quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Manifesto" dos reitores - uma simples reacao individual (Paulo R Almeida)

Segue abaixo minha carta ao Jornal da Ciência (SBPC), a propósito do chamado "manifesto dos reitores em favor da edução", na verdade um péssimo panfleto político-partidário, de caráter sectário e divisionista. Esclareço que o Jornal da Ciência, "comprado", ao que parece, pelo poder atual, se eximiu de publicar minha carta, motivo pelo qual eu a divulgo aqui.

Sobre o item:
"Reitores de Ifes divulgam manifesto em favor das ações em educação"
acredito que tanto o título quanto o conteúdo desse manifesto estejam essencialmente equivocados, talvez deliberadamente equivocados.

Não se trata de um manifesto em favor de ações, quaisquer que sejam elas, relativas à educação brasileira, mas de uma tomada de posição claramente partidária em favor de uma das candidaturas à cadeira presidencial.
Dispenso-me de comentar o conteúdo, os termos e os posicionamentos desse "manifesto", diretamente vinculados a uma dessas candidaturas, que revelam, todos eles, a adoção de uma postura maniqueista, divisionista e, no limite, sectária, de autoridades universitárias que deveriam manter-se independentes, embora não alheias, às escolhas político-eleitorais a que toda a comunidade acadêmica e o povo brasileiros são chamados a fazer neste mês de outubro.
Os reitores sabem muito bem que os universitários, em geral, e os professores em particular, possuem discernimento suficiente para fazer suas próprias opções eleitorais, com base num julgamento autônomo das posturas e propostas eleitorais de cada candidato, e não precisam ser induzidos, em nome de suas instituições, a tomar esta ou aquela atitude. Que esses reitores -- e não todos -- o tenham feito é revelador do ambiente de divisionismo político, e de arregimentação partidária, que tende a fraturar instituições que deveriam estar abertas a todas as propostas políticas de modo tolerante e democrático.
Mais ainda: como autoridades de instituições públicas, estatais em sua maior parte, os reitores deveriam dar o exemplo e se manterem neutros, ou apartidários, nesta conjuntura eleitoral. O fato de que tenham feito uma opção deliberada -- o que é o seu pleno direito no plano cidadão e individual, mas não como reitores -- por uma dessas candidaturas, de modo tão servil quanto ridiculamente publicitário, em favor da candidata oficial do governo Lula, é não apenas lamentável no plano da ética pública, como deplorável no plano da simples relação republicana -- para usar um termo da moda -- que deveria comandar pelo menos isenção quanto às escolhas que a comunidade acadêmica deverá novamente fazer em 31 de outubro.
Trata-se de mais um péssimo exemplo de mobilização de instituições públicas em favor de uma postura político-partidária. Meus cumprimentos aos reitores que não aderiram a esse panfleto eleitoral e meus pêsames, acadêmicos, aos que servilmente o fizeram.
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Paulo Roberto Almeida (7 de outubro de 2010)
www.pralmeida.org


On Oct 7, 2010, at 6:29 AM, Jornal da Ciência wrote:

Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4111 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Você vai ler nesta edição:

5. Reitores de Ifes divulgam manifesto em favor das ações em educação

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5. Reitores de Ifes divulgam manifesto em favor das ações em educação

Intitulado "Educação - O Brasil no rumo certo", manifesto ressalta que educação seja prioridade central dos governos estaduais e municipais
O texto reconhece os principais feitos do governo na área de educação, como a criação de consolidação de 14 novas universidades federais; a instituição da Universidade Aberta do Brasil; a construção de mais de 100 campi universitários pelo interior do país; e a criação e ampliação, sem precedentes históricos, de escolas técnicas e institutos federais.

Os reitores destacam ainda os programas Prouni, que possibilitou acesso ao ensino superior a mais de 700 mil jovens, e Reuni, que recuperou as universidades e propiciou a criação de novos cursos.

