quinta-feira, 15 de julho de 2010

A fraude ilustrada e a desonestidade intelectual: a mediocridade academica se instala no governo

Não sei o que explica a deterioração sensível (e visível) da qualidade da capacidade analítica na academia, mas sei que a combinação da mediocridade intelectual com a miopia política, acrescidas de má-fé na manipulação de números e conceitos, se instalam de maneira perigosamente rápida no seio mesmo do aparelho de Estado, justamente ali onde a isenção e a imparcialidade analíticas deveriam primar e ser cultivadas como virtudes inerentes ao exercício da atividade de estudo e análise da realidade econômica: um órgão de planejamento e de políticas econômicas aplicadas como o IPEA.

Li, estarrecido, o lixo acadêmico que vai abaixo parcialmente reproduzido, sem querer acreditar que tal mediocridade analítica pudesse realmente ter sido produzida por quem leva a função de "diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA".
Mais surpreendido ainda fiquei ao saber que o personagem em questão é "professor-doutor do Instituto de Economia da UFRJ". Pergunto-me qual a qualidade de certos doutores da academia.
Eis trechos da matéria, com poucos comentários meus:

Re-visões do desenvolvimento
João Sicsú
Carta Maior, 15/07/2010

Os últimos 20 anos marcaram a disputa de dois projetos para o Brasil. Há líderes, aliados e bases sociais que personificam essa disputa. De um lado estão o presidente Lula, o PT, o PC do B, alguns outros partidos políticos, intelectuais e os movimentos sociais. Do outro, estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o PSDB, o DEM, o PPS, o PV, organismos multilaterais (o Banco Mundial e o FMI), divulgadores midiáticos de opiniões conservadoras e quase toda a mídia dirigida por megacorporações.

PRA: Um economista pretende servir ao governo mantendo a ilusão de que o mundo, o Brasil, o cenário político se dividem em bonzinhos e malvados, em gregos e goianos, em brancos e pretos, entre os que carregam todas as virtudes e os que são responsáveis por todos os vícios da economia e da política brasileira. Apenas este começo já serviria para desqualificar um artigo pretensamente sobre o "desenvolvimento" como lixo político.

O primeiro mandato [de Lula] estava contaminado por “heranças” do período FHC. Eram “heranças” objetivas, tal como a aguda vulnerabilidade externa, e “heranças” subjetivas, ou seja, ideias conservadoras permaneceram em alguns postos-chave do governo. O presidente Lula fez mudanças importantes no seu segundo mandato: trocou o comando de alguns ministérios e de instituições públicas. E, também, implementou programas e políticas claramente opostos à concepção do seu antecessor. Um exemplo foi o lançamento, no início de 2007, do Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC), muito criticado pelos oposicionistas, mas que foi a marca da virada para um projeto de governo com contornos mais desenvolvimentistas.

PRA: A má-fé e a mentira desse articulista a soldo são inacreditáveis. A prepotência, a arrogância e o autoritarismo no plano das ideias sao evidentes, pois o objetivo era acabar com "ideias conservadoras" em postos-chaves do governo (entre os quais o seu próprio, talvez).

"O projeto implementado pelo PSDB e seus aliados no período 1995-2002 tinha as seguintes bases econômicas:
(1) estabilidade econômica, que era sinônimo, exclusivamente, de estabilidade monetária, ou seja, o controle da inflação era o único objetivo macroeconômico; (2) abertura financeira ao exterior e culto às variações da taxa de câmbio como a maior qualidade de um regime cambial; (3) busca do equilíbrio fiscal como valor moral ou como panaceia, o que justificava corte de gastos em áreas absolutamente essenciais; e (4) privatização de empresas públicas sem qualquer olhar estratégico de desenvolvimento.
E os objetivos econômico-sociais eram: (1) desmantelamento do sistema público de seguridade social; (2) criação de programas assistenciais fragmentados e superfocalizados; e (3) desmoralização e desmobilização do serviço público
."

PRA: Como era perverso e vendido o governo FHC! Como ele pretendia desmantelar o Estado e entregar nossas riquezas ao estrangeiro! Como ele era estúpido na busca da estabilidade econômica! Como ele podia ser tão ruim?
A fraude acadêmica atinge aqui um dos pontos mais baixos a que já assisti em artigos publicados. Poucas vezes se consegue deparar com ajuntamento de palavras tão estúpidas como nesse trecho.

