Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Diplomacia de Lula, poco de contradicoes - Miriam Leitao
Na verdade, a razão de tudo isso é muito simples, tão simples que basta ter olhos para olhar e chegar a uma conclusão clara, cristalina. Não é preciso nem dizer do que se trata. Para bom entendedor...
Valores relativos
Miriam Leitão
O Globo, 6 de junho de 2010
O ministro Celso Amorim deu uma resposta padrão para as críticas em relação à visita a Guiné Equatorial dirigida pelo ditador Obiang Mbasogo: disse que ’negócios são negócios’. De fato, são.
Mas a diplomacia sabe também que gestos são gestos. Uma coisa é visitar, outra é acolher na Comunidade de Língua Portuguesa um país que sequer fala o português.
Na espantosamente equivocada diplomacia do governo Lula tudo vive misturado.
Só para lembrar: o Brasil não reconhece o governo de Honduras.
Em maio, condicionou a ida do presidente Lula à reunião da Cúpula União EuropeiaAmerica Latina, na Espanha, a que o governo de Madrid desconvidasse o presidente de Honduras, Porfírio Lobo, alegando o golpe contra Manuel Zelaya. Bom, houve sim um golpe, mas o governo de Lobo foi eleito.
O país tão radicalmente defensor de princípios em Tegucigalpa não faz o mesmo no circuito Havana, Caracas, Teerã; nem parece o mesmo que abona a ditadura corrupta e truculenta da Guiné Equatorial com o argumento de que “negócios são negócios”. O país que não comenta a situação interna do Irã, alegando respeitar o princípio de não interferência em assuntos internos, é o mesmo que compara os presos políticos cubanos a criminosos comuns e que afronta a oposição venezuelana afirmando que na Venezuela tem “democracia demais”.
A diplomacia do governo Lula é um poço de contradições insanáveis. Outro argumento usado pelo ministro das Relações Exteriores é que “o isolamento e a distância só farão com que o país fique mais perto de outros e fique mais longe do que desejamos”.
Esse é o mesmo argumento usado para justificar relações fraternas com Mahmoud Ahmadinejad, sem qualquer pergunta a respeito das abusivas condenações à morte de cidadãos que se manifestaram contra as fraudes nas eleições do ano passado.
Quando foi a Tripoli, o presidente Lula fez declarações sobre uma suposta redemocratização do país que estaria sendo conduzida por Muammar Kadhafi.
Quando convém, o governo Lula usa um dos três argumentos: da frieza comercial, da boa influência brasileira sobre maus governos, ou da não interferência em assuntos internos. Em alguns momentos, faz a defesa ideológica de regimes autoritários como os de Cuba e Venezuela.
Em outros momentos, apresentase como defensor inflexível da democracia, o que ocorreu no caso de Honduras.
Como o governo de Honduras realizou eleições, respeitando o que prometeu, não seria o caso de o ministro Celso Amorim dizer o mesmo que disse sobre Guiné Equatorial, que o país não deve ser isolado, porque a proximidade pode empurrá-lo na direção certa? Será que a diferença é apenas o fato de que Guiné tem promissores campos de petróleo, enquanto Honduras é apenas um pobre país centro-americano? Se for isso, que a diplomacia atual nos poupe dos sermões sobre o golpe contra Zelaya ou da condenação à tentativa de golpe que houve em Caracas em abril de 2002, ou quaisquer outros ataques de principismo seletivo.
O Brasil tem que ter relações comerciais com o maior número de países.
Mas deve evitar gestos que pareçam ser uma aprovação a governos que desrespeitem sistematicamente os direitos humanos e que se perpetuem no poder, como Mbasogo. Deve evitar por dois bons motivos: não são esses os valores brasileiros, e o Brasil tem que se esforçar para construir laços com os países e não com os governos.
Por mais interminável que pareça, um dia acabará o governo Hugo Chávez. As demonstrações recorrentes de apoio ao chavismo não são evidentemente bem vistas pela oposição do país. É preciso manter boas relações com a Venezuela sem abonar um governante histriônico que tem feito um ataque serial às instituições. Da mesma forma, é bom aprofundar relações com Cuba sem que isso signifique apoio do Brasil à ditadura de 51 anos da família Castro.
Esse é o ponto que o governo Lula nunca conseguiu.
Mbasogo é um ditador sanguinário que há 30 anos prende e mata inimigos do seu governo e instaurou um estado policial. Não é o Brasil que vai mudar isso, mas sim os cidadãos do país. Mas o cuidado tem que ser o de visitar o país sem abonar seu governo; prospectar negócios sem demonstrar carinho por um ditador. A boa diplomacia sabe bem como fazer esse equilíbrio. Para isso, existem os gestos. Eles precisam ser calibrados na medida certa para passar a mensagem que se quer passar.