"Essas políticas devem continuar para consolidar os programas atuais e, inclusive, serem ampliadas no plano federal, exigindo-se que os estados e municípios também cumpram com as suas responsabilidades sociais e constitucionais, colocando a educação como uma prioridade central de seus governos", destaca o documento.

Os reitores completam: "Devemos continuar lutando e exigindo dos próximos governantes a continuidade das políticas e investimentos na educação em todos os níveis, assim como na ciência, na tecnologia e na inovação, de que o Brasil tanto precisa para se inserir, de uma forma ainda mais decisiva, neste mundo contemporâneo em constantes transformações."

A íntegra do manifesto está disponível no seguinte link:
http://www.andifes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4221:grupo-de-reitores-de-universidades-federais-fazem-manifesto&catid=58&Itemid=100012

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JC e-mail
Edição diária enviada por e-mail a todos os interessados, com clippings de notícias de C&T, informações da SBPC, artigos, eventos e outros assuntos.

Expediente:
Editora executiva: Daniela Oliveira
Redatores: Vinicius Neder e Marcelo Medeiros

8 comentários:

  1. Mesmo sendo Engenheiro, com Mestrado e Doutorado pela UFSC/SC,
    a 9 anos atrás, quanto terminei meu doutorado, não tinha nenhuma perspectiva de futuro.

    Repito, nenhuma perspectiva de futuro!

    Ser engenheiro com doutorado era uma grande furada!

    Hoje sou professor concursado, minha esposa é formada, e minhas duas filhas estão na universidade (uma, com muito orgulho, faz engenharia).

    Hoje, nós, os engenheiros, temos futuro, e a engenharia nacional esta super valorizada;
    voltamos a ter orgulho de ser engenheiros!
    Voltamos a ter orgulho de ser professores de engenharia!

    A procura pelos cursos técnicos não para de crescer!

    Como dou aulas em curso de engenharia, cabe esclarecer ainda que:

    A 9 anos atrás as universidades estavam sucateadas,
    FHC e os Borhausen (Paulo Borhausen do DEM/SC) lutavam pela privatização
    das universidades, não existiam concursos públicos, e as verbas para as universidades
    eram muito baixas.

    Os professores das universidades federais iam se aposentando
    e não havia reposição dos que iam embora,
    ou seja, o quadro de professores só reduzia!

    É preciso que os jovens saibam que FHC/Serra e o DEM só não privatizaram
    as universidades porque lutamos muito contra isso (professores e
    alunos). Se tivéssemos deixado, todos vocês, jovens, só teriam opções de faculdades privadas!

    As universidades privadas de baixa qualidade se proliferavam com
    FHC/Serra e Paulo Renato (ministro da educação de FHC e secretário da educação de Serra).
    (Foram e são raras as exceções).

    Vários colégios de Florianópolis (como o colégio Bardal e o colégio
    Catarinense) foram transformados em "faculdades"!

    Temos visto e ouvido nos jornais e nas reportagens que em muitos destes cursos de "excelente qualidade", os que pagam – passam. Como dizia Darcy Ribeiro, universidades onde os professores fingem ensinar e os alunos fingem aprender.

    Faculdades que contratam um professor engenheiro com mestrado/doutorado pouco tempo antes das avaliações do MEC e da CAPES e depois os dispensam!

    Todos os meses vemos reportagens de alunos que se formaram nestas
    faculdades e que tem dificuldades de entrar no mercado de trabalho.
    (exemplo clássico são os dos alunos de direito que não passam na prova da OAB).

    Ou seja, mesmo sem ter infra-estrutura e professores adequados,
    FHC/Serra e Paulo Renato apoiaram esta proliferação da educação de baixa qualidade.

    Esta era e é a política educacional do FHC/Serra e Paulo Renato.

    São favoráveis a destruição das universidades públicas.

