Meus queridos ditadores
Claudio Dantas Sequeira
Isto É - Independente, 10 de julho de 2010
Com raras exceções ao longo da história, a diplomacia brasileira sempre se pautou pela defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos. Marcou presença na criação do Estado de Israel, enviou tropas para combater o eixo nazista e investiu em missões de paz, como em Angola, no Timor Leste e no Haiti. Mas recentemente, em nome de interesses econômicos, o governo tem se desviado do rumo seguido por seus antecessores. No poder, Lula já chamou de “amigo e irmão” o general líbio Muammar Kadafi, defendeu o “companheiro” iraniano Mahmoud Ahmadinejad e causou arrepios ao criticar a greve de fome do preso político cubano Orlando Zapata. Na segunda-feira 5, Lula voltou a prestigiar outro ditador. Desta vez foi o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, que está no cargo há 31 anos. Esse afago aos ditadores é feito em nome do comércio exterior. Como sintetizou o chanceler Celso Amorim, “negócios são negócios”.
Em alguns casos, como o da Líbia, a tese do pragmatismo mercantil tem provado sua eficácia. Desde 2007, a Odebrecht trabalha em duas obras no país de Kadafi, avaliadas em US$ 1,4 bilhão. A Embraer também vendeu para Trípoli dois jatos executivos e as exportações cresceram 280%. Para os críticos da política externa, porém, o retorno de dividendos não compensa o prejuízo à imagem do País como mediador de crises ou às pretensões pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Sem falar da sonhada indicação de Lula para o Prêmio Nobel da Paz. “Visitas a ditadores não ajudam em nada esta eventual aspiração do presidente”, avalia o ex-chanceler Celso Lafer. Segundo ele, o Itamaraty se dobrou ao pragmatismo, abandonando a tradição democrática. “Uma coisa é criar novos laços econômicos com a África e resgatar a importância de uma política africana. Outra é endossar regimes claramente autoritários”, diz Lafer.
Para o ministro Amorim, os ataques não passam de “pregação moralista”. Ele cita como exemplo os Estados Unidos, que têm investido pesado na área de energia da Guiné Equatorial. Com uma produção de 400 mil barris por ano, o país africano é o terceiro produtor de petróleo da África, atrás apenas de Nigéria e Angola. “Não estamos ajudando nem promovendo ditaduras. Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país”, justificou. Durante a visita à Guiné, Lula assinou cinco acordos de cooperação, um deles de isenção de vistos para diplomatas e autoridades e outro de defesa. Mas fez vista grossa para uma denúncia da Anistia Internacional, segundo a qual Obiang prendeu e torturou nove membros do partido opositor União Popular, por suspeitar da participação deles num atentado ao palácio presidencial em 2009. Outra ONG internacional, a Global Witness, também acusou a família de Obiang de se apropriar dos recursos do petróleo e enviar dinheiro para paraísos fiscais, enquanto 60% da população vive na pobreza.
O professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas Oscar Vilhena, que também é membro do Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, defende os avanços do governo na defesa internacional dos direitos sociais, mas reconhece que houve um declínio na agenda dos direitos políticos. “A diplomacia de direitos humanos no Brasil não pode ser objeto de escolhas discricionárias do presidente, pois a Constituição assegura esses princípios em seu artigo 4º”, explica. Em oito anos de governo, o presidente Lula recebeu em Brasília 12 ditadores. E retribuiu essas visitas, quase sempre embaladas por abraços, presentes e declarações de apoio. O presidente do Casaquistão, Nursultan Nazarbayev, por exemplo, ganhou do presidente uma camisa da Seleção autografada por Pelé. Lula também causou polêmica ao prestar solidariedade a regimes autoritários, como o do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. “Atitudes como essa são ainda mais graves, porque lidam com um problema de maior envergadura, a guerra”, alerta Lafer. O embaixador considera insignificante o alegado benefício comercial que se pode obter com essas alianças. Recentemente, o Brasil também alterou seu voto de condenação à China no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Se são as razões comerciais que comandam a agenda diplomática, resta saber por que o Itamaraty, além do carinho na China, se absteve também nas moções críticas a violações na Coreia do Norte, no Sri Lanka e no Sudão. No caso desses países, qual é mesmo o business?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.