A Russia já foi um enorme exportador de grãos, mais de um século atrás, fornecendo, junto com os Estados Unidos (então em fase de se converter também na maior potência industrial do planeta), o essencial dos grãos alimentícios e forrageiros de que a Europa e outras regiões do mundo necessitavam para o seu pão diário e para a ração de seus animais de criação. As enormes planícies da Ucrânia e da Bielorussia, como da própria Russia, eram uma espécie de celeiro do mundo, como se dizia antigamente (posição que o Brasil pode vir a ocupar, se já não ocupa, atualmente).
Bem, depois "aconteceu" o socialismo, que, como todos sabem, diminuiu tremendamente a capacidade da União Soviética de não só abastecer o mundo -- o que ele deixou de fazer já na primeira guerra mundial e logo em seguida à revolução de 1917, com a guerra civil subsequente e a construção do "socialismo num só país" -- como também de alimentar o seu próprio povo. Entre fomes acontecidas e fomes fabricadas, o socialismo matou muita gente, e simplesmente retirou a URSS da economia mundial durante sete décadas (eu disse sete décadas, o que é o equivalente a três gerações), salvo por uma ou outra commodity valorizada (petróleo, gás, alguns minérios e metais não ferrosos, como ouro, que a URSS contrabandeava via empresas de fachada e países off-shore para reabastecer de divisas suas caixas esquálidas).
Curiosamente estou lendo agora mesmo mais um desses livros de história virtual, What If?, que tem um capítulo explorando a possibilidade de que Lênin não tivesse chegado à Estação Finlândia -- numa operação patrocinada pela então inimiga da Rússia, a Alemanha, para espalhar o caos em sua contendora na frente oriental -- ou que de alguma forma ele não teria sido capaz de liderar o putsch (sim, foi um putsch, não uma revolução) de Outubro (ou novembro, segundo o calendário gregoriano) de 1917, e que a Rússia, portanto, tivesse continuado em sua trajetória de desenvolvimento capitalista e tendencialmente democrático. Bem, isso são histórias que depois eu conto. Voltemos ao nosso grão.
Como se depreende da matéria abaixo, o primeiro-ministro russo Vladimir Putin pensa banir as exportações de grãos, à raiz da seca e das queimadas que se abateram sobre o país neste verão europeu. Com o perdão da palavra, que pode ofender os mais sensíveis, trata-se da medida mais estúpida que se possa tomar do ponto de vista econômico. Supostamente feita para evitar mais inflação e desabastecimento, ela vai distorcer os mercados, diminuir a oferta de grãos na próxima safra, enviar o sinal errado aos mercados mundiais de grãos e gerar mais confusão e efeitos negativos do que o pretendido como "solução" para o problema.
A mesma medida tinha sido adotada, como se sabe, nos recentes problemas de inflação e desabastecimento nos mercados argentinos de grãos e de carnes -- já afetados por controles de preços, impostos às exportações e outras medidas restritivas -- que converteram a Argentina numa IMPORTADORA DE CARNE (para honrar contratos, o que é extremamente grave).
Não se pode impedir -- talvez se devesse tentar -- políticos de adotarem medidas estúpidas como essa, mas pelo menos ninguém me impede de expressar minha opinião de leigo. Nem o Brasil está isento desses ataques de estupidez de políticos. Dois anos atrás, no auge do pico dos preços dos minérios nos mercados internacionais, o então ministro das Minas e Energia, um pau mandado de outro político amigo do poder, também cogitou de introduzir um imposto à exportação, supostamente para evitar inflação e desabastecimento do mercado interno (sempre as razões invocadas por esses cérebros diminutos).
Pergunto-me o que a cidadania e os agentes econômicos podem fazer contra medidas estúpidas adotadas por responsáveis políticos nesse tipo de situação? Talvez nada no plano nacional ou internacional, em nome da soberania nacional, mas talvez economistas sensatos pudessem estabelecer um "Alto Tribunal das Estupidezes Econômicas", uma espécie de comitê virtual encarregado de analisar as medidas econômicas desse calado e caracterizá-las pelo que efetivamente são: estupidezes econômicas...