    Enfim, as universidades estavam sendo destruídas por FHC/Serra e sua
    política privatizante que perdura até hoje nos princípios e na alma
    do PSDB e do DEM.

    Se voltarem vão sim querer privatizar as universidades, porque isto esta na alma deles!
    Eles acreditam nas privatizações!
    É um princípio que norteia a vida dos neoliberais!

    André Bueno
    Professor da UENF.

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  2. Andre,
    Eu não tenho nenhum problema em postar seu comentário aqui, pois ele é revelador de que pensam os professores universitários brasileiros, em geral, das humanidades em particular, mas isso se estende um pouco em todas as áreas.
    O corporatismo é exemplar.
    Políticas públicas são medidas pelo compasso da sua própria corporação.
    Quanto à afirmação de que os tucanos pretendem privatizar as universidades, eu só posso atribuir a duas coisas;
    1) suprema ignorância, ou ingenuidade extrema
    2) má-fé, pois se trata de uma mentira deliberada.
    Que um professor universitário seja capaz de dizer isso, pode revelar duas coisas:
    1) problema sério de percepção de como realmente se apresentam as políticas de cada partido;
    2) partidarismo extremo, que tomba no fundamentalismo de deformar as posições de um partido alternativo.
    Que qualquer das duas posições seja exibida por um professor universitário é muito grave e apenas revela quão baixo descemos na escala da mediocrização universitária.
    Paulo Roberto de Almeida

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  3. Sabe o que é interessante?
    Quando são as pessoas com menos escolaridade e muito menos ainda poder aquisitivo que dizem que vão votar em Dilma, ou que são a favor do Lula, o voto deles é desqualificado pelos intelectuais de direita, pois afinal só estão a favor do Lula por causa das "esmolas" do Bolsa-família.
    E quando são os reitores de universidades federais, o voto deles é desqualificado porque "se trata de uma tomada de posição claramente partidária em favor de uma das candidaturas à cadeira presidencial". Ou seja: os dados utilizados no manifesto, como a criação de 14 novas universidades federais, 100 novos campi universitários no interior do País não interessam?
    É extremamente interessante que quando o eleitor declara seu voto em Lula, nenhum argumento é válido. Se é o "povão" é porque são ignorantes, e se é a "nata pensante" do país, são servis.
    Gostaria de saber então qual argumento é válido para declarar o voto neste ou naquele candidato.

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  4. Thatiana,
    Reitores são como dirigentes sindicais: presidem uma entidade que congrega pessoas de diferentes posições e se beneficiam de dinheiro público.
    São, e deveriam ser, apartidários, completamente neutros na expressão de suas preferências e escolhas, tanto porque passam de um governo a outro e são considerados representar a gregos e goianos, ou seja, pessoas de posições diferentes, todas legítimas, e portanto não PODERIAM tomar posição.
    Isso deveria ser estatutário, e no que se refere aos dirigentes sindicais isso já é verdade, ou seja, como recebem dinheiro público NÃO PODEM tomar posições partidárias, isso é ILEGAL. E no entanto muitos o fazem, o que combina com esse governo que comete ilegalidades a todo instante.
    Quanto à conversa das 14 novas universidades federais, bem lamento que você seja mais uma que caia no conto da propaganda do governo.
    Qualquer acadêmico deve ser crítico e cético dessas propagandas políticas e contestar o fundamento de qualquer afirmação política.
    Isso se aplica a QUALQUER governo.
    Ser independente, ter espírito crítico é uma boa coisa, acredite.
    Paulo R. Almeida

