, depois de o haverem considerado longamente, com estudos profundos e bem fundamentados, optaram por recusá-lo.No caso do sistema tributário brasileiro em especial, o imposto sobre grandes fortunas com característica patrimonial, como está modulado nos projetos existentes, surge como um ente estranho, que mal se acomoda no conjunto dos outros impostos sobre o patrimônio, aparecendo ora como a sombra de uma superposição sobre a competência municipal ou estadual, ora como um ser desligado do contexto harmônico dos demais impostos desta natureza.

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