Como nos casos anteriores, postados aqui de forma algo errática, se trata de respostas a questionário de pesquisa que podem apresentar algum interesse para outros estudiosos do assunto. Não tenho por que esconder minha opinião em temas que interessam a todos, inclusive a mim, como cidadão, com a nota de caução que eu não participei da formulação e execução de nenhuma política externa neste governo.
Paulo Roberto de Almeida
Diplomacia Sul-Sul do Governo Lula: um questionário de pesquisa
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário colocado por pesquisadora francesa
(29.05.2009)
Questions:
1- Quelle est votre vision de la politique Sud-Sud de l'actuel gouvernement?
PRA: Trata-se, de um lado, de uma saudável diversificação da política externa brasileira e, de outro, de uma impulsão propriamente política, motivada pelas posições partidárias do principal partido de sustentação do Governo, o Partido dos Trabalhadores, que mantém a concepção de que o mundo pode ser transformado por uma ação conjunta, coordenada ou combinada de países em desenvolvimento, ou em todo caso, de países não hegemônicos. Responde, portanto, tanto a critérios de expansão dos interesses brasileiros no plano internacional, como a uma motivação de ordem ideológica que não tem muito a ver com uma análise técnica, ou isenta do sistema internacional: os países em desenvolvimento são considerados como uma espécie de aliados naturais apenas por serem em desenvolvimento, não pelas posições concretas que eles podem assumir em relação a pontos específicos da agenda internacional.
Nesse sentido, pode ser uma ingenuidade política, posto que, no imenso conjunto de países em desenvolvimento, existem, de um lado, democracias consolidadas, economias de mercado, mono-exportadores, aliados ou satélites de países ocidentais, enfim, toda a gama possível de posições políticas, e, de outro lado, ditaduras decrépitas, sistemas corruptos, economias estatizadas ou semi-socialistas, também numa imensa variedade de situações e condições que expressam especificidades políticas próprias a cada um desses países, não havendo razão, portanto, para privilegiar as relações do Brasil com esses países, em detrimento de relações amplas com todos os países que representem ganhos efetivos em várias esferas.
Se a justificativa for a de que se deve diversificar as relações do Brasil, ampliar as relações de comércio, abrir mercados para o Brasil, tudo isso pode e deve ser feito e buscado sem um rótulo especial, de qualquer conotação geográfica que seja. Ganhos relacionais em matéria diplomática devem ser buscados sem nenhuma prevenção política ou ideológica, quaisquer que sejam as coordenadas geográficas dos parceiros. O único critério válido é que a ampliação dessas relações corresponda a um princípio de simples economia de meios, identidade de propósitos, benefícios mútuos, respeito a determinados princípios e valores do Brasil, como o dos direitos humanos, por exemplo. Fazê-lo com uma bússola orientada para o Sul me parece um reducionismo político-ideológico inútil, se não for inócuo.
2- Le dynamisme des liens Sud-Sud aujourd'hui vous semble-t-il plus ancré que lors des années 70-80?
PRA: Sem dúvida que os vínculos de toda ordem entre países do hemisfério sul (num sentido mais político do que geográfico) cresceram muito nas últimas décadas, mas isso corresponde à crescente interdependência econômica do mundo, um momento natural que tende a unir países, mercados, capitais e fluxos de bens e serviços de toda ordem. No passado, no âmbito de movimentos políticos (Movimento dos Não-Alinhados) ou de organizações econômicas (Unctad, por exemplo) houve todo um apelo a esse tipo de vinculação, união, intensificação de intercâmbios, sem que na prática a realidade mudasse muito, ainda que esse tipo de movimento ou dinâmica fosse basicamente positivo.
Mas, foi no bojo dos processos de globalização e de regionalização que essa aproximação se deu, no período recente, sem muito comando estatal, ainda que o número de acordos de liberalização comercial tenha aumentado visivelmente. Mas, acordos são entendimentos ou arranjos políticos negociados por governos, ao passo que todos esses vínculos se dão, em sua maior parte, na esfera dos negócios privados, salvo alguns exemplos de comércio estatal (não relevantes para efeitos globais). O processo corresponde à diversificação crescente das economia do Sul, barateamento de transportes e comunicações entre eles (o que é, basicamente um efeito da globalização) e o aparecimento de empresas de grande porte que buscam novas oportunidades de mercados e de investimentos em países contíguos, vizinhos geográficos.