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  5. Dr. Paulo Roberto de Almeida,
    Gostei muito do seu comentário sobre esse manifesto. Sou estudante universitária da UFF e não concordo com a atitude de alguns professores e destes reitores em divulgar esse manifesto por email para os alunos. Me senti constrangida por receber, de pessoas que deveriam estar neutras, uma mensagem me incentivando a votar em uma candidata que não acredito. Em 1º lugar, vejo o professor como uma figura de autoridade e acho que essa atitude pode influenciar diversos jovens que não estão totalmente a par de todos os fatos. Em 2º, acho que todos devem ter a sua preferência política e acho saudável que se discuta a respeito, mas acho que não se deve usar da sua posição pública ou privilegiada para tal. Se a universidade é para todos como apregoa o PT, eu que não sou petista, não entrei por cota, nem por reuni, prouni e sei lá mais o que, me senti excluída e com receio de ter exposto a minha opinião para estes professores. Será que não vou sofrer retaliações no futuro?
    Acho que o ensino de base deve ser revisto e melhorado para que todos tenham condições de entrar numa universidade federal e não que os portões das universidades sejam escancarados e a qualidade do ensino caia consideravelmente.
    Me alonguei demais, mas só resolvi comentar aqui o seu post, porque fiquei feliz de ver uma resposta de alguém bastante fundamentado se posicionando contrário a este manifesto.

    Muito obrigada,

    Isabelle Martins
    Estudante de Letras Português/Italiano da UFF.
    44 anos

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  6. Isabelle Martins,
    Você captou perfeitamente o espírito com o qual foi escrito o meu texto, na verdade a carta de resposta ao manifestos dos reitores. Eles constrangem professores e alunos, o que é lamentável, independentemente de qualquer posição que assumam.
    Se os reitores tivessem feito um manifesto em favor do candidato de oposição, eu o consideraria igualmente ilegal e inconveniente.
    Reitores deveriam ser como a rainha da Inglaterra: neutros em relação ao que se passa no "parlamento". Reitores devem deixar o ambiente acadêmico totalmente livre para a expressão crítica do pensamento. Quando aderem a quem quer que seja eles estão sendo "adesistas", no pior sentido da expressão.
    Se você me permite, vou usar suas palavras num novo post.
    Cordialmente,
    Paulo Roberto de Almeida

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  7. Dr. Paulo Roberto,

    Muito obrigada por publicar o meu comentário e pode usá-lo sim.
    Gostaria de ressaltar que ficaria igualmente indignada se a adesão fosse ao outro candidato, ou a qualquer um, mesmo que fosse a minha preferência política. Acho que individualmente TODOS têm o direito de manifestar a sua posição política e é interessante conversar com pessoas que pensar diferente porque às vezes elas têm uma visão que nos escapa, mas essas conversas devem permanecer no âmbito das lanchonetes das universidades, corredores e de maneira informal, jamais como corrente de pensamento de uma instituição pública destinada a TODOS matriculados que passaram no vestibular. A isenção dos professores e reitores é que traria credibilidade à instituição. A sua analogia com a Rainha da Inglaterra foi perfeita.

    Muito obrigada,
    Isabelle Martins

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  8. Grato mais uma vez Isabelle,
    Sua posição é perfeita, e eu a endosso a 150%.
    Digo que os reitores que assinaram o tal manifesto prestam um desserviço à instituição que presidem fazendo esse tipo de escolha.
    Não sabia que havia mandado esse manifesto por e-mail a todos os professores e aluno, o que reputo um ato "criminoso", pois estão usando de um meio institucional para veicular uma mensagem partidária.
    São, portanto, além de servis ao poder, perfeitos calhordas políticos, pois que usando seu cargo para fins eleitorais.
    É evidente que qualquer professor, ou aluno, pode manifestar suas escolhas políticas, de preferência de modo articulado, colocando argumentos coerentes, empiricamente embasados, que sustentem sua posição. É o mínimo que se espera de acadêmicos.
    Mas é evidente que uma manifestação individual de professores não tem o mesmo peso que uma declaração quase solene de dirigentes de universidades, que usam seu cargo temporário para abusar no plano político-partidário nessa conjuntura eleitoral.
    Uma vergonha, para todos nós.
    Paulo Roberto de Almeida

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