"A dívida líquida do setor público, como proporção do PIB, cresceu de uma média, por ano, no primeiro mandato do presidente FHC de 32,3% para 50,7% no seu segundo governo. A média esperada dessa relação no segundo mandato do presidente Lula é de 42,7%."

PRA: A fraude persiste: o autor desonesto dessas linhas não menciona que o governo FHC teve de lidar com duas dezenas de bancos estaduais falidos pela má-gestão de governos irresponsáveis, e teve de absorver bilhões de reais em buracos financeiros de estados e municípios, procedendo a uma gigantesca negociação das dívidas públicas, federalizadas a um custo enorme para o país. Sem falar de todos os esqueletos deixados no armário pelas gestões precedentes. A desonestidade do autor é inqualificável para um acadêmico.

Fico por aqui, pois apenas esses trechos dão uma ideia do lixo moral com que estamos lidando.
Eu me pergunto até onde o Brasil caminhará no sentido da desqualificação intelectual de gestores públicos, até onde a mediocrização acadêmica alcançará o debate público. Até quando a mentira, a fraude deliberada, a degradação moral na manipulação de números e dados vão continuar.
A degringolada intelectual (se este adjetivo se aplica) e a desonestidade acadêmica são realmente inacreditáveis no Brasil atual.

6 comentários:

  1. Paulo,

    Não tive tempo de terminar de ler o post, mas noto uma coisa: em entrevista ao Estadão, penso, FHC afirma que as privatizações não eram um fim, um objetivo político, mas um imperativo pragmático. No entanto, há quem defenda o "patrimônio público" como um valor alheio a considerações racionais...

    Abraços!

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  2. Fico me perguntando o que ele quiz dizer com "desmantelamento do sistema público de seguridade social". Independentemente do mérito dos benefícios dos programas socias do governo Lula, certamente não foi durante seu governo que teve início sua concepção.

    Será que eu posso chmá-lo de "doutor"?

    Acho que Honoris Causa
    Ícaro

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  3. Caro Icaro,
    Essa frase, uma entre muitas, é apenas uma amostra da profunda, abjeta, desonestidade acadêmica, da fraude consumada, da mentira deslavada desse individuo que sequer merece ser chamado de acadêmico.
    O governo FHC tentou, diversas vezes, reformar o regime e os modos de funcionamento dos sistemas securitários no Brasil, sempre recebendo a oposição terrível do PT e outros elementos de esquerda e demagogos em geral.
    O governo Lula, assim que assumiu, tratou de aplicar uma das reformas -- das mais controversas, desconto previdenciario sobre os aposentados tambem, como se isso nao fosse uma contradicao nos termos -- preconizadas por FHC. COnseguiu aprovar algumas coisas, mas reverteu no "redutor previdenciario", o que é simplesmente uma vergonha.
    Esse Sicsu é um desqualificado, pois o regime público, se não for reformado, ai sim que será desmantelado, com a conivencia desse pessoal estúpido como ele.
    Nao precisa me chamar de doutor.
    Nao precisa ser doutor, para constatar realidades como essa, das politicas de governos, e de fraudadores deliberados como esse mediocre academico.
    Paulo R. Almeida

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Caro PRA,

    Estou igualmente estarrecido com tal artigo. É simplesmente inacreditável que um doutor tenha chegado a nível tão baixo - e falo de qualidades técnicas e morais!! Amostra cabal da partidarização dos órgãos públicos. Espero, pelo menos, ainda poder acreditar no Márcio Pochmann, que sempre me parece ser uma pessoa sensata qdo fala pelo IPEA.

    Sds,

    Emerson Camilo

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  6. Emerson,
    Acho que você não está bem informado sobre o presidente do IPEA. Justamente, sendo de um grupelho radical -- com afinidades maoistas e trotstquistas, se isso é possivel ao mesmo tempo -- é ele quem comanda o trabalho atual de politização do Ipea. Ja patrocinou alguns estudos e levantamentos setoriais que ficaram na história do Ipea, como manifestações de teses políticas, com escasso embasamento técnico (como um trabalho sobre a produtividade no setor público).

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