Os "economistas" do governo atual, aliás o próprio ministro da Fazenda, e o candidato ao governo paulista pelo partido que "combatia o populismo cambial" do governo "neoliberal" anterior, parece terem se esquecido de suas acusações sem pé nem cabeça. E, no entanto, é o que eles mais estão praticando, desde que chegaram ao poder, acumulando ainda reservas em excesso, a um custo anual superior a 20 bilhões de dólares.
Parece que eles não têm a solução para o problema, a não ser comprar mais dólares, o que estimula os "especuladores" e trazer mais dólares ainda ao Brasil.
Quanto isso vai durar? Enquanto o governo tiver condições de comprar dólares e jogar a conta nas nossas costas pelo futuro imprevisível...
Paulo Roberto de Almeida
Enxurrada de dólares
Editorial Folha de S.Paulo, 22.09.2010
Apesar das incertezas que ainda pairam sobre a economia mundial, cresce com rapidez o fluxo de capitais para os países em desenvolvimento. O Brasil é um destinatário privilegiado: nos últimos 12 meses, os investimentos estrangeiros em renda fixa e Bolsa superam US$ 65 bilhões, um recorde em anos recentes. Por causa dessa enxurrada de dólares, o país experimenta um processo de forte valorização do real -uma ameaça ao equilíbrio das contas externas.
As causas são globais. A mais importante é a consolidação de uma disparidade de crescimento econômico entre países ricos e o mundo em desenvolvimento. São hoje os emergentes, Brasil entre eles, os responsáveis pelo dinamismo e pelas oportunidades de investimento mais atrativas.
EUA e Europa -onde se concentra grande parte da riqueza financeira do mundo- amargam uma recuperação complicada, lenta, insuficiente para reduzir o desemprego. Não há dúvida de que a taxa real de juro dessas economias permanecerá próxima de zero por muito tempo, o que incentiva os investidores a buscar opções fora de seus países.
É natural, portanto, que se observe uma persistente realocação de capitais em favor dos países em crescimento. Estima-se, por exemplo, que menos de 5% da carteira dos grandes investidores institucionais europeus e americanos se encontre alocada em títulos de nações emergentes, parcela que poderá subir para cerca de 20% nos próximos anos.
É um movimento que agravará as dificuldades de gestão para os países receptores.
Como está em curso um processo de desvalorização do dólar e do euro, em razão da crise, a pressão pela valorização cambial afetará quase todas as outras economias -como tem ocorrido. Nesse quadro, ações isoladas em plano nacional podem amenizar, mas não eliminarão o problema.
A maior parte dos países em desenvolvimento tenta administrar a valorização de suas moedas por meio de compras de dólares nos mercados de câmbio. Valem-se para isso das vultosas reservas internacionais que acumularam nos últimos anos.
Mas há diferenças que precisam ser ressaltadas. Algumas economias -em especial as asiáticas- estão mais aparelhadas para acumular dólares, pois contam com ampla poupança interna e juros baixos. Não é o caso do Brasil, onde o custo de aumentar o volume de reservas pode se tornar proibitivo. Sustentar US$ 250 bilhões com uma diferença de juros nominais de 8% em relação aos ricos (10,75% contra 2,5% nos EUA) já onera o Tesouro em US$ 20 bilhões ao ano. Logo, os recursos para adquirir dólares não são "ilimitados", e a autorização para o Fundo Soberano comprá-los, como já se anunciou, não deverá alterar muito essa realidade.
Por outro lado, a opção de lavar as mãos e não intervir é insustentável, pois tornaria ainda maior o dano para a competitividade do setor produtivo. Cabe ao governo agir para minimizar as disparidades e o custo das intervenções -por exemplo, desonerando as exportações e o investimento.
É preciso que se criem logo condições fiscais para aproximar a taxa de juros interna dos padrões internacionais, levando-a para cerca de 2% ao ano, em termos reais, ou seja, descontada a inflação.
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