Recebi, a propósito de um dos meus posts sobre a república mafiosa, um comentário de um leitor, visivelmente partidário de tal república, e sem qualquer vergonha de sê-lo, e provavelmente também gozando de plena satisfação pelo fato de perceber que essa república -- a dele, não a minha -- se encontra em ascensão (o que reconheço plenamente, do contrário jamais teria começado uma série de posts sobre essa entidade obscura e nefasta para o futuro, e o presente, do Brasil).
Como sociólogo político, como observador dos fatos corriqueiros nesse Brasil semi-clandestino que também existe, eu não me perturbo com esse tipo de atitude congratulatória em relação a essa entidade mafiosa em formação, embora, como cidadão, eu possa ficar preocupado com itinerários e desenvolvimentos que encontro nitidamente regressivos, deletérios e nocivos para o saudável ambiente democrático, e limpo de qualquer corrupção, em que gostaria de viver.
Já vi outras, em sociedades decadentes que por acaso conheci, na América Latina, em outros continentes periféricos, na própria Europa, ou tenho o registro histórico de casos bem conhecidos pela leitura dos livros: outras sociedades decairam pela ação de elites incompetentes, ou mesmo criminosas, foram absorvidas na voragem da corrupção pela ação de gangues organizadas, frações rentistas, algumas chegando mesmo a conformar Estados ou sociedades falidas, como bem sabemos. Aqui mesmo na região, existem países terrivelmente fragilizados pela ação do narco-tráfico, o que felizmente não é o caso do Brasil, embora tenhamos, também "territórios liberados" em plena cidade do Rio de Janeiro e em certas periferias metropolitanas.
Mesmo nos casos em que não se desceu fundo no caminho da criminalidade, assisti a casos exemplares de "decadência política", como nos socialismos reais da Europa oriental, onde a mediocridade da nomenklatura era de regra, e os mais oportunistas ascendiam na máquina estatal, obtendo privilégios e favores abusivos em troca de sua absoluta servidão ao Grande Irmão do partido comunista no poder. O que mais me chocava nessas sociedades não era exatamente a penúria material, que também existia -- e que é típica de todo regime socialista ou extremamente dominado pelo Estado, para onde querem direcionar o Brasil --, mas mais precisamente a miséria moral, o ambiente de delação patrocinado pela mediocridade mental dos quadros da nomenklatura, que já foi chamada, por outros, de "burguesia do capital alheio". Isso pode acontecer, e talvez já esteja acontecendo no Brasil.
Pois bem, essa longa introdução para explicar porque estou retirando o comentário recebido do partidário da república mafiosa da obscuridade em que ele permaneceria normalmente, apenas para também agregar minhas observações pertinentes.
Registro, en passant, que jamais faria publicidade de grupos, movimentos, partidos ou candidatos, sobretudo com gente pertencente a tal república, se esse comentário não me oferecesse, justamente, a oportunidade para dizer claramente o que penso.
Reza, portanto, a mensagem de nosso entusiasta apoiador da república mafiosa, cujo nome não preciso mencionar:
Dilma será eleita no primeiro turno.
Em 2014 Lula volta a concorrer, e elege-se também no primeiro turno.
Em 2018 o mesmo ocorrerá.
O povo, ao contrário do que certos pensam, não é burro e sabe o que é melhor para sua vida.
A única maneira de tirar-nos do poder é um golpe, algo improvável, pois as armadas estão do nosso lado.
Comento eu, agora [PRA]:
Certamente, o povo não é burro, e sempre atua com base em seu interesse, que é, via de regra, o mais imediato possível, tendo em vista tantas carências detectadas.
Curioso que, numa fase anterior, as mesmas pessoas tendiam a considerar que o povo era ignorante, votando com os coronelões corruptos da oligarquia tradicional em parte por falta de educação política -- por falta de "consciência de classe", diriam alguns -- e também por interesses imediatos: aquela coisa do empreguinho público, o par de sapatos, um dinheiro aqui, outra promessa acolá.
Esse era o povo incapaz de reconhecer seus verdadeiros interesses e de apoiar os "salvadores" do povo, que finalmente chegaram ao poder e passaram a fazer o mesmo tipo de coisa que os antigos coronelões, que diga-se de passagem estão todos acomodados na nova situação, pois sempre foram, e sempre serão, governistas, qualquer que seja a cor do governo.
Pessoas assim, que mantém uma concepção leninista da política -- apesar de terem chegado ao poder pelo voto livre e democrático -- acreditam que só sairão do poder apeados por um golpe, o que é uma visão profundamente autoritária da vida política no país.
Mas aí vem a arrogância. O partidário da república mafiosa acredita ser esse golpe "improvável, pois as armadas [sic] estão do nosso lado." Ele acredita que as FFAA já foram conquistadas para a república mafiosa, quando o mais provável é que elas se atenham às disposições constitucionais, e se abstenham de intervir na política enquanto corpo organizado.
No meu caso, não penso que o povo seja burro, mas quando se examina o grau de educação formal da maioria do eleitorado brasileiro, pode-se facilmente concluir que ele pode ser induzido a pensar de certa forma, e não de outra, que surgiria de uma maior educação formal, da instrução política. Isso pode ocorrer pela manipulação de dados, o que todos os governantes podem fazer -- foi o que ocorreu no caso dos fascismos europeus, por exemplo -- ou pela percepção de benefícios imediatos, sem consciência, portanto, de quanto eles estão pagando ao mesmo Estado supostamente benefactor -- no caso dos pobres praticamente 50% da sua renda -- e de como o futuro dos seus filhos pode estar sendo comprometido por uma política, justamente, de resultados imediatos e de transferência dos custos para o futuro. Não tenho nenhuma dúvida de que isso esteja ocorrendo, e que haverá um preço a pagar mais adiante em nossas vidas (ou na de nossos filhos e netos).
Qualquer que seja o itinerário da "prosperidade" popular, e qualquer que seja a trajetória política dos personagens identificados com essa política, é evidente, para quem quiser ver, que a qualidade das instituições públicas brasileiras vem sofrendo violenta erosão. Basta olhar o Congresso, e os personagens que se candidatam a ele, para perceber isso.
Não me iludo, obviamente, com que os partidários da situação presente concordem com minha análise, mas numa situação democrática, como ainda é a do Brasil -- mas não mais, ou não é, a de muitos países apoiados pelos partidários da república mafiosa -- eu posso fazer este tipo de comentário, que nada mais corresponde senão à livre expressão de meu espírito cidadão.
Enquanto durar...
Paulo Roberto de Almeida
(10.09.2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.