Nos governos autoritários, recomenda-se lembrar de como vários governantes fizeram quando estivemos nós sob ditadura. Programas de visitas ao Brasil de governantes democráticos às vezes continham encontros com outras lideranças da sociedade, inclusive adversários do regime. Um dia, o governo militar acabou e alguns líderes daquela oposição passaram a governar o país.
Ahmadinejad nunca teve bons propósitos com o seu programa nuclear. Defender o direito de o Irã ter um programa pacífico, como o nosso, é totalmente diferente de não ver as contradições entre o que o Irã faz e o que o Irã fala; e de ignorar as razões da preocupação da comunidade internacional em relação ao país.
A diplomacia brasileira já soube defender valores e ser pragmática; abrir mercados e ter distanciamento crítico em relação aos governos.
Hoje, não sabe mais.
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Talvez a razão esteja aqui:
Trecho de entrevista de Luís Inácio Lula da Silva à revista “Playboy”, em julho de 1979:
"Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil e pela melhoria das condições do povo (...). Por exemplo, o Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer (...). Não, não [respondendo ao repórter se admirava Adolf Hitler]. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele (...). Khomeini, não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o (xiita) Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério".
5 comentários:
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Essa sem dúvida é a constatação mais realista da atual política externa brasileira. Paulo Roberto você considera que essas atitudes estão tornando o Itamaraty despretigiado?
ResponderExcluirO que se pode objetivamente constatar é que o Itamaraty, outrora objeto de avaliações positivas quanto à diplomacia praticada, perdeu atualmente o consenso da sociedade e de correntes relevantes da opinião pública, como demonstrado neste artigo.
ResponderExcluirNão é preciso ser um gênio de comunicações para perceber isso. Basta ler regularmente a imprensa e editoriais dos grandes jornais. Certos atos e iniciativas da diplomacia atual não recolhem, justamente, o consenso de correntes importantes da opinião pública.
Pode ser que isso signifique desprestígio para o Itamaraty, se este for considerado responsável pelas iniciativas conduzidas. Em todo caso, cabe também observar que nem todas essas políticas são decididas no Itamaraty, como é conhecida também a existência de uma assessoria especial na Presidência da República que tem peso relevante nas decisões tomadas.
Cada um deve fazer uma análise ponderada de atos e fatos, e de responsabilidades muito bem determinadas.
Me estima atacar o Governo Lula assim.. enfim, algumas coisas necessitam ser melhoradas.. mas sem demasias de expeculações que são acrescentadas com ideiais. Mas de fato muito lícito a exposição de tais, grande democracia. Abraços
ResponderExcluirDanilo,
ResponderExcluirEspeculações se escreve com "s".
Quanto ao Governo Lula, nas democracias qualquer governo deve ser julgado por seus atos e declarações.
Transcrevo aqui o início de um trabalho meu em preparação justamente sobre isso:
"Um governo, qualquer governo, de qualquer país, pode – na verdade deve – ser submetido a uma avaliação de seus resultados efetivos, para fins de um balanço honesto das realizações registradas e para a confrontação destas às promessas feitas quando de seu início. Trata-se de um exercício democrático de controle, destinado a verificar se os recursos “entregues” ao governo foram transformados em resultados positivos para os cidadãos que produziram esses recursos repassados ao Estado – ou que deles foram despojados “involuntariamente” – sob a justificativa, ou a promessa, de políticas públicas visando o maior bem-estar possível para o maior número." (...)
"O objeto deste ensaio é o governo Lula, em sua integralidade sintética, embora nem todas as políticas públicas possam merecer igual atenção. Já efetuei um exercício analítico desse gênero no início do último ano de seu primeiro mandato, ou seja, antes mesmo da campanha presidencial de 2006."
Cito:
Paulo Roberto de Almeida, “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm).
Vou publicar esse ensaio, provavelmente dividido em duas partes, sem setembro e outubro deste ano, fazendo um balanço completo do governo Lula.
NENHUM governo, nem mesmo de quem se considera um quase deus, está acima do julgamento dos homens, pelo menos não de mim, que me considero isento o suficiente para fazer julgamentos sobre quaisquer políticas que me interessem como cidadão pagador de impostos.
Paulo Roberto de Almeida
"Diplomacia inteligente sem vaidade, franca sem indiscrição e enérgica sem arrogância".
ResponderExcluir*Mote do Conselho de Estado do Império
Vale!