3- Quelle est l'utilité des sommets de Chefs d'Etat?
Podem servir para aplainar algumas arestas e facilitar negócios, além de permitir a criação de laços de confiança entre os países. Sempre é útil o diálogo e o estreitamento de relações entre os países e economias, pois os benefícios das interações são inegáveis, em termos de comércio, tecnologia, enriquecimento cultural, turismo, etc. Ninguém pode ser contrário à ampliação desses vínculos, pela simples razão de que os países e os povos sempre se beneficiam com eles.
Deve-se contudo apontar um perigo parcial derivado do excesso de conferências de cúpula: ao colocar os chefes de Estado na primeira linha das discussões bilaterais ou plurilaterais, corre-se o risco de que certas decisões ou escolhas sejam feitas ou tomadas sem o necessário trabalho técnico preliminar de identificação de possibilidades, problemas ou limites de eventuais acordos alcançados politicamente entre os chefes de Estado. Fica difícil recuar depois de algum acordo no mais alto nível, se por acaso, um exame técnico revelar dificuldades para uma das partes.
Por isso, toda e qualquer reunião desse tipo deve ser precedida de cuidadosa preparação, em nível técnico-diplomático. Apenas depois que todos os aspectos dos eventuais acordos incluídos na agenda estiverem mapeados e identificados em seu impacto domestico, devem os chefes de Estado concluir acordos. Eles podem e devem intervir apenas na última etapa, para dar sua aprovação final. Mesmo quando essas reuniões servem, no plano intermediário, para aplainar dificuldades, cabe zelar para que os chefes de Estado tenham um quadro completo dos elementos difíceis no agenda em questão. Em outros termos, a super-exposição dos chefes de Estado pode revelar-se problemática para um país determinado.
4- N'y-a-t-il pas une tension entre la volonté brésilienne de représenter la voix du Sud et le désir brésilien de vouloir participer aux forums restreints de la scène internationale? (G-20 F, G-8+5)
PRA: Pode haver, mas uma diplomacia habilidosa pode facilmente conciliar essas questões. Não há nenhuma fatalidade em pertencer ao Sul, se essa designação representar economia atrasada, em desenvolvimento, pobre ou carente de recursos ou tecnologia. Num plano puramente material, todos os países devem buscar aceder a um status superior de progresso técnico e de bem estar, geralmente identificados com os países do Norte. Considerar que o mundo deva estar eternamente dividido entre Norte e Sul representa não apenas uma miopia diplomática, mas também um erro político e econômico tremendo, pois o objetivo final deve ser sempre o da unificação planetária, ou seja, a crescente equalização de condições e de oportunidades para todos os países.
Se um país como o Brasil acede a esses foros restritos é porque ele PE importante o suficiente para fazê-lo e que sua participação se traduzirá em benefícios para o seu povo. Assim, recusar essa participação apenas em nome de um pertencimento ao chamado Sul, ou em nome de uma ilusória liderança desse grupo, seria não apenas uma estupidez, mas um crime contra o seu próprio povo.
5- Plus le Brésil s'engage dans les affaires internationales comme au Moyen-Orient, plus ne se trouve-t-il pas confronter à devoir faire des choix diplomatiques dans ses prises de position?
PRA: Certamente: todo e qualquer país que se engaja em novos terrenos de ação diplomática tem de ter consciência de suas possibilidades e limites, e assumir novas responsabilidades em função de sua capacidade de influenciar ou contribuir para a solução de algum problema determinado. No caso do Oriente Médio essas escolhas são certamente difíceis, pois os problemas são complexos e as soluções têm de passar, por vezes, por construções politicamente inovadoras, na medida em que a cristalização de ódios e acrimônias é ali muito visível.
Existem injustiças visíveis, assim como existem ações inaceitáveis, como as do terrorismo, que confronta nossas consciências e valores. O Brasil tem de saber se posicionar em face dessas questões, preservando sua credibilidade construída numa longa história de defesa de princípios democráticos e valores humanistas.
Paulo Roberto de Almeida, 29.05.2009
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