Paulo Roberto de Almeida
Russia grain export ban sparks price fears
By Catherine Belton in Moscow and Jack Farchy and Javier Blas in London
Financial Times, August 5 2010
The prices of everyday staples such as bread, flour and beer are set to rise sharply after Russia imposed a ban on grain exports, triggering panic in commodities markets and sending wheat prices to their highest since the 2007-08 global food crisisfood crisis.
Vladimir Putin, Russian prime minister, announced the ban on all the country’s grain exports, effective within 10 days, after a severe drought devastated crops and wildfires spread across the country.
The move, which caught traders and food producers by surprise, pushed the price of wheat to its highest in two years and evoked memories of the last time the then Soviet Union suffered a catastrophic crop failure in 1972. And Moscow introduced export restrictions during the 2007-08 global food crisis, triggering a wave of panic buying from North Africa and Middle East importers.
“There is full blown panic in the European grain market,” a senior trader said.
European wheat prices rose more than 12 per cent to hit a peak of €236 a tonne on record trading volumes. US wheat futures also jumped and are up more than 80 per cent since mid-June, the fastest rally in nearly 40 years. There were fears that food price inflation could take off and that the world could even suffer a repeat of the 2008 food crisis should the big shortfall in wheat output persist. “Soaring grain prices have brought food inflation back to centre stage,” said Joachim Fels of Morgan Stanley in London.
Prices of other crops including barley, corn and rapeseed, also jumped sharply.
Shares in some of the world’s largest food companies tumbled on fears they would struggle to pass on all the increased costs of buying wheat to millions of households already suffering the effects of the financial crisis. However, several companies have already said they plan immediate price hikes on goods, such as bread and biscuits.
Unilever, the British consumer goods group, dropped 5.2 per cent, while General Mills, one of the world’s largest food companies, was 2.5 per cent lower. Nestlé fell 2.1 per cent.
“I think it would be expedient to introduce a temporary ban on export grains and other agricultural goods,” Mr Putin told a cabinet meeting. “We cannot allow an increase in domestic prices and we need to maintain the number of cattle.”
The ban would take effect from August 15 and last until December 31, a spokesman for Mr Putin said.
The worst drought in more than a century in the Black Sea region has led to widespread alarm. Forecasts for the Russian grain crop have been falling daily, with the agriculture ministry’s most recent projection at 70m-75m tonnes, down from 85m tonnes a fortnight ago. Last year, the harvest was 100m tonnes.
Traders at Glencore, the world’s largest commodity trading company, on Tuesday warned the crop could fall to about 65m tonnes.
Cargill, the world’s biggest trader of agricultural commodities, criticised Moscow’s move. “Such trade barriers further distort wheat markets by making it harder for supplies to move from areas of surplus to areas of deficit, and by preventing price signals from reaching wheat farmers,” it said.
Arkady Zlochevsky, president of the Grain Union lobby group, said that the swift imposition of the ban risked undermining Russia’s reputation as a reliable supplier.
The UN on Wednesday attempted to quell growing panic in the markets, saying that fears of a repetition of the 2007-08 food crisis were unjustified.
But it also cut its forecast for global wheat production by 25m tonnes to 651m tonnes, the biggest revision in 20 years, and warned that a continuation of the current weather conditions could affect planting of the next Russian crop, with “potentially serious implications” for global wheat supplies in the 2011-12 season.
Arkady Zlochevsky, president of the Grain Union lobby group, said the government needed to warn exporters ahead of such a decision and give them time to meet existing contracts, according to Interfax. “What are we to do with the grain that has already reached port?” he asked. “We have no mechanisms for returning it.”
The Russian lobbyist also said the Egyptian tenders that Russian traders had fought hard to win could now be under threat. “Russia’s reputation as a reliable supplier of grain could be under threat from such a sharp decision.”
Mr Zlochevsky said it would make more sense to impose a ban later, by September 1 for example, so as to give exporters time to unload contracted supplies.
Mr Putin said the government would disburse Rbs35bn ($1.17bn) in subsidies to agricultural producers. He also added that Russia would use its grain stores for distribution without auction to regions in need.
Copyright The Financial Times Limited 2